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Notícia: Josef Brozek (1913-2004): somos todos herdeiros

News: Josef Brozek (1913-2004): we are all heirs

Notícia: Josef Broek (1913-2004): somos todos herdeiros

News: Josef Broek (1913-2004): we are all heirs

Marina MassimiI, 1 1 Endereço: Departamento de Psicologia e Educação - FFCLRP Avenida Bandeirantes, 3900, Ribeirão Preto, SP, Brasil 14040-910. E-mail: mmarina@ffclrp. usp. br ; Regina Helena de Freitas CamposII, 2 2 Endereço: Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Educação Avenida Antonio Carlos 6627 Campus Pampulha, Belo Horizonte, MG, Brasil 31270-901. E-mail: regihfc@terra.com.br

IUniversidade de São Paulo – Campus de Ribeirão Preto

IIUniversidade Federal de Minas Gerais

No dia 18 de janeiro de 2004, faleceu em Saint Paul (Minnesota, EUA), Josef Broek, um grande homem e um grande cientista. "O meu desejo principal é ser útil": era uma exigência que ele afirmava freqüentemente. O relato de sua longa e fecunda vida documenta a realização plena deste seu desejo. E se, como ele mesmo dizia, "jamais temos repouso: o presente é perpétuo", a longa existência por ele vivida tão intensamente, demonstrou a verdade da citação de Georges Braque (1917-1952), que amava repetir "o pôr em obra sempre supera os resultados previstos".

Com efeito, Josef Broek foi protagonista de uma aventurosa, dramática e belíssima história de vida. Nasceu em 1913, na cidade de Melnik, na Bohemia, atual República Tcheca. Viveu sua juventude em Varsóvia entre 1913 e 1915 e na Sibéria entre 1915 e 1920. Em junho de 1937, tornou-se PhD pela Charles University, em Praga, com uma tese sobre memória: suas medidas e sua estrutura. Atuou como psicólogo neste país, na área da orientação vocacional e da psicologia industrial, nos anos de 1938 e 1939. Em 1939, emigrou para os Estados Unidos e naturalizou-se americano em 1945.

Continuou sua atividade de pesquisador e, desde 1936, assumiu diversos cargos universitários na Europa e EUA, entre eles, a partir de 1941, como pesquisador no Laboratório de Higiene Fisiológica, onde desenvolveu pesquisas sobre os efeitos da desnutrição no comportamento humano e no campo da psicologia do trabalho; e no Massachusetts Institute of Technology (M.I.T.) em 1980-1981. A partir de 1958, foi nomeado professor de psicologia e pesquisador da Lehigh University, em Bethlehem, Pennsylvania, nos Estados Unidos.

Foi autor de vários trabalhos de pesquisa, publicados em inúmeros artigos e livros, dentre os quais destacam-se os temas do comportamento na desnutrição e história da psicologia. Com efeito, Josef Broek foi um dos pioneiros na pesquisa em História da Psicologia Moderna. Em 1965, participou da criação da Divisão 26 da American Psychological Association, dedicada à História da Psicologia, e da organização do periódico Journal of the History of the Behavioral Sciences, que se tornou um dos principais veículos de difusão da pesquisa científica na área. Até recentemente, Broek integrava o corpo editorial desse periódico. Para colaborar na institucionalização do campo de estudos da História da Psicologia, Broek organizou, em 1966, juntamente com R.I. Watson, um curso de verão em História da Psicologia, destinado a professores, na Universidade de New Hampshire. O curso foi repetido mais tarde na Universidade de Lehigh, em 1971. A partir desse esforço em reunir os especialistas na área, surgiu em 1968, a International Society for the History of Behavioral and Social Sciences, mais tarde denominada Cheiron. Em 1969, Broek contou com a colaboração de Mary Henle, da Universidade de Princeton, historiadora da psicologia da Gestalt, na organização do primeiro congresso da nova sociedade.

Na área da História da Psicologia, Broek realizou inúmeras pesquisas em arquivos e bibliotecas dos EUA e da Europa, especialmente da Europa Oriental. São trabalhos historiográficos originais quanto a conteúdos e métodos. Através da organização e participação em congressos, visitas científicas e contatos epistolares mantidos com fidelidade, até o fim de sua vida, tornou a historiografia da psicologia, um domínio internacional, envolvendo nesta construção não apenas estudiosos de países de língua anglo-saxônica, mas também aqueles de idiomas eslavos e latinos, inclusive o Brasil. Suas visitas entre nós foram determinantes para a criação e articulação do grupo de historiadores brasileiros da psicologia, bem como para a publicação de trabalhos na área. Ele mesmo encarregou-se, em colaboração com M. Massimi, da preparação da versão brasileira da "Historiografia da Psicologia Moderna" (1998).

