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Habilidades Sociais como Preditoras de Problemas de Comportamento em Escolares1 1 Este artigo apresenta dados do Estudo I da Dissertação de Mestrado realizada pela primeira autora no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSCar, sob a orientação da segunda autora. O terceiro autor colaborou na elaboração desta versão. 2 2 Apoio financeiro: CAPES.

Social Skills as Predictors of Problem Behavior in School Children

RESUMO

Este estudo realizou uma caraterizacão do repertório de habilidades sociais e problemas de comportamento de crianças e avaliou a força preditiva das habilidades sociais para problemas de comportamento. Participaram 220 crianças, do 3º ao 6º ano do Ensino Fundamental, bem como seus pais ou responsáveis, que responderam ao Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais (SSRS-BR). A amostra apresentou escores coerentes com a norma para habilidades sociais e problemas de comportamento, sendo que os internalizantes, segundo os pais ou responsáveis, foram mais frequentes. Adicionalmente, as habilidades sociais de maior peso preditivo foram as de Responsabilidade (na autoavaliação) e as de Autocontrole e Civilidade (na avaliação de pais ou responsáveis). Os resultados foram discutidos em termos de suas implicações para a promoção de habilidades sociais como mecanismo preventivo de problemas comportamentais.

Palavras-chave:
habilidades sociais; problemas de comportamento; crianças em idade escolar

ABSTRACT

This study realized a characterization of social skills and behavior problems in children and evaluated the predictive power of social skills for behavior problems. The participants were 220 children, from 3rd to 6th grade of Elementary School, and their parents or guardians, who responded to the Assessment of Social Skills (SSRS-BR) system. The sample scores were consistent with the norm for social skills and behavior problems, and according to the parents or guardians, the internalizing were more frequent. Also,Responsibility (in the self-assessment) and Self-control and Civility (in the assessment by parents or guardians) were the social skills with the greatest predictive power. The results were analyzed in terms of their implications for the promotion of social skills as a preventive mechanism for behavioral problems in school children.

Keywords:
social skills; behavior problems; school-age children

A Psicologia do Desenvolvimento tem destacado a importância das interações sociais no processo de aprendizagem e de desenvolvimento do ser humano (Camargo & Bosa, 2009Camargo, S. P. H., & Bosa, C. A. (2009). Competência social, inclusão escolar e autismo: revisão crítica da literatura. Psicologia & Sociedade, 21(1), 65-74.; Novak & Peláez, 2004Novak, G., & Peláez, M. (2004). Child and adolescent development - A behavioral system approach. Thousand Oaks, CA: Sage Publications.). A partir do momento em que começa a interagir com seu meio, a criança precisa desenvolver um repertório cada vez mais elaborado de habilidades sociais, reconhecidas como recursos indispensáveis para o seu desenvolvimento (Michelson, Sugai, Wood,& Kazdin, 1987Michelson, L., Sugai, D., Wood, R., & Kazdin, A. (1987). Las habilidades sociales en la infancia: Evaluación y tratamiento. Martínez Roca: Barcelona.).

Conforme (Del Prette e Del Prette, 2005Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis, RJ: Vozes.), as habilidades sociais constituem classes específicas de comportamentos presentes no repertório de um indivíduo que lhe permitem lidar de forma competente com as demandas de situações interpessoais, favorecendo um relacionamento saudável e produtivo com outras pessoas. A disponibilidade de um repertório de habilidades sociaisé condição necessária, ainda que não suficiente, para desempenhar competentemente uma tarefa interpessoal (Del Prette & Del Prette, 2009bDel Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2009b). Avaliação de habilidades sociais: bases conceituais, instrumentos e procedimentos. In Z. A. P. Del Prette& A. Del Prette (Eds.), Psicologia das habilidades sociais: diversidade teórica e suas implicações (pp. 189-229). Petrópolis, RJ: Vozes.).

O desenvolvimento das habilidades sociais tem início no nascimento e se torna progressivamente mais elaborado ao longo da vida (Del Prette & Del Prette, 2005Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis, RJ: Vozes.), dependendo da qualidade da interação do indivíduo com seu ambiente. O ambiente familiar constitui o núcleo inicial para a aprendizagem dessas habilidades pois, desde pequena, a criança aprende por meio da observação, deinstruções e regras estabelecidas pelos pais e, também, das consequências de seus comportamentos (Del Prette & Del Prette, 2005Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis, RJ: Vozes.). Na medida em que a criança se insere em sistemas sociais mais amplos, como a escola, ela passa a ser confrontada com situações mais complexas e, consequentemente, com novas demandas sociais que exigem a ampliação de seu repertório de habilidades sociais (Del Prette & Del Prette, 2001Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2001). Psicologia das relações interpessoais: vivências para o trabalho em grupo (4ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.).

Com base na literatura da área e em estudos empíricos com crianças, (Del Prette e Del Prette, 2005Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis, RJ: Vozes.) propuseram uma organização das habilidades sociais relevantes na infância em sete classes, definindo os componentes essenciais de cada uma delas: (1) autocontrole e expressividade emocional (tolerar frustrações, expressar as emoções positivas e negativas); (2) civilidade (cumprimentar pessoas, agradecer); (3) empatia (ouvir e demonstrar interesse pelo outro, expressar compreensão pelo sentimento ou experiência do outro); (4) assertividade (defender os próprios direitos, resistir à pressão de colegas); (5) fazer amizades (fazer e responder perguntas, iniciar e manter conversação); (6) solução de problemas interpessoais (identificar e avaliar possíveis alternativas de solução); e (7) habilidades sociais acadêmicas (seguir regras ou instruções orais, participar de discussões).

As pesquisas têm mostrado que crianças com um bom repertório de habilidades sociais têm perspectivas mais favoráveis para o futuro, pois essas habilidades encontram-se associadas a características como bom rendimento acadêmico, responsabilidade, independência, cooperação, autoestima e outros comportamentos que contribuem para a qualidade das relações interpessoais (Barreto, Freitas, & Del Prette, 2011Barreto, S. O., Freitas, L. C., & Del Prette, Z. A. P. (2011). Habilidades sociais na comorbidade entre dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento: uma avaliação multimodal. Psico, 42(4), 503-510.; Cia & Barham, 2009Cia, F., & Barham, E. J. (2009). Repertório de habilidades sociais, problemas de comportamento, autoconceito e desempenho acadêmico de crianças no início da escolarização. Estudos de Psicologia, 26(1), 45-55.; Del Prette & Del Prette, 2005Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis, RJ: Vozes.). Por outro lado, de acordo com (Del Prette e Del Prette, 2005Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis, RJ: Vozes.), condições ambientais restritivas ou inadequadas à aprendizagem de habilidades sociais e ao desempenho de comportamentos socialmente competentes podem trazer, como consequência, diferentes tipos de déficits em habilidadessociais. Conforme (Gresham, 2002Gresham, F. M. (2002). Teaching social skills to high-risk children and youth: Preventive and remedial strategies. In M. Shinn, H. Walker & G. Stoner (Eds.), Interventions for academic and behavior problems II: Preventive and remedial approaches (pp. 403-432). Bethesda, MD: National Association of School Psychologists.), esses déficits podem ser classificados em três conjuntos: (1) de aquisição, inferido pela ausência de indicadores do desempenho esperado; (2) de desempenho, inferido pela ocorrência do desempenho, porém com uma frequência inferior à esperada; e (3) de fluência, inferido pela baixa qualidade do desempenho.

