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Narcisismo e suicídio: o problema do ideal na experiência psicótica

Narcissism and suicide: the problem of the ideal in the psychotic experience

Resumos

O narcisismo, conceito dos mais importantes na teoria psicanalítica, mas também de grande complexidade, é utilizado para o estudo do suicídio. Neste trabalho, procura-se precisar as diferenças entre as noções de narcisismo primário e narcisismo secundário, em relação às quais o texto freudiano apresenta sérias dificuldades, abordando-as em articulação às instâncias ideais do psiquismo, Eu ideal e Ideal do eu, que têm relevante papel no conflito que leva o sujeito ao suicídio. Através de uma história clínica, procura-se demonstrar como, nos casos de pacientes psicóticos, o ato suicida representa a restauração narcísica do Eu mediante a busca de uma coincidência sem falhas com o Ideal do eu, o que recoloca o sujeito na posição de Eu ideal, condizente com um tipo de funcionamento psíquico mais primitivo, portanto mais próximo do modelo do narcisismo primário.

narcisismo; suicídio; ideal do eu; psicose


Narcissism, one of the most important concepts of the psychoanalytical theory, but also extremely complex, is used for the study of suicide. At this work it is attempted to precise the differences between primary narcissism and secondary narcissism related to Freud's text which presents serious difficulties articulating them to the ideal instances of the psychism, Ideal ego and Ego ideal which have a relevant role on the conflict that leads the individual to suicide. Through a clinical story, it is demonstrated, in cases of psychotic patients, how the suicide act represents a recovery of self-esteem through a search of one flawless coincidence with the Ideal Ego, which replaces the subject in the position of Ego ideal, harmonizing with a more primitive type of psychotic performance, therefore closer of a primary narcissism model.

narcissism; suicide; ego ideal; psychose


Narcisismo e suicídio: o problema do ideal na experiência psicótica1 1 O presente texto é parte de um capítulo da tese de doutorado defendida junto ao Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, em 1997, sob orientação do Professor Dr. Francisco Martins, intitulada Suicídio, espelho do narcisismo: um estudo teórico-clínico a partir de Freud.

Narcissism and suicide: the problem of the ideal in the psychotic experience

Analuiza Mendes Pinto Nogueira2 2 Endereço: Rua Andrade Furtado, 1195, ap. 601, Papicu. CEP: 60190-070 Fortaleza - CE. E-mail: Mpnogueira@secrel.com.br 2 Endereço: Rua Andrade Furtado, 1195, ap. 601, Papicu. CEP: 60190-070 Fortaleza - CE. E-mail: Mpnogueira@secrel.com.br

Universidade Federal do Ceará

RESUMO

O narcisismo, conceito dos mais importantes na teoria psicanalítica, mas também de grande complexidade, é utilizado para o estudo do suicídio. Neste trabalho, procura-se precisar as diferenças entre as noções de narcisismo primário e narcisismo secundário, em relação às quais o texto freudiano apresenta sérias dificuldades, abordando-as em articulação às instâncias ideais do psiquismo, Eu ideal e Ideal do eu, que têm relevante papel no conflito que leva o sujeito ao suicídio. Através de uma história clínica, procura-se demonstrar como, nos casos de pacientes psicóticos, o ato suicida representa a restauração narcísica do Eu mediante a busca de uma coincidência sem falhas com o Ideal do eu, o que recoloca o sujeito na posição de Eu ideal, condizente com um tipo de funcionamento psíquico mais primitivo, portanto mais próximo do modelo do narcisismo primário.

Palavras-chave: narcisismo; suicídio; ideal do eu; psicose.

ABSTRACT

Narcissism, one of the most important concepts of the psychoanalytical theory, but also extremely complex, is used for the study of suicide. At this work it is attempted to precise the differences between primary narcissism and secondary narcissism related to Freud's text which presents serious difficulties articulating them to the ideal instances of the psychism, Ideal ego and Ego ideal which have a relevant role on the conflict that leads the individual to suicide. Through a clinical story, it is demonstrated, in cases of psychotic patients, how the suicide act represents a recovery of self-esteem through a search of one flawless coincidence with the Ideal Ego, which replaces the subject in the position of Ego ideal, harmonizing with a more primitive type of psychotic performance, therefore closer of a primary narcissism model.

Key words: narcissism; suicide; ego ideal; psychose.

O narcisismo é "o estado geral e primitivo do qual ulteriormente, e sem que isso implique seu desaparecimento, surge o amor aos objetos exteriores" (Freud, 1917/1981, p. 2381). Com efeito, a meta do narcisismo é o amor e todo amor nasce mesmo é de Narciso. Contudo, a evolução do Eu, nos assegura Freud (1914/1981), consiste em um afastamento do narcisismo primário, o qual parece se dar sob os protestos do Eu, já que promove um vigoroso esforço para reganhá-lo. Esse afastamento se faz por meio de um deslocamento da libido para um Ideal do eu e a satisfação narcísica resulta, desde então, da realização desse ideal. Disso decorre que o cumprimento de todo ideal está definitivamente enraizado no narcisismo primário, narcisismo engendrado na identificação primária com a mãe.

