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Resenha: Freud e Lévi-Strauss: influências, contribuições e insuficiências das antropologias dinâmica e estrutural

Book review: Freud and Lévi-Strauss: influences, contributions and inadequacies of dynamic and structural anthropologies

Resenha: Freud e Lévi-Strauss: influências, contribuições e insuficiências das antropologias dinâmica e estrutural

Book review: Freud and Lévi-Strauss: influences, contributions and inadequacies of dynamic and structural anthropologies

Henrique Fróes; Terezinha de Camargo Viana

Universidade de Brasília

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Henrique Fróes UnB/PCL, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Departamento de Psicologia Clínica, ICC Ala Sul Brasília, DF, CEP: 70910-900 E-mail: henrique.froes@gmail.com

Poucos pensadores das ciências sociais mantiveram um diálogo tão profundo e constante com a psicanálise como Lévi-Strauss. Desde a sua primeira grande obra - As estruturas elementares do parentesco - o antropólogo belga elegeu Freud como um de seus interlocutores privilegiados na criação e desenvolvimento da sua antropologia estrutural. Alguns autores chegam a afirmar que o pai da psicanálise foi o autor que teve o maior impacto sobre a obra de Lévi-Strauss (Badcock, 1975).

A relação entre a obra de dois dos maiores pensadores do século XX é abordada no livro de Espina Barrio (2008), intitulado Freud e Lévi-Strauss: influências, contribuições e insuficiências das antropologias dinâmica e estrutural (Editora Massangana, 224 páginas, tradução de Luiz Nilton Corrêa). O livro é uma adaptação da tese de doutorado do autor, que é professor titular de antropologia social na Universidade de Salamanca e mantém laços constantes com o Brasil, ministrando cursos e participando de eventos acadêmicos.

No livro, Espina Barrio adota o procedimento de, primeiro, expor como um conceito ou tema aparece na teoria freudiana; em seguida, faz o mesmo em relação ao pensamento de Lévi-Strauss para, num terceiro momento, estabelecer as concordâncias e diferenças entre os dois. Desse modo são abordados temas como o parentesco e o Complexo de Édipo, o totemismo, o mito e o inconsciente, além das concepções antropológicas de cada autor. Autores diversos como Green, Lacan, Jung, Marcuse e Ricoeur, entre muitos outros, são utilizados nesse debate, enriquecendo e problematizando os tópicos abordados.

Espina Barrio promove a retomada de um diálogo entre dois campos do saber - psicanálise e antropologia - muito pouco cultivado hoje em dia. Para os estudiosos da primeira, tal diálogo ajuda a iluminar aspectos fundamentais do pensamento freudiano, principalmente as obras que versam sobre a cultura e o social, especialmente Totem e Tabu. O controverso texto de 1913 ganha no livro contextualização histórica (a influência do evolucionismo cultural) e a necessária crítica em relação a seus pressupostos antropológicos (como a ideia superada de que o totemismo fosse uma fase universal do desenvolvimento dos povos). Em diferentes momentos de sua trajetória, Lévi-Strauss também se ocupa desse texto freudiano, sem poupá-lo, principalmente em O totemismo hoje, de severas restrições. Nele, o antropólogo belga critica a tentativa de explicar a persistência de costumes sociais por meio de emoções ou pulsões vividas singularmente pelos indivíduos, o que, na sua opinião, "arruína a tentativa de Freud" (Lévi-Strauss, 2003, p. 92). Após ser devidamente depurado por Espina Barrio, Totem e Tabu sobrevive no seu status de mito psicanalítico.

Outra obra fundamental de Freud, O Mal-estar na civilização, ganha uma nova leitura, oposta à que considera pessimista a visão freudiana da condição humana. Baseado em ideias de Marcuse e da relativização inerente à prática e ao pensamento antropológico, Espina Barrio (2008) defende que não há uma incompatibilidade entre cultura e sexualidade e que, por meio de um trabalho erotizado, é possível canalizar os impulsos agressivos para fins sociais.

