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Relacionamento conjugal, problemas de comportamento e habilidades sociais de pré-escolares

Conjugal relationship, behavior problems andpreschoolers social skills

Resumos

Variáveis do relacionamento conjugal e relacionamento pais-filhos podem afetar o comportamento das crianças. O objetivo deste trabalho é comparar relatos de pais e mães de pré-escolares com e sem problemas de comportamento, quanto ao relacionamento conjugal. Participaram 48 casais, distribuídos em dois grupos: pais biológicos de crianças com problemas de comportamento e pais biológicos de crianças socialmente habilidosas, segundo avaliação de professores. Os pais foram entrevistados, individualmente, sobre expressão de carinho, comunicação conjugal, características positivas e negativas do cônjuge e qualidade do relacionamento conjugal. Foram encontrados alguns resultados na direção esperada. Os casais com criança socialmente habilidosa foram mais positivos quanto à comunicação e características do cônjuge. Não foram encontradas diferenças na expressão de carinho.

problemas de comportamento; relacionamento conjugal; habilidades sociais educativas parentais


Variables related to conjugal relationship and parents-children relationship can affect children's behavior. The aim of this work is to compare the reports of fathers and mothers of preschool children, with or without behavioral problems, regarding to conjugal relationship. Participants were forty-eight couples that were distributed into two groups: biological parents of children with behavior problems and biological parents of socially skillful children, according to the teachers' evaluation. The parents were individually interviewed about affection expression, conjugal communication, spouse's positive and negative characteristics, and conjugal relationship quality. It was found some results in the expected direction. Parents with a socially skillful child were more positive in relation to the conjugal communication and spouse characteristics. There were no differences in the affection expression.

behavior problems; conjugal relationship; parental social educational skills


Relacionamento conjugal, problemas de comportamento e habilidades sociais de pré-escolares

Conjugal relationship, behavior problems andpreschoolers social skills

Alessandra Turini Bolsoni-SilvaI,1 1 Endereço para correspondência: Engº Luiz Edmundo C. Coube, s/n.,Vargem Limpa. Bauru, SP. CEP 17015-970. Fone: (14) 3103-6087. E-mail: bolsoni@fc.unesp.br ; Edna Maria MarturanoII

IUniversidade Estadual Paulista (Bauru)

IIUniversidade de São Paulo (Ribeirão Preto)

RESUMO

Variáveis do relacionamento conjugal e relacionamento pais-filhos podem afetar o comportamento das crianças. O objetivo deste trabalho é comparar relatos de pais e mães de pré-escolares com e sem problemas de comportamento, quanto ao relacionamento conjugal. Participaram 48 casais, distribuídos em dois grupos: pais biológicos de crianças com problemas de comportamento e pais biológicos de crianças socialmente habilidosas, segundo avaliação de professores. Os pais foram entrevistados, individualmente, sobre expressão de carinho, comunicação conjugal, características positivas e negativas do cônjuge e qualidade do relacionamento conjugal. Foram encontrados alguns resultados na direção esperada. Os casais com criança socialmente habilidosa foram mais positivos quanto à comunicação e características do cônjuge. Não foram encontradas diferenças na expressão de carinho.

Palavras-chave: problemas de comportamento; relacionamento conjugal; habilidades sociais educativas parentais.

ABSTRACT

Variables related to conjugal relationship and parents-children relationship can affect children's behavior. The aim of this work is to compare the reports of fathers and mothers of preschool children, with or without behavioral problems, regarding to conjugal relationship. Participants were forty-eight couples that were distributed into two groups: biological parents of children with behavior problems and biological parents of socially skillful children, according to the teachers' evaluation. The parents were individually interviewed about affection expression, conjugal communication, spouse's positive and negative characteristics, and conjugal relationship quality. It was found some results in the expected direction. Parents with a socially skillful child were more positive in relation to the conjugal communication and spouse characteristics. There were no differences in the affection expression.

Keywords: behavior problems; conjugal relationship; parental social educational skills.

Patterson, Reid e Dishion (1992) descrevem variáveis de contexto que interferem no surgimento e na manutenção de problemas de comportamento em pré-escolares, tais como: (a) medidas de estresse: ajustamento conjugal, conflito conjugal, eventos de vida negativos, problemas de saúde na família, problemas financeiros; (b) variáveis contextuais estáveis: história familiar, desvantagem social dos pais, patologia parental, vizinhança; (c) relacionamento pais-filhos. Este trabalho busca relações entre uma dessas variáveis, no caso o relacionamento conjugal, e problemas de comportamento em pré-escolares.

Problemas conjugais parecem estar relacionados, como variável meio-proximal ao surgimento e manutenção de problemas de comportamento, uma vez que podem aumentar a probabilidade de alteração do relacionamento estabelecido entre pais e filhos, o qual, por sua vez, como variável proximal, influenciaria o repertório dos filhos (Matos, 1983).