O narcisismo da criança, Freud o mostrou muito bem, apoia-se no narcisismo dos pais que a designam como "Sua Majestade o bebê". A representação de si será construída com base nessa criança imaginária que, amada incondicionalmente pelo objeto parental, esforçar-se-á por ser segundo suas esperanças, respondendo aos seus desejos insatisfeitos nela projetados como um ideal de perfeição. A imagem de si, formada sobre este modelo de onipotência infantil, corresponde ao Eu ideal, aquele que deverá dar lugar, no curso da evolução da criança e por força das exigências da realidade, à "forma nova do Ideal do eu".

No texto freudiano, a noção de narcisismo primário ganha conotações diversas. Na perspectiva apontada acima, a idéia do narcisismo primário normal se inspira nas observações e teorias sobre a vida mental das crianças e dos povos primitivos:

A vida mental infantil e primitiva mostra, com efeito, certos traços que se se apresentarem isolados haverão de ser atribuídos à megalomania: uma superestima do poder de seus desejos e atos mentais, a 'onipotência das idéias', uma fé na força mágica das palavras e uma técnica contra o mundo exterior, a 'magia', que se nos mostra como uma aplicação conseqüente de tais premissas megalômanas. (Freud, 1914/1981, p. 2018)

Freud nos remete, para melhor apreensão desse estado primitivo, ao seu estudo Totem e tabu, no qual explicita o primeiro narcisismo infantil, correspondente à onipotência do pensamento, como sendo uma fase intermediária entre o auto-erotismo e a escolha de objeto, em que

as tendências sexuais, antes independentes uma das outras, aparecem reunidas em uma unidade e encontram seu objeto, o que não é, de todo modo, um objeto exterior alheio ao indivíduo, senão seu próprio eu, constituído já nesta época. (Freud, 1913/1981, p.1803)

Acrescenta, logo a seguir, que "tal organização narcisista não haverá de desaparecer nunca por completo" (p.1804), o que lhe dá o estatuto de estrutura permanente, concebida sob a noção do narcisismo secundário. Assim, a megalomania dos esquizofrênicos, em que a libido é retirada dos objetos e levada ao Eu, revela um narcisismo secundário sobreposto a um narcisismo primário, sendo este uma premissa para aquele. Forma-se, do ponto de vista econômico, a idéia de uma carga libidinosa primitiva do Eu, da qual uma parte se destina a investir os objetos podendo, contudo, ser novamente deles retraída.

Já no campo tópico, a permanência da construção narcisista da personalidade se torna inteligível com o conceito de Ideal do eu, "herdeiro do narcisismo infantil", como nos diz Freud (1921/1981, p. 2588). Quanto a isso, exprime-se da seguinte maneira:

A este eu ideal se consagra o amor ególatra de que na infância era objeto o eu verdadeiro [o eu real – das wirklich Ich3 3 A correção da tradução do texto freudiano é feita por Lacan (1975/ 1993, p.156). ]. O narcisismo aparece deslocado sobre este novo eu ideal, adornado, como o infantil, com todas as perfeições. Como sempre no terreno da libido, o homem se demonstra aqui, uma vez mais, incapaz de renunciar a uma satisfação já gozada alguma vez. Não quer renunciar à perfeição de sua infância, e já que não pode mantê-la ante os ensinamentos recebidos durante seu desenvolvimento e ante o despertar de seu próprio juízo, tenta conquistá-la de novo sob a forma do eu ideal [na tradução lacaniana: procura reganhá-la na forma nova do seu ideal do eu – Ich-Ideal4 4 Idem. ]. Aquilo que projeta ante si como seu ideal é a substituição do perdido narcisismo de sua infância, no qual era ele mesmo seu próprio ideal. (Freud, 1914/1981, p. 2028)

O primeiro narcisismo infantil, em que o Eu é o seu próprio ideal, Eu ideal, dá lugar a uma nova forma de narcisismo, secundária, que se constitui por uma projeção. O sujeito deixa de ser seu próprio ideal, para adotar como seus os ideais recebidos de seu meio, na qualidade de ideais a realizar, projetados em um futuro diante de si, um ideal a ser: Ideal do eu. O destino do narcisismo primário é, por conseguinte, o Ideal do eu, forjado no curso do desenvolvimento da criança, diz-nos Freud (1917/1981, p. 2389), com a finalidade de restabelecer a auto-satisfação inerente ao narcisismo infantil.