Os déficits de habilidades sociais podem comprometer fases posteriores do ciclo vital, em termos de dificuldades deiniciar e manter relacionamentos, pior qualidade de vida e diferentes tipos de transtornos psicológicos (Del Prette & Del Prette, 2001Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2001). Psicologia das relações interpessoais: vivências para o trabalho em grupo (4ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.), incluindo problemas comportamentais (Cia, Pamplin & Del Prette, 2006Cia, F., Pamplin, R. C. O., & Del Prette, Z. A. P. (2006). Comunicação e participação pais-filhos: correlação com habilidades sociais e problemas de comportamento dos filhos. Paidéia, 16(35), 395-406.). Os problemas de comportamento podem ser vistos como excessos ou déficits comportamentais que dificultam o acesso da criança a novas contingências de reforçamento, relevantes para a aprendizagem e promotoras do desenvolvimento (Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003Bolsoni-Silva, A. T., & Del Prette, A. (2003). Problemas de comportamento: um panorama da área. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 5(2), 91-103.; do Valle & Garnica, 2009Do Valle, T. G. M., & Garnica, K. R. H. (2009). Avaliação e treinamento de habilidades sociais de crianças em idade pré-escolar. In T. G. M. Do Valle (Eds.), Aprendizagem e desenvolvimento humano: avaliações e intervenções (pp. 49-75). São Paulo: Cultura Acadêmica.).

Independentemente de seus fatores determinantes, a Psicopatologia Infantil (Achenbach, 1966Achenbach, T. M. (1966). The classification of children's psychiatric syntoms: A factor-analitic study. Psychological Monograhs, 80(7), 1-37.) classifica os problemas de comportamento em dois grandes grupos: internalizantes (PCI) e externalizantes (PCE), que podem ser associados aos conceitos de excesso e déficit comportamental. (Del Prettee & Del Prette, 2005Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis, RJ: Vozes.) indicam que os PCI se expressam basicamente em relação ao próprio indivíduo, são caracterizados pelo excesso de tristeza, retraimento, timidez, insegurança, medos e inibição excessiva, e estão associados a transtornos psicológicos como depressão, ansiedade, fobia social e queixas somáticas (como dor de cabeça ou de estômago, náuseas e insônia). Os PCE, que se apresentam predominantemente em relação a outras pessoas, envolvem excesso de impulsividade, agressão, agitação, provocações e comportamento desafiador excessivo, e estão associados a problemas psicológicos como o transtorno negativista desafiante ou o transtorno dissocial. Ainda de acordo com esses autores, outros transtornos podem estar associados, ao mesmo tempo, a PCI e PCE, como os distúrbios de aprendizagem, as deficiências sensoriais ou mentais (correspondem a crianças com desenvolvimento atípico) e alguns transtornos invasivos ou globais do desenvolvimento (como o autismo, a síndrome de Rett e de Asperger). Além desses dois grandes grupos, (Achenbach, McConaughy, Ivanova e Rescorla, 2011Achenbach, T. M., McConaughy, S. H., Ivanova, M. Y., & Rescorla, L. A. (2011). Manual for the ASEBA Brief Problem Monitor (BPM). Research Center for Children, Youth, and Families. University of Vermont. Retrieved from http://www.aseba.org.
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) incluíram, recentemente, os problemas de atenção, que podem ser observados quando há falta de concentração, dificuldade para finalizar tarefas, hiperatividade, impulsividade e distração. Tais comportamentos podem estar associados ao transtorno por déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Quaisquer que sejam os tipos de problemas psicológicos que a criança apresente, quando não superados, os efeitos sobre o seu desenvolvimento podem gerar desfechos desfavoráveis no desenvolvimento (Del Prette & Del Prette, 2005Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis, RJ: Vozes.).

A literatura é controversa quanto à prevalência de problemas comportamentais internalizantes e externalizantes. Conforme (Bolsoni-Silva e Del Prette, 2003Bolsoni-Silva, A. T., & Del Prette, A. (2003). Problemas de comportamento: um panorama da área. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 5(2), 91-103.), numerosos estudos apontam para uma maior prevalência de PCE. Porém há estudos, mais recentes, que não encontraram diferenças entre a ocorrência de PCE e PCI (e.g., Keegstra, Post, & Goorhuis-Brouwe, 2010Keegstra, A. L., Post, W. J., & Goorhuis-Brouwer, S. M. (2010). Behavioural problems in young children with language problems [Resumo]. International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology,74(6), 637-641.) e outros, ainda, que detectaram uma prevalência maior de PCI (e.g., Borsa, de Souza & Bandeira, 2011Borsa, J. C., de Souza, D. S., & Bandeira, D. R. (2011). Prevalência dos problemas de comportamento em uma amostra de crianças do Rio Grande do Sul. Psicologia: Teoria e Prática, 13(2), 15-29.). Esses resultados discrepantes podem, em parte, ser ocasionados pelo uso de diferentes avaliadores e/ou instrumentos e pelo contexto no qual cada estudo é realizado, o que parece justificar a necessidade de avaliação multimodal do repertório social de crianças comdiferentes instrumentos e procedimentos, junto a vários informantes e contextos (Del Prette & Del Prette, 2009bDel Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2009b). Avaliação de habilidades sociais: bases conceituais, instrumentos e procedimentos. In Z. A. P. Del Prette& A. Del Prette (Eds.), Psicologia das habilidades sociais: diversidade teórica e suas implicações (pp. 189-229). Petrópolis, RJ: Vozes.).

