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O Efeito Foucault: Desnaturalizando Verdades, Superando Dicotomias

The Foucault Effect: Changing Truths, Overcoming Dicotomies

Resumos

Este artigo parte de idéias contidas em algumas obras de Foucault, levantando questões referentes à produção de verdades, a hegemonia da ciência positiva e aos binarismos presentes no mundo contemporâneo. Aponta, ainda, como o pensamento desse filósofo tem sido uma potente ferramenta, que tem possibilitado colocar em análise as crenças produzidas pelo pensamento platônico, ainda hoje dominante no Ocidente. A partir daí, coloca em discussão a divisão psicologia versus política, procurando pensar que efeitos têm sido produzidos por tal dicotomia cotidiana.

verdade; dicotomias; práticas psi.


The present article is based on ideas contained in some of Foucault' s works, rising questions regarding the way truth is produced, the hegemonical stand-point of positive science and the present binarysms in contemporary world. It still points out how the thought of this philosopher has been a strong tool, which has turned possible to put under analysis the beliefs produced by the platonic thought, yet dominant in the Occident. From this, it puts under discussion the division psychology versus policy, trying to think which effects has been produced by this dicotomy

truth; dichotomies; psy practices


O Efeito Foucault: Desnaturalizando Verdades, Superando Dicotomias

Cecilia Maria Bouças Coimbra e

Maria Livia do Nascimento1 1 Endereço: Rua João Pessoa 154 apto. 403. CEP.: 24220-331 - Niteroi - RJ. E-mail: tunico@cruiser.com.br 2 Por instituição, dentro do referencial socioanalítico francês, entendemos não o estabelecimento ou local geográfico, mas relações e campos de forças instituídos e percebidos como naturais que se opõem constantemente a outros campos de forças instituintes. Daí, dizemos que as instituições, diferentemente de como são vistas, não são estáticas, cristalizadas e, portanto, eternas. Estão em constante movimento, em devir permanente.

Universidade Federal Fluminense

RESUMO - Este artigo parte de idéias contidas em algumas obras de Foucault, levantando questões referentes à produção de verdades, a hegemonia da ciência positiva e aos binarismos presentes no mundo contemporâneo. Aponta, ainda, como o pensamento desse filósofo tem sido uma potente ferramenta, que tem possibilitado colocar em análise as crenças produzidas pelo pensamento platônico, ainda hoje dominante no Ocidente. A partir daí, coloca em discussão a divisão psicologia versus política, procurando pensar que efeitos têm sido produzidos por tal dicotomia cotidiana.

Palavras-chave: verdade; dicotomias; práticas psi.

The Foucault Effect: Changing Truths, Overcoming Dicotomies

ABSTRACT - The present article is based on ideas contained in some of Foucault' s works, rising questions regarding the way truth is produced, the hegemonical stand-point of positive science and the present binarysms in contemporary world. It still points out how the thought of this philosopher has been a strong tool, which has turned possible to put under analysis the beliefs produced by the platonic thought, yet dominant in the Occident. From this, it puts under discussion the division psychology versus policy, trying to think which effects has been produced by this dicotomy.

Key words: truth; dichotomies; psy practices.

Parece-me que o que se deve levar em consideração no intelectual não é, portanto, "o portador de valores universais"; ele é alguém que ocupa uma posição específica, mas cuja especificidade está ligada às funções gerais do dispositivo de verdade em nossas sociedades. Em outras palavras, o intelectual tem uma tripla especificidade: a especificidade de sua posição de classe (...); a especificidade de suas condições de vida e de trabalho, ligadas a sua condição de intelectual (...); finalmente, a especificidade da verdade nas sociedades contemporâneas. É então que sua posição pode adquirir uma significação geral, que seu combate local ou específico acarreta efeitos, tem implicações que não são somente profissionais ou setoriais. Ele funciona ou luta ao nível geral deste regime de verdade, que é tão essencial para as estruturas e para o funcionamento de nossa sociedade. Há um combate "pela verdade" ou, ao menos, "em torno da verdade"- entendendo-se, mais uma vez, que por verdade não quero dizer "o conjunto das coisas verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar", mas o "conjunto das regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos específicos de poder"; entendendo-se também que não se trata de um combate "em favor" da verdade, mas em torno do estatuto da verdade e do papel econômico-político que ela desempenha (Foucault, 1988, p. 13).