Se o Eu ideal é fruto de uma identificação arcaica, "geral e duradoura", "direta e imediata", com a mãe (ou com "os pais" ainda sexualmente indiferenciados, conforme nos ensina Freud em O Ego e o Id), o Ideal do eu resulta de identificações posteriores ligadas ao complexo de Édipo. De fato, o Ideal do eu é, para Freud, assimilável ao Supereu, pelo menos em alguns de seus textos5 5 Estes textos são: O ego e o id, de 1923, e O mal estar na civilização, escrito em 1930 (Freud, 1930/1981). , compartilhando com este as funções tanto de ideal quanto de auto-observação e consciência moral: "O ideal do eu é, portanto, o herdeiro do complexo de Édipo", declara (1923/1981, p. 2714). É bem verdade que em O mal estar na civilização, de 1930, texto em que se detém sobre o estudo do Supereu, este aparece essencialmente como consciência moral, instância responsável pela auto-observação, julgamento e castigo, não mais como instância ideal. Há, portanto, uma diferença entre as duas instâncias, apesar de estreitamente vinculadas entre si. Tais considerações nos servem para mostrar a íntima relação entre Ideal do eu e Supereu e indicar, por isso mesmo, que as identificações sob as quais se forma o Ideal do eu são identificações diferentes daquelas mais precoces, identificações que já não se confundem com a escolha de objeto sexual e que se pautam nos preceitos paternos, familiares e culturais.

A promessa do Eu e do Ideal do eu

A projeção ante si de um ideal a "vir a ser" só pode se efetivar pela mediação que se introduz naquela relação identificatória dos primeiros tempos, relação de corpo-a-corpo da criança com a mãe6 6 O que segue se inspira no texto de Aulagnier (1975/1979), mais especificamente no cap. IV: "O espaço no qual o Eu pode constituir-se". . Com a entrada em cena do pai, novas referências vão modelar a imagem que o Eu faz de si mesmo, o qual passa a investir as definições advindas e valorizadas pelo meio, não mais dependendo exclusivamente do discurso do outro materno. A interdição que se opera na relação mãe-filho destitui o Eu do lugar enganoso que ocupava, aquele de ser o objeto do desejo da mãe, e lhe exige a renúncia a este ideal infantil impossível, do qual participava o narcisismo primitivo. O sujeito deve abdicar ao Eu ideal, Eu do passado que se supunha perfeito e onipotente, transformando o "ideal que eu sou", enunciado que testemunha o imediatismo e o presente eterno em que se constituiu e que o aprisiona a uma imagem de si mesmo, em "o que o Eu deverá tornar-se?". No entanto, o pequeno Narciso só será capaz de renunciar à sua certeza, assumindo a mudança, apenas face a uma promessa, por um projeto de um Eu futuro.

Se o Eu ideal, edificado segundo o modelo da onipotência infantil fálica, através das primitivas identificações com a mãe, também fálica, funciona sob os imperativos do processo primário e do princípio do prazer (Sopena, 1991), o Ideal do Eu, por sua vez, formado em um momento de mediação e por força das influências da realidade e da educação, segundo a concepção freudiana, permitirá a temporaliza­ção da existência. A realização narcisista do sujeito, que se faz doravante pelo cumprimento das exigências do Ideal do eu, estará então submetida ao processo secundário e ao seu correlativo princípio de realidade que, intimamente ligados à consciência e atenção, à memória e ao pensamento (Freud, 1911/1981b), pressupõem o decurso de um tempo, na medida em que comportam uma tolerância à tensão, o adiamento da satisfação, a espera, a incerteza e a renúncia.

Insistimos quanto a este aspecto de temporalização porque ele nos permite compreender o Eu enquanto projeto e o Ideal do eu como uma meta visada pelo Eu, que o lança sempre para frente, em um movimento "em direção a". O Eu não é um estado, mas um fazer-se: é processo. Ele não pode designar-se senão em referência a um passado compatível com um futuro, sendo o tempo atual incognoscível em si mesmo. Essa "tendência a", esse incessante tornar-se, contudo, está apoiado no desejo de um encontro entre o Eu e o seu Ideal. Vale a pena citar alguns trechos pontuais do texto de Aulagnier, pela eloqüência de suas próprias palavras:

O projeto é a construção de uma imagem ideal que o Eu se propõe a si mesmo. (...) O futuro não pode coincidir com a imagem que o sujeito forja dele no seu presente. (...) Para ser, o Eu deve se apoiar neste desejo, mas este tempo futuro uma vez alcançado deverá tornar-se fonte de um novo projeto, num movimento que só terminará com a morte. Entre o Eu futuro e o Eu presente, deve persistir uma diferença, um 'x' representando o que deveria ser acrescentado ao Eu, para que os dois coincidissem. Este 'x' deve permanecer ausente: ele representa a assunção da experiência de castração no registro identificatório e ele relembra o que esta experiência deixou intacto: a esperança narcísica de um auto-encontro, sempre postergado, entre o Eu e seu ideal (...) (O Eu) preserva a esperança de que, um dia, este futuro lhe devolverá a possessão de um passado, tal qual ele o sonhou. (Aulagnier, 1975/1979, pp.156-157)

É a mediação paterna que introduzirá o sujeito na dimensão dos diferentes tempos. O Eu resultante deste processo, que é o da castração, contemporânea por sua vez da vivência do complexo de Édipo, é aquele que renunciou à Certeza e admitiu a Possibilidade. É, também, aquele que reconheceu e aceitou a diferença entre o que ele é e o que ele gostaria de (e poderia) ser. É aquele, finalmente, cuja imagem valorizada depende, agora, do discurso do seu meio familiar e cultural e deve se adequar às normas do sistema de parentesco: "quando eu for grande, eu... serei isto (médico, advogado, pai etc.) e não mais... eu me casarei com mamãe" (Aulagnier, 1975/1979, p.155). Trata-se, sem dúvida, da instalação do Ideal do Eu, componente do Supereu, herdeiro do complexo de Édipo, e correlativo do narcisismo secundário.