A literatura sinaliza que a qualidade da interação conjugal pode influenciar as interações pais-filhos, bem como o repertório das crianças quanto a problemas de comportamento e comportamentos socialmente habilidosos. Matlack, McGreevy, Rouse, Flatter e Marcus (1994) verificaram que quanto maior a coesão familiar, maior o repertório de habilidades sociais e menor a delinquência; por outro lado, quanto maiores os problemas familiares, mais frequentes os problemas de comportamento. Pawlak e Klein (1997), ao analisarem relações entre conflito parental, autoestima de adolescentes e estilo parental, encontraram: (a) quanto maior o conflito parental, mais pronunciado o estilo autoritário e menor a autoestima do filho; (b) os adolescentes não relataram diferenças entre estilos paterno e materno; (c) houve relatos de semelhança entre os repertórios parentais e dos filhos, por exemplo, relatos de jovens que utilizavam estratégias de permissividade e que foram criados por pais permissivos, ou ainda filhos de pais agressivos que são também agressivos em suas relações. Tais achados sugerem que dificuldades interpessoais acabam sendo modeladas de geração em geração e perpassam diferentes relacionamentos, como o relacionamento conjugal e entre pais e filhos.

Lee, Beauregard e Bax (2005) verificaram que a agressão verbal materna favorecia o surgimento de conflitos conjugais e de problemas internalizantes dos filhos. Brancalhone, Fogo e Williams (2004) também encontraram que quanto mais frequente a violência conjugal, maior era o índice de problemas de comportamento dos filhos, segundo relatos de professores.

Nessa direção, Gottman (1998) aponta que o sofrimento e o conflito conjugal podem favorecer o surgimento de dificuldades para a criança, tais como depressão, competência social pobre, problemas de saúde e desempenho acadêmico pobre. Loeber e Hay (1997), de forma semelhante a Sidman (1989/1995), afirmam que a exposição da criança a níveis intensos de violência e conflito pode criar uma preocupação com a agressão, favorecendo um aumento de suas próprias tendências agressivas. Feres-Carneiro (1998) também concorda que a qualidade da relação conjugal influencia no desenvolvimento emocional dos filhos.

Adicionalmente, Kanoy, Ulku-Steiner, Cox e Burchinal (2003) verificaram, a partir de um estudo longitudinal, que quanto maior o conflito conjugal, maior o uso de agressividade nas interações com os filhos. Alguns pesquisadores atentam para o prejuízo de tal prática no que concerne a favorecer o surgimento de problemas de comportamento (e.g., Alvarenga, 2001; Alvarenga & Piccinini, 2001; Bolsoni-Silva & Del Prette, 2002; Bolsoni-Silva & Marturano, 2002; Skinner, 1953/1993).

Moss, Cyr, Bureau, Tarabulsy e Dubois-Comtois (2005) descobriram uma relação inversa entre insatisfação conjugal dos pais e sentimentos de segurança em seus filhos pré-escolares, permitindo concluir que além de os conflitos conjugais poderem servir de modelo de agressividade às crianças, podem também favorecer dificuldades na saúde e no desempenho escolar. Norgren, Souza e Kaslow (2004) verificaram que o nível de satisfação conjugal era maior conforme a proximidade e coesão conjugal, estratégias adequadas de comunicação e de resolução de problemas. Solantaus, Leinonen e Punamãki (2004) verificaram que quanto mais frequentes os conflitos conjugais, associados a outras variáveis de contexto, maiores eram os problemas de comportamento em crianças, tanto os internalizantes como os externalizantes.

A breve revisão apresentada nos parágrafos anteriores aponta para uma associação consistente entre variáveis do relacionamento conjugal, relacionamento pais e filhos e comportamento dos filhos. Essa associação pode ser interpretada de acordo com o ponto de vista de Emery e Tuer (1993), para quem os conflitos conjugais interferem no relacionamento com os filhos e vice-versa, isto é, conflitos com a criança e/ou quanto à interação com os filhos influenciam no relacionamento conjugal. Essas afirmações concordam com os achados de Silva (2000) de que os pais das crianças com maior repertório socialmente habilidoso e com menos indicativos de problemas de comportamento apresentavam maior concordância quanto às práticas educativas, favorecendo, assim, uma educação mais consistente.

Como operariam os conflitos conjugais nesse ciclo autoalimentado? Acredita-se, a partir do referencial da Análise do Comportamento e do campo teórico-prático do Treinamento de Habilidades Sociais, que casais socialmente habilidosos emitem comportamentos operantes, verbais e não-verbais, que aumentam a probabilidade de gerar equilíbrio nos reforços obtidos por cada cônjuge (Baum, 1987/1999), de forma que ambos possam ter garantidos os direitos de comunicação e de expressividade. Tais repertórios socialmente habilidosos podem servir de modelos para os filhos que, por sua vez, podem passar a emiti-los de forma a obter reforçamento social. Esses pais também seriam capazes de se autocontrolarem seja nas interações com os filhos, seja no relacionamento conjugal.