Dentre as diferentes contribuições de Foucault nos mais diversos domínios do saber, tais como psiquiatria, justiça, história, medicina, este artigo privilegia a questão da produção de verdades, da dicotomia entre psicologia e política e alguns de seus efeitos sobre nossas práticas.

A História da Loucura, um de seus primeiros escritos, que neste ano completa quarenta anos, inaugura uma história dos processos de exclusão presentes no mundo ocidental que, baseados em teorias científico-positivistas - ainda hoje hegemônicas - têm produzido verdades sobre os considerados diferentes, sistematicamente rotulados, estigmatizados e excluídos (Foucault, 1972/1995). Nesta obra Foucault questiona a separação entre razão e loucura, onde esta é tomada como o inverso da razão, como a desrazão. Para tanto, discute o conjunto dos discursos que foram se impondo pela razão ao falar sobre a não razão. Razão que se torna uma figura de poder e passa a funcionar também como um mecanismo de exclusão (Ewald, 1995). Ao discutir o saber psiquiátrico baseado em discursos racionais, esse filósofo levanta questões sobre como a ciência tem sido organizada em disciplinas estanques, em territórios isolados e mesmo excludentes, construindo-se, assim, verdades específicas e próprias, inerentes a esses determinados campos. Verdades que totalizam e passam a ser vistas como universais, permanentes, eternas e ahistóricas.

Nosso objetivo aqui não se prende a uma análise desta sua primeira obra, mas a partir de algumas idéias ali presentes, em especial a de constituição de verdades e de binarismos no mundo contemporâneo, apontar como o pensamento de Foucault tem sido uma potente ferramenta que nos possibilita colocar, cotidianamente, em análise as crenças em nós produzidas pelo pensamento dominante no Ocidente advindo da filosofia de Platão. Posteriormente, colocaremos em discussão a divisão psicologia versus política, procurando pensar porque ela tem sido construída e vivida de forma tão dicotômico-excludente.

Partimos do pressuposto que as verdades são produções histórico-sociais e que nós, os intelectuais, cientistas, pesquisadores, especialistas, peritos, somos uma parcela importante daqueles que têm tido tal tarefa: a de construir verdades. Verdades consideradas como científicas e, portanto, neutras, objetivas e universais.

Sabemos ser espinhoso e mesmo marginal o caminho que nos propomos percorrer aqui, pois colocar em análise crenças estabelecidas e fortemente instituídas em nosso mundo psi pode se tornar perigoso.

Entendemos que uma das revoluções trazidas pelo pensamento de Foucault diz respeito ao lugar de destaque ocupado pelas práticas sociais na história. Tal concepção coloca de "cabeça para baixo" o pensamento hegemônico no Ocidente calcado na crença em naturezas e essências, na existência de objetos "em si", de verdades universais; a crença na objetividade e homogeneidade do mundo que afirma ser possível sua apreensão e o conhecimento imparcial da realidade que nos cerca. Com isso, tem-se produzido a primazia da razão e a desqualificação das sensações. Este pensamento trazido por Platão, presente de modo geral nas práticas sociais e, em especial, nas academias, coloca outros modos de existir e de perceber o mundo como territórios marginais e desqualificados, muitas vezes negando-os. A força de Foucault está, justamente, em afirmar a produção desses espaços de exclusão, enfatizando os diferentes poderes que os atravessam/constituem, suas potências e mesmo suas possibilidades de singularização (Guattari & Rolnik, 1986). Sua inovação consiste em assinalar que os objetos, saberes e sujeitos que estão no mundo não têm uma existência "em si", não são naturais, mas forjados historicamente por práticas datadas que os objetivam, como um trabalho jamais completado.

Mas cada prática, ela própria, com seus contornos inimitáveis, de onde vem? Mas, das mudanças históricas, muito simplesmente. Das mil transformações da realidade histórica, isto é, do resto da história, como todas as coisas. Foucault não descobriu uma nova instância, chamada "prática", que era, até então, desconhecida: ele se esforça para ver a prática tal qual é realmente; não fala de coisa diferente da qual fala todo historiador, a saber, do que fazem as pessoas: simplesmente Foucault tenta falar sobre isso de uma maneira exata, descrever seus contornos pontiagudos, em vez de usar termos vagos e nobres (Veyne, 1978/1982, pp. 159-160)

Neste modo de entender o mundo, as diferentes práticas dos homens vão engendrando objetos sempre diversos, não se aceitando, portanto, a idéia de uma evolução através dos tempos, de um objeto que brotasse sempre de um mesmo lugar, que tivesse uma origem primeira.