Em relação aos informantes, ainda que o julgamento do comportamento social por parte de avaliadores externos (como pais, responsáveis ou educadores) seja um indicador importante da funcionalidade dos desempenhos sociais (Del Prette & Del Prette, 2005Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis, RJ: Vozes.), a autoavaliação não deve ser subestimada (do Valle & Garnica, 2009Do Valle, T. G. M., & Garnica, K. R. H. (2009). Avaliação e treinamento de habilidades sociais de crianças em idade pré-escolar. In T. G. M. Do Valle (Eds.), Aprendizagem e desenvolvimento humano: avaliações e intervenções (pp. 49-75). São Paulo: Cultura Acadêmica.). A abordagem multi-informante permite avaliar as áreas de consistência e inconsistência, bem como diferenças na percepção, nos critérios pessoais e na acuracidade de diferentes informantes e, assim, identificar possível viés positivo nas respostas das crianças, conhecido por desejabilidade social (Richaud de Minzi & Lemos, 2006Richaud de Minzi, M., & Lemos, V. (2006). Cuaderno de psicometría I. Buenos Aires: CIIPME.). Esse viés já foi constatado em diversos estudos, especialmente no caso de crianças com PCE (Barreto et al., 2011Barreto, S. O., Freitas, L. C., & Del Prette, Z. A. P. (2011). Habilidades sociais na comorbidade entre dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento: uma avaliação multimodal. Psico, 42(4), 503-510.; Casali, 2010Casali, I. G. (2010). La influencia de la percepción de las prácticas parentales sobre las habilidades sociales y la percepción de sí mismo en los niños de 8 a 12 años (Monografia de graduação em Psicologia). Universidad Adventista del Plata, Entre Ríos, Argentina.; Gresham, Lane, Macmillan, Bocian, & Ward, 2000Gresham, F. M., Lane, K. L., Macmillan, D. L., Bocian, K. M., & Ward, S. L. (2000). Effects of positive and negative illusory biases: Comparisons across social and academic self-concept domains. Journal of School Psychology, 38, 151-175.).

Não obstante a existência de estudos sobre as relações entre o repertório de habilidades sociais e problemas de comportamento, a maior parte deles, especialmente os nacionais, tem se caracterizado como correlacionais ou por comparação de grupos (e.g., Bandeira, Rocha, de Souza, Del Prette, & Del Prette, 2006Bandeira, M., Rocha, S. S., de Souza, T. M. P., Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2006). Comportamentos problemáticos em estudantes do Ensino Fundamental: características da ocorrência e relação com habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem. Estudos de Psicologia, 11(2), 199-208.; Baraldi & Silvares, 2003Baraldi, D. M., & Silvares, E. F. M. (2003). Treino de habilidades sociais em grupo com crianças agressivas, associado à orientação dos pais: analise empírica de uma proposta de atendimento. In A. Del Prette & Z. A. P. Del Prette (Eds.), Habilidades sociais, desenvolvimento e aprendizagem (pp. 235-258). Campinas: Alínea.; Bolsoni-Silva et al., 2011Bolsoni-Silva, A. T., Loureiro, S. R., & Marturano, E. M. (2011). Problemas de comportamento e habilidades sociais infantis: modalidades de relatos. Psico, 42(3), 354-361.), fazendo referência às habilidades sociais de modo geral e sem focar o impacto das diferentes classes de habilidades sociais. Esses estudos têm sido muito importantes para gerar hipóteses e induzir novas investigações sobre tais hipóteses, mas trazem evidências ainda frágeis sobre a direção das relações entre o repertório de habilidades sociais (ou seus déficits) e as características comportamentais positivas e negativas da criança.

Analisar o impacto das habilidades sociais sobre problemas de comportamento ou sobre transtornos específicos implica uma metodologia diferenciada, que vai além dos estudos de comparação das diferenças entre grupos e dos estudos correlacionais. Em termos ideais, requer estudos experimentais e/ou longitudinais, bastante complexos em sua condução e análise, mas necessários em algum momento. Uma alternativa intermediária são os estudos de regressão e teste de modelos mais abrangentes, que permitem refinar hipóteses de relações entre variáveis e, no caso de habilidades sociais, identificar o possível impacto preditivo desse repertório sobre as demais variáveis. Para além disso, considerando a especificidade situacional das habilidades sociais (Del Prette & Del Prette, 2009bDel Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2009b). Avaliação de habilidades sociais: bases conceituais, instrumentos e procedimentos. In Z. A. P. Del Prette& A. Del Prette (Eds.), Psicologia das habilidades sociais: diversidade teórica e suas implicações (pp. 189-229). Petrópolis, RJ: Vozes.), torna-se importante discriminar o peso específico também das diferentes classes de habilidades sociais na infância, o que pode facilitar estudos mais focados e contribuir para o planejamento de intervenções delineadas de acordo com os déficits e recursos da criança ou de grupos específicos de crianças.

Com base nessas considerações, o presente artigo teve como objetivos: (1) caracterizar o repertório de habilidades sociais e problemas comportamentais de crianças do Ensino Fundamental; e (2) verificar a possível força preditiva de classes específicas de habilidades sociais sobre os problemas de comportamento nessa amostra.

Método

O estudo foi conduzido de acordo com as normas éticas da Pesquisa com Seres Humanos e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Taubaté/UNITAU (Protocolo no 404/11). Após a autorização da direção de cada instituição para efetuar a pesquisa, foi enviado a cada pai/responsável o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), solicitando autorização para a participação do filho.

Participantes

Participaram 220 crianças, que cursavam do 3º ao 6º ano do Ensino Fundamental em escolas públicas e particulares de uma cidade com aproximadamente 220 mil habitantes, do estado de São Paulo, bem como, na condição de informantes externos, os pais ou responsáveis dessas crianças sendo, em sua maioria, suas mães (n = 183; 83,2%). Os critérios para a participação no estudo foram o grau escolar da criança, o interesse e consentimento dos pais ou responsáveis e a disposição da criança em participar. A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas da amostra.

Tabela 1
Características sociodemográficas dos participantes do estudo

A amostra foi composta por mais meninos do que meninas, sendo a maioria de escola particular e do 3º ano. A idade média das crianças, no momento em que começaram a participar da pesquisa, era de de 9,52 anos (DP = 1,25), havendo crianças de 7 a 14 anos. A classe econômica das famílias das crianças variou de A1 a D, segundo avaliação do Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB), com maior concentração nas categorias B2 e B1.

Instrumento

Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais (SSRS-BR). Esse instrumento, desenvolvido nos Estados Unidos (Social Skills Rating System) por (Gresham e Elliott, 1990Gresham, F. M., & Elliott, S. N. (1990). Social skills rating system: Manual. Circle Pines, MN: American Guidance Service.), foi adaptado e validado no Brasil por (Bandeira, Del Prette, Del Prette e Magalhães, 2009Bandeira, M., Del Prette, Z. A. P., Del Prette, A., & Magalhães, T. (2009). Validação das escalas de habilidades sociais, comportamentos problemáticos e competência acadêmica (SSRS-BR) no ensino fundamental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 25(2), 271-282.). Avalia as habilidades sociais, os problemas de comportamento e a competência acadêmica de crianças do Ensino Fundamental, por meio de formulários dirigidos às próprias crianças, aos pais ou responsáveis e aos professores. Para fins do presente estudo, somente foram utilizados o SSRS-BR/criança, que avalia habilidades sociais, e o SSRS-BR/pais, que inclui duas subescalas, uma para medir habilidades sociais e outra para avaliar problemas de comportamento. A adaptação brasileira do SSRS-BR (Bandeira et al., 2009Bandeira, M., Del Prette, Z. A. P., Del Prette, A., & Magalhães, T. (2009). Validação das escalas de habilidades sociais, comportamentos problemáticos e competência acadêmica (SSRS-BR) no ensino fundamental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 25(2), 271-282.) produziu indicadores de estabilidade temporal, validade e precisão satisfatórios. O Alpha de Cronbach, referente à consistência interna, mostrou-se satisfatório tanto na escala de habilidades sociais (α = 0,78 na autoavaliação e α = 0,86 na avaliação dos pais) quanto na de problemas de comportamento, avaliada pelos pais (α =0,83).