Alguns autores (e.g., Beck, 1989/1995; Bugental & Johnston, 2000; Dattilio, 1995; Epstein & Schlesinger, 1995; Fincham & Beach, 1999; Gottman, 1998; Rangé & Dattilio, 1998) afirmam que as principais dificuldades conjugais são decorrentes de déficits em habilidades de comunicação, de expressão de sentimentos positivos e de resolução de problemas. Tais dificuldades parecem ocorrer de forma semelhante nas interações estabelecidas entre pais e filhos (Bolsoni-Silva & Marturano, 2006). Assim, conflito conjugal parece ser uma variável de contexto relacionada à interação pais e filhos, pois é possível que casais que tenham conflitos acabem sendo mais autoritários e menos afetivos com seus filhos (Pawlak & Klein, 1997). Ao contrário, pais que conseguem efetivamente resolver problemas de natureza conjugal e que, inclusive, conversam sobre a educação dos filhos, podem ser mais consistentes e participativos (Silva, 2000), prevenindo problemas de comportamento e promovendo competência social.

Diante dessas considerações, o presente trabalho tem por objetivo comparar relatos de pais e de mães de crianças com e sem indicativos de problemas de comportamento, no que concerne ao relacionamento conjugal. Espera-se que os pais de crianças sem indicativos de problemas de comportamento apresentem maior satisfação conjugal do que os pais de crianças com problemas de comportamento.

Método

Participantes

Participaram do estudo 96 pais biológicos de crianças com idade entre 5 e 7 anos, matriculadas em 13 Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIS), distribuídas geograficamente por uma cidade do centro-oeste de São Paulo, organizados em dois grandes grupos: (a) 48 pais (24 mães e 24 pais) de crianças com indicação escolar de problemas de comportamento (IPC); e (b) 48 pais (24 mães e 24 pais) de crianças com indicação escolar de comportamentos socialmente habilidosos (ICSH). A opção por pais biológicos e que viviam maritalmente foi para atender à consideração da literatura (e.g., Matlack & cols., 1994) de que essas variáveis previnem o surgimento de problemas de comportamento.

Para compor a amostra foram visitadas 13 EMEIS, solicitando-se a colaboração dos professores (que assinaram um termo de consentimento informado) na indicação de até três alunos com: (a) maiores indicativos de problema de comportamento; e (b) maiores indicativos de comportamentos socialmente habilidosos. Além disso, foi solicitado que o(a) professor(a) respondesse a dois instrumentos para cada uma das crianças indicadas: (a) Questionário de Comportamentos Socialmente Habilidosos para Professores (QCSH-PR, adaptação de Silva, 2000); (b) Escala Comportamental Infantil B. de Rutter para professores (ECI-B, adaptação de Santos, 2002). Os instrumentos foram aplicados pelo entrevistador, que fez as questões oralmente e assinalou as respostas dadas. Os professores foram orientados quanto à necessidade de sigilo sobre suas indicações e orientados a responder aos pais, que porventura perguntassem, que as crianças foram escolhidas mediante sorteio, para evitar prejuízos à coleta de dados (vieses). A versão original do instrumento ECI para professores tem formato de autoaplicação, porém neste trabalho o entrevistador o aplicou no formato acima indicado.

Foi perguntado aos professores/diretoria (ou aos próprios pais quando a escola não soube informar) se as crianças indicadas moravam com os pais biológicos. Outros critérios para incluir os participantes foram: (a) crianças IPC atingirem a pontuação da ECI-B para problema de comportamento (maior ou igual a 9); (b) incluir o mesmo número de crianças IPC e ICSH para cada professor(a), o que implica que a criança indicada (IPC ou ICSH), ao não atingir os critérios acima mencionados, excluía automaticamente o seu par correspondente; em caso de empate, permanecia na amostra a criança com maior escore no instrumento QCSH-PR. No caso da ECI-B, nove é o ponto de corte da escala para presença de problema de comportamento em nível clínico, portanto, a criança indicada pelo professor como IPC só foi mantida nesse grupo quando seu escore na ECI-B foi superior a 9, denotando problema em nível clínico; essas crianças também foram consideradas como tendo problemas de comportamento segundo o relato de mães (Bolsoni-Silva, Marturano & Manfrinato, 2005). Esse grupo de crianças também se diferenciava quanto aos comportamentos socialmente habilidosos, segundo o relato de professores (Bolsoni-Silva, Marturano, Figueiredo & Manfrinato, 2006).

Metade das amostras IPC e ICSH possuía dois filhos, os demais participantes tinham de um a quatro filhos. Quanto à distribuição por sexo, houve diferença estatisticamente significativa (z = 2,50) entre os grupos IPC e ICSH, pois havia 18 meninos no Grupo IPC e 10 no Grupo ICSH. Em ambos os grupos, IPC e ICSH, a idade média das crianças era 5 anos e 11 meses. A idade média dos respondentes era de 30 anos para as mães IPC, de 33 para pais IPC, de 32 para as mães ICSH e de 34 para os pais ICSH. Os Grupos ICSH e IPC apresentaram, no geral, o mesmo grau de instrução, destacando-se o Ensino Fundamental incompleto e o Ensino Médio completo. Vinte casais no Grupo ICSH e 18 no Grupo IPC eram legalmente casados. A renda dos participantes não superava o valor de R$ 1.000,00. Não houve diferença entre os grupos nas variáveis parentais relativas a número de filhos, idade, grau de instrução e renda (teste U).

