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Os colaboradores em um artigo científico

EDITORIAL

Goethe (citado por Dimenstein, 2003, p. 33)

Entre as questões éticas envolvidas na produção de um trabalho científico, encontra-se a questão da responsabilidade do autor na designação de co-autoria. Tem sido crescente a tendência no aumento do número de colaboradores por artigo, tanto em periódicos nacionais quanto estrangeiros (Goldenberg, 2001). Na revista Psicologia: Teoria e Pesquisa, nos últimos cinco anos, mais de 75% dos artigos publicados têm mais de um autor, sendo maior a freqüência de artigos com dois autores, o que pode ser perfeitamente explicado pelo grande número de artigos resultantes de dissertações de mestrado e teses de doutorado produzidas em co-autoria entre alunos e seus orientadores.

Os editores têm sido encorajados a desenvolver e implementar políticas, em suas linhas editoriais, que subsidiem a definição e a identificação de autoria e de co-autoria de artigos, de forma a garantir a responsabilidade pela integridade do trabalho publicado. Algumas revistas, em especial das áreas da saúde, têm dedicado especial atenção a este tópico, sendo que vários periódicos vêm adotando o procedimento de solicitar a explicitação da contribuição de cada um dos autores na confecção do manuscrito, quando de sua submissão ao comitê editorial.

É consenso de editores que o crédito de autoria deve ser dado apenas aos que, de forma substancial, contribuíram intelectual e cientificamente na execução do trabalho Essa colaboração deve estar presente na concepção da pesquisa, no seu delineamento e na obtenção, análise e interpretação de dados. Segundo Goldenberg (2001), os autores devem também concordar e compartilhar a responsabilidade pelos resultados. "Não se deve adicionar autores 'por conveniência' sem participação efetiva nas etapas do trabalho" (Goldenberg, 2001, p. 2). Por fim, é atribuição dos autores, aprovar a versão final para publicação. Vale lembrar que sempre cabe o recurso do agradecimento em nota de rodapé aos demais colaboradores do artigo que não estiveram diretamente implicados em todos os processos de elaboração do mesmo.

Lamentavelmente, tem-se conhecimento de práticas abusivas nas quais se dá a inclusão de autores em artigos científicos que não participaram efetivamente da elaboração do trabalho. Em alguns serviços, por exemplo, alguns chefes abusam de seu poder hierárquico para obrigar a inclusão de seu nome em todos os trabalhos de seu grupo (Faintuch citado por Goldenberg, 2001). De acordo com o mesmo autor, há ainda casos em que a inclusão de nomes de determinados autores auxilia na visibilidade e no impacto da publicação.

Um dos possíveis motivos que conduzem a atitudes como estas pode ter suas raízes nas políticas adotadas por algumas agências de fomento à pesquisa na qual tem-se estimulado as práticas de publicação com acentuada ênfase na quantidade em detrimento da qualidade. Pressões dessa natureza, obviamente, não devem servir de pretexto para ações escusas e anti-éticas como as de apropriação indevida de crédito em obra intelectual.

Por outro lado, as próprias políticas que ditam os critérios de classificação das publicações científicas podem estar fomentando indiretamente a prática de inclusão de autorias pluri-institucionais. Em particular, a proporcionalidade na representação geográfica dos autores à qual as revistas se vêm obrigadas a contemplar - caso queiram aceder ao patamar de maior qualificação -, de acordo com critérios de avaliação da CAPES/Qualis, pode elevar substancialmente as chances de publicação de um artigo quando neste constem autores de instituições de diferentes regiões geográficas do país e, com ainda melhores perspectivas de classificação se os autores forem afiliados a instituições estrangeiras. Os editores devem estar muito atentos a esses ditames para não permitir que o alcance geográfico se sobreponha à dimensão do mérito científico e macule a conduta ética em seu ofício.