Procedimento

A coleta de dados com as crianças foi realizada em pequenos grupos, na própria escola, em horários que não comprometiam o período letivo. Previamente à entrega do questionário, foi realizado um breve rapport com as crianças, explicando-se o objetivo do estudo e garantindo-se a confidencialidade dos dados. O tempo médio de coleta, realizada individualmente, foi de aproximadamente 15 minutos.

A coleta de dados com os pais ou responsáveis foi conduzida em reuniões coletivas agendadas nas escolas e em contatos individuais na residência, no trabalho ou na própria instituição escolar. Dos 263 pais ou responsáveis que autorizaram os filhos a participarem, conseguiu-se o preenchimento do SSRS-BR/pais por parte de 220 deles. É possível afirmar, então, que, do total de crianças que foram convidadas para participar (n = 473), 46,5% (n = 220) fizeram parte da amostra do estudo.

Análise de dados

Os dados das respostas do SSRS-BR, sob a forma de escores produzidos de acordo com instruções dos manuais, foram inseridos e organizados em planilha do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), procedendo-se às análises descritivas e inferenciais paramétricas pertinentes. Para caracterizar a amostra, a partir do escore obtido pela criança em cada categoria do SSRS-BR/criança e do SSRS-BR/pais, foi definido o percentil correspondente e sua classificação em relação aos dados normativos (Bandeira et al., 2009Bandeira, M., Del Prette, Z. A. P., Del Prette, A., & Magalhães, T. (2009). Validação das escalas de habilidades sociais, comportamentos problemáticos e competência acadêmica (SSRS-BR) no ensino fundamental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 25(2), 271-282.): escore baixo (percentil ≤ 25), médio (percentil > 25 e < 75) e superior (percentil ≥ 75). Posteriormente foram determinadas a frequência e percentagem das crianças que se localizaram nos escores baixos, médios ou altos para cada categoria da variável correspondente. Também foi analizada, por meio do coeficiente r de Pearson, a correlação entre a autoavaliação e a avaliação por pais ou responsáveis quanto ao repertório global de habilidades sociais.

Para verificar o poder preditivo dos déficits de habilidades sociais sobre os problemas comportamentais, foram realizadas análises de regressão linear múltipla, utilizando o método Stepwise, que desenvolve uma equação de regressão adequada após examinar a contribuição de cada variável independente na predição da variável dependente. Como variáveis independentes, foram considerados os escores das subclasses (fatores) de habilidades sociais (segundo avaliação das crianças e dos pais ou responsáveis) e, como variáveis dependentes, os escores, tanto global quanto fatoriais, de problemas de comportamento (segundo avaliação dos pais ou responsáveis). A análise, portanto, produz valores de correlação entre as variáveis em foco, define o modelo de regressão e sua significância estatística na previsão da variável dependente. Preliminarmente, foram realizadas análises para verificar a satisfação das suposições inerentes à regressão (tamanho da amostra, linearidade, homecedasticidade, independência dos resíduos, normalidade e identificação de valores influentes ou atípicos). As diversas análises, bem como a interpretação dos resultados, foram realizadas com base em (Dancey e Reidy, 2006Dancey, C. P., & Reidy, J. (2006). Estatística sem matemática para psicologia: usando SPSS para Windows (3ª ed.). Porto Alegre: Artmed.).

Análises de consistência interna das escalas utilizadas produziram, para esta amostra, um Alpha de Cronbach satisfatório, tanto para habilidades sociais do SSRS-BR/criança (α = 0,77) e do SSRS-BR/pais (α = 0,87), como para problemas de comportamento (α = 0,87). Em todas as análises foi adotado o nível de significância de 5% (p ≤ 0,05) e, em alguns casos, foi considerado o nível de 10% (p ≤ 0,10) para verificar tendência a diferenças significativas.

Resultados

Este estudo produziu dois conjuntos de resultados: os referentes à caracterização da amostra e os referentes ao poder preditivo do repertório de habilidades sociais sobre os problemas comportamentais. Esses aspectos são apresentados separadamente a seguir.

Quanto à caracterização da amostra, a Tabela 2apresenta os dados descritivos do escore geral e dos escores fatoriais de habilidades sociais e de problemas comportamentais, especificando a frequência de crianças em cada um dos níveis percentis (baixo, médio e superior).

Tabela 2
Dados descritivos das crianças com repertório baixo, médio e superior de habilidades sociais (HS) e problemas comportamentais(PC) segundo padrões normativos do SSRS-BR

Em relação ao repertório global de habilidades sociais, a análise inicial descritiva indicou um maior grupo de crianças com escore médio, tanto na autoavaliação quanto na avaliação dos pais ou responsáveis, com correlação positiva e significativa, porém fraca, entre esses informantes (r = 0,237; p = 0,000). No entanto, como se pode observar na Tabela 2, na distribuição de frequências e no valor de mediana (P50), os pais ou responsáveis parecem ter avaliado seus filhos como mais habilidosos do que eles mesmos se avaliaram.

Na autoavaliação (SSRS-BR/criança), a Tabela 2mostra que o fator Responsabilidade (F1) reuniu o maior número de crianças com um repertório deficitário, contrariamente ao fator Evitação de problemas(F5), que agrupou o maior número de crianças com repertório superior nessa habilidade. Conforme avaliação por pais ou responsáveis (SSRS-BR/pais), nas habilidades do fator Cooperação (F1), os três grupos estiveram bem representados; no fator Iniciativa e Desenvoltura social (F3) houve um menor número de crianças com repertório superior e no fator Autocontrole e Civilidade (F5), um maior número com repertório médio.

Um dado complementar, que não consta na Tabela 2, refere-se à análise específica de cada uma das habilidades sociais. Segundo a autoavaliação, a habilidade social mais frequente foi Eu peço antes de usar as coisas das outras pessoas (M = 1,70; DP = 0,52), e a menos frequente foi Eu discuto com meus colegas quando há um problema ou uma briga (M = 0,92; DP =0,75). Na avaliação dos pais ou responsáveis, a habilidade que teve maior frequência foi Pede permissão antes de sair de casa (M = 1,88; DP = 0,36), enquanto que a habilidade que apresentou menor frequência foi Mantém o quarto limpo e arrumado sem ter que ser lembrado(M = 0,80; DP = 0,66).

Em relação aos problemas de comportamento, como pode ser notado na Tabela 2, quase a metade dos respondentes situou-se em um escore médio de problemas comportamentais. O fator Problemas Internalizantes (F3) foi o que reuniu maior quantidade de crianças com escore elevado e menor quantidade com escore baixo; o fator Problemas Externalizantes (F2), por outro lado, reuniu um maior grupo de crianças com escore baixo e um menor grupo com escore alto, e apresentou um menor valor de mediana.