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade em que foi desenvolvido, na sua 10ª Reunião Ordinária, realizada no dia 14/5/2001 (Processo CEP-FFCLRP nº 012/2001 - 2001.1.115.59.5).

Instrumento

O instrumento de coleta foi o Questionário de Relacionamento Conjugal - QRC, elaborado para esta pesquisa com base em diversos autores da área, tais como Beck (1989/1995), Rangé e Dattilio (1998), Dattilio (1995), Epstein e Schlesinger (1995) e Gottman (1998). Trata-se de um instrumento com sete conjuntos de informações: definição do parceiro(a), expressividade de carinho entre os parceiros(as), comunicação estabelecida entre o casal, identificação e estabilidade de características positivas e negativas do(a) parceiro(a) e avaliação do relacionamento conjugal. É aplicado em forma de entrevista; cada tópico é introduzido com uma questão que permite três alternativas de resposta: frequentemente, algumas vezes, nunca ou quase nunca. Mediante a resposta, o entrevistador solicita informações adicionais, assinalando as respostas correspondentes em uma check-list, no caso da pergunta acerca da definição do parceiro(a) e quanto às características da comunicação. As demais questões são feitas de forma aberta e as respostas anotadas em um protocolo que inclui algumas categorias possíveis de respostas. Quando a resposta não tem correspondente nas categorias previstas no instrumento é anotada no protocolo na opção outros. O instrumento permite obter um escore total e também escores para cada uma das áreas.

Para verificar a fidedignidade teste-reteste do instrumento foram coletados dados com 12 pais e 12 mães, cujas medidas foram obtidas com um mês de intervalo. Aplicado o teste de correlação de Spearman por postos, encontraram-se as seguintes correlações: QRC mães [rho = 0,84, p < 0,025]; QRC pais [rho = 0,94, p < 0,01].

Procedimento

Os passos de coleta de dados junto aos casais foram: (a) contato, por telefone ou pessoalmente, com os pais indicados pelos professores, para verificar o interesse em participar da pesquisa, conferir a adequação aos critérios de inclusão e agendar a aplicação do questionário na residência dos participantes; (b) visitas às residências, onde foram explicitados novamente os objetivos do trabalho, solicitando-se a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido; (c) aplicação do QRC com cada um dos progenitores individualmente, oferecendo, ao final, os devidos agradecimentos e endereço para contato posterior.

Análise de dados

Os dados obtidos com as perguntas passíveis de análises estatísticas foram tratados conforme as seguintes etapas: (a) elaboração de tabelas para cada pergunta do QRC (e.g., "como define seu companheiro(a)"), contendo os escores de cada participante dos grupos IPC Mães, IPC Pais, ICSH Mães e ICSH Pais; (b) cálculo dos escores gerais e para cada item, organizados por grupos - Mães IPC, Pais IPC, Mães ICSH e Pais ICSH, os quais foram tratados estatisticamente (SPSS, versão 14.0) a fim de verificar diferenças entre os grupos IPC e ICSH (teste t) e diferenças entre os relatos de pais e mães (teste t). As análises estatísticas puderam ser realizadas para as seguintes questões: "como define seu companheiro(a)" e "características da comunicação", à medida que todos os participantes responderam a cada um desses itens, aos quais foram atribuídos escore 2 (frequentemente), escore 1 (algumas vezes) e escore 0 (nunca ou quase nunca). Para as demais questões do instrumento foram realizadas análises quantitativas descritivas (expressividade de carinho entre os parceiros(as), identificação e estabilidade de características positivas e negativas do(a) parceiro(a) e avaliação do relacionamento conjugal), cujos resultados são descritos considerando a ocorrência de respostas, organizadas por grupos.

Resultados

As características do relacionamento conjugal investigadas referem-se a: (a) percepção/definição do cônjuge, pelo respondente; (b) autodiscriminação e discriminação do cônjuge sobre expressão de carinho (expressividade); (c) avaliação da comunicação conjugal; (d) discriminação e estabilidade de características positivas e negativas do cônjuge; (e) avaliação do relacionamento conjugal.

No tópico referente à percepção/definição do cônjuge, o entrevistador lia os itens e, então, os participantes mencionavam 21 atributos do parceiro, correspondentes a itens de uma check list: amigo, bom esposo(a), bom pai/mãe, calmo, carinhoso/amável, caseiro, companheiro, compreensivo, confiável, confidente, controlador, crítico, egoísta, ingrato, insensível, inteligente, mantém diálogo, rebelde, sensato, simpático e sincero. A Tabela 1 mostra as médias e desvios-padrão dos itens que apresentaram diferença significativa entre grupos nas comparações feitas com o teste t de Student.

Notam-se, na Tabela 1, poucas diferenças entre cônjuges: (a) no grupo ICSH, os pais são avaliados como menos egoístas e mais compreensivos que as mães; (b) no grupo IPC, os pais seriam mais companheiros e compreensivos que as mães. Nos demais itens, os grupos não tiveram diferenças, indicando que os cônjuges, de ambos os grupos, avaliam-se de forma muito semelhante, seja em características positivas, seja nas negativas.

