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Editorial

Editorial

Ao reassumir o comando editorial da revista, parecia-me óbvia a ideia de que, para que nossos artigos fossem lidos e citados no exterior, deveríamos publicá-los também em inglês. Esse seria o caminho inevitável para alcançar maior visibilidade e impacto. Porém, essa implementação, além de muito dispendiosa, demandaria a tarefa dificílima de encontrar um especialista que fosse ao mesmo tempo conhecedor profundo de ambas as línguas e das áreas da psicologia e afins. Passado um ano de meu novo mandato como editora e após participar de debates sobre o tema em eventos de editoração científica, como a Conferência Comemorativa dos 15 anos da SciELO, começo a duvidar da real vantagem de tanto esforço e da relação custo-benefício de tal empreendimento. Alguns editores partilharam suas frustrações de terem investido em projeto semelhante e de não terem colhido dividendos. Por outro lado, houve também o relato de editores que tiveram a constatação de que a publicação em língua espanhola teve impacto muito próximo à mesma publicação em língua inglesa.

Temo que a produção científica brasileira e em especial, a ciência psicológica, seja muito pouco valorizada pelos interlocutores que tanto almejamos alcançar. Não se trata simplesmente de um problema de idioma. De acordo com a Thompson Reuters, em 2011, apenas 16 periódicos brasileiros tiveram um fator de impacto igual ou maior que 1, sendo que o valor máximo alcançado foi de 2,147, pela revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. Cabe destacar que não há nenhum periódico da área de psicologia dentre eles. Por outro lado, dos 16 periódicos brasileiros com maiores fatores de impacto, a grande maioria está publicada e disponível na biblioteca eletrônica SciELO (Bireme/FAPESP), o que aponta para o sucesso desses repositórios no avanço da ciência no Brasil.

Entretanto, é de se esperar que, em um país como o nosso, responsável por pouco mais de 1% da produção científica mundial, seja praticamente invisível para o "resto" do mundo. Mas não podemos nos queixar, afinal, estamos provando do nosso próprio veneno: assim como nós somos compelidos a publicar nossos trabalhos em revistas bem classificadas no sistema CAPES/Qualis, o "mundo" também prefere os grandes...

Por sua vez, os periódicos de primeira linha não são imunes a críticas quanto ao seu papel no cenário científico. Pelo contrário, algumas das grandes têm sido alvo de desafetos, como é o caso do prêmio Nobel da Medicina Randy Schekman, que não poupa críticas ao caráter tirano e burocrata com que alguns periódicos como o Science se vêem revestidos, acusando-os de protagonizar distorções na ciência ao se prestarem de ferramentas para a avaliação de pesquisadores.

Nesse sentido, a ideia do fator de impacto tem se configurado como a panaceia para os problemas da avaliação dos periódicos. Porém, cabe uma reflexão aprofundada sobre seus efeitos na avaliação da ciência brasileira. Primeiramente, no horizonte da luta pela sobrevivência, cabe citar um exemplo das possíveis consequências que a adoção desse parâmetro pode acarretar. Trata-se do episódio envolvendo periódicos nacionais que foram excluídos de indexadores internacionais por terem sido considerados "forjadores" do incremento do impacto por terem adotado práticas pouco louváveis. Na lógica desses editores, a única maneira de obter visibilidade é lançando holofotes sobre si.

Por outro lado, quem deve ditar o que tem ou não impacto em nossa ciência não poderia jamais ser o quanto ela é referenciada fora do país e sim o quanto ela tem contribuído para o crescimento, o avanço e a transformação de nossa nação. Em diversos campos do crescente campo da psicologia brasileira, a validação do conhecimento produzido não depende absolutamente do olhar alheio à nossa realidade. O conhecimento produzido aqui deveria ser endereçado primeiramente a transformar a nossa realidade, isto é, deveria ser, antes de tudo, útil ao nosso contexto. Nesse esteira, temos muito mais em comum com realidade da comunidade internacional da America Latina, Caribe e África do que de países ocidentais do hemisfério sul.

Por último, embora não se esgotem aqui os argumentos contrários à adoção do fator de impacto para avaliação de periódicos - mesmo quando nossa revista se encontre hoje em primeiro lugar (com 0,30 pontos - SJR) no ranking das revistas brasileiras de psicologia - , caberia indagar a validade da utilização desse parâmetro, uma vez que ele mede exclusivamente o atributo quantitativo e não a qualidade da publicação científica - isto é, não se considera o mérito científico e o caráter heurístico - do que vem sendo produzido na ciência.

Enfim, com este primeiro número do ano espero que a revista contribua para o avanço da edificação da ciência psicológica, com especial dedicação à comunidade brasileira, mas também espero com ele apresentar o que de melhor tem sido produzido, esperando ensejar reflexão e novas ideias para todos os que nele encontrarem inspiração.

Maria Inês Gandolfo Conceição

Editora-Chefe

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2014
  • Data do Fascículo
    Mar 2014
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