O que é feito do narcisismo primário?

Se atentamos para o percurso, na obra freudiana, do conceito de narcisismo, constatamos, ao lado das ambigüidades constitutivas do conceito, um certo esquecimento de Freud com relação à noção de narcisismo, a partir da reviravolta teórica que promove a chamada "segunda tópica". "O narcisismo foi, de uma certa maneira, um parênteses no pensamento de Freud", é como Green (1982/1988, p.12) se refere a este fato. Se, por um lado, o narcisismo é definido como o "amor de si mesmo", por outro, é concebido como um redobramento sobre si mesmo que tende a um tipo de estado anobjetal e que leva ao entendimento do Eu como reservatório e fonte original da libido de objeto. Mas a partir de 1923, será o Isso a instância concebida como "o grande reservatório da libido", em conseqüência do que haverá "uma obliteração da noção de narcisismo, doravante compreendido como essencialmente 'secundário' e cujo papel teórico declina correlativamente", segundo assinala Bercherie (1983, p. 333).

Não é objetivo deste trabalho a reconstituição histórica dessa trajetória teórica. O que se pretende, ao lembrar que o narcisismo perde espaço na construção da teoria freudiana, é retomar a idéia do narcisismo secundário que vem, a partir daquele momento inaugurado com a publicação de O Ego e o Id, a ser privilegiada, em um contra-ponto às formulações anteriores. Doravante, para Freud, o narcisismo do Eu é um narcisismo secundário, resultado do movimento da libido que flui dos objetos para o Eu, transformando, pela identificação, libido objetal em libido narcisista: "Podes amar-me, pois sou parecido ao objeto perdido" (1923/1981, p. 2711). Freud conclui: "O narcisismo do eu é deste modo um narcisismo secundário subtraído aos objetos" (p. 2720).

O que é feito, enfim, da noção de narcisismo primário? Ela reaparece em um dos últimos textos de Freud, inconcluso por sinal, escrito em 1938 e publicado em 1940. Nesse texto, surpreendentemente, Freud retoma suas primeiras posições, contrapondo-se às formulações de 1923. Ele diz:

Seria difícil precisar as vicissitudes da libido no isso e no supereu. Quanto sabemos a respeito, se refere ao eu, no qual está originalmente acumulada toda a reserva disponível de libido. A este estado denominamos narcisismo absoluto ou primário; subsiste até que o eu começa a catexizar as representações dos objetos com libido; quer dizer, a converter libido narcisista em libido objetal. Durante toda a vida o eu segue sendo o grande reservatório do qual emanam as catexias libidinais para os objetos e ao qual se retraem novamente... (1940/1981, p. 3383).

Se Freud reafirma o narcisismo primário à revelia do que por último defendera – uma "modificação na teoria do narcisismo", supondo o narcisismo do Eu tão somente um narcisismo secundário – isto se deve, provavelmente, à utilidade que continua tendo a noção em psicanálise, em sua vertente teórica e, talvez, na própria clínica, uma vez que a construção teórica se faz sempre em função da compreensão dos fatos empíricos. É neste sentido que escreve Martins, cuja opinião vem a contemplar a importância do conceito em ambos os campos:

O narcisismo primário responde à necessidade de dar uma resposta lógica, quase mítica, acerca do surgimento do sujeito. Diz respeito a um momento primeiro em que toda a libido é investida no próprio corpo, sem diferenciação entre sujeito e objeto. (...) Sua imagem tem sua relevância máxima sempre que o Eu entra em colapso, como nas psicoses, e quando o Eu é submergido pela atividade pulsional nas psicopatias (melancolia e mania), interrompendo o intercâmbio consigo mesmo, com os outros e com o mundo. Contudo, nestes dois casos já se trata do narcisismo secundário em ação, problematizado enquanto estrutura permanente. Desta forma o narcisismo secundário é uma estrutura permanente principalmente ligada ao Supereu. As psiconeuroses narcísicas enquanto alterações, quebra do cristal, nos ensinam acerca do narcisismo primário pela similitude hipotética que estas psicoses têm com um suposto funcionamento primeiro infantil. (Martins, 1995a, p.18)7 7 Encontramos em Rosolato (1976) uma posição semelhante quanto ao conceito de narcisismo primário, que é visto como um mito tributário da organização secundária. .

O paciente que chega à clínica é um sujeito cujo aparelho psíquico já está constituído, cujo Eu e o narcisismo já estão clivados. Notadamente na clínica do suicídio, a noção de narcisismo ganha destaque não só porque nos permite ter acesso à dor do paciente, mas, antes de tudo, porque nos dá uma inteligibilidade com respeito a esta dor. Em um trabalho anterior, pôde-se demonstrar como as histórias clínicas destes pacientes são ilustrativas do narcisismo do Eu, elucidando o papel que jogam as instâncias ideais da personalidade – Eu ideal e Ideal do eu – no sofrimento do sujeito (Nogueira, 1997).