Em concordância com esses dados, uma análise específica de cada um dos comportamentos considerados na escala permitiu observar que, segundo a avaliação dos pais ou responsáveis, o problema que ocorreu com maior frequência entre os estudantes foi Desconcentra-se facilmente (M = 1,10; DP = 0,72), que faz parte dos problemas internalizantes. Por outro lado, o problema de comportamento relatado pelos pais ou responsáveis com menor frequência foi Ameaça ou intimida os outros (M = 0,33; DP = 0,56), do F2 (Externalizante).

Quanto ao poder preditivo das habilidades sociais sobre os problemas comportamentais, a Tabela 3 apresenta o coeficiente de correlação (R), o poder explicativo (R2 ajustado) e a significância na predição (F) da equação de regressão definida pelo método Stepwise, bem como o impacto e poder preditivo (coeficientes beta, padronizados e não padronizados) de cada classe de habilidade social (avaliada pela própria criança e pelos pais ou responsáveis) identificada como preditora dos problemas comportamentais (tanto no escore global quanto nos três grupos de problemas).

Tabela 3
Análise de regressão linearmúltipla para as classes de habilidades sociais preditoras dos problemas de comportamento segundo o método Stepwise

Em relação ao poder preditivo das habilidades sociais autoavaliadas (SSRS-BR/criança) sobre os problemas de comportamento, observa-se, na Tabela 3, que a análise Stepwise definiu, como modelo de regressão, as subclasses de habilidades sociais de Responsabilidade (F1) e Evitação de problemas (F5), porém com especificidade em relação aos diferentes escores (global e fatoriais) de problemas comportamentais.

De acordo com o modelo, o fator Responsabilidade (F1) prediz, de forma estatisticamente significativa (F (1, 218) = 76,55; p = 0,000), aproximadamente 26,0% da variância ocorrida no escore global de problemas comportamentais, mantendo uma correlação moderada e negativa com ele. Maiores escores em habilidades de responsabilidade predizem, portanto, menor probabilidade de ocorrência de problemas comportamentais. As habilidades dos fatores Responsabilidade (F1) e Evitação de problemas (F5), nessa ordem, foram identificadas para fazerem parte da equação de regressão dos problemas de hiperatividade (HIP) predizendo, de forma estatisticamente significativa (F (2, 217) = 29,72; p = 0,000), 21,0% da variância ocorrida nos escores de HIP. Dessa magnitude, aproximadamente 19,0% das variações na HIP ocorrem somente por variações no fator Responsabilidade (F1), que claramente tem um peso preditivo maior na equação. A correlação entre a equação de regressão e os problemas de HIP é moderada, mas a direção da relação difere: maiores escores em habilidades sociais do fator Responsabilidade predizem menores escores de HIP e quanto maiores os esforços de uma criança por Evitar Problemas, maiores são as chances de apresentar HIP.

Conforme o modelo, o único fator que predisse de forma extremamente significativa variações tanto nos PCE quanto nos PCI foi Responsabilidade (F1), definido como modelo de regressão em ambos os casos. Esse fator prediz, de forma estatisticamente significativa (F (1, 218)= 54,54; p = 0,000),20,0% da variância ocorrida nos escores de PCE, mantendo uma correlação moderada e negativa com eles (altos escores em habilidades de responsabilidades predizem redução da ocorrência de PCE). No caso dos PCI, essas habilidades predizem, de maneira estatisticamente significativa (F (1, 218) = 37,54; p = 0,000), 14,0% da variância ocorrida nos escores desses problemas, com correlação moderada e negativa entre essas variáveis, indicando que elevados escores em habilidades de responsabilidade predizem menores escores em PCI.

Em relação ao poder preditivo das habilidades sociais avaliadas pelos pais ou responsáveis (SSRS-BR/pais) sobre os problemas de comportamento, comose observana Tabela 3, a análise Stepwise identificou como preditoras no modelo de regressão todas as subclasses de habilidades sociais avaliadas, porém, com especificidade em relação aos diferentes escores (global e fatoriais) de problemas comportamentais.

Para o escore global de problemas de comportamento foram identificadas, na equação de regressão, as habilidades sociais dos fatores Autocontrole e Civilidade (F5), Autocontrole Passivo (F6) e Cooperação (F1). Esses fatores predizem, de forma estatisticamente significativa (F(3, 216) = 61,1; p = 0,000), aproximadamente 45,0% da variância ocorrida nos escores de problemas comportamentais. Dessa magnitude, 39,0% das variações nos problemas de comportamento ocorrem por variações no fator Autocontrole e Civilidade (F5), que claramente tem um peso preditivo maior na equação. A correlação entre a equação de regressão e o escore global de problemas comportamentais é forte e negativa, mostrando que elevados escores em tais fatores predizem redução da ocorrência de problemas comportamentais.

As habilidades dos fatores Autocontrole e Civilidade (F5), Autocontrole passivo (F6) e Cooperação (F1), nessa ordem, foram definidas como equação de regressão da HIP, predizendo, de forma estatisticamente significativa (F (3, 216)= 49,73; p = 0,000), 40,0% da variância ocorrida nos escores de HIP. Dessa proporção, aproximadamente 35,0% das variações na HIP ocorrem por variações no fator Autocontrole e Civilidade (F5), que tem um peso preditivo maior na equação. A correlação entre as variáveis independentes na equação e os problemas de HIP é moderada e negativa: maiores escores nesses fatores predizem menor ocorrência de HIP.

As habilidades dos fatores Autocontrole e Civilidade (F5), Autocontrole Passivo (F6), Amabilidade (F2) e Asserção (F4), nessa ordem, foram definidas como equação de regressão dos PCE. De acordo com a análise, essa equação prediz, de forma estatisticamente significativa (F (4, 215) = 43,85; p = 0,000), quase 44,0% da variância ocorrida nos escores de PCE. Dessa magnitude, aproximadamente 32,0% das variações ocorrem pelas variações no fator Autocontrole e Civilidade (F5), constituindo o fator com maior peso preditivo na equação. A correlação entre a equação de regressão e os PCE é forte, mas difere na direção da relação: elevados escores em Autocontrole e Civilidade, Autocontrole passivo e Amabilidade predizem menor ocorrência de PCE na criança, enquanto elevados escores em Asserção predizem maior probabilidade de ocorrência de tais problemas.

Por fim, as habilidades que predizem de forma extremamente significativa (F (2, 217)= 27,68; p = 0,000) variações nos PCI foram, segundo a equação de regressão, as correspondentes aos fatores de Autocontrole e Civilidade (F5) e Iniciativa e Desenvoltura social (F3). Quase 20,0% das variações ocorridas nos PCI são preditas por variações nesses fatores sendo que, dessa magnitude, aproximadamente 14,0% ocorrem somente pela variância no fator Autocontrole e Civilidade (F5), que teve o maior peso preditivo na equação. A correlação entre as variáveis independentes na equação e os PCI é moderada e negativa, apontando que elevados escores em tais fatores predizem uma ocorrência reduzida de PCI.

