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Avaliação de intervenção em estresse ocupacional

Evaluation of occupational stress intervention

Resumos

O objetivo deste estudo foi identificar fontes de satisfação e insatisfação para com um programa em manejo de estresse ocupacional baseado no modelo cognitivo-comportamental. Duzentos e dez trabalhadores de um hospital participaram de 24 sessões dirigidas ao desenvolvimento de estratégias individuais de enfrentamento ao estresse, através de vivências, ensaio comportamental, relaxamento, reestruturação cognitiva, solução de problemas e automonitoramento. Os relatos verbais dos participantes foram registrados ao fim de cada sessão e submetidos a análise de conteúdo. As principais fontes de satisfação foram em relação a: técnicas e instrumentos usados, temas discutidos, suporte social, aprendizagem de habilidades sociais, sentimentos agradáveis e desenvolvimento de habilidades de solução de problemas. A principal fonte de insatisfação foi relativa à curta duração das sessões. A análise qualitativa do programa revelou um processo terapêutico potencialmente favorecedor de impacto positivo sobre a saúde, o que poderá ser verificado em estudos futuros.

avaliação; intervenção; estresse ocupacional; processo


The purpose of this study was to identify sources of satisfaction and dissatisfaction toward an occupational stress management program, which was based on a cognitive-behavioural model. Two hundred and ten hospital workers attended 24 sessions targeted to development of individual strategies of coping to stress, through group dynamics, role playing, relaxation, cognitive restructuring, problems solution and self monitoring. The participant's verbal report were registered in the end of each session and submitted to content analysis. The main sources of satisfaction were toward techniques and instruments used, themes discussed, social support, learning of social skills, pleasant feelings, and development of problem solution skills. The main source of dissatisfaction was related to the short duration of the sessions. The qualitative analysis of the program revealed a therapeutic process potentially favourable to positive impact on health, which could be verified in future studies.

evaluation; intervention; occupational stress; process


Avaliação de intervenção em estresse ocupacional1 1 Os autores agradecem à Sílvia M. M. Cecílio e Giany K. Gonçalves pelo auxílio na coleta de dados.

Evaluation of occupational stress intervention

Sheila Giardini MurtaI, II, 2 2 Endereço: Rua 90 n. 361 ap. 202 Setor Sul, Goiânia, GO, Brasil, 74093-020. E-mail: murta@cultura.com.br ; Bartholomeu Torres TróccoliI

IUniversidade de Brasília

IIUniversidade Católica de Goiás e Universidade de Brasília

RESUMO

O objetivo deste estudo foi identificar fontes de satisfação e insatisfação para com um programa em manejo de estresse ocupacional baseado no modelo cognitivo-comportamental. Duzentos e dez trabalhadores de um hospital participaram de 24 sessões dirigidas ao desenvolvimento de estratégias individuais de enfrentamento ao estresse, através de vivências, ensaio comportamental, relaxamento, reestruturação cognitiva, solução de problemas e automonitoramento. Os relatos verbais dos participantes foram registrados ao fim de cada sessão e submetidos a análise de conteúdo. As principais fontes de satisfação foram em relação a: técnicas e instrumentos usados, temas discutidos, suporte social, aprendizagem de habilidades sociais, sentimentos agradáveis e desenvolvimento de habilidades de solução de problemas. A principal fonte de insatisfação foi relativa à curta duração das sessões. A análise qualitativa do programa revelou um processo terapêutico potencialmente favorecedor de impacto positivo sobre a saúde, o que poderá ser verificado em estudos futuros.

Palavras-chave: avaliação; intervenção; estresse ocupacional; processo.

ABSTRACT

The purpose of this study was to identify sources of satisfaction and dissatisfaction toward an occupational stress management program, which was based on a cognitive-behavioural model. Two hundred and ten hospital workers attended 24 sessions targeted to development of individual strategies of coping to stress, through group dynamics, role playing, relaxation, cognitive restructuring, problems solution and self monitoring. The participant's verbal report were registered in the end of each session and submitted to content analysis. The main sources of satisfaction were toward techniques and instruments used, themes discussed, social support, learning of social skills, pleasant feelings, and development of problem solution skills. The main source of dissatisfaction was related to the short duration of the sessions. The qualitative analysis of the program revealed a therapeutic process potentially favourable to positive impact on health, which could be verified in future studies.

Key words: evaluation; intervention; occupational stress; process.