No paciente com tentativa de suicídio, constatou-se uma busca feroz para corresponder às exigências do Ideal do eu, no momento em que se instala de modo arrasador uma distância entre "o que se é" (como o Eu se vê) e "o que se gostaria de ser" (como prescreve o Ideal do eu que se deva ser). Este divórcio entre o Eu e o Ideal, previne Freud (1921/1981) com sua visão arguta da alma humana, não pode ser suportado por muito tempo e o sujeito é por isso levado a encontrar um meio de novamente alcançar uma conciliação entre ambos. A morte constitui um destes meios, na medida que é recoberta com determinadas significações e que coloca o sujeito, a partir daí, em um lugar aceitável, de respeito e admiração, conforme nos lembra Freud (1915/1981b).

Nos casos de pacientes psicóticos, a restauração narcisista do Eu, que o reconcilia com o Ideal do eu, visa a uma recuperação e coincidência sem falhas com o narcisismo primitivo perdido, aquele que faz do sujeito o Eu ideal, ao qual está referida a onipotência e perfeição da infância. É possível examinar tal movimento regressivo em direção ao narcisismo primário a propósito da tentativa de suicídio de Fernando, um rapaz de dezoito anos que, vivendo um franco episódio paranóico, tenta o enforcamento com arame. Segue-se um fragmento de sua história clínica.

Fernando: "para se salvar é preciso fazer algo especial"

Fernando é o nome fictício dado a um paciente atendido na emergência de um hospital de Brasília. Em uma das entrevistas com ele realizadas, o paciente conta sua tentativa para matar-se e sua decepção por não ter conseguido fazê-lo. Conta-nos, inclusive, da sensação experimentada, que pode ser descrita como representando uma passagem da vida até a morte, ou melhor talvez seria dizer uma passagem pela morte até uma outra vida, em outro lugar – o céu. Falando sobre esta experiência, deixa a impressão de um vívido prazer que é tirado deste "vôo", desta subida em que parece ser levado, em que está entregue, mergulhado, e em suspense... até que é arrancado do gozo. Eis o que ele relata:

Peguei um ferro bem forte, amarrei um arame e me pendurei pelo pescoço. Senti que ia voando, ia subindo, subindo lá para cima, para chegar em algum lugar. Quando acordei, tinha um homem tocando em mim, pensei que estava morto, no céu, aí o cara disse que não, que eu não ia morrer, que eu ia pro hospital. Eu queria morrer, pensava que já estivesse morto, subia para chegar num ponto, mas não cheguei... Tomei um susto quando o homem me pegou. Eu não queria acordar.

Se ele vinha de um estado de exaltação e de proximidade com Deus (conforme será visto a seguir), inclusive pela droga de que fez uso, a morte parece significar a possibilidade de dar continuidade a esta experiência, de prolongá-la ou até eternizá-la. Parece representar, ainda, a possibilidade de vivê-la o mais intensa e radicalmente possível. Ele quer morrer, não quer acordar. Talvez queira, conforme diz, "poder realizar o meu sonho" ou, quem sabe, salvar-se: "Para se salvar é preciso fazer alguma coisa muito especial". Apenas em um segundo momento é que sua experiência, sua tentativa para matar-se, é concebida como um erro, "o caminho da maldição e da morte", segundo o trecho da Bíblia que cita eloqüentemente: "Te dei a vida e a morte, a bênção e a maldição; segue o caminho certo". Um erro, porém, apenas enquanto fora da hora certa, da "hora que Deus quer", porque, então, "quando Deus quiser, aí ninguém poderá me impedir; podem até segurar o meu corpo, mas não podem pegar a minha alma, que subirá para o céu". Nesta hora, então, ele poderá ser o agente de sua própria morte.

A morte, certamente, seria a ratificação por Deus, ao acolhê-lo no céu, de um lugar privilegiado que de algum modo ele já ocupa, porquanto é aquele a quem Deus fala e salva dos perigos, aquele que pode, inclusive, pregar a palavra de Deus. Ocupa um lugar junto a um que chama de "outro", que é tão grande que "é sempre mais". Assim se expressa ele a respeito: "O outro me acompanha; comparo-o com um rei e, mesmo assim, é sempre mais, uma pessoa privilegiada, que merece sempre mais". Por extensão se torna também grande, forte e importante, capaz mesmo de influenciar o destino do seu "outro": "Devo seguir o caminho certo, porque se tomar o caminho errado, o outro tropeça e cai. Não posso prejudicá-lo, devo fazê-lo feliz", afirma.

Observa-se, em seu discurso, o quanto o Eu desse sujeito é representado como um grande Eu. Ele se vê como um sujeito independente de tudo, até de se alimentar. Sobre isso, diz:

"Gostaria de viver independente de todos, num lugar à beira de um rio, independente de se alimentar: quando tivesse fome era alimentado; independente de vestir, só com a roupa do corpo. Queria ficar com a natureza".