Desnaturalizando Verdades

O caminho que nos propomos percorrer aqui pretende reafirmar esse caráter de produção que constitui a razão como força hegemônica no mundo ocidental, determinante das verdades, a partir de saberes dominantes, qualificados como científicos, competentes, pois racionais (Foucault, 1966/1987). Em oposição, os outros saberes que se encontram presentes no mundo passaram a ser caracterizados como não científicos, incompetentes, ligados às sensações, sendo, portanto, marginalizados e desqualificados.

...que tipo de saber vocês querem desqualificar no momento em que vocês dizem 'é uma ciência'? Que sujeito falante, que sujeito de experiência ou de saber vocês querem 'menorizar' quando dizem: 'eu que formulo esse discurso, enuncio um discurso científico e sou um cientista'? Qual vanguarda teórico-política vocês querem entronizar para separá-la de todas as numerosas, circulantes e descontínuas formas de saber?

(Foucault, 1988, p. 172)

Para Foucault os saberes, compreendidos como materialidade, práticas e acontecimentos, são dispositivos políticos articulados com as diferentes formações sociais inscrevendo-se, portanto, em suas condições políticas. Daí, afirmar que não há saber neutro: todo saber é político. Para ele a análise do saber implica necessariamente na análise do poder, visto não haver relação de poder sem a constituição de um campo de saber. Da mesma forma, todo saber constitui novas relações de poder, pois onde se exercita o poder, ao mesmo tempo, formam-se saberes e estes, em contrapartida, asseguram o exercício de novos poderes.

Dessa forma, cada formação social tem seus regimes de verdade. Nos séculos XIX e XX, tais verdades eram, e continuam sendo, dadas pelas ciências positivistas que acolhiam, e ainda acolhem, certos discursos como verdadeiros, fazendo distinção entre seus enunciados e outros considerados falsos. Foucault vai apontar que essas ciências não têm estabelecido relações com os diferentes saberes que estão no mundo. Ao contrário, têm desqualificado uns como não competentes, sobrepondo outros considerados científicos e, portanto, verdadeiros. Chama de saberes dominados os considerados abaixo do nível requerido pelos postulados da cientificidade; os não qualificados porque locais, descontínuos, heterogêneos e, portanto, não legitimados pela tirania dos discursos hierarquizantes, homogêneos, universalizantes e totalizantes que condizem com os critérios de ciência e de verdade.

É, principalmente, a partir do século XIX, com a emergência do que Foucault denomina de instituições de seqüestro, que o poder epistemológico se estabelece, passando a ser um dos responsáveis pela constituição das ciências humanas e sociais. Tal rede de estabelecimentos ¾ pedagógicos, médicos, penais ou industriais ¾ passa a ter como principal característica a vigilância e a disciplina, através de uma série de funções (Foucault, 1975/1986). Por todo o século XIX, esses estabelecimentos se multiplicam objetivando o seqüestro e o controle de três funções: do tempo, do corpo e do saber dos sujeitos a eles submetidos e neles incluídos. É a famosa inclusão por exclusão, típica das sociedades disciplinares, "que tem por função ligar os indivíduos aos aparelhos de produção, formação, reformação ou correção de produtores" (Foucault, 1996, p. 114).

A primeira função dessas instituições de seqüestro, segundo Foucault, é o controle do tempo, pois é necessário que o tempo dos homens seja constantemente colocado à disposição dos aparelhos de produção capitalista. Daí, a grande preocupação em conseguir extrair, controlar e vigiar o tempo de existência dos sujeitos nos diferentes espaços e nos diferentes momentos de sua vida.

... é preciso que o tempo dos homens seja colocado no mercado, oferecido aos que o querem comprar, e comprá-lo em troca de um salário; e é preciso, por outro lado, que este tempo dos homens seja transformado em tempo de trabalho. (Foucault, 1996, p. 116).

A segunda função das instituições de seqüestro refere-se ao controle dos corpos que passaram a ser, a partir do século XIX, formados, reformados, corrigidos, para adquirirem aptidões, qualificarem-se para poder, cada vez mais, se disciplinarem, se submeterem e trabalharem melhor. "Que o corpo dos homens se torne força de trabalho." (Foucault, 1996, p. 119).

