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Rorschach: Normas para Adolescentes em Diferentes Etapas da Vida 1 1 Apoio: FAPESP 2 2 Agradecimento: a Gregory Meyer, da Toledo University, Editor da Jounrnal of Personality Assesment, por suas valiosas contribuições

Rorschach Data for Adolescents: Results at Different Stages of Life

RESUMO

Trata-se de estudo do método de Rorschach para construção de normas para adolescentes, com 118 participantes da cidade de São Paulo, com idades entre 13 e 17 anos. Foram realizados: estatística descritiva do Rorschach e estudos por meio de ANCOVA e ANOVA - com e sem a mediação da variável "complexidade" (R-PAS), para comparar adolescentes de 13-14 com 15-17 anos e a amostra de adolescentes com uma amostra de estudo normativo de adultos. Nos procedimentos com idades dicotomizadas, encontrou-se apenas uma diferença, em ANCOVA. Na comparação com os adultos foram encontradas muitas diferenças em ANOVA e ANCOVA. Adolescentes evidenciam melhores recursos cognitivos e sinais de sofrimento psíquico diversos dos apresentados por adultos. Conclui-se que é muito importante a utilização de tabelas específicas para adolescentes.

Palavras-chave:
adolescentes; sistema compreensivo; normas; faixas etárias

ABSTRACT

This is a study to construct norms for the Rorschach method for adolescents based on 118 participants from São Paulo, with ages ranging from 13 to 17. Descriptive statistics of Rorschach are presented and the results of studies performed, with and without the mediating variable "complexity " (R-PAS) - by means of ANCOVA and ANOVA. The adolescents of 13-14 years are compared to 15-17 years and then the sample of the adolescents is further compared to adults. In studies with dichotomized ages, there was only a difference within ANCOVA. In comparison with the adults, many differences were found using ANOVA and ANCOVA. The adolescents showed better cognitive resourses and sings of psychological distress differently from the adults. The results indicate that the use of specific tables for adolescents is important.

Keywords:
adolescents; comprehensive system; norms; ages levels

A adolescência já foi um período da vida muito pouco expressivo, uma fase apenas de passagem entre o período de dependência infantil e a autonomia da vida adulta e ainda hoje, em alguns grupos culturais não ocidentalizados em termos de costumes e tradições, como em algumas tribos indígenas, ou em classes sociais menos favorecidas economicamente, quando as pessoas, muitas vezes desde a infância já participam da renda familiar, contribuindo com seu trabalho, esta fase da vida é uma etapa de pouca relevância. Contudo, em outros, incluindo o contexto sociocultural de boa parte dos brasileiros, essa fase tem apresentado comportamentos peculiares tais como, rebeldia, quebra de valores, manifestações de oposição a normas vigentes, transformações, renovações, maior impulsividade, início do uso de drogas lícitas ou ilícitas, podendo chegar à delinquência e outras manifestações típicas de menor importância, características bem diversas daquelas propostas em 1928 por Margareth (Mead 1973Mead, M. (1973). Coming of age in Samoa: a psychological study of primitive youth for western civilization. New York: Morrow Quill Paperbacks. (Trabalho original publicado em 1928) ), relativa à vida adolescente dos habitantes das Ilhas Samoa, cuja transição foi vista como feliz e sem estresse emocional, o que deu um forte suporte à concepção das influências culturais e sociais na adolescência.

A adolescência como considerada na sociedade ocidental atual é tida como uma construção cultural dos meados do século XX (Savage, 2009Savage, J. (2009). A Criação da Juventude. Rio de Janeiro: Rocco) e tem relação com o ideário social individualista e cientificista da modernidade (Calligaris, 2000Calligaris, C. (2000). A Adolescência. São Paulo: Publifolha.; Rocha & Garcia, 2008Rocha A. P. R. & Garcia C. A. (2008) A adolescência como ideal cultural contemporâneo. Psicologia: Reflexão e Crítica, 28(3), 622-631.). Seu tempo tem sido cada vez mais prolongado, quando o adolescente começa a procurar os caminhos próprios a seguir em sua vida, a chamada moratória psicossocial (Erikson, 1972Erikson, E. H. (1972). Identidade, Juventude e Crise (A. Cabral, Trans.). Rio de Janeiro: Zahar Editores.).