O trabalho é uma das fontes de satisfação de diversas necessidades humanas, como auto-realização, manutenção de relações interpessoais e sobrevivência. Por outro lado, também pode ser fonte de adoecimento quando contém fatores de risco para a saúde e o trabalhador não dispõe de instrumental suficiente para se proteger destes riscos. Segundo a Associação Brasileira para Prevenção de Acidentes (2000), a segunda causa de afastamento do trabalho, no Brasil, é uma doença ocupacional: as afecções músculo-esqueléticas relacionadas ao trabalho, que têm acometido principalmente bancários, metalúrgicos, digitadores, operadores de telemarketing, secretárias e jornalistas. As doenças ocupacionais têm tido alta incidência e levado à diminuição de produtividade, ao aumento de indenizações e demandas judiciais contra empregadores (Ong, 1994), além de prejuízos para a qualidade de vida do trabalhador. Múltiplos fatores de risco podem causar doenças ocupacionais, sejam físicos (por exemplo, excesso de ruídos), químicos (por exemplo, gases poluentes), biológicos (por exemplo, vírus), ergonômicos (por exemplo, postura inadequada) ou psicossociais (por exemplo, falta de suporte de supervisores) (Durão, 1987). Fatores de risco psicossociais podem desencadear estresse, entendido como uma reação complexa com componentes físicos e psicológicos resultantes da exposição a situações que excedem os recursos de enfrentamento da pessoa. É uma reação adaptativa do organismo humano ao mundo em constante mudança. Todavia, quando suas causas se prolongam e os meios de enfrentamento são escassos, o estresse pode avançar para fases de maior gravidade, quando o corpo se torna vulnerável a doenças diversas. As respostas físicas e psicológicas ao estresse dependerão da herança genética, estilo de vida e estratégias de enfrentamento utilizadas pelo indivíduo, bem como da intensidade e duração do agente estressor (Lipp, 1996).

Estressores ocupacionais estão freqüentemente ligados à organização do trabalho, como pressão para produtividade, retaliação, condições desfavoráveis à segurança no trabalho, indisponibilidade de treinamento e orientação, relação abusiva entre supervisores e subordinados, falta de controle sobre a tarefa e ciclos trabalho-descanso incoerentes com limites biológicos (Carayon, Smith & Haims, 1999). Estas circunstâncias impõem ao trabalhador uma alta demanda a ser enfrentada. Se o indivíduo apresentar um repertório deficitário de enfrentamento, será, então, desencadeado o estresse ocupacional. Portanto, quanto maior a demanda e menor o controle, mais provável será a ocorrência de estresse e prejuízos à saúde do trabalhador (Cahil, 1996; Hurrel & Murphy, 1996; Theorell, 1999). O estresse ocupacional tem sido considerado fator de risco para doença coronariana em motoristas de ônibus (Bosma, Peter, Siegrist & Marmot, 1998; Carrère, Evans, Palsane & Rivas, 1991), burnout em trabalhadores de educação (Codo, 1998), afecções músculo esqueléticas relacionadas ao trabalho em usuários de terminais de vídeo (Ong, 1994), desordens de coluna, ombro e pescoço em trabalhadores de silvicultura (Hagen, Magnus & Vetlesen, 1998), absenteísmo e turnover em enfermeiros (Hemingway & Smith, 1999) e sintomas diversos, como cefaléia, problemas gástricos, desordens de sono, irritabilidade e perda de concentração (Cahill, 1996). Dadas as perdas humanas e econômicas associadas ao estresse ocupacional, tornam-se necessárias intervenções para sua prevenção ou controle. Programas de manejo de estresse ocupacional podem ser focados na organização de trabalho e/ou no trabalhador (Carayon & cols., 1999; Hagen & cols., 1998; Hemingway & Smith, 1999; Rey & Bousquet, 1995). Intervenções focadas na organização são voltadas para a modificação de estressores do ambiente de trabalho, podendo incluir mudanças na estrutura organizacional, condições de trabalho, treinamento e desenvolvimento, participação e autonomia no trabalho e relações interpessoais no trabalho. Intervenções focadas no indivíduo almejam reduzir o impacto de riscos já existentes, através do desenvolvimento de um adequado repertório de estratégias de enfrentamento individuais (Ivancevich, Matteson, Freedman & Phillips, 1990).

Embora arranjos do ambiente organizacional produzam possivelmente resultados mais rápidos e eficazes na promoção da saúde (Stokols, 1992), intervenções focadas no trabalhador podem também contribuir para a prevenção de doenças, ao atuarem como ferramenta auxiliar em programas multidisciplinares de promoção de saúde no trabalho. O modo como a pessoa lida com as circunstâncias geradoras de estresse exerce grande influência sobre sua saúde, modulando a gravidade do estresse resultante. Então, o trabalhador poderá ter sua saúde protegida ao se engajar em comportamentos de enfrentamento adequados que amenizem o impacto psicológico e somático do estresse (Steffy, Jones & Noe, 1990). O uso de estratégias de enfrentamento saudáveis aumenta em freqüência e intensidade estados emocionais positivos, como tranqüilidade, esperança ou bem-estar. Estes sentimentos interferem direta e indiretamente na saúde física por facilitar o bom funcionamento do sistema imune, favorecer o engajamento em comportamentos de saúde e potencializar relações interpessoais gratificantes (Kiecolt-Glaser & Glaser, 1992; Salovey, Rothman, Detweiler & Steward, 2000). Quando o trabalhador apresenta um estilo de enfrentamento deficitário, pode estar fazendo uso de estratégias inapropriadas para o contexto (como comunicar-se agressivamente em um ambiente de trabalho formal e hierarquizado) ou estratégias pouco variadas (por exemplo, somente trabalhar rapidamente, sem ajuda) ou ainda estratégias com efeitos colaterais (beber). Tal repertório de enfrentamento pode facilitar para que fontes de estresse no trabalho produzam alterações fisiológicas, como em imunidade e pressão arterial, o que poderá repercutir sobre a intensidade e duração dos sintomas de estresse e vulnerabilidade à doença. Programas focados no trabalhador buscam precisamente incrementar os recursos individuais de enfrentamento ao estresse. Tais programas se baseiam em orientações técnicas diversas: educação (ex.: causas e manifestações do estresse), cognitivo-comportamental (ex.: inoculação de estresse, reestruturação cognitiva, manejo de raiva e terapia racional emotiva), treinamento em habilidades pessoais (ex.: assertividade, manejo de tempo e negociação), redução de tensão (ex.: relaxamento, biofeedback e meditação) e "multicomponentes", que consiste na combinação de abordagens e técnicas (Bunce, 1997; Murphy, 1996; Reynolds, Taylor & Shapiro, 1993). Uma tendência dos programas na área é de adoção de técnicas combinadas, com uso de relaxamento e técnicas cognitivo-comportamentais, implementadas em pequenos grupos, em sessões semanais (Murphy, 1996).