A terceira função ¾ a que nos interessa mais diretamente para que possamos pensar a questão da produção de verdades - é o seqüestro do saber dos sujeitos. Esse poder epistemológico, polimorfo e polivalente, segundo Foucault, tem o propósito de extrair os saberes produzidos pelas mais diversas práticas dos sujeitos submetidos e controlados pelos diferentes poderes. Através de minuciosos e constantes registros, observações e classificações dos comportamentos desses sujeitos em diferentes situações e momentos vai sendo construído, em cima de seu saber-experiência, um outro saber sobre ele, que fala dele, que o descreve, diagnostica, que prescreve o que, como e quando deve agir, pensar, sentir. Enfim, que rumos deve dar à sua vida. Aprende, com isto, a caminhar neste mundo guiado por modelos, que dizem o que fazer e como fazer e onde em nenhum momento é colocado em questão o para quê fazer. Nesses modelos estão as verdades, que definem e determinam como ser bom cidadão, bom pai, bom filho, bom aluno, boa mãe, bom trabalhador. Vários saberes são aí produzidos: o tecnológico, o de observação, o clínico, dentre outros, que são, cotidianamente, fortalecidos e atualizados pelas práticas dos profissionais ligados às ciências humanas e sociais.

Dessa forma, são extraídos dos próprios sujeitos seus saberes produzidos por suas práticas cotidianas. Este conhecimento seqüestrado será retranscrito e acumulado segundo certas normas.

O saber psiquiátrico se formou a partir de um campo de observação exercida prática e exclusivamente pelos médicos enquanto detinham o poder no interior de um campo institucional fechado que era o asilo, o hospital psiquiátrico. Do mesmo modo, a pedagogia se formou a partir das próprias adaptações da criança às tarefas escolares, adaptações observadas e extraídas do seu comportamento para tornarem-se em seguida leis de funcionamento das instituições e forma de poder exercido sobre a criança" (Foucault, 1996, p. 122).

Superando Dicotomias

A psicologia emerge, no século XIX, dentre outras ciências humanas e sociais, principalmente em cima de dois saberes: o de observação e o clínico, estando presente no cotidiano dessas instituições de seqüestro. Não por acaso nossa formação psi tem sido atravessada pelas crenças em uma verdade imutável, universal e, portanto, ahistórica e neutra; numa apreensão objetiva do mundo e do ser humano; em uma natureza específica para cada objeto; em uma identidade própria de cada coisa e nas dicotomias que, por acreditarem nas essências, produzem exclusões sistemáticas. Tais crenças que atravessam, constituem e estão presentes em nossas práticas cotidianas, ao mesmo tempo estão sendo fortalecidas e atualizadas por essas mesmas práticas. Por isso, são tão frequentes no mundo e, em especial, no psi os binarismos que opõem objetos, conceitos, territórios como teoria e prática, saber e poder, indivíduo e sociedade, macro e micro, interior e exterior, psicologia e política, dentre outros.

A potência do pensamento de Foucault em nossas práticas diz respeito à desconstrução de todas essas crenças ao apontá-las enquanto produções histórico-sociais, indicando a multiplicidade presente nos diferentes objetos que estão no mundo, negando com isso a possibilidade de apreendê-los de forma objetiva e neutra e colocando em questão nosso conhecimento baseado em verdades.

Na base de todos esses binarismos está a crença de que cada conceito que se opõe a outro ocupa um território separado e bem delimitado, tem identidade própria e funciona de maneira específica e previsível, o que configura uma homogeneidade, uma unidade, uma natureza que lhe seria intrínseca.

Dessa maneira, por exemplo, psicologia e política têm sido construídas e aceitas, de um modo geral, como territórios separados, estanques; como objetos que se opõem, como conceitos que nada têm em comum, pois são tomados como naturais, ahistóricos e possuidores de uma essência imutável. Tal compreensão tem reafirmado as práticas que separam radicalmente esses dois campos, pois se entende que a ciência psicológica não permite interlocuções com determinados temas, em especial os considerados políticos, não podendo ser conspurcada por questões consideradas tão distantes dela e que nada têm a ver com sua essência.

Ao contrário, negamos essas crenças e modelos hegemônicos e entendemos psicologia e política como territórios que se cruzam, que se atravessam, que se complementam, que são múltiplos e impossíveis de serem apreendidos em sua totalidade.