Ainda na Tabela 1, destacam-se alguns itens com diferenças estatisticamente significativas entre as mães ICSH e as mães IPC: "compreensiva", "boa mãe", "boa esposa" e "rebelde". Esses grupos também diferem quanto ao escore total. Já a comparação entre pais ICSH e IPC aponta diferença para apenas o item "carinhoso". Esses resultados indicam que são poucos os itens avaliados que diferenciam os grupos, mas as diferenças encontradas são a favor dos grupos ICSH.

As características positivas do parceiro(a) mais frequentemente apontadas pelos respondentes são: "dá boa educação ao filho" (dois Pais IPC, seis Mães IPC, oito Pais ICSH e sete Mães ICSH), "é prestativo" (oito Pais IPC, 16 Mães IPC, 11 Pais ICSH e 20 Mães ICSH), "cuida dos pertences do(a) companheiro(a)" (cinco Pais IPC, nenhuma Mães IPC, 10 Pais ICSH e três Mães ICSH) e "faz alimentos desejados pelo(a) cônjuge" (10 Pais IPC, duas Mães IPC, nove Pais ICSH e uma Mãe ICSH). Ser prestativo aparece como a característica mais citada, especialmente pelas mães.

Os participantes avaliaram o caráter situacional (sete Pais IPC, quatro Mães IPC, quatro Pais ICSH e quatro Mães ICSH) ou permanente (15 Pais IPC, 18 Mães IPC, 20 Pais ICSH e 16 Mães ICSH) das características avaliadas como positivas, sendo mais frequente a avaliação como permanente, pois, segundo os respondentes, "elas existem desde que conhecem e/ou convivem com seus(suas) companheiros(as)" (sete Pais IPC, 11 Mães IPC, 15 Pais ICSH e nove Mães ICSH).

As características negativas do parceiro(a) mais frequentemente apontadas são: excessos na comunicação (e.g., relatos do tipo "é irritado, agressivo, autoritário, crítico, teimoso"- nove Pais IPC, cinco Mães IPC, seis Pais ICSH e 10 Mães ICSH) e comporta-se de forma que o cônjuge não gosta ("faz planos com colegas sem conversar previamente", "ri alto", "anda com más companhias", "é ciumento", "bebe", fuma" - 12 Pais IPC, 12 Mães IPC, oito Pais ICSH e 14 Mães ICSH). Essas categorias são descritas mais frequentemente pelas mães ICSH quando comparadas aos pais ICSH, especialmente para os itens que compõem a categoria "comporta-se de forma não desejada". Mães e pais IPC avaliam de forma semelhante as características negativas dos(as) parceiros(as).

Os participantes avaliam o caráter situacional (cinco Pais IPC, 10 Mães IPC, quatro Pais ICSH e oito Mães ICSH) ou permanente (seis Pais IPC, duas Mães IPC, quatro Pais ICSH e seis Mães ICSH) das características avaliadas como negativas. Apenas no grupo de mães IPC elas são consideradas mais frequentemente situacionais, podendo mudar com o tempo. As categorias explicativas, dadas pelos respondentes, indicam o caráter de mudança ("é possível mudar frente ao esforço" - seis Pais IPC, sete Mães IPC, três Pais ICSH e seis Mães ICSH). No entanto, chama atenção que alguns respondentes destacam a permanência de atributos negativos ("nasceu com a pessoa e não vai mudar" - sete Pais IPC, três Mães IPC, cinco Pais ICSH e sete Mães ICSH).

No tópico referente à comunicação conjugal, são mencionadas 19 características. A maioria são atributos do próprio respondente, tanto positivos [escuta o parceiro, permite que ele(ela) fale, consegue pedir algo a ele(ela), consegue dizer ao cônjuge comportamentos que gostaria que ele(ela) mudasse, sente-se à vontade para falar de seus verdadeiros sentimentos, pede a opinião do(da) cônjuge] como negativos (fala demais, deixa de falar algo que gostaria, considera que o que acha é sempre certo, procura impor seu ponto de vista). Também são lembrados atributos do cônjuge, positivos (escuta, considera o que o respondente pensa/o que acha das coisas, deixa o respondente falar) e negativos (fala demais, faz o outro calar falando alto, procura impor o que pensa), assim como características da comunicação em si (discutem assuntos delicados, conversam para tomar decisões/resolver problemas, dividem tarefas em casa).

Na Tabela 2 estão as médias e desvios-padrão dos itens, referentes à comunicação conjugal, que apresentaram diferença estatisticamente significativa entre grupos nas comparações feitas com o teste t de Student. Observa-se que na comparação entre Pais e Mães não há diferenças no Grupo ICSH. Já no Grupo IPC foram encontradas três diferenças entre pais e mães: "você fala demais", com maior frequência para os pais, "discutem assuntos delicados", com maior frequência para as mães e "você consegue pedir algo a ele(a)", mais frequente para os pais; como o primeiro item apontado é negativo e teve seus escores invertidos, interpreta-se que os pais consideram que eles próprios não falam demais.