O planejamento da avaliação de programas de manejo de estresse no trabalho é tão relevante quanto o planejamento de sua implementação. Avaliações de programas podem incluir avaliação de necessidades, do processo e de resultados (Posavac & Carey,1997). A avaliação de necessidades aumenta as chances de eficácia e eficiência da intervenção por detectar as demandas da população-alvo do programa. Pode ser feita através de entrevistas, questionários ou usando indicadores organizacionais, tais como incidência de uma dada doença ocupacional ou freqüência de licenças para tratamento de saúde. A avaliação de processo é também conhecida como avaliação formativa ou monitoramento da intervenção e verifica em que extensão a intervenção foi implementada tal como planejado (Steckler & Linnan, 2002). Tem como propósito identificar se o programa está atingindo a população-alvo, se todas as atividades previstas foram implementadas, se os participantes estão satisfeitos com a intervenção e se o material e componentes do programa são de boa qualidade (Hawe, Degeling & Hall, 1990). É comum o uso de indicadores qualitativos em avaliações de processo (Lipsey & Cordray, 2000), tais como relatos de satisfação com o programa ou indicadores observacionais de adesão à intervenção. A avaliação de resultados varia conforme o foco da intervenção, podendo ser conseqüências organizacionais, como absenteísmo, rotatividade e acidentes de trabalhos, até conseqüências individuais, como qualidade de vida, ansiedade, depressão, queixas somáticas, pressão arterial e nível de catecolaminas (Hurrel & Murphy, 1996). Alguns destes resultados podem se manifestar a curto prazo, enquanto outros se manifestam a longo prazo, requerendo neste último caso uma coleta de dados longitudinal. Uma avaliação completa aumentaria as chances de eficácia do programa ao longo do tempo, favorecendo um melhor direcionamento de recursos e procedimentos de intervenção. Até o começo da década de 90, eram apontados problemas em avaliação de programas de manejo de estresse ocupacional, como ausência de amostras apropriadas, de controles adequados, de follow-up e medidas inadequadas de conseqüências (Ivancevich & cols., 1990; Newman & Beeher, 1979; Reynolds & Shapiro, 1991). A literatura mais recente já apresenta estudos com delineamentos mais favoráveis à validade interna, com grupos controle, seleção randômica e uso de medidas psicológicas, fisiológicas e organizacionais adequadas (Murphy, 1996).

Embora tenham ocorrido progressos em procedimentos para avaliação de resultados e impacto sobre a saúde destes programas, ainda são poucos os estudos que descrevem avaliações de processo. Avaliar o processo tem sido discutido como uma das principais necessidades em avaliação de programas de manejo de estresse ocupacional, por estimular a busca de evidências sobre os mecanismos que geram mudanças (Bond & Bunce, 2000; Bond & Bunce, 2001; Bunce & Michael, 1996). Por exemplo, Reynolds e cols., (1993) fizeram uma avaliação de reação aos diferentes componentes de manejo de estresse de uma intervenção "multicomponentes", através da aplicação de questionários ao final de cada sessão de intervenção. Os componentes investigados foram: informação sobre estresse, relaxamento, assertividade, reestruturação cognitiva, manejo de tempo e suporte social. Os resultados apontaram que os componentes de menor impacto foram informação sobre estresse e manejo de tempo, ao passo que os demais componentes tiveram alto impacto positivo, principalmente sobre insights sobre si mesmo e definição de problemas. As dificuldades metodológicas de mensuração do estresse e de comprovação de relações causais entre estresse ocupacional e doença, a falta de mão de obra especializada em seu controle e a inexistência de dados epidemiológicos sobre a incidência de estresse e doenças ocupacionais no Brasil são alguns dos fatores que, possivelmente, têm contribuído para a omissão do manejo de estresse em programas nacionais de saúde ocupacional.