Em 1996, em visita ao Brasil, Broek participou da instalação do Grupo de Trabalho em História da Psicologia da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP). Naquela ocasião, esteve em Belo Horizonte para conhecer o Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff (CDPHA) e o grupo de pesquisa que, na Universidade Federal de Minas Gerais, empreendia a tarefa de organização do acervo Antipoff. Encantado com a riqueza dos materiais que compõem esse acervo e com a trajetória de vida de Helena Antipoff, que, como ele, havia deixado a Europa Oriental, passando pela Europa Ocidental para desenvolver intenso trabalho em psicologia e educação no continente americano, Broek decidiu doar parte de sua biblioteca pessoal para o Centro. A partir dessa doação, que contém uma preciosa coleção de livros, periódicos, teses e manuscritos do autor, além de fotografias e slides, o acervo do CDPHA se ampliou, e novos temas de pesquisa passaram a ser explorados pela equipe, em cuja orientação Broek participou com grande interesse. O acervo doado por Broek está disponível na Sala Helena Antipoff, na Biblioteca Central da UFMG, juntamente com o acervo do CDPHA, constituindo os "Arquivos UFMG de História da Psicologia no Brasil". Um dos resultados da colaboração entre Broek,o Grupo de História da Psicologia da ANPEPP e o CDPHA foi a publicação, em 2001, do Dicionário Biográfico da Psicologia no Brasil, editado com o apoio do Conselho Federal de Psicologia, no qual Broek figura como co-autor. Como testemunho de sua inesgotável energia, nosso amigo enviou recentemente ao Journal of the History of the Behavioral Sciences, uma resenha desse dicionário, publicada no volume 39, número 4, de outono de 2003, na qual ressalta as qualidades da obra como referência para a História da Psicologia no Brasil.

Sua grande disponibilidade é evidenciada por tantos exemplos: entre eles, contamos um do qual fomos testemunhas. Octogenário, Broek aprendeu a língua portuguesa com o intuito de responder ao nosso convite para ministrar uma disciplina junto ao curso de psicologia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Foi assim que, no mês de maio de 1996, lecionou uma disciplina introdutória de historiografia da psicologia, para os alunos do primeiro ano de curso. Foi uma experiência inesquecível para todos: aquele senhor alto e simpático, que falava um correto português, recitava poesias, tocava violoncelo e guitarra e assobiava músicas no meio de lições claras e profundas, fascinou a todos com seu sorriso cativante e sua irresistível e intensa humanidade, juntamente com uma incomparável competência histórica e historiográfica.

Para Broek, a dedicação ao estudo, ao ensino e à difusão da história da psicologia, nascia da consciência de que, como ele mesmo nos disse naquela ocasião

todos somos herdeiros. Os nossos conhecimentos, a nossa força (ou fraqueza) econômica, política, intelectual e moral - todas essas coisas nos vêm de gerações anteriores. Nunca esquecerei o comentário de um professor de sociologia que dizia: nossa contribuição pessoal aos conhecimentos humanos é de peso tão leve que um pássaro pequenino poderia levá-la embora. O estudo da história das ciências deve nos ensinar a virtude da modéstia. Além do mais, ajuda-nos a nos orientarmos de modo mais rápido e inteligente no presente e antecipar o futuro ( http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos03/brozek04.htm ).

Citando os Cadernos de Braque, afirmava que "o conhecimento do passado faz possível a revelação do presente". Todavia, acreditava, "a realidade não se revela se não for iluminada por um raio poético". O raio da poesia da vida iluminava sua pessoa e sua atuação: esta luz permanece entre nós, que tivemos o privilégio de conhecer, estimar e amar Josef Broek.

Recebido em 26.03.2004

Aceito em 30.03.2004

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    Endereço: Departamento de Psicologia e Educação - FFCLRP Avenida Bandeirantes, 3900, Ribeirão Preto, SP, Brasil 14040-910. E-mail:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jun 2004
    • Data do Fascículo
      Abr 2004
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