Um sujeito para quem não há nenhum esforço a fazer, nenhum trabalho, nenhuma relação com qualquer outra pessoa. Além disso, um sujeito indestrutível, duro feito rocha, como revelam suas palavras: "Agora me sinto como uma rocha, como esse chão duro que ninguém consegue destruir; mesmo se quebrarem, não conseguirão". Ambas as imagens o ligam a um estado de natureza que diz tanto de sua grandeza e invulnerabilidade, quanto de sua inteireza e completude, em que falta não há, e se há, é imediata e naturalmente preenchida e/ou nem se faz notar: se há fome, é alimentado; se o quebram, não conseguirão destruí-lo.

É este Eu narcísico e ideal que a morte vem confirmar. A tentativa de suicídio que ele faz é parte de sua experiência grandiosa como um todo. É este o estado de ampliação do Eu através do qual o sujeito vive a ilusão do "auto-encontro", da coincidência perfeita do Eu com o Ideal, reconquistando, assim, o Eu ideal do narcisismo primário.

A independência narcísica do sujeito com relação ao mundo externo das pessoas e das coisas permite a transformação do Eu e da realidade em conformidade com o mundo da fantasia e do desejo (Freud, 1924/1981a,b). Isto fica patente no relato que o paciente faz de suas experiências em que constrói para si mesmo uma nova realidade, adequada às necessidades de seu mundo interior. Fernando relata o seguinte:

Andei por muitos lugares e cidades diferentes. Deus me dizia para andar, para ir de um lugar a outro. Sentia que Deus me movimentava, tomava meu corpo e minha mente. Em um determinado lugar, encontrei uma casa com a porta aberta e entrei para beber água; vi um homem deitado, mas não vi a arma que ele tinha; vi Deus na parede. O homem se levantou com a arma e eu corri. Na cerca da casa encontrei um papel, peguei e vi que era um jornal de missa de domingo: era Deus. Foi Ele que me salvou.(...) Fui para outra cidade e vi no caminho uma pedra em que estava escrito 'Leia a Bíblia'. Em cima desta pedra fiquei orando, pregando durante muito tempo e as pessoas entenderam... As pessoas me olhavam e paravam, porque era a palavra de Deus. Logo depois, já ficando escuro, todas as luzes da rua foram se acendendo, clareando tudo. (...) Continuei e vi homens escondidos e armados, mas pude livrar-me deles. Ouvi toda a noite muitos carros passando, acho que me seguiram e me procuravam. Fiquei amoitado no escuro para não me verem. A cola (que havia cheirado) ficou pregada no meu cabelo... mas aí sobrou Deus. Arranquei alguns fios e joguei no chão ao redor de mim; também roí as unhas e piquei o jornal espalhando em volta: quem poderia encontrar isso espalhado no chão, no escuro? (À indagação que lhe é feita: "Então não puderam encontrar você?", responde com ar de grande satisfação:) "Claro, sobrou Deus!".

O desejo narcísico e megalômano do Eu o torna capaz de metamorfosear-se, como se vê acima, segundo unicamente as exigências de sua fantasia. Toda a fragilidade deve ser afastada do Eu, que se torna forte, e todo o mal projetado no exterior (no homem com a arma, nos inimigos e perseguidores, naqueles que querem alimentá-lo com o mal e prejudicá-lo). Assim ele pode tornar-se o escolhido por Deus e converter-se, conforme conta:

"No Natal Deus falou comigo, mandou que orasse. No Ano Novo, na hora da virada do ano, também. Depois eu me converti para a Igreja Universal. Deus vai me dizendo para onde ir, o caminho a tomar".

Convertido, ele pode negar a castração. O seu delírio paranóico é um delírio de onipotência e de perseguição, denotando forças contrárias intimamente relacionadas entre si: ser perseguido (ser castrado) lhe dá a oportunidade de enfrentar e vencer o inimigo (castrá-lo). Nessa situação ele está na posição mais desejável e de superioridade em relação ao outro, o que lhe garante a satisfação narcisista. Trata-se, além do mais, de um Eu cujo brilho se irradia: prega a palavra de Deus e as pessoas o reconhecem e as luzes se acendem...

Comunicação e pensamento: a solidão do Eu psicótico

A fala de Fernando mostra como a comunicação é particularizada e não de todo socializada, ou seja, não se dá ao paciente, por exemplo, a possibilidade de que sua interlocutora não esteja compreendendo bem o que ele fala. De certa maneira, fala para si mesmo e não se preocupa em explicar-se, a não ser que seja solicitada a explicação. É importante, todavia, dizer de si mesmo e fica suposta, no ato de dizer, a apreensão pelo outro do sentido de suas palavras, cujo efeito deve, por sinal, colocá-lo automaticamente na posição de engrandecimento. Como se a palavra por si só realizasse, ou melhor, se tornasse a própria realidade. É a palavra tomada como coisa, conforme a fórmula de Freud (1915a/1981). Pode-se observar isso, por exemplo, quando diz que o jornal do domingo preso à cerca é Deus e que, portanto, está a salvo do perigo. O modo como se salvou dos perseguidores, em cada circunstância relatada, obedece a uma lógica, mas uma lógica absurda, que dispensa toda e qualquer correspondência na realidade.