A Tabela 2 mostra mais diferenças nas comparações entre os grupos ICSH e IPC que os demais resultados apresentados. Tanto na comparação entre mães quanto entre pais, o Grupo ICSH tem maiores escores, sendo, portanto, mais habilidoso no que concerne à comunicação. Os itens que se destacam na comparação entre as mães ICSH e mães IPC são: "você procura impor seu ponto de vista ao cônjuge", "você pode falar", "você permite que ele(a) fale", "vocês conversam para tomar decisões/resolver problemas" e "você pede a opinião de seu cônjuge". Os itens que discriminaram pais ICSH e pais IPC foram: "ele(a) te faz calar falando alto", "ele(a) procura impor o que pensa a você" e "você pode falar".

Quanto à qualidade da comunicação, avaliada pelos participantes como adequada, são relatadas mais frequentemente categorias positivas que negativas. Segundo os relatos dos pais e das mães, a comunicação é adequada porque o "casal conversa" (15 Pais IPC, 12 Mães IPC, 13 Pais ICSH e 15 Mães ICSH), porque conseguem "negociar para resolver problemas" (oito Pais IPC, sete Mães IPC, 13 Pais ICSH e 12 Mães ICSH) e também porque buscam "ouvir a opinião do outro" (cinco Pais IPC, sete Mães IPC, 10 Pais ICSH e seis Mães ICSH). Verifica-se um maior número de participantes ICSH que relataram "negociar"; e no grupo ICSH, os pais tendem a citar o comportamento "ouvir a opinião do outro" com mais frequência que as mães.

Foi investigada a forma como ocorria a expressão de carinho ao cônjuge. De maneira geral, os cônjuges expressam carinho "abraçando" (11 Pais IPC, 16 Mães IPC, 17 Pais ICSH e 18 Mães ICSH), "beijando" (11 Pais IPC, 12 Mães IPC, 17 Pais ICSH e 13 Mães ICSH), "conversando ou telefonando" (13 Pais IPC, 15 Mães IPC, nove Pais ICSH e nove Mães ICSH), "agradando e/ou fazendo carinho" (quatro Pais IPC, quatro Mães IPC, oito Pais ICSH e uma Mãe ICSH) ou "fazendo coisas que o cônjuge pede e/ou gosta" (um Pai IPC, 14 Mães IPC, cinco Pais ICSH e seis Mães ICSH), como por exemplo, sair para passear, ajudar nas tarefas domésticas e fazer os alimentos que o cônjuge gosta. Comparando os grupos, percebe-se que as mães IPC e as mães ICSH, bem como os pais ICSH relatam mais frequentemente tais categorias quando comparados aos pais do Grupo IPC. Na maior parte das categorias de expressão de carinho, as frequências são mais semelhantes entre pais e mães do Grupo ICSH que entre pais e mães do Grupo IPC, o que pode ser indício de maior concordância entre os cônjuges no Grupo ICSH

O Questionário de Relacionamento Conjugal investigou, por fim, a avaliação da relação conjugal (satisfatória, insatisfatória, regular), bem como as razões que justificam tal avaliação. Os resultados apontam que ambos os grupos, ICSH e IPC, avaliam de forma satisfatória a relação conjugal, especialmente os pais e as mães ICSH, no que tange ao maior número de pessoas que indicaram tal avaliação (18 Pais IPC, 19 Mães IPC, 22 Pais ICSH e 23 Mães ICSH). Exemplos de atributos positivos que justificam a avaliação da relação conjugal como satisfatória são: "o relacionamento é normal, o casal conversa, o casal se dá bem, o casal busca um ao outro, o casal não tem conflitos, o cônjuge é bom e/ou carinhoso, nunca aconteceu nada grave, há equilíbrio e/ou harmonia e/ou respeito entre o casal, relacionamento sexual satisfatório e não há autoritarismo do(a) cônjuge". Os atributos negativos apontados são, por exemplo: "o casal tem conflitos, há dificuldades financeiras, falta tempo para o casal ficar junto, falta companheirismo entre o casal, há autoritarismo do(a) cônjuge, o(a) cônjuge é nervoso(a), o cônjuge bebe e o cônjuge chega tarde em casa sem justificar-se". A frequência de atributos positivos citados (32 no grupo de Pais IPC, 36 no grupo de Mães IPC, 47 no grupo de Pais ICSH e 48 no grupo de Mães) foi maior no grupo ICSH do que no IPC. Em ambos os grupos, porém, a frequência citada de atributos positivos foi maior do que a de negativos (seis Pais IPC, seis Mães IPC, três Pais ICSH e uma Mãe ICSH). Alguns valores superam o número de participantes (24 em cada grupo) porque estes poderiam indicar mais de um atributo.

Discussão

As análises encontraram diferenças a favor do Grupo ICSH no que diz respeito a características da comunicação conjugal, avaliada seja pelas mães, seja pelos pais; mas as diferenças obtidas entre pais e mães de cada grupo foram pequenas, indicando homogeneidade dentro de cada grupo. Quanto à percepção ou definição do cônjuge, os grupos pouco diferiram nas comparações entre pais e mães de cada grupo; mas as mães do Grupo ICSH avaliaram, no escore total e em alguns itens, mais positivamente seus cônjuges que as mães do Grupo IPC.