Na literatura científica nacional já existem diversos estudos que examinam as relações entre estresse e doenças no trabalho em diversos grupos ocupacionais, como burnout em policiais civis (Tamayo & Tróccoli, 2002) e professores (Codo, 2000), estresse e doenças osteomusculares em bancários (Ferreira, 2001; Pinheiro, Tróccoli & Paz, 2002), estresse e doenças osteomusculares em atletas (Maciel, 1996), estresse em enfermeiros (Stacciarini & Tróccoli, 2002) e em professores (Reinhold, 1996). Contudo, estudos voltados para controle de estresse são escassos. Têm sido conduzidas intervenções para prevenção terciária de estresse em profissionais portadores de distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (Merlo, Jacques & Hoefel, 2001; Sato & cols., 993; Araújo & Nunes, 1998; Araújo, 1998). Mas, parecem inexistir pesquisas voltadas para prevenção primária ou secundária. Ocasionalmente, a mídia publica ações de promoção de saúde no trabalho em grandes empresas, porém sem uma avaliação sistemática de seus efeitos. Este artigo pretende apresentar a avaliação de processo de um Programa de Manejo de Estresse Ocupacional desenvolvido junto a funcionários de uma instituição de reabilitação em saúde do interior goiano. Esta intervenção foi parte de um programa para prevenção de doenças ocupacionais conduzido por profissionais de segurança do trabalho, fisioterapia, recursos humanos e psicologia da saúde, que desenvolviam ações multidisciplinares voltadas para promoção de saúde no trabalho (Ferreira, Mota, Leite & Murta, 2000). O Programa de Manejo de Estresse Ocupacional consistiu em uma intervenção longitudinal, voltada para o desenvolvimento de habilidades individuais de enfrentamento ao estresse, cujo processo foi avaliado através da reação imediata dos participantes a cada sessão. Foram investigadas, particularmente, fontes de satisfação e insatisfação dos participantes quanto à intervenção.

MÉTODO

Participantes

Participaram 210 funcionários de um hospital de habilitação e reabilitação em saúde do interior de Goiás, provenientes dos seguintes setores: edificações (72), fisioterapia (21), administração (19), serviço de processamento de roupas (18), ambulatório (16), monitores de unidades (15), equipe técnica (13), serviço de higienização e limpeza (13), oficina de manutenção (12) e zeladoria (11). Os funcionários apresentavam níveis de instrução variando entre sem instrução até terceiro grau; eram, em sua maioria (65%), mulheres; com idade média de 33 anos e tempo de serviço na organização variando entre seis meses a 16 anos. A participação era voluntária. Os funcionários que tiveram índice de assiduidade igual ou superior a 80%, isto é, com presença em pelo menos 19 sessões, foram considerados participantes da intervenção.

Instrumentos

Foi utilizado o "Livro da Vida" (R. W. Sebastiani, comunicação pessoal, 20 de agosto de 2000) para avaliação da reação à sessão, que consiste em frases incompletas a serem complementadas verbalmente pelos participantes: "eu felicito..., eu critico..., eu proponho...", podendo as felicitações, críticas e sugestões serem dirigidas a "mim mesmo, ao colega ou à reunião". Foram utilizados recursos materiais de uso diário, como colchonetes, almofadas, lousa, folhas de papel, textos diversos, formulários escritos para exercícios de automonitoramento, rolo de barbante, gravuras, CD para relaxamento (Lipp, 1997), gravador, balões, lápis de cor, cola, tesoura, retalhos, tinta e pincéis. A intervenção foi realizada em dois ambientes: uma sala de reuniões com espaço para 80 pessoas, utilizada para o trabalho com um dos grupos que tinha 72 participantes e uma outra sala, usada para os demais grupos, com espaço para 12 pessoas, que funcionava como consultório de psicologia. A primeira sala era mobiliada com cadeiras e a segunda com cadeiras e colchonetes. Ambas as salas eram localizadas dentro da organização e apresentavam condições favoráveis à privacidade.

Procedimento

Foi feito um levantamento de necessidades, através da aplicação de um questionário, para identificar queixas e riscos à saúde percebidos pelos funcionários (Ferreira & cols., 2000). A avaliação de necessidades revelou, dentre outros aspectos, um repertório pobre de estratégias de enfrentamento ao estresse e de habilidades assertivas, o que foi tomado como uma das justificativas para implantar esta intervenção. Após a identificação das principais queixas de saúde e riscos psicossociais presentes na instituição, todos os funcionários foram convidados a participar da intervenção, independente dos resultados do diagnóstico inicial feito em cada setor. O convite foi feito através de (a) contato individual com coordenadores e gerentes; (b) contato pessoal verbal nos setores de trabalho e (c) cartazes. Por ocasião do convite, os funcionários foram informados sobre o funcionamento e objetivos da intervenção e foram esclarecidas as dúvidas. Foram colocados cartazes em todos os setores da instituição, a fim de lembrar e motivar os funcionários a participarem. O programa foi oferecido durante o horário de trabalho. Foram disponibilizadas 20 opções de horários para que os trabalhadores de todos os setores escolhessem o seu horário e dia, conforme critérios pessoais e critérios do setor de trabalho. Destas, apenas 16 foram preenchidas. Foi dada a orientação para que escolhessem o dia e horário de menos sobrecarga para que o setor continuasse em funcionamento, fazendo-se revezamento na saída do funcionário do posto de trabalho. Foram agrupados todos os funcionários que escolheram o mesmo dia e horário, formando-se assim os 16 subgrupos de intervenção. Os grupos variavam entre três e 72 participantes, com predominância de grupos com aproximadamente seis participantes. Apenas um grupo foi composto com 72 participantes, sendo todos provenientes do setor de edificações. Diferentemente dos demais setores do hospital que preferiram o esquema de revezamento entre os funcionários para se ausentar do posto de trabalho e comparecer à sessão, neste setor era necessário que todos os funcionários interrompessem o trabalho ao mesmo tempo a fim de evitar danos para o trabalho.