Discussão

A amostra do presente estudo apresentou escores coerentes com a norma para habilidades sociais e problemas de comportamento,sendo possível identificar quais habilidades ou comportamentos eram emitidos com maior/menor frequência pelas crianças avaliadas. Segundo os pais ou responsáveis, os PCI foram os mais frequentes na amostra avaliada. Os resultados apontaram, também, que as habilidades sociais de maior peso preditivo sobre problemas comportamentais foram, na autoavaliação, as de Responsabilidadee, na avaliação por informantes externos, as de Autocontrole e Civilidade. Esses resultados, assim como outros mais específicos, são discutidos a seguir, começando por aqueles relativos à caracterização da amostra, seguidos daqueles referentes à análise do poder preditivo do repertório de habilidades sociais sobre os problemas de comportamento.

Quanto à caracterização da amostra, em termos de habilidades sociais, os pais ou responsáveis avaliaram seus filhos como mais habilidosos do que eles mesmos se avaliaram. Esse resultado contraria o viés positivo da criança encontrado em numerosos estudos (Barreto et al., 2011Barreto, S. O., Freitas, L. C., & Del Prette, Z. A. P. (2011). Habilidades sociais na comorbidade entre dificuldades de aprendizagem e problemas de comportamento: uma avaliação multimodal. Psico, 42(4), 503-510.; Casali, 2010Casali, I. G. (2010). La influencia de la percepción de las prácticas parentales sobre las habilidades sociales y la percepción de sí mismo en los niños de 8 a 12 años (Monografia de graduação em Psicologia). Universidad Adventista del Plata, Entre Ríos, Argentina.; Gresham et al., 2000Gresham, F. M., Lane, K. L., Macmillan, D. L., Bocian, K. M., & Ward, S. L. (2000). Effects of positive and negative illusory biases: Comparisons across social and academic self-concept domains. Journal of School Psychology, 38, 151-175.). Uma explicação possível refere-se ao fato de serem escalas com demandas diferentes. O SSRS-BR/pais inclui itens com referência, principalmente, ao âmbito familiar (e.g., Tenta fazer as tarefas domésticas antes de pedir sua ajuda, Em casa fala em tom de voz apropriado) ou a atividades realizadas pela família (e.g., Pede informação ou assistência a vendedores nas lojas, Presta atenção a conferencistas em reuniões como igrejas ou grupos de jovens), enquanto que o SSRS-BR/criança avalia principalmente o comportamento emitido em situações relativas ao ambiente escolar (e.g., Eu presto atenção no professor quando ele está ensinando uma lição, Eu uso um tom de voz adequado nas discussões de classe) ou ao interagir com adultos, amigos e colegas de classe (e.g., Eu ouço os adultos quando eles estão falando comigo, Eu demonstro ou digo aos meus amigos que gosto deles). Outra possível explicação refere-se às características dos participantes, pois esse viés positivo ocorre principalmente para crianças com problemas de comportamento, o que não caracteriza globalmente a amostra do presente estudo. Pode-se supor, nesse caso, que os pais ou responsáveis tenham avaliado o repertório social do filho de acordo com as respostas emitidas principalmente no âmbito familiar e as próprias crianças tenham se avaliado a partir do comportamento emitido em um contexto mais amplo. Considerando a especificidade situacional das habilidades sociais, a diferença na avaliação entre ambas as versões seria, portanto, relativamente esperada.

Com relação ao repertório de habilidades sociais autoavaliado pela própria criança (SSRS-BR/criança), os dados mostraram um desempenho mais deficitário por parte da amostra nas habilidades de responsabilidade, contrariamente às habilidades associadas à evitação de problemas, que parecem estar bem desenvolvidas na amostra estudada. No estudo de (Cia e Barham, 2009Cia, F., & Barham, E. J. (2009). Repertório de habilidades sociais, problemas de comportamento, autoconceito e desempenho acadêmico de crianças no início da escolarização. Estudos de Psicologia, 26(1), 45-55.), as crianças também se autoavaliaram com um repertório de habilidades de responsabilidade abaixo da média. Nota-se, assim, a importância de investir em intervenções destinadas a melhorar o desempenho em comportamentos que demonstrem compromisso com as tarefas e com as pessoas, basicamente no ambiente escolar, conforme avaliado pela escala. Por outro lado, no presente estudo, as crianças se avaliaram com habilidades para evitar problemas, seja evitando brigas ou ignorando aqueles que fazem "palhaçada", provocam ou xingam. Tais dados fornecem informação a respeito dos recursos que as crianças da amostra possuem, necessários de serem considerados em possíveis intervenções.

Especificamente, o item relatado com maior frequência foi Eu peço antes de usar as coisas das outras pessoas. De acordo com (Griffa e Moreno, 2005Griffa, M., & Moreno, J. (2005). Claves para una psicologia del desarrollo: Vida prenatal e etapas de la ninez (1ª ed.). Buenos Aires: Lugar.), a partir dos 8 anos a criança já é capaz de refletir sobre como é visto pelos outros e considerar a perspectiva do outro. Na busca de aceitação social, as crianças podem se preocupar em desenvolver comportamentos que agradem os outros, como pedir as coisas antes de usá-las. Por outro lado, o item que apresentou menor frequência foi Eu discuto com meus colegas quando há um problema ou uma briga. Esse achado merece atenção, pois a pesquisadora que coletou os dados detectou certa dificuldade, por parte das crianças, em entenderem o termo "discutir" (se como uma troca de ideias ou como uma briga), o que pode ter influenciado no resultado obtido.

Com relação à avaliação por parte dos pais ou responsáveis (SSRS-BR/pais), por outro lado, as habilidades com menores escores de frequência foram as deIniciativa e Desenvoltura social. Segundo os pais ou responsáveis, os filhos teriam dificuldades para iniciar e manter interações sociais, para conversar, apresentar-se, fazer convites, pedir informações e juntar-se a grupos. Esse dado combina com os temores expressos pelos pais no estudo realizado por (Espinar Ruiz e López Fernández, 2009Espinar Ruiz, E., & López Fernández, C. (2009). Jóvenes y adolescentes ante las nuevas tecnologías: Percepción de riesgos. Athenea Digital, 16, 1-20.): as mães expressaram que os filhos passam muito tempo sozinhos, dependentes das novas tecnologias, e não investem em relações sociais face a face, o que caracterizaria uma carência relacional e social que poderia estar associada ao isolamento e solidão. Embora, nessa pesquisa, as mães pareçam explicar a solidão pela dependência das tecnologias, é possível, também, que crianças optem por passar maior parte do tempo com a tecnologia devido à sua dificuldade para se relacionar e se enturmar.