Diversos autores ao se pronunciarem sobre a adolescência afirmam tratar-se de uma fase em que pode ocorrer intensa crise emocional, crise essa muitas vezes confundida com estados patológicos, um período de contradições, confuso, ambivalente, doloroso, caracterizado por atritos com o meio familiar e com o ambiente circundante (Aberastury, 1976Aberastury, A. (1976). Adolescencia. In A. Aberastury, , E. S. L. Ferrer, R. Z. Goldstein, E. Kalina, M. Knobel, L. R. Paz, & E. H. Rolla (Eds.), Adolescencia. (3ª Ed.,pp. 17-41.) Buenos Aires: Ediciones Kargieman.; Aberastury & Knobel, 1984Aberastury, A. & Knobel, M. (1976). Adolescência Normal. Porto Alegre: Artes Médicas.; ,Carvajal, 2001Carvajal, G. (2001). Tornar-se adolescente - A aventura de uma metamorfose (C. Berliner, Trans.) (2a ed.). São Paulo: Cortez Editora. (Trabalho original publicado em 1996); Ferrari, 1996Ferrari, A. B. (1996). Adolescência - o segundo desafio.(M. Mortara Trans.). São Paulo: Casa o Psicólogo. (Obra original, 1994); Levisky, 1995Levisky, D. L. (1995). Adolescência - reflexões psicanalíticas. (3ª Ed.) . Porto Alegre: Artes Médicas Editora.). De acordo com esse ponto de vista, é difícil fazer a distinção entre a chamada patologia normal (Knobel, 1984Knobel, M. (1984). A Síndrome da Adolescência Normal. In A. Aberastury & M. Knobel. Adolescência Normal. (S. M. G. Ballve, Trans.). Porto Alegre: Artes Médicas.) e estados patológicos aos quais se deve uma atenção maior. Salientamos que a avaliação psicológica pode contribuir de modo relevante para diferenciar essas manifestações - patológicas ou não patológicas - e conhecimentos específicos sobre psicopatologia são fundamentais para aprofundamento nesse diagnóstico.

(Weiner 1990Weiner, I. (1990). Distinguiendo Desarrollo Perturbado de Saludable en Adolescentes - Revista de Psiquiatría Comportamental y del Desarrollo (texto consultado, fornecido por H. Lunazzi). Traduzido por A. Fernícola sob supervisão de H. Lunazzi de Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics, 11(3), 151-154.), por outro lado, defende a ausência de perturbações e afirma que as mudanças da adolescência são gradativas. Argumenta que os jovens, bem como as pessoas em geral, apresentam variações durante sua vida, porém estas não são necessariamente disruptivas. (Weiner 1990Weiner, I. (1990). Distinguiendo Desarrollo Perturbado de Saludable en Adolescentes - Revista de Psiquiatría Comportamental y del Desarrollo (texto consultado, fornecido por H. Lunazzi). Traduzido por A. Fernícola sob supervisão de H. Lunazzi de Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics, 11(3), 151-154.), refere-se a Offer (Offer & Sabshin, 1984Offer D., & Sabshin M. (1984). Adolescence: Empirical perspectives. In D. Offer & M. Sabshin (Eds.), Normality and the Life Cycle (pp. 76-107). New York, Basic Bookspp), psiquiatra que pesquisa sobre comportamentos normativos na adolescência e relata que esse autor afirma que a maioria dos estudos sobre a "adolescência normal" em amostras representativas conclui que a transição suave para a idade adulta é mais característica do que a transição turbulenta e que apenas cerca de 20% dos jovens teriam uma vivência mais problemática, o que também ocorre com adultos.

De acordo com a literatura, a opinião da maioria dos autores converge ao afirmarem que a adolescência pode ser descrita como de um período de rápidas e intensas modificações corporais e é conhecida a intrínseca relação entre a imagem corporal e as funções do ego (Freud, 1923/1981Freud, S. (1981). El Yo y el Ello. In Obras Completas. Tomo III, pp 2701 - 2728 - 4ª Ed. (L. Lopez-Ballesteros y de Torres, Trad direta do alemão) . Madrid: Biblioteca Nueva (Trabalho original publicado em 1923)). Também nessa fase há uma evolução no modo de pensar sobre si mesmo e sobre as questões da vida, por haver um amadurecimento do pensamento (Moujan, 1974Moujan, O. F. (1974). Abordaje teorico y clinico del adolescente. Buenos Aires: Ed. Nueva Vision.).

