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Resenha: rumo ao inconsciente psicanalítico: das origens do conceito às primeiras elaborações freudianas

Book review: towards the psychoanalytic unconscious: the origins of the concept to the first freudian elaborations

Resenha: rumo ao inconsciente psicanalítico: das origens do conceito às primeiras elaborações freudianas

Book review: towards the psychoanalytic unconscious: the origins of the concept to the first freudian elaborations

Priscilla Melo Ribeiro de LimaI; Terezinha de Camargo VianaII

IUniversidade Federal de Goiás

IIUniversidade de Brasília

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Educação, Curso de Psicologia, Rua 235, s/n Setor Universitário, Goiânia, GO, Brasil, CEP: 74605-050, E-mail: primlima@gmail.com

O presente livro é escrito por Henrique Fróes, mestre em Psicologia Clínica e Cultura e especialista em Teoria Psicanalítica, ambos os títulos obtidos na Universidade de Brasília (UnB). O autor é formado em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo; é jornalista, atuando tanto em veículos impressos como televisivos, e professor universitário. Sua pesquisa engloba as interconexões entre a psicanálise, a filosofia e a clínica que se revelam na constituição histórica do conceito de inconsciente.

Rumo ao inconsciente psicanalítico: das origens do conceito às primeiras elaborações freudianas tem como temática o estudo da origem do conceito de inconsciente e seu desenvolvimento nas primeiras formulações freudianas. A importância desse estudo se deve à reconstrução epistemológica do conceito de inconsciente freudiano. A escassez de publicações com essa temática em língua portuguesa torna o trabalho de Fróes importante, não somente pela temática abordada, mas também pela forma como foi exposta.

Rumo ao inconsciente está divido em quatro capítulos. O primeiro capítulo, Noções de inconsciente pré-psicanalíticas, tem como objetivo "traçar um panorama das manifestações das noções de inconsciente no pensamento europeu anteriores a Freud que, de forma direta ou indireta, tiveram influência no pensamento psicanalítico" (p. 13). Fróes descreve três tradições histórico-filosóficas acerca do inconsciente, as quais teriam influenciado o pensamento de Freud na constituição do inconsciente psicanalítico: o inconsciente cognitivo, o inconsciente romântico, e o inconsciente e os impulsos irracionais. O autor traz considerações importantes acerca do campo de pensamento que antecede as formulações de Freud, e destaca alguns filósofos e estudiosos, tais como Herbart, Fechner, Von Hartmann, Schopenhauer, Nietzsche. Compreender o Zeitgeist anterior às primeiras elaborações freudianas é essencial para uma compreensão da epistemologia psicanalítica. Apesar de Fróes tratar de certos pontos de forma rápida, as contribuições de suas colocações a respeito do percurso histórico e filosófico do inconsciente psicanalítico demonstram a importância de estudos como esse para o caminho percorrido por Freud na construção da psicanálise.

Freud parece ter herdado da tradição do inconsciente cognitivo a compreensão da vida psíquica como constantemente dinâmica e baseada na oposição e tensão entre representações. Além disso, Fróes dá especial destaque aos estudos de Leibniz, Wolff, Herbart e Fechner, a partir dos quais Freud parece ter derivado a concepção de fronteira existente entre a consciência e o lugar da escuridão dos pensamentos, o inconsciente. A aproximação do pensamento freudiano à tradição do inconsciente romântico é demonstrada pelo autor a partir dos escritos de Goethe, Schelling, Carus e Von Hartmann. O ethos do espírito romântico pode ser destacado, segundo Fróes, a partir da crença de uma condição de conflito interior em todo homem, da impossibilidade de satisfação plena e da constante aspiração humana por algo a mais, mas que sempre lhe escapa. O fundamento do humano está no inconsciente. O mergulho nas profundezas do ser traz a possibilidade de encontro da verdade e do absoluto. Esse movimento, entretanto, é marcadamente ambíguo, no sentido de que o mergulho no caos dos "infernos interiores pode possibilitar uma abertura do caminho da divinização" (p. 23). Apesar de não ser comentado por Fróes, parece inevitável a retomada da citação introdutória de A interpretação dos sonhos (Freud, 1900/1996, p. 15): "Flectere si nequeo superos, acheronta movebo" ("Se não puder dobrar os deuses de cima, comoverei o Aqueronte"). Em carta a Werner Achelis de 1927, Freud afirma que essa citação do livro Eneida, de Virgílio, traz o significado de "comover o Aqueronte" como agitar o submundo, ou seja, o inconsciente (Freud, 1900/1996, p. 15). A busca pelas profundezas psíquicas como forma de compreensão do ser humano e de seus desejos profundos estava, de fato, presente no pensamento freudiano. A terceira tradição destacada por Fróes é denominada de o inconsciente e os impulsos irracionais, representada por Schopenhauer e Nietzsche. Ambos os filósofos concebiam o psiquismo a partir de duas instâncias: a) um inconsciente cujos impulsos comandariam o homem e b) uma consciência, derivada do inconsciente e, portanto, instância secundária e ilusória. Além dessas concepções, a estruturação dos conceitos de Isso - lugar dos impulsos - e Supereu - consciência moral - é derivada de Nietzsche. Entretanto, a influência desses autores é mais evidente na segunda tópica freudiana, e não nas elaborações preliminares do conceito de inconsciente. Fróes faz, nesse subtópico, um deslocamento temporal para a obra freudiana já bastante desenvolvida.