Em um outro exemplo, o que ele lê é interpretado e transformado de tal modo, segundo unicamente o seu pensar, que não é levado em conta nada do contexto e da mensagem que as palavras veiculam e objetivam. Tomando nas mãos um papel que tira do bolso e em que há uma propaganda de piscinas em concreto, ele diz: "Tá vendo, água viva no concreto!". Em seguida bate com o pé no chão, como fizera anteriormente ao falar que se sentia forte como uma rocha, duro como o chão. ("Como você!". Ante esta intervenção, faz um gesto de anuência e segue lendo) "Agora você pode concretizar seu sonho". Daí, toma o jornalzinho de domingo, em que lê: "Para se salvar é preciso fazer alguma coisa muito especial".

Este pensamento particularizado, cuja lógica está submetida tão somente às exigências do Eu, revela a experiência narcísica do sujeito que fecha a possibilidade do viver em comum, do outro ter acesso ao seu mundo e poder compartilhá-lo. Observando seu relato, o paciente parece viver em um mundo de pessoas sem rosto, sem nome, sem identidade, que apenas passam, olham, ameaçam... Não são como pessoas vivas e reais. No seu mundo existe um "ele", um "outro". A única comunicação que se dá parece ser com Deus e, mesmo assim, de forma unilateral: Deus fala a ele, lhe diz o que fazer e o movimenta.

Este aspecto traz a questão da alienação do Eu, que é vivida em sua forma extrema pelo psicótico. Alienação em dois sentidos: enquanto a palavra lhe é alheia e estranha, porque vem de fora (vem de Deus: quando o paciente fala, prega a palavra de Deus, não a sua própria), e enquanto experiência de estar apartado do mundo, isolado. Ele próprio se define: é independente de todos. Neste momento, ele experimenta a vitória sobre tudo. Na sua fala não há referência a pai, mãe, irmãos, amigos. Estes são indiferentes para ele. Na sua vida não há trocas. Segundo a informação fornecida por sua mãe, Fernando desaparece de casa e passa três meses sem que dê notícias à família, que parece nem ter existência para ele. Não permanece em casa alguma e em nenhum lugar. Vive errante, vive só. É a solidão humana que chegou ao limite máximo. É a solidão de Narciso, para quem nada mais existe afora ele mesmo.

O isolamento e ausência de situações interpessoais dão testemunho de uma retração narcisista que possibilita a criação de um mundo particular, no qual o sujeito se fecha, e que o mantém a salvo das inevitáveis confrontações com a realidade, que possam vir a evidenciar-lhe qualquer limitação. No hospital, Fernando quer ficar sozinho, em uma sala escura. Resguarda, deste modo, seu Ideal do Eu. A sua problemática central reside aí, no domínio que exerce o Ideal do Eu sobre o próprio Eu. Encontra-se na raiz deste processo uma falha na constituição do seu ser.

Por que seria necessária a alienação? Por que seria preciso criar os perseguidores? De que se defende o Eu? A angústia de fundo é a angústia da castração (Freud, 1911/1981a). O Eu se modifica, embeleza a representação de si, troca uma representação (castrado) por outra que lhe é oposta: é rocha inquebrantável. Pode fazê-lo na medida em que recusa a castração. Haveria, portanto, uma falha que não deve chegar à consciência: o sintoma, que aparece na consciência, é o delírio megalômano - a onipotência. O significado do qual não toma conhecimento é o seu oposto - a castração. A castração responde às questões essenciais da existência humana, porquanto permite aceder ao humano, isto é, permite as trocas entre os homens.

Nessa ordem de idéias, é possível concluir que a ferida narcísica em questão diz respeito diretamente à castração. O narcisismo vem para suturá-la e a precipitação no ato suicida teria a mesma função do delírio, qual seja, a de preservar o sujeito em relação a tudo o que possa vir a recolocá-lo em um lugar de insuficiência. Mais do que isso, a morte não aparece apenas como a solução para eventuais prejuízos, mas como a possibilidade de colocá-lo definitivamente no lugar de maior privilégio - lugar merecido por sua conversão religiosa e em direção ao qual, chegada a hora que Deus lhe reservou, seguirá, sem que ninguém possa impedi-lo. Suas palavras o dizem: "podem até segurar o meu corpo, mas não podem pegar a minha alma que subirá para o céu".