Esta é a brecha de esperança que Freud abriu timidamente nas últimas linhas do que em realidade foi seu descontentamento com a civilização: evitar o desperdício de energias na vida sexual dos homens e exigi-las dos instintos agressivos, em virtude de um progresso e uma cultura mais humanizados.

(p. 157).

Já o pensamento de Lévi-Strauss se notabilizou pela rejeição da noção de sujeito em nome do combate ao etnocentrismo e de uma maior exatidão nas ciências sociais, fornecendo as bases para a "morte do sujeito" preconizada por Focault, Deleuze, Guattari, etc.

As diferenças entre Freud e Lévi-Strauss ficam mais evidentes no conceito de inconsciente que cada um utiliza em suas obras. Espina Barrio contrapõem as características estabelecidas por cada autor: pulsional/formal, afetivo-representativo/gramatical, cheio/vazio, individual/universal, psicológico/sociológico. Nesse ponto, o livro interessa particularmente aos lacanianos, pois a noção de inconsciente de Lévi-Strauss é fundamental para a releitura de Freud proposta por Lacan (Dosse, 1993). No entanto, Espina Barrio (2008) defende uma nova leitura estruturalista do pensamento freudiano:

(...) pode ocorrer uma assimilação da antropologia estrutural pela psicanálise, diferente da representada por Lacan. Pode-se dizer, uma teoria da hermenêutica que tome os pontos fortes, e não os débeis, de ambos os enfoques e que sirva para sair da redução a que estavam condenados em separado.

(p. 168).

Em alguns momentos, o autor extrapola sua intenção original. É o caso da análise de cunho psicanalítico que ele traz no capítulo O Mito e o inconsciente a partir de uma compilação de canções militares espanholas. O trecho destoa do restante da obra e parece não acrescentar muito como exemplo de uma análise mitológica simbólica. Em outros, como no capítulo Totem e tabu ou A Ilusão arcaica, Espina Barrio não elabora as conclusões que retira do confronto entre os dois pensamentos, deixando incompleta a sua proposta original.

Freud e Lévi-Strauss está longe de esgotar as possíveis relações entre os dois autores. Ficam de fora do texto as desconfianças que o antropólogo belga possui em relação à eficácia terapêutica do método analítico, bem como sua visão de que a obra freudiana não passaria de uma mitologia ocidental singular (Dosse, 1993). Também são pouco explorados dois textos fundamentais de Lévi-Strauss - O feiticeiro e sua magia e A eficácia simbólica - que, segundo Dosse (1993), vão ter grande influência no pensamento psicanalítico. Por outro lado, o livro traz em anexo uma extensa lista de obras e artigos que discutem os pensamentos de Freud e Lévi-Strauss que serve como uma excelente referência para quem pretende se aprofundar na relação entre dois gigantes do pensamento ocidental do século XX.

Recebido em 17.02.2011

Primeira decisão editorial em 18.06.2013

Versão final em 25.06.2013

Aceito em 22.07.2013

Apoio: CNPq.

  • Badcock, C. R. (1975). Lévi-Strauss: Estruturalismo e Teoria Sociológica. Rio de Janeiro, RJ: Zahar Editores.
  • Dosse, F. (1993). História do Estruturalismo, v. 1: O campo do signo, 1945-1966. São Paulo: Ensaio; Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas.
  • Espina Barrio, Á. B. (2008). Freud e Lévi-Strauss: Influências, contribuições e insuficiências da antropologia dinâmica e estrutural. Recife: Editora Massangana.
  • Lévi-Strauss, C. (2003). O Totemismo hoje. Lisboa: Edições 70.
  • Endereço para correspondência:

    Henrique Fróes
    UnB/PCL, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Departamento de Psicologia Clínica, ICC Ala Sul
    Brasília, DF, CEP: 70910-900
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013
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