A intervenção foi conduzida ao longo de 24 sessões, com periodicidade quinzenal e duração de 40 minutos. Os grupos eram abertos, isto é, os participantes poderiam entrar em qualquer sessão, mesmo após o início da intervenção. Apesar desta regra flexível, predominavam grupos compostos pelos mesmos integrantes, dada a relativa baixa rotatividade no trabalho típica deste hospital. O programa teve o formato "multicomponentes", incluindo temas comuns em intervenções já descritas na literatura (Murphy, 1996): informações sobre estresse, estilo de vida e saúde; auto-estima e auto-eficácia; estabelecimento de metas; manejo de tempo; enfrentamento focado no problema e na emoção; relaxamento; reestruturação cognitiva; habilidades sociais (lidar com críticas, expressão de afeto, dar e receber feedback, fazer elogios, escuta empática, direito assertivo e assertividade) e solução de problemas. As técnicas utilizadas foram vivências de grupo (Del Prette & Del Prette, 2001; Gonçalves & Perpétuo, 1999; Yozo, 1996), automonitoramento, ensaio comportamental, modelagem (Gorayeb & Rangé, 1988), relaxamento (Lipp, 1997), reestruturação cognitiva (Alcino, 2000) e exposição dialogada (Silva, 2002). Antes de cada sessão, planejava-se um roteiro de intervencão, o qual era aplicado igualmente entre os diferentes grupos, fazendo-se ligeiras adaptações quando conveniente. A Tabela 1 descreve a distribuição de temas e técnicas por sessão. A condução das sessões ficava a cargo de uma psicóloga com experiência acadêmica e prática em psicologia clínica e da saúde (T1) e uma estagiária de psicologia (T2).

A avaliação dos resultados foi feita através da aplicação do Livro da Vida, ao final de cada sessão. Solicitava-se aos participantes que felicitassem, criticassem ou sugerissem algo para eles próprios, para o colega ou para a reunião, considerando-se a experiência da sessão do dia. Foram registradas na íntegra, no momento em que eram apresentadas, para posterior análise qualitativa. As verbalizações emitidas em "felicitações à reunião", "críticas à reunião" e "propostas à reunião" foram usadas para análise neste artigo. Foram listadas, analisadas e categorizadas por meio da análise de conteúdo (Bardin, 1988).

RESULTADOS

A análise dos relatos verbais dos participantes evidenciou dois grupos de fatores, alvos de satisfação: fatores relativos ao contexto terapêutico (satisfação quanto ao processo) e fatores relativos ao impacto das sessões sobre o bem-estar dos participantes (satisfação quanto ao resultado). No primeiro grupo, foram identificadas as categorias: (a) "adequação técnica/instrumental" (51 relatos), (b) "relevância e aplicabilidade dos temas" (35), (c) "suporte social grupal" (30), (d) "liberdade para auto-expressão de pensamento/sentimento" (27), (e) "suporte oferecido por terapeutas" (17), (f) "ambiente terapêutico" (07) e (g) "qualificativos da terapeuta" (03). A Tabela 2 apresenta a freqüência absoluta e relativa das categorias encontradas.

A categoria "adequação técnica/instrumental" refere-se à satisfação quanto a técnicas ou materiais utilizados na sessão, como relaxamento (15), realização de quebra-cabeça em equipe (Gonçalves & Perpétuo, 1999) (13), expressar afeto pelo gesto de dar ou receber presentes imaginários (Del Prette & Del Prette, 2001) (6), responder a um instrumento de auto-observação sobre habilidades sociais (04), ouvir música de fundo ou durante o relaxamento (4), escolher figuras para apresentar-se por meio delas (3), fazer pintura retratando sentimentos ou sensações vividos no dia (2), fazer respiração diafragmática (1), discutir crenças irracionais (1), preencher "pizza do tempo" para perceber modo de lidar com o tempo (1) e visualizar escada símbolo de auto-estima durante o relaxamento (Lipp, 1997) (1). "Relevância e aplicabilidade dos temas" referem-se à satisfação quanto ao tema discutido na sessão. Os temas mais preferidos pelos participantes foram: lidar com críticas (17), direito assertivo (8), enfrentamento focado no problema e emoção (5) e reestruturação cognitiva (5). A interação entre os membros do grupo foi percebida como fonte de suporte social e foi relatada como fonte de satisfação, categorizada como "suporte social grupal". Alguns dos relatos incluídos nesta categoria foram: "diálogo em grupo ajuda na solução de problemas", "por nós estarmos tentando nos ajudar e trocando experiências", "é bom o encontro: a gente escuta um, escuta outro e aprende", "40 minutos ótimos, troca de experiências, passa a admirar os colegas". O contexto terapêutico foi considerado como um local para livre expressão de pensamentos e sentimentos, como demonstrado nos relatos: "por permitir a expressão de sentimentos guardados", "pude falar o que tenho vontade e às vezes não posso", "é bom a gente conversar, a gente sai mais aliviado, mais contente".