O capítulo seguinte, O inconsciente na primeira psiquiatria dinâmica, se dedica a investigar o campo da psiquiatria clínica. Partindo de Mesmer, com sua teoria acerca do magnetismo, passando pela conceituação do estado de sonambulismo até ao desenvolvimento do hipnotismo, Fróes ressalta como o mesmerismo deixou suas marcas no pensamento clínico do século XIX. O mesmerismo sempre foi considerado uma clínica menor, mas Fróes consegue, através de sua argumentação, demonstrar a influência dessa abordagem clínica na clínica psiquiátrica e no desenvolvimento do hipnotismo.

A explanação do autor acerca da histeria foge ao convencional. Fróes fornece dados e explicações históricas que, durante muito tempo, permaneceram à margem da investigação. Entretanto, a questão do inconsciente é retomada apenas na metade do capítulo, ao ser relatada a experiência clínica de Charcot na Salpêtrière com as histéricas.

As influências sofridas por Freud, não apenas em sua concepção de histeria e do inconsciente, mas também no abandono da hipnose e na adoção da associação livre, são ressaltadas por Fróes. As teorizações freudianas acerca da histeria e do inconsciente, e as mudanças no manejo técnico foram aos poucos se diferenciando do pensamento charcotiano e adquirindo novos contornos. A influência de Bernheim é destacada por Fróes no tocante ao desenvolvimento da sugestão como substituto da hipnose. A grande contribuição trazida pelo autor nesse capítulo está na demonstração de como a construção da técnica psicanalítica foi influenciada pela psiquiatria clínica, mas apenas como impulso inicial. Além disso, Fróes enfoca como as mudanças no manejo técnico desenvolvidas por Freud se estabeleceram como um passo fundamental para o reconhecimento do inconsciente como constituinte do psiquismo.

O terceiro capítulo, Primeiros usos da noção de inconsciente por Freud, utiliza-se dos textos freudianos publicados entre 1888 e 1893 para uma compreensão da forma como Freud possivelmente se apropriou da noção de inconsciente. Enquanto no capítulo anterior Fróes destaca os pontos comuns entre a compreensão de Freud do inconsciente e a tradição do inconsciente cognitivo, o capítulo 3 aponta as aproximações com o inconsciente romântico. O autor ressalta a importância dos estudos de Charcot, Binet e Janet acerca da histeria como dissociação da consciência e incapacidade de ab-reação, ao retomar os primeiros usos freudianos do conceito de inconsciente. Fróes destaca o esboço da concepção de dualismo psíquico e do conceito de recalcamento nos primeiros escritos de Freud sobre a histeria. Tendo como base as observações clínicas e os desenvolvimentos teóricos existentes, Freud concebe, nesse período de sua produtividade, um inconsciente tópico, resultado da repressão de representações aflitivas que não foram ab-reagidas adequadamente. Apesar de algumas questões serem tratadas de forma rápida, o autor cumpre o objetivo de indicar as primeiras noções de inconsciente nos primórdios da psicanálise. Fróes retoma alguns pontos levantados no primeiro capítulo e os articula com as premissas freudianas acerca do psiquismo nesse período. Além disso, a evolução do pensamento freudiano, que parte da concepção de dissociação da consciência até à compreensão do inconsciente como constituinte da natureza humana, é sumarizada no final do capítulo.

O quarto e último capítulo, Primeiras elaborações freudianas sobre o inconsciente, se propõe a examinar o início da conceituação de inconsciente a partir do desenvolvimento da teoria da defesa e dos textos da década de 1890. Fróes traça o caminho seguido por Freud na construção, modificação e atualização do conceito tanto de inconsciente quanto de psiquismo. Através dos artigos publicados em Estudos sobre a histeria (1895) e em As neuropsicoses de defesa (1894), o autor demonstra como a teoria da defesa possibilitou que Freud construísse sua noção de inconsciente, com claras distinções das noções de seus contemporâneos e antecessores. Nessa época já era possível identificar, no discurso de Freud, aspectos fundamentais da teoria psicanalítica que se tornariam mais claros em Interpretação dos sonhos (1900). Aos poucos Freud foi diferenciando sua forma de compreender o psiquismo, bem como aprofundando a etiologia das neuroses. Isso o ajudou a compreender melhor o papel fundamental da sexualidade na constituição do ser humano.

A obra Rumo ao inconsciente psicanalítico: das origens do conceito às primeiras elaborações freudianas elucida questões importantes acerca da construção do inconsciente psicanalítico. Uma melhor compreensão da teoria psicanalítica exige que questões epistemológicas sejam discutidas. Fróes faz, através de uma pesquisa teórica, um levantamento da história e dos conceitos filosóficos presentes no contexto cultural no qual Freud se inseria. A construção epistemológica da psicanálise como disciplina acadêmica e prática clínica, apesar de frequentemente desvalorizada, está presente em toda a obra freudiana e é ponto nodal para a compreensão da metapsicologia. Toda ciência que busca suas raízes e suas matrizes de influência histórico-cultural desenvolve um olhar crítico para si mesma e se torna mais flexível e madura.

Recebido em 11.04.2013

Primeira decisão editorial em 09.05.2014

Versão final em 12.05.2014

Aceito em 19.05.2014

  • Freud, S. (1996). A interpretação dos sonhos (I). In J. Salomão (Trans.), Edição Standard Brasileira das Obras psicológicas completas de Sigmund Freud (vol. 4). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1900).
  • Fróes, H. (2013). Rumo ao inconsciente psicanalítico: das origens do conceito às primeiras elaborações freudianas Lisboa, Portugal: Placebo Editora.
  • Endereço para correspondência:
    Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Educação, Curso de Psicologia, Rua 235, s/n Setor Universitário, Goiânia, GO, Brasil, CEP: 74605-050,
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Set 2014
    • Data do Fascículo
      Set 2014
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