Outra questão a ser apontada é que se observam muitas diferenças nos estilos de vida, ao se comparar a vida de jovens de diferentes regiões do país ou de diferentes camadas sociais, bem como com os jovens de outros países do mundo ocidental, o que está vinculado, em parte, a características sociais (Ozella, 2002Ozella, S. (2002). Adolescência: Uma perspectiva crítica. In M. L. J. Contini & S. H. Koller (Eds.), Adolescência e psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas (pp. 16-24). Brasília: Conselho Federal de Psicologia. Recuperado em 19 de outubro de 2014, de Recuperado em 19 de outubro de 2014, de http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/01/adolescencia1.pdf/
http://site.cfp.org.br/wp-content/upload...
).

O método de Rorschach é um instrumento para avaliação da personalidade, que pode ser trabalhado a partir de uma visão de singularidade da pessoa, a partir da perspectiva idiográfica e também pode ser utilizado para compreensão de pessoas a partir de levantamentos de pesquisas de grupos, perspectiva denominada nomotética. Pode ser utilizado em diversas situações clínicas e de pesquisa e possibilita uma compreensão dinâmica individual, com bastante profundidade e que também propicia levantamentos específicos de grupos sociais e diversas culturas. Desde sua publicação, Hermann (Rorschach 1922/1967Rorschach, H. (1967). Psicodiagnóstico (M. S. de Villemor Amaral, Trans.) São Paulo: Editora Mestre Jou. (Trabalho original publicado em 1921)) já marcou diferenças nos resultados do Rorschach nas diferentes etapas da vida. Também, (Hertz e Baker 1941/2010Hertz, M. R., & Baker, M. A. (2010). Personality Changes in Adolescence. Rorschach Research Exchange 5(1), 30. (Original publicado em 1941) Disponível em Journal of Personality Assessment, Nov. 2010. Disponível em Journal of Personality Assessment, Nov. 2010. http://dx.doi.org/10.1080/08934037.1941.10381271
http://dx.doi.org/10.1080/08934037.1941....
) falaram sobre variações de resultados desse método na adolescência, em relação com outras etapas da vida.

Diversos estudos normativos para adolescentes, pelo Sistema Compreensivo, foram publicados em época mais recente (Czopp, Rothschild-Yakar, & Appel, 2012Czopp, S. T., Rothschild-Yakar, L., & Appel. L. (2012). Rorschach Comprehensive System (CS) Reference Data for Israeli Adolescents. Journal of Personality Assessment, 94 (3), 276-286.; Exner & Weiner, 1995Exner, J. E., Jr., & Weiner, I. B. (1995). The Rorschach: A comprehensive system: Volume 3. Assessment of children and adolescents. (2nd Ed.). New York: John Wiley & Sons.; Lis, Salcuni, & Parolin 2007Lis, A., Salcuni, S., & Parolin, L. (2007). Rorschach Comprehensive System data for a sample of 116 preadolescent and 117 adolescent nonpatients from Italy. Journal of Personality Assessment, 89(1), 91-96., Van Patten, Shaffer, Erdberg, & Canfiel, 2007Van Patten, K., Shaffer, T. W., Erdberg, P., Canfield, M. (2007). Rorschach Comprehensive System Data for a Sample of 37 Nonpatient/Nondelinquent Adolescents From the United States. Journal of Personality Assessment, 89(Suppl 1), 188-192.;). Cada um com amostras de seu próprio país, a saber, Israel, Estados Unidos, Itália. No Brasil, também estão sendo desenvolvidos estudos normativos para o Sistema Compreensivo do Rorschach, como o de Goiânia, para jovens de 13 e 14 anos (Resende, Carvalho & Martins, 2012Resende, A. C., Carvalho, T. C. R. D., & Martins, W. (2012). Desempenho Médio de Crianças e Adolescentes no Método de Rorschach Sistema Compreensivo. Avaliação Psicológica, 11(3), 375-394.), bem como uma pesquisa normativa para o sistema francês de classificação e interpretação do Rorschach de adolescentes em Ribeirão Preto, no estado de São Paulo (Cury-Jacquemin, Pasian, & Freitas, 2012Cury-Jacquemin, R., Guimarães, N. M., & Pasian, S. R. (2012). O psicodiagnóstico de Rorschach em adolescentes de diferentes origens escolares. In Amparo, D. M., Okino, E. T. K., Hisatugo, C. L. C., Osório, F. L., Tavares, M. (Orgs.), Métodos projetivos e avaliações psicológicas - Atualizações, avanços e perspectivas, pp. 47-66. Brasília: ASBRo. Recuperado em 3 de janeiro de 2014, de Recuperado em 3 de janeiro de 2014, de http://newpsi.bvs-psi.org.br/ebooks2010/pt/Acervo_files/MetodosProjetiv-AvaliacPsi.pdf
http://newpsi.bvs-psi.org.br/ebooks2010/...
; Cury-Jacquemin, Guimarães, & Pasian, 2012Cury-Jacquemin, R. Pasian, S. R., & Freitas, F. R. (2012). O método de Rorschach em adolescentes: Especificidades em função do gênero. In Amparo, D. M., Okino, E. T. K., Hisatugo, C. L. C., Osório, F. L., Tavares, M. (Orgs.), Métodos projetivos e avaliações psicológicas - Atualizações, avanços e perspectivas, 28-46. Brasília: ASBRo. Recuperado em 3 de janeiro de 2014, de Recuperado em 3 de janeiro de 2014, de http://newpsi.bvs-psi.org.br/ebooks2010/pt/Acervo_files/MetodosProjetiv-AvaliacPsi.pdf
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).