A conduta das terapeutas de oferecer suporte foi também considerada relevante, como revelam as falas: "é bom poder falar como se fosse para a mãe, que dá suporte", "T1 e T2 são boas para ouvir. T1 alivia a gente quando a gente conversa com ela, chego aqui pesada e saio com o corpo leve", "dão atenção pra gente, cumprimentam lá fora". Foram também salientados qualificativos das terapeutas, como bom humor, inteligência e conhecimento técnico. Aspectos do ambiente terapêutico considerados como satisfatórios foram grupos pequenos, com participantes do mesmo setor de trabalho e ambiente físico relaxante, por ter almofadas, colchonetes e música. O segundo conjunto de fatores, relativos à satisfação quanto aos resultados percebidos, incluiu as categorias: (a) "habilidades sociais" (32), (b) "sentimentos/sensações agradáveis" (26), (c) "habilidades para solução de problemas" (15), (d) "enfrentamento e aprendizagem de novos recursos" (15), (e) "motivação para mudanças" (13), (f) "auto-observação" (13) e (g) "reestruturação cognitiva" (9) (ver Tabela 2). A intervenção foi percebida como favorecedora do desenvolvimento de habilidades sociais, tanto por sensibilizar os participantes para adotarem condutas mais socialmente habilidosas (26) quanto por auxiliá-los a implementar estas habilidades em suas relações (06). Os relatos a seguir ilustram o primeiro estágio, de preparação para a mudança: "aprendi que todos sentem raiva, é normal. Tem é que controlar o jeito de expressar a raiva", "ignorar o outro é péssimo, foi boa a reflexão sobre isso para compreender o outro", "vou passar a tratar as pessoas de modo diferente. Aprendi a considerar o que as pessoas sentem". O segundo estágio, de ação em mudanças no repertório de habilidades sociais, pode ser observado nas verbalizações: "eu mudei, melhorei. Passei a ser menos direta, a ouvir primeiro", "aprendi a respeitar a opinião dos outros", "a reunião ajuda a conversar com os filhos". Os participantes relataram que as sessões de intervenção produziam, de imediato, sentimentos ou sensações agradáveis: "no encontro passado eu saí daqui me sentindo muito bem", "a gente conversa e alivia a tensão", "senti confiança, segurança", "a gente fala e sai daqui com uma ponta de alegria e esperança".

A intervenção foi julgada como promotora do desenvolvimento de habilidades de solução de problemas: "dá oportunidade para saber como resolver os problemas, como usar as alternativas.... se compensa ou não...encarar os problemas", "a última reunião foi ótima, consegui resolver muitos problemas", "me orientou, ajudou no problema do meu filho", "por me ajudar a achar caminhos para os meus problemas e por ver que eles não são tão desastrosos assim". Foram relatados também efeitos sobre a aprendizagem de novas estratégias de enfrentamento: "percebi que posso relaxar em casa ouvindo música", "vi que os outros também têm problemas". Os participantes relataram que a intervenção incrementava sua motivação para a mudança e auto-cuidado: "dá força pra não desistir das coisas", "é hora de pensar na vida. Um fala e a gente pensa: é mesmo..., é mesmo.... Tem mais força para lutar, incentivo". A auto-observação foi outro efeito percebido associado à intervenção: "me tornei mais consciente das atitudes que tomo para extravasar as emoções", "a reunião abre a percepção", "saí muito pensativa do último encontro e lembrei do assunto no fim de semana". A categoria "reestruturação cognitiva" compreendeu mudanças em crenças irracionais acerca de si mesmo ou do mundo externo. Algumas das verbalizações incluídas nesta categoria foram: "a reunião lembra coisas que a gente sabe, mas esquece: ter paciência com a gente mesmo", "foi um modo de ver como as pessoas são rotuladas em razão", "lembrar o passado para tocar pra frente e não ficar sofrendo pelo passado".

A análise de conteúdo das críticas à intervenção revelou seis fontes de insatisfação dos participantes para com a intervenção, num total de 13 relatos, distribuídos nas categorias: duração curta da sessão (seis relatos), atraso para começar a sessão (2), técnica inapropriada (2), repetição de tema (1), interrupção da sessão por pessoa externa ao grupo (1) e clima triste da sessão (houve choro nesta sessão) (1). A análise de conteúdo das propostas à intervenção permitiu que os dados fossem agrupados nas categorias, por ordem: aprofundamento na discussão (dos temas reestruturação cognitiva, lidar com crítica, solução de problemas, enfrentamento, direitos humanos e expressão de raiva) (16 relatos), repetição de exercícios de relaxamento (12), aumentar duração ou freqüência das sessões (11), fazer vivências para maior interação entre os participantes (7), inserir novos temas (expressão de carinho, auto-defesa, admitir erros, violência doméstica) (5), trazer lanche para a sessão (4), telefonar para os participantes lembrando-os da intervenção (4), otimizar uso do tempo na sessão (por exemplo, não repetindo o tema da sessão anterior para os participantes que faltaram e perderam a seqüência da intervenção) (3), estender a intervenção aos coordenadores (2) e usar vivências para descontração grupal (2).

DISCUSSÃO

Este estudo almejou descrever a avaliação de processo de um Programa de Manejo de Estresse Ocupacional focado no trabalhador, no que se refere à fontes de satisfação e insatisfação dos participantes quanto à intervenção. A intervenção foi avaliada como tendo diversas fontes de satisfação, tanto quanto ao contexto terapêutico quanto ao impacto imediato das sessões sobre o bem-estar dos participantes. Elementos do contexto terapêutico considerados como os mais satisfatórios foram técnicas e instrumentos usados, temas discutidos, suporte social oferecido pelo grupo e liberdade para expressar pensamentos e sentimentos. Os participantes apresentaram uma reação à sessão predominantemente satisfatória, principalmente por considerarem que a intervenção promoveu a aprendizagem de habilidades sociais, favoreceu sentimentos e sensações agradáveis e estimulou o desenvolvimento de habilidades de solução de problemas e enfrentamento.