As categorias "expressa carinho" e "recebe carinho" foram igualmente citadas pelos participantes, bem como a avaliação conjugal foi tida como "satisfatória" por ambos os grupos. Muitos itens de avaliação/percepção e de comunicação não apresentaram diferenças estatísticas entre os grupos, sugerindo que ambos os grupos, além das dificuldades identificadas pelo instrumento, por exemplo em comunicação e afeto, relataram comportamentos adequados para o relacionamento conjugal, que apareceram com escores altos (sobretudo o escore 2). Tais comportamentos adequados poderiam ser utilizados como ponto de partida para intervenções junto a casais com crianças com problemas de comportamento, de forma a superar as dificuldades de interação conjugal que podem estar relacionadas aos problemas de comportamento dos filhos.

Os resultados deste trabalho não apoiam uma associação entre satisfação conjugal e problemas de comportamento, diferentemente dos achados de Moss e cols. (2005) que apontam a satisfação conjugal influenciando o surgimento de problemas de comportamento. Entretanto, Norgren e cols. (2004) verificaram que a satisfação conjugal está relacionada com proximidade, estratégias de resolução de problemas e de comunicação conjugal; como os resultados deste estudo indicam que a qualidade da interação conjugal, especialmente a comunicação, é melhor para o grupo sem problemas (ICSH), é possível que esse grupo tenha maiores índices de satisfação e que haja, portanto, uma influência positiva na interação com os filhos. A falta de uma associação entre satisfação conjugal e problemas de comportamento pode ser devida a características do instrumento usado na presente investigação.

Quanto à percepção ou definição do cônjuge, as Mães ICSH avaliam mais positivamente os parceiros no escore total e nos itens: "[não] é rebelde", "é compreensivo", "bom pai" e "bom esposo". Pais e mães não diferem quanto à percepção do cônjuge, com exceção de poucos itens que não refletem no escore total do instrumento. Esses resultados confirmam apenas em parte a literatura quanto à hipótese de que casais mais afetuosos podem ser também mais afetuosos com seus filhos, prevenindo o surgimento de problemas de comportamento (Brener & Fox, 1998; Brener & Fox, 1999; Eisentein & de Souza, 1993; Sólis-Cámara & Fox, 1996; Walsh, Laczniak & Carlson, 1998). Por outro lado, observou-se que Pais IPC relataram características positivas no(a) cônjuge tanto quanto Pais ICSH. Esse aspecto (a identificação de características positivas do/a parceiro/a) poderia ser um ponto de partida em programas de intervenção com os pais e com casais, uma vez que parece implicar habilidades que já implementam nas suas interações. Essas habilidades, ao aumentarem de frequência, poderiam contribuir para a resolução das queixas trazidas por eles, seja na interação conjugal, seja na interação com os filhos.

Quanto à comunicação, pode-se afirmar que pais e mães de ambos grupos não apresentaram diferenças quanto aos relatos dos próprios comportamentos ou de seus parceiros. No caso do Grupo ICSH, apenas o item "ele(ela) procura impor o que pensa a você" teve maior frequência para os pais que para as mães, o que significa que as mães acham, mais que os pais, que seus parceiros impõem o que pensam a elas. No Grupo IPC, os itens "discutem assuntos delicados" e "você consegue pedir algo a ele(ela)" foi mais citado pelos pais que pelas mães. Com esses resultados, pode-se hipotetizar que, ainda que para poucas situações, pois a maioria dos itens não teve diferenças, os homens sentem-se mais à vontade para conversar e se expressar que suas esposas, o que reitera uma tendência cultural de maior submissão das mulheres. Barbour, Eckhardt, Davison e Kassinove (1998) afirmam que os homens são mais agressivos que as mulheres, o que pode concordar, ao menos em parte, com os resultados deste estudo, pois são os pais quem, pelo menos na percepção das parceiras, mais procuram impor seu ponto de vista e falam demais, comportamentos que podem ser indicativos de agressividade.

Os participantes ICSH, pais e mães, avaliaram mais positivamente a comunicação conjugal que os do Grupo IPC, seja no escore total do instrumento, seja para os itens: "você pode falar", "você permite que ele (ela) fale", "conversam para tomar decisões" e "você pede a opinião do cônjuge". Por outro lado, os itens negativos "você procura impor seu ponto de vista", "ele(a) impõe seu ponto de vista" e "ela(ele) te faz calar falando alto" foram menos citados pelos participantes ICSH. Dessa forma, é possível que o Grupo IPC tenha mais conflitos conjugais que o ICSH, pois conforme alguns autores (Fincham & Beach, 1999; Gottman, 1998; Heyman, Brown, Feldbau-Kohn & O'Leary, 1999; Katz, Lynn & Low, 2004), excesso de negativismo, críticas e respostas defensivas são indicativos de disfunção conjugal, o que pode acarretar dificuldades à criança, tais como depressão, competência social pobre, problemas de saúde e desempenho acadêmico pobre, que são indicadores de problemas de comportamento. De todo modo, pelos resultados obtidos, os casais de ambos os grupos apresentam afetos e comportamentos que o parceiro(a) desaprova.