Especificamente, a habilidade que, segundo a avaliação feita pelos pais ou responsáveis, obteve maior escore de frequência foi Pede permissão antes de sair de casa, e a que teve menor escore, por outro lado, foi Mantém o quarto limpo e arrumado sem ter que ser lembrado. Aparentemente, os pais ou responsáveis mantêm expectativas com respeito ao comportamento de cooperação por parte dos seus filhos que talvez não estejam sendo atendidas ou o sejam somente sob alguma pressão. Isso leva a refletir sobre a questão das práticas educativas parentais, se realmente são apropriadas para promover, em seus filhos, comportamentos adequados e esperados, diminuindo a ocorrência dos inadequados.

No que se refere aos problemas de comportamento, embora grande parte da amostra tenha apresentado um escore médio de problemas comportamentais, os PCI foram mais frequentes do que os PCE. Apesar de ainda existir uma falta de consenso na literatura quanto à prevalência de problemas comportamentais externalizantes e internalizantes, durante os últimos anos, grande quantidade de estudos encontraram maior prevalência de PCI, que parecem ter sido foco de crescente preocupação nas últimas décadas (Morris, Shah & Morris, 2002Morris, R. J., Shah, K., & Morris, I. P. (2002). Internalizing behavior disorders. Em K. L. Lane, F. M. Gresham & T. E. O'Shaughnessy (Orgs.), Children with or at risk for emotional and behavioral disorders (pp. 223-241). Boston: Allyn & Bacon.). Cabe questionar se realmente os PCI estão sendo mais frequentes que antes ou se somente estão sendo melhor percebidos pelos adultos.

Em concordância com esse achado, o problema de comportamento que foi indicado com maior frequência pelos pais ou responsáveis foi Desconcentra-se facilmente. Resultados semelhantes foram encontrados no estudo de (Bandeira et al., 2006Bandeira, M., Rocha, S. S., de Souza, T. M. P., Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2006). Comportamentos problemáticos em estudantes do Ensino Fundamental: características da ocorrência e relação com habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem. Estudos de Psicologia, 11(2), 199-208.), em que tal comportamento foi o segundo mais frequente relatado pelos pais ou responsáveis. No amplo levantamento bibliográfico realizado por (Merg, 2008Merg, M. M. G. (2008). Características da clienteleinfantile em clínicas-escola (Unpublished master'sthesis). Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.), problemas de atenção (no qual são inseridos comportamentos de dificuldade para se concentrar) corresponderam à terceira queixa mais frequente por parte dos pais ou responsáveis. Ao desconcentrar-se facilmente, a criança não consegue prestar atenção a detalhes, comete erros por falta de cuidado, tem dificuldades para estudar e, provavelmente, tem o desempenho acadêmico comprometido. Por outro lado, o comportamento relatado pelos pais ou responsáveis com menor frequência foi Ameaça ou intimida os outros, também encontrado por (Bandeira et al., 2006Bandeira, M., Rocha, S. S., de Souza, T. M. P., Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2006). Comportamentos problemáticos em estudantes do Ensino Fundamental: características da ocorrência e relação com habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem. Estudos de Psicologia, 11(2), 199-208.) e relevante ao se pensar em suas possíveis associações com outros como bullying. Considerando a elevada prevalência desse fenômeno no contexto escolar, o que envolve, por parte do agressor, ameaçar e intimidar os pares, a baixa frequência desse comportamento na amostra estudada, de acordo com os pais ou responsáveis, sugere duas alternativas: uma é que de fato a amostra deste estudo seria diferenciada; a outra, mais provável, é que os pais ou responsáveis podem não ter acesso nem conhecimento sobre a ocorrência desse tipo de comportamento dos filhos, já que ocorre basicamente fora do âmbito familiar. As duas hipóteses poderiam ser objeto de estudos posteriores.

Quanto à força preditiva das habilidades sociais sobre problemas comportamentais, os resultados obtidos, de forma geral, confirmaram dados encontrados na literatura da área que situam as habilidades sociais como um fator de proteção contra problemas de comportamento (Bolsoni-Silva et al., 2011Bolsoni-Silva, A. T., Loureiro, S. R., & Marturano, E. M. (2011). Problemas de comportamento e habilidades sociais infantis: modalidades de relatos. Psico, 42(3), 354-361.; Del Prette & Del Prette, 2005Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis, RJ: Vozes.), uma vez que, na base desses é possível identificar déficits no repertório de habilidades sociais (Bandeira et al., 2006Bandeira, M., Rocha, S. S., de Souza, T. M. P., Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2006). Comportamentos problemáticos em estudantes do Ensino Fundamental: características da ocorrência e relação com habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem. Estudos de Psicologia, 11(2), 199-208.). No entanto, o estudo apresenta especificidades nessa relação, esperadas e não esperadas, que podem remeter a novas investigações.

Quando as habilidades sociais foram avaliadas pela própria criança, as análises de regressão mostraram que as habilidades do fator Responsabilidade, que foram emitidas com menor frequência na amostra do presente estudo, foram extremamente preditoras de problemas de comportamento, reduzindo a ocorrência tanto de HIP quanto de PCE e PCI. No estudo de (Gutiérrez Sanmartín, Escartí Carbonell e Pascual Baños, 2011Gutiérrez Sanmartín, M., Escartí Carbonell, A., & Pascual Baños, C. (2011). Relaciones entre empatía, conducta prosocial, agresividad, autoeficacia y responsabilidad personal y social de los escolares. Psicothema, 23(1), 13-19.), verificou-se correlação negativa entre responsabilidade e agressividade, tanto física quanto verbal. Na mesma direção, (Moreno Oliver, 2001Moreno Oliver, F. X. (2001). Análisis psicopedagógico de los alumnos de educación secundaria con problemas de comportamiento en el contexto escolar (Unpublished doctoral dissertation). Universitat Autònomade Barcelona, España.) afirma que uma das características dos indivíduos com reação antissocial é a ausência do sentido de responsabilidade, embora, nesse caso, não se esteja referindo especificamente a habilidades sociais. São escassos, porém, os estudos que avaliem a influência de comportamentos sociais de responsabilidade sobre os problemas de comportamento em geral, ou sobre PCI e de HIP.

Um achado interessante é que, de acordo com os resultados, elevados escores em Evitação de Problemas poderiam predizer maior ocorrência de HIP. Evitar problemas envolve, entre outras coisas, ignorar colegas quando estão desempenhando comportamentos disruptivos, resolver brigas por meio de conversa e discordar de adultos sem brigar. Pode-se supor que aquelas crianças preocupadas em evitar problemas acabem manifestando opiniões ou desejos de outra forma, por exemplo, mexendo-se excessivamente ou demonstrando ansiedade frente às situações (comportamentos avaliados pela escala utilizada).