A predominância da satisfação sobre a insatisfação para com a intervenção foi também confirmada considerando-se a relativa baixa freqüência de relatos de críticas e propostas, bem como sua qualidade: a principal característica foi quanto à curta duração da sessão e as principais propostas foram acerca do aprofundamento em alguns temas, repetição de relaxamento e aumento na duração e freqüência das sessões (duravam 40 minutos e ocorriam a cada duas semanas). Os elementos do contexto terapêutico avaliados como alvos de satisfação pelos participantes sugerem que foram criadas contingências de reforçamento positivo para a presença e participação nas sessões. Técnicas e temas discutidos parecem ter sido relevantes para a realidade dos participantes, como o tema "lidar com críticas", que foi descrito como o preferido, provavelmente por haver grande demanda para esta habilidade nas relações cotidianas, "intra" e "extra-trabalho". A escolha de temas relevantes e técnicas adequadas resultou, em grande parte, da avaliação de necessidades anterior à intervenção, que forneceu dados acerca de quais habilidades sociais e de enfrentamento eram mais deficitárias no repertório dos trabalhadores. Outro aspecto que poderia explicar a aceitação dos participantes de temas e técnicas é a carência de informações sobre comportamento e saúde, uma vez que grande parte dos participantes tinha pouca instrução e pouco acesso a serviços de psicologia. Além disso, o formato "multicomponentes" da intervenção propiciou o contato com temas e técnicas bastante variados, o que pode ter contribuído para a motivação e assiduidade dos funcionários às sessões.

Estudos na área têm identificado um conjunto de variáveis que podem atuar como moderadoras dos resultados, afetando a direção ou intensidade da relação entre a variável independente ou preditora e a variável dependente ou critério (Baron & Kenny, 1986). Incluem gênero, auto-eficácia (Bunce, 1997), locus de controle (Bunce, 1997; Hendrix, Ovalle & Troxler, 1985), comportamento Tipo A, hardiness (Ivancevich & cols., 1990), suporte social (Gangster, Mayes & Fusilier, 1986; Reynolds & Shapiro, 1991) e o processo da sessão de intervenção, como o senso de segurança e entusiasmo dentro do grupo e credibilidade e vínculo terapêutico com o facilitador do grupo (Bunce, 1997). Estes últimos elementos foram citados como alvos de satisfação quanto ao processo da intervenção: suporte social recebido do grupo, liberdade para expressar sentimentos e pensamentos e suporte oferecido pela terapeuta. Pode-se supor então que o contexto terapêutico ofereceu várias das condições favoráveis à mudança. Embora a avaliação não tenha sido conduzida com o objetivo de verificar efeitos da intervenção sobre desenvolvimento de habilidades de enfrentamento e saúde, dados foram obtidos neste sentido. Relatos dos participantes evidenciaram que a intervenção estava sensibilizando para a aprendizagem de habilidades sociais, de solução de problemas e enfrentamento, além de motivá-los à mudança e auto-observação. Outros relatos evidenciaram que mudanças em habilidades sociais e de solução de problemas já estavam sendo implementadas. É provável que os participantes tenham evoluído no processo de mudança ao longo da intervenção: que tenham saído da contemplação à mudança ("preciso mudar") e entrado nos estágios de preparação ("estou decidido a mudar") ou até mesmo ação ("estou mudando") (Prochaska & DiClemente, 1983). Estudos futuros poderão averiguar o impacto de intervenções para controle de estresse sobre estágios de mudança em comportamentos de saúde ao longo do processo. Uma das reações às sessões eram sensações e sentimentos agradáveis, como relaxamento e alívio. Isto sugere que mudanças físicas e emocionais ocorreram, pelo menos a curto prazo, e podem ter atuado como mediadoras de outras mudanças na condição de saúde. Relaxamento e alívio de emoções desagradáveis são estados desejáveis no controle do estresse, mas não se sabe se estes eventos foram generalizados para outros contextos e qual a duração destes efeitos. Uma avaliação de resultados com pré-teste e pós-teste e de impacto a longo prazo seria necessária para verificar quais habilidades foram incorporadas no repertório comportamental e suas conseqüências sobre o estresse ocupacional, qualidade de vida e indicadores de saúde no trabalho.