Neste número, o autor pode apreciar uma gama diversificada de temas das mais diferentes áreas do conhecimento psicológico, escritos por autores de instituições nacionais e estrangeiras. José Augusto Hernandez e Cláudio Hutz examinam as relações entre papéis sexuais, ajustamento conjugal e emocional de gestantes com base na Teoria de Esquema de Gênero e na linha de pesquisa da transição para a parentalidade. Fernando Adami, Deivis Frainer, João Santos, Tony Fernandes e Fernando De-Oliveira investigam a insatisfação corporal em relação com o nível de atividade física em estudantes adolescentes de ambos os sexos de escolas públicas de Florianópolis.

Na área da psicologia jurídica, temos várias contribuições: Sandra Pereira e Maria Fátima Sudbrack discutem a relação entre os níveis de dependência relacional das drogas e a prática de atos infracionais entre os jovens em conflito com a lei. Ivonete Granjeiro e Liana Costa discutem a interface Psicologia/Direito a partir de estudo envolvendo uma situação de violência intrafamiliar. Mirian Cortez e Lídio de Souza exploram o modo como a compreensão e o desempenho dos papéis de gênero se relacionam às ocorrências de violência (física, psicológica e sexual) dos maridos contra as esposas.

Luciene Tognetta e Yves de La Taille apresentam uma investigação entre adolescentes de colégios particulares com o objetivo de constatar correspondência entre os julgamentos morais e as representações que os sujeitos têm de si mesmos. Por sua vez, Pascal Roman propõe a avaliação da dinâmica familiar a partir de método projetivo e, para tal, apresenta estudo de uma situação clínica. Rosa Jerônimo e Teresinha Gonçalves relatam pesquisa sobre a reapropriação do espaço pelos moradores nativos da comunidade pesqueira de Ibiraquera (SC), dada a recente e gradativa ocupação do local por turistas. Mirlene Siqueira e Valquiria Padovam discutem as diferentes proposições teóricas para bem-estar e sugerem uma articulação, com base na psicologia positiva, no intuito de ampliar a compreensão de fatores que contribuem para promover uma existência mais saudável. Tatiana Irigaray e Rodolfo Schneider investigam os motivos que levaram idosas a participar da Universidade para a Terceira Idade e as mudanças ocasionadas por essa participação.

A análise do movimento corporal humano é apresentada em diferentes perspectivas em dois artigos muito interessantes: Larissa Sato Turtelli e Maria da Consolação Tavares abordam as principais categorias de movimento identificadas por Kestenberg como subsídio para compreender o movimento corporal humano no contexto terapêutico. Por sua vez, Marielle Barbosa e José Francisco Bairrão fazem a análise do movimento em rituais umbandistas no intuito de fornecer subsídios para o desenvolvimento de uma etnopsicologia brasileira.

Conceição Nogueira apresenta algumas concepções de Análise do Discurso mais usadas na psicologia social contemporânea. Laura Lima defende a articulação themata - fundos tópicos, visando uma abordagem pragmática da linguagem, propondo o método Alceste para esta articulação. Rosane Lustoza propõe a discussão sobre a especificidade do conceito lacaniano de objeto a, distinguindo-o do objeto tal como é construído pelas ciências experimentais. Na área da análise experimental do comportamento, Carlos Eduardo Costa, Roberto Banaco, Denise Longarezi, Everton Martins, Evelise Maciel e Camila Sudo investigam como o tipo de reforçador afeta o comportamento em universitários expostos a diferentes esquemas de reforço.

Por fim, Aparecida Penso apresenta a noticia do "I Seminário Internacional sobre Adolescentes, Clínica e Cultura" ocorrido em Brasília em maio último e que reuniu renomados pesquisadores da França e do Brasil, bem como congregou professores, alunos e ex-alunos da Pós-Graduação em Psicologia Clínica da UnB em torno de uma extensa e relevante programação científica.

Desejo aos caros leitores que usufruam do conteúdo desta revista.

Maria Inês Gandolfo Conceição

Editora

  • Goldenberg, S. (2001). Publicação do trabalho científico: compromisso ético Retirado em 18/06/08 do http://www.metodologia.org
  • Dimenstein, G. (2003). Fomos Maus Alunos Campinas: Papirus.
  • Os colaboradores em um artigo científico

    Detesto qualquer informação que é dada, que aumenta minha instrução, mas não muda minha atividade
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008
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