Contudo, embora autores tenham mencionado as diferenças em idades variadas, não são encontradas referências relativas às diferenças estatisticamente significativas entre os resultados de adolescentes em suas diferentes fases e com os resultados de adultos.

As mudanças referidas ao nível psicológico e dados referentes ao método de Rorschach nos conduzem à realização de estudos normativos específicos para a idade, para esse instrumento. E também, sabendo de diferenças sociais e culturais nas manifestações da adolescência, é importante que esses estudos sejam realizados nos diversos países e sempre atualizados. Do mesmo modo, são importantes estudos estatísticos para comparar respostas ao Rorschach em diferentes etapas da vida.

Tendo em vista as ideias acima apresentadas, o presente artigo tem por objetivos: a) apresentar a estatística descritiva do Rorschach a partir de uma amostra de adolescentes de São Paulo; b) realizar estudos estatísticos para comparar os resultados de adolescentes com 13 e 14 anos (ensino fundamental), com os adolescentes de 15, 16 e 17 anos (ensino médio) e c) realizar estudos estatísticos para comparar os resultados da amostra de adolescentes (13-17 anos) com amostra de adultos (17 anos e mais) em outra pesquisa realizada pela mesma autora (Nascimento, 2007Nascimento, R. S. G. F. (2007). Rorschach Comprehensive System Data for a Sample of 409 Adults Nonpatients from Brazil. Journal of Personality Assessment, 89(Suppl.1), S35- S41., 2010Nascimento, R. S. G. F. (2010). Sistema Compreensivo do Rorschach: teoria, pesquisa e normas para a população brasileira. São Paulo: Casa do Psicólogo.). Os resultados serão também interpretados a partir de concepções teóricas a respeito da adolescência, o que possibilitará elucidar algumas das manifestações próprias dessa fase da vida, por meio dos resultados do Rorschach.

Ao cumprir com esses objetivos, pretende-se contribuir com um estudo normativo específico para a população brasileira, além de obter parâmetros mais objetivos e seguros relativos às diferenças no desenvolvimento, especificamente a partir de resultados do método de Rorschach.

Método

Tendo em vista os objetivos, de comparar resultados de adolescentes e adultos, apresentar-se-á, nesta seção, primeiramente o delineamento metodológico do estudo com adolescentes.

Participantes

A pesquisa conta com 118 participantes adolescentes não pacientes, de ambos os sexos e de escolas públicas e particulares da cidade de São Paulo. Os critérios de inclusão foram: 1) adolescentes, da cidade de São Paulo; 2) idade entre 13 e 17 anos; 3) estudantes de escolas públicas ou privadas; 4) de ambos os sexos; 5) de todos os estratos socioeconômicos. Os critérios de exclusão foram: 1) adolescentes não estudantes; 2) com mais de uma reprovação; 3) e/ou com histórico de tratamento psicológico ou psiquiátrico.