A relevância social de programas de manejo de estresse ocupacional tem sido reconhecida por ter implicações micro e macrossistêmicas: promove a segurança e saúde do trabalhador, mantêm os níveis de produtividade organizacional e reduz custos com seguros de saúde e indenizações para o poder público (Hurrel & Murphy, 1996; Ivancevich & cols., 1990). Os resultados deste estudo evidenciaram um impacto imediato da intervenção bastante positivo, potencialmente gerador de benefícios para a saúde a longo prazo. Uma avaliação longitudinal de indicadores individuais e organizacionais de saúde seria necessária para averiguar efeitos desta intervenção a longo prazo. Tal tarefa requer uma aliança entre pesquisa aplicada e intervenção, para se vencer alguns obstáculos comuns em experimentos ou quase-experimentos naturais. É necessário planejar grupos de comparação adequados, instrumentos válidos e acessíveis à populações com pouca instrução e utilizar procedimentos de avaliação minimamente intrusivos na rotina de trabalho e no contexto da intervenção. Considerando-se os últimos aspectos, neste estudo optou-se por não reaplicar o questionário utilizado na avaliação de necessidades e adotar um procedimento qualitativo naturalmente integrado ao contexto de intervenção. Supôs-se que o uso de instrumentos escritos consumiria tempo relevante da sessão podendo reduzir a motivação dos participantes e aumentar chances de desistência do programa. De fato, associar intervenção e pesquisa junto a trabalhadores de baixa instrução requer o desenvolvimento de procedimentos alternativos de coleta de dados, capazes de obter informação válida e confiável sem comprometer a aderência ao programa.

Além da avaliação, a intervenção propriamente dita também impõe desafios. Esta deve ser coerente com demandas, limites e possibilidades da instituição, no que diz respeito à freqüência, duração e periodicidade das sessões. Neste estudo, a intervenção foi realizada com sessões de curta duração e periodicidade longa, ao passo que a literatura na área apresenta intervenções com sessões a intervalos semanais, de 90 minutos de duração aproximadamente, distribuídas em poucas semanas (Murphy, 1996). Embora os participantes tenham relatado que seria desejável um aumento na duração e na freqüência das sessões e aprofundamento na discussão de alguns temas, o formato de intervenção usado nesta organização foi o mais viável para este contexto. Conforme Bellarosa & Chen (1997), no planejamento da intervenção há de se considerar não apenas a expectativa de eficácia da intervenção, mas também sua viabilidade, especialmente se conduzida durante o horário de trabalho e longitudinalmente. Critérios de viabilidade incluem, por exemplo, a quantidade de treinamento necessária para se obter resultados, a capacitação teórica e técnica requerida aos coordenadores da intervenção, custos do planejamento e implementação, duração dos efeitos, possibilidade de integração entre programas de treinamento de gerências e de pessoal e a reação ou preferências dos usuários. Estudos futuros poderão examinar resultados e impacto de programas com carga horária concentrada em períodos curtos versus programas longitudinais. Além de um contexto terapêutico favorecedor de mudanças, programas de prevenção a doenças ocupacionais viáveis e eficazes devem contar com o engajamento de chefias e com ações multidisciplinares. Este foi o caso do programa ora descrito, que foi solicitado pela direção da instituição e inserido em um programa maior de promoção de saúde no trabalho. É possível que o primeiro aspecto tenha sido determinante para a execução da intervenção e aumentado a chance de adesão, enquanto o segundo pode ter afetado vários fatores de risco à saúde, além dos psicossociais. Intervenções futuras poderão se beneficiar de uma atuação conjunta com o setor de Segurança e Medicina do Trabalho e Comissões Internas de Prevenção de Acidentes no Trabalho. Infelizmente, em nosso país a atuação do psicólogo na saúde ocupacional ainda não é legalmente exigida, como é exigida a atuação de profissionais da enfermagem, medicina, engenharia e técnicos em segurança do trabalho. A ausência de profissionais psicólogos em equipes de segurança e medicina do trabalho é contraditória: entende-se que doenças ocupacionais possam ser causadas, ainda que em parte, por fatores psicossociais, mas não há normas para seu controle, como há para os demais fatores de risco. Isto pode ser entendido como um convite para a integração entre aplicação, pesquisa e divulgação do conhecimento, a fim de que seja esclarecido o papel da psicologia da saúde ocupacional na promoção da saúde no trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma das contribuições deste estudo foi apresentar um programa de controle de estresse viável, de baixo custo de implementação, com pouca alteração da rotina de trabalho dos funcionários dada a duração e periodicidade das sessões e aceita pelos participantes. Contudo, não se sabe se houve generalização do impacto positivo observado imediatamente após a sessão para outros contextos, bem como redução no nível de estresse da amostra. Esta é uma demanda a ser investigada em futuras avaliações de programas de manejo de estresse ocupacional, com delineamentos que incluam avaliação de resultados e impacto, além de avaliação de processo. Poderão ser testadas a eficácia e viabilidade de intervenções "multicomponentes" versus "unicomponentes", utilizando-se amostras com diferentes riscos de estresse, como bombeiros, policiais e professores, e indicadores variados, desde o nível individual, como sintomas de estresse, até indicadores organizacionais, como custos com absenteísmo e freqüência de licenças médicas. Delineamentos quase experimentais com grupos controle adequados e follow-up são recomendáveis. Isto poderá esclarecer o que funciona, com quem, em quais indicadores de saúde e qual a duração dos efeitos.

Recebido em 26.03.2003

Primeira decisão editorial em 15.01.2003

Versão FInal em 25.04.2004

Aceito em 26.04.2004

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    Os autores agradecem à Sílvia M. M. Cecílio e Giany K. Gonçalves pelo auxílio na coleta de dados.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jun 2004
    • Data do Fascículo
      Abr 2004

    Histórico

    • Recebido
      26 Mar 2003
    • Aceito
      26 Abr 2004
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