Quando as habilidades sociais foram avaliadas pelos pais ou responsáveis, os resultados apontaram para as habilidades de Autocontrole e Civilidade como as de maior peso preditivo sobre os problemas de comportamento, reduzindo a ocorrência tanto de HIP quanto de PCE e PCI. A emissão de comportamentos que demonstrem domínio sobre as próprias emoções por meio de reações abertas como responder adequadamente a provocações, recusar educadamente pedidos abusivos ou falar em tom de voz apropriado poderiam, segundo a presente pesquisa, prevenir problemas comportamentais nas crianças. As habilidades de Autocontrole passivo também predizem variações significativas nos escores globais de problemas de comportamento e especificamente nos escores de HIP e PCE. Controlar a irritação e raiva, aceitar críticas e finalizar discordâncias calmamente poderiam reduzir, na criança, a probabilidade de apresentar problemas comportamentais. Pode-se afirmar que são incompatíveis ou concorrentes com tais problemas. Na literatura, o baixo autocontrole encontra-se associado positivamente à ocorrência de problemas comportamentais (Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003Bolsoni-Silva, A. T., & Del Prette, A. (2003). Problemas de comportamento: um panorama da área. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 5(2), 91-103.), principalmente de comportamentos antissociais (Landazabal, 2005Landazabal, M. G. (2005). Conductaantisocial durante la adolescencia: Correlatos socio-emocionales, predictores y diferencias de género. Psicología Conductual, 13(2), 197-215.). Indivíduos com baixo autocontrole, muitas vezes irritáveis e impulsivos, são propensos a externalizar problemas de comportamento (Eisenberg, Fabes, Guthrie & Reiser, 2000Eisenberg, N., Fabes, R. A., Guthrie, I. K., & Reiser, M. (2000). Dispositional emotionality and regulation: Their role in predicting quality of social functioning. Journal Personality and Social Psychology, 78(1), 136-157.).Esses resultados oferecem suporte a programas que incluem o ensino de habilidades de autocontrole ao buscar prevenir problemas de comportamento (Angelin, 2012Angelin, A. P. (2012). Promovendo habilidades sociais na educação básica: uma proposta de intervenção (Monografia de conclusão de curso). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; Wyman et al., 2010Wyman, P. A., Cross, W., Brown, C. H., Yu, Q., Tu, X., & Eberly, S. (2010). Intervention to strengthen emotional self-regulation in children with emerging mental health problems: Proximal impact on school behavior. Journal of Abnormal Child Psychology, 38(5), 707-720.).

Os resultados apontaram, também, para uma relação preditiva negativa entre as habilidades de Cooperação e a ocorrência de problemas comportamentais, principalmente de HIP, bem como entre as habilidades de Amabilidade e os PCE. A alta frequência das habilidades de cooperação e amabilidade de fato compete com problemas de comportamento. As habilidades de cooperação têm sido reconhecidas e empiricamente constatadas como importantes fatores de proteção para dificuldades de aprendizagem, no contexto de sala de aula (Del Prette et al., 2012Del Prette, Z. A. P., Del Prette, A., Gresham, F. M., & Vance, M. J. (2012). Role of social performance in predicting learning problems: Prediction of risk using logistic regression analysis. School Psychology International Journal, 2, 615-630.), sendo que a falta de colaboração por parte do aluno está também associada a comportamentos desafiantes, apontadas como um dos problemas de disciplina mais frequentes nas escolas (Cardoze, 2007Cardoze, D. (2007). Los problemas de disciplina en la escuela: Manual para docentes. Colección Manudes y Textos Universitarios, 27, 1-94.).

De acordo com os resultados, as habilidades de Iniciativa e Desenvoltura social predizem negativamente os PCI. Conforme Del (Prette e Del Prette, 2005Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis, RJ: Vozes.), os PCI estão associados a comportamentos tais como tristeza, retraimento, timidez, insegurança, medos e inibição excessiva, intimamente relacionados às dificuldades de desenvoltura social e iniciativa. Crianças com pouca iniciativa e desenvoltura social apresentam dificuldades para fazer amizades, pois apresentar-se a novas pessoas, juntar-se a grupos de atividade sem ser mandado, convidar outros para vir à sua casa e iniciar conversações são comportamentos desafiadores para elas.

Foi intrigante o resultado obtido em relação às habilidades do fator Asserção, que, de acordo com o presente estudo, tendem a ser acompanhadas por uma maior probabilidade de PCE. Uma explicação possível para isso é que comportamentos assertivos têm efetivamente sido confundidos com agressividade em alguns contextos (Del Prette & Del Prette, 2009aDel Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2009a). Psicologia das habilidades sociais: terapia, educação e trabalho (6ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.) e, de fato, alterações sutis na topografia da resposta podem fazer toda a diferença entre uma externalização assertiva e um PCE. Cabe também lembrar que, como as habilidades sociais são necessárias, mas não suficientes para um desempenho socialmente competente (Del Prette & Del Prette, 2001Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2001). Psicologia das relações interpessoais: vivências para o trabalho em grupo (4ª ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.), o desempenho de habilidades assertivas (por exemplo, expressar desagrado, responder a críticas, questionar regras), pode não alcançar, em algumas situações, os critérios requeridos para qualificá-lo como socialmente competente.

Considerações Finais

De forma geral, os resultados desse estudo sinalizaram a importância das habilidades sociaisde crianças em idade escolar como forma de contribuir para a prevenção de problemas de comportamento e, consequentemente, para o desenvolvimento socioemocional infantil.Tais achados instigam o desenvolvimento de programas de intervenções que podem trazer ganhos tanto para a própria criança quanto para o âmbito escolar e familiar.

Não obstante a importância dos resultados obtidos, o presente estudo apresenta algumas limitações. A primeira refere-se ao uso de um instrumento de relato, o que em parte é amenizado pelo uso de múltiplos informantes, mas que poderia, no futuro, ser complementado por estudos que incluíssem diferentes instrumentos e dados de observação direta. Também se considera o fato de tratar-se de um estudo transversal e não experimental, o que limita afirmações sobre relações de causalidade entre as variáveis focalizadas, remetendo à necessidade de novos estudos, com delineamentos experimentais e longitudinais, por exemplo. Além disso, foi adotado um modelo de regressão linear do tipo exploratório e não confirmatório, o que também impõe limites sobre a natureza das relações descritas. Finalmente, trata-se de um estudo com base em amostra de conveniência, sem discriminar indivíduos "clínicos" e "não clínicos" para as variáveis estudadas, o que poderia trazer maior refinamento à análise de regressão.

A preocupação em identificar o impacto específico de cada classe de habilidades sociais sobre os problemas comportamentais instiga, portanto, novos estudos na área, especialmente experimentais e longitudinais. Esses estudos são importantes para orientar o planejamento de intervenções mais focadas em determinadas classes de habilidades sociais, conforme os problemas apresentados pela criança e, dessa forma, ampliar sua viabilidade e efetividade junto à família e à escola.

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  • 1
    Este artigo apresenta dados do Estudo I da Dissertação de Mestrado realizada pela primeira autora no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSCar, sob a orientação da segunda autora. O terceiro autor colaborou na elaboração desta versão.
  • 2
    Apoio financeiro: CAPES.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2013
  • Revisado
    04 Abr 2014
  • Aceito
    11 Ago 2014
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