O sacrifício de Fernando

O suicídio de Fernando, finalmente, é algo muito especial: "Para se salvar é preciso fazer alguma coisa muito especial". Considerando este comentário e o caráter violento da tentativa de suicídio que comete, assim como a história clínica construída com o paciente, pode-se pensar no seu suicídio como sendo um sacrifício8 8 Estas considerações sobre o sacrifício se baseiam no artigo de Martins (1995b), "O ordálio na psicose". Ver também o Apêndice escrito por Freud ao Caso Schreber (1911/1981a), em que relaciona o delírio do paciente em relação ao Sol, símbolo sublimado do Pai, ao mito que descreve a prova a que a águia submete suas crias antes de reconhecêlas como legítimas: se não conseguem olhar o sol sem piscar, são expulsas do ninho. . Sacrifício face a Deus: "o sacrifício supõe a existência de uma divindade", nos diz Freud (1913/1981, p.1832). Sacrifício ao Pai, para poder aceder ao lugar junto a Ele, o que remete à questão do Édipo e do Ideal. É através do complexo edípico que o sujeito encontra seu lugar na ordem familiar e das gerações, recebendo a herança de sua ascendência, indispensável à constituição do Ideal do eu. Este Ideal

é aquele que, por ocasião do desencadeamento da psicose, surge em forma de alucinação. Existe neste caso (...) uma subjugação do Eu por estes Ideais que o sujeito toma a si e que freqüentemente pertencem ao universo originário. (Martins, 1995b, p. 66)

Dizendo respeito às origens do sujeito, "a prova ordálica (é) simplesmente a atestação ou não, pelo julgamento das divindades, da verdadeira ascendência do sujeito" e, no campo da psicose, "trata-se de um ordálio que propicia um teste de linhagem, de pertencimento ou não a uma ordem familiar" (Martins, 1995b, p. 67). A fantasia ordálica, de sacrifício e provação, ao emergir à consciência, passa a ser vivida como realidade aterrorizante, à qual responde o Eu paranóico com o delírio, no caso, delírio de perseguição e de grandeza. A inflação do Eu faz frente à angústia do aniquilamento. Assim, observa-se Fernando, ao sentir-se atacado e em perigo, produzir o engrandecimento do seu Eu e a certeza de que precisa fazer algo especial para salvar-se. O que está posto à prova é a sua própria existência. O que fizer, mesmo a imolação própria, o fará em nome da confirmação de ser.

A psicose, sendo uma psiconeurose narcísica, encarna a expressão mais radical do narcisismo. Correlativa à retração narcisista, a rejeição da realidade nela ganha um caráter extremado, encontrando-se o sujeito completamente voltado à vida fantasmática, onde impera o desejo infantil. Em tal campo pode reinar absoluto o "eu sou", do Eu ideal primitivo e onipotente, ficando a ele submetido "o que o Eu deve ser", este que diz respeito ao Ideal do eu e que está, constitutiva­mente, em estreita ligação às exigências da realidade, em sua acepção mais ampla – familiar, social, histórica e cultural. Em Freud há uma relação muito clara entre, por um lado, inconsciente, vida fantasmática, processo primário e princípio do prazer, e por outro lado, os processos secundários do Eu e a realidade. Nesta série de elementos que se opõem, seria talvez plausível acrescentar o Eu ideal e o Ideal do eu, no sentido de que quanto mais arcaico, mais narcísico e mais obediente aos processos psíquicos primários, chegando, no caso da psicose, ao tipo de funcionamento o mais extremo, isto é, o mais próximo ao modelo do narcisismo primário.

Na psicose, considerando o caso ilustrativo de Fernando, a restauração narcisista do Eu pelo suicídio promove o retorno do narcisismo primário, expresso na recuperação da coincidência perfeita entre Eu e Ideal (Eu ideal), recolocando em cena um funcionamento psíquico condizente àquele que supostamente domina a psique nos primórdios da existência do sujeito. O delírio paranóico de grandeza, motor de sua conduta suicida, exemplifica este processo.

Recebido em 27.08.1999

Primeira decisão editorial em 02.03.2000

Versão final em 24.04.2000

Aceito em 05.05.2000

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  • 1
    O presente texto é parte de um capítulo da tese de doutorado defendida junto ao Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, em 1997, sob orientação do Professor Dr. Francisco Martins, intitulada Suicídio, espelho do narcisismo: um estudo teórico-clínico a partir de Freud.
  • 2
    Endereço: Rua Andrade Furtado, 1195, ap. 601, Papicu. CEP: 60190-070 Fortaleza - CE. E-mail:
  • 3
    A correção da tradução do texto freudiano é feita por Lacan (1975/ 1993, p.156).
  • 4
    Idem.
  • 5
    Estes textos são:
    O ego e o id, de 1923, e
    O mal estar na civilização, escrito em 1930 (Freud, 1930/1981).
  • 6
    O que segue se inspira no texto de Aulagnier (1975/1979), mais especificamente no cap. IV: "O espaço no qual o Eu pode constituir-se".
  • 7
    Encontramos em Rosolato (1976) uma posição semelhante quanto ao conceito de narcisismo primário, que é visto como um mito tributário da organização secundária.
  • 8
    Estas considerações sobre o sacrifício se baseiam no artigo de Martins (1995b), "O ordálio na psicose". Ver também o Apêndice escrito por Freud ao Caso Schreber (1911/1981a), em que relaciona o delírio do paciente em relação ao Sol, símbolo sublimado do Pai, ao mito que descreve a prova a que a águia submete suas crias antes de reconhecêlas como legítimas: se não conseguem olhar o sol sem piscar, são expulsas do ninho.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 1999

    Histórico

    • Aceito
      05 Maio 2000
    • Recebido
      27 Ago 1999
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