Pela dificuldade de se encontrar uma amostra aleatória na cidade de São Paulo, foi estabelecido que para a composição da amostra, seriam incluídos jovens com características bem variadas, no que se refere a sexo, idade, escola que frequentam e nível sócioeconômico, conforme Tabela 1.

Tabela 1
Dados Demográficos da Amostra de 118 Adolescentes

Material

Foram utilizadas as Pranchas de Rorschach (Rorschach, 1994Rorschach, H. (1994). Psychodiagnostik Tafeln . Bern: VerlagHans Huber AG. (Material original publicado em 1921)) , Folha de Localização (Casa do Psicólogo), o Questionário para aferição do nível socioeconômico da ABIPEME [disponível em www.abep.org.br, recuperado em 02 de maio de 2007) (atualmente www.ufrn.br/sites/fonaprace/perfil_anexo3.doc) recuperado em 13 de março de 2014] e o termo de consentimento livre e esclarecido que foi dirigido aos pais.

Procedimento

Coleta de dados

Os participantes foram procurados em seus ambientes de estudo (escolas públicas e particulares de várias regiões da cidade). Após autorização do Comitê de Ética da PUC-SP (protocolo de pesquisa número 237/2008), os coordenadores e diretores de escola foram contatados para apresentação da presente pesquisa. Adotou-se como critério para a composição da amostra que esta deveria ter no máximo 12 participantes de uma mesma escola (cerca de 10%). Apesar dos esforços dos pesquisadores, não foi possível completar a amostra nas escolas, por entraves de diversas naturezas, o que tornou necessário que os participantes também fossem procurados em espaços públicos e com indicação de pessoas, mas garantindo o critério de inclusão e exclusão.

A coleta de dados foi feita em aplicações individuais. A partir da concordância voluntária do sujeito e de seus pais foi feita a aplicação imediata ou foi agendado com cada participante um horário para a coleta de dados. Havendo condições adequadas no local de estudo, o procedimento ocorreu nessas instituições; caso contrário, foi combinado um encontro em sala apropriada na faculdade sede da pesquisa (PUC-SP), no consultório da coordenadora ou em residências dos próprios participantes, em local adequado para essa aplicação. Em algumas escolas, ao pedir autorização para conduzir uma parte da pesquisa com seus alunos, a própria escola fez o levantamento de participantes voluntários e encaminhou o termo de consentimento livre e esclarecido para os pais.

Nos encontros com os participantes da pesquisa, o trabalho seguiu a seguinte ordem: 1) Entrevista para coletar alguns dados informativos sobre as características demográficas, estabelecer rapport e garantir os critérios de inclusão dos sujeitos; 2) Questionário para avaliação do nível socioeconômico da ABIPEME; 3) Esclarecimento oral do objetivo da avaliação; 4) Administração do Rorschach.

Codificação do material da pesquisa

Reuniões iniciais foram realizadas com a coordenadora para que todos fossem preparados para a aplicação e codificação de maneira uniforme. O material colhido foi codificado por dois pesquisadores de forma independente, de acordo com o Sistema Compreensivo de Exner. As codificações foram comparadas e cada protocolo foi posteriormente revisto pela coordenadora da pesquisa. No caso de discordância entre as codificações e a revisão, a equipe constituída pelos participantes e pela coordenadora da pesquisa decidiu qual a melhor codificação. Para essa discussão, foram realizadas duas reuniões semanais, em que participaram os pesquisadores e a coordenadora. Posteriormente foram realizadas as reuniões para supervisão e discussões das dúvidas quanto à codificação. A codificação foi realizada seguindo em primeiro lugar o livro de (Exner 1999Exner, J. E. (1999). Manual de Classificação do Rorschach, para o sistema Comprehnsivo. São Paulo:Casa do Psicólogo Livraria e Editora.) e, no caso de dúvida, o de (Viglione 2002Viglione, D. J. (2002). Roschach Coding Solutions - a reference guide for the comprehensive system. San Diego, Califórnia. California School of Professional Psychology - Alliant International University.).

Treinamento dos Examinadores

A equipe de examinadores do presente projeto foi constituída por três bolsistas de Capacitação Técnica da FAPESP, psicólogos formados e três bolsistas de iniciação científica