O efeito Foucault nos tem permitido estranhar a separação entre psicologia e política, pois em momento algum esses dois domínios se excluem. Ao trabalhar em psicologia - na pesquisa, na docência, na orientação de alunos, nas intervenções em diferentes estabelecimentos - estamos atravessados e constituídos a todo momento pelos conhecimentos específicos de nossa área, pelo lugar legitimado de saber/poder que ocupamos socialmente, por nossas implicações e crenças políticas, pelo contexto histórico em que vivemos, pelos diferentes saberes-experiências que vão nos constituindo ao longo de nossa trajetória, pelas diferentes escolhas e opções que vamos realizando, pelos múltiplos encontros e agenciamentos que vão acontecendo em nossas vidas. Hoje é impossível para nós separar o que é psicológico do que é político; negamos suas essências, apostamos na constituição histórica desses campos de conhecimento e nas articulações que se operam entre eles.

O que quisemos enfatizar no presente trabalho, mesmo que de forma bastante rápida, diz respeito à produção, por parte da chamada ciência positivista, de duas competentes instituições2 1 Endereço: Rua João Pessoa 154 apto. 403. CEP.: 24220-331 - Niteroi - RJ. E-mail: tunico@cruiser.com.br 2 Por instituição, dentro do referencial socioanalítico francês, entendemos não o estabelecimento ou local geográfico, mas relações e campos de forças instituídos e percebidos como naturais que se opõem constantemente a outros campos de forças instituintes. Daí, dizemos que as instituições, diferentemente de como são vistas, não são estáticas, cristalizadas e, portanto, eternas. Estão em constante movimento, em devir permanente. : verdade e dicotomia. As práticas consideradas científicas afirmam que devem se resguardar das misturas, das impurezas e poluições que estão ao seu redor e circulam pelo mundo. Como vestais, sarcerdotisas e guardiães do Santuário de Vesta (deusa da Vida entre os romanos) ¾ inacessível aos considerados leigos ¾ devem manter sua virgindade enquanto estiverem a serviço do culto. Assim, os intelectuais resguardam a pureza da "verdadeira" ciência e, por isso, poucos são os privilegiados que têm acesso a esses templos sagrados, poucos os que podem funcionar como vestais; antes, devem ser "purificados", evitando toda e qualquer mistura (Coimbra, 1995). Este tem sido, em geral, o papel das formações na área das ciências humanas e sociais, em especial na da psicologia. Entretanto, se apostamos nas multiplicidades, nas práticas sociais como produtoras dos objetos, saberes e sujeitos que estão no mundo, apostamos em outras formas de existência. Apostamos na possibilidade da criação e da invenção, na provisoriedade das coisas, como nos aponta Foucault.

Referências

Recebido em 30.10.2001

Aceito em 04.02.2002

  • Coimbra, C.M.B. (1995). Guardiães da ordem: uma viagem pelas práticas psi no Brasil do "milagre" Rio de Janeiro: Oficina do Autor.
  • Ewald, F.(1995). Foucault: analytique de l'exclusion. Magazine Littéraire, 334, 22-24.
  • Foucault, M. (1986). Vigiar e punir: nascimento da prisão. (L.M.P. Vassallo, Trad.) Petrópolis: Vozes. (Trabalho original publicado em 1975).
  • Foucault, M. (1987). As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas (S.T. Muchail, Trad.) São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1966).
  • Foucault, M. (1988). Microfísica do poder (R. Machado, Org. e Trad.) Rio de Janeiro: Graal. (Trabalhos originais publicados sem data).
  • Foucault, M. (1995). História da loucura na idade clássica (J.T. Coelho Netto, Trad.) São Paulo: Perspectiva. (Trabalho original publicado em 1972).
  • Foucault, M. (1996). A verdade e as formas jurídicas (R.C.M. Machado e E.J. Morais, Trads.). Rio de Janeiro: Nau Ed.
  • Guattari, F. & Rolnik, S. (1986). Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes.
  • Veyne, P. (1982). Como se escreve a história - Foucault revoluciona a história (A. Baltar e M.A. Kneipp, Trad.) Brasília: UnB. (Trabalhos originais publicados em 1971/1978).
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    Por instituição, dentro do referencial socioanalítico francês, entendemos não o estabelecimento ou local geográfico, mas relações e campos de forças instituídos e percebidos como naturais que se opõem constantemente a outros campos de forças instituintes. Daí, dizemos que as instituições, diferentemente de como são vistas, não são estáticas, cristalizadas e, portanto, eternas. Estão em constante movimento, em devir permanente.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Maio 2002
    • Data do Fascículo
      Set 2001

    Histórico

    • Aceito
      04 Fev 2002
    • Recebido
      30 Out 2001
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