Os resultados desta pesquisa mostram que os participantes ICSH conversam mais para negociar e resolver problemas. Eles parecem também possuir uma comunicação conjugal mais satisfatória, o que foi constatado também na interação com os filhos (Bolsoni-Silva & Marturano, 2006). Silva (2000) encontrou que a consistência conjugal, isto é, o casal conversar para decidir como se comportar em relação aos filhos e agir contingentemente, previne o surgimento de problemas de comportamento, à medida que tal habilidade foi mais frequente no grupo de pais de crianças competentes socialmente. Os cônjuges, ao se casarem, trazem consigo regras de suas famílias de origem e, muitas vezes, falham em formar suas próprias, favorecendo que o cônjuge possa assumir determinadas estratégias de educação com os filhos que são incompatíveis à opinião do outro. Consequentemente, podem ocorrer conflitos entre o casal e um prejuízo na educação, a qual passa a não ter a consistência adequada. Quando não há consistência entre as práticas educativas do pai e da mãe, a criança passa a ter dificuldades em compreender conceitos de limites e de certo e errado, pois aprende, desde cedo, a se comportar diferentemente diante de cada um dos cônjuges, de forma a atingir seus objetivos (Bolsoni-Silva & Marturano, 2002).

As mães atribuíram aos seus parceiros um maior número de características negativas, quando comparadas aos pais, especialmente para comportamentos como "sair com colegas", "beber" e "fumar". Nesse conjunto de características, o fato de o companheiro sair pode estar associado à sobrecarga da mulher no cuidado com a casa e com os filhos. Diversos estudos apontam para a maior sobrecarga das mães na interação com os filhos e no cuidado da casa (Costa, Teixeira & Gomes, 2000; McHale, Updegraff, Tucker, & Crouter, 2000; Silva, 2000), podendo ser fonte de estresse e de conflitos conjugais.

Por outro lado, as características positivas foram consideradas, pelos respondentes IPC e ICSH, Pais e Mães, como permanentes, enquanto que as negativas teriam um caráter situacional, o que é bastante positivo para maximizar as interações positivas e motivar as pessoas a procurar soluções para os problemas, inclusive pedindo mudanças de comportamento.

Considerações Finais

Os resultados obtidos com este estudo confirmam em parte a hipótese levantada no que diz respeito à ocorrência de conflitos conjugais (justificados por déficits em comunicação, afeto e por avaliações negativas do cônjuge) como uma variável que favorece o surgimento de problemas de comportamento em pré-escolares. Por outro lado, é preciso destacar que diversas características de comunicação e avaliação do cônjuge foram relatadas com a mesma ocorrência entre os grupos com e sem problemas, sinalizando que apesar de haver algumas diferenças entre eles, há também semelhanças; tais achados indicam que os pais de crianças com problemas de comportamento apresentam diversas reservas comportamentais que poderiam ser utilizadas em programas de intervenção a fim de expandir repertórios e melhorar a interação conjugal e com seus filhos (Goldiamond, 1974/1992). Além disso, deve-se reconhecer que o relacionamento conjugal é apenas uma das variáveis preditivas para o surgimento de problemas de comportamento, havendo outras não controladas neste estudo, que podem estar influenciando nos resultados obtidos, tais como depressão materna, crises financeiras, vizinhança (Patterson, Reid & Dishion, 1992).

Adicionalmente, não é possível afirmar que a falta de expressão de afeto tenha sido preditiva de problemas, uma vez que ambos os grupos (com e sem problemas) relataram de forma semelhante e com alta frequência a expressão de carinho entre os cônjuges. Além do mais, o delineamento do estudo só permite identificar relações de coocorrência e não relações funcionais.

Esta pesquisa contribui com a literatura, pois são poucos os estudos brasileiros que investigaram relações entre conflitos conjugais e problemas de comportamento em pré-escolares, justificando inclusive a elaboração do QRC. Entretanto, como limitações pode-se apontar: (a) a falta de estudos mais aprofundados quanto às propriedades psicométricas do instrumento utilizado; e (b) os dados terem sido obtidos a partir de uma única modalidade de coleta, relato verbal, o que pode mascarar as informações quando a fala não corresponder inteiramente aos comportamentos manifestos. Pesquisas futuras que realizem observação e utilizem também outros instrumentos de coleta poderiam resolver esse impasse.

Recebido em 29.07.08

Primeira decisão editorial em 23.10.08

Versão final em 02.02.09

Aceito em 17.03.09

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    Endereço para correspondência: Engº Luiz Edmundo C. Coube, s/n.,Vargem Limpa. Bauru, SP. CEP 17015-970. Fone: (14) 3103-6087.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Aceito
      17 Mar 2009
    • Revisado
      23 Out 2008
    • Recebido
      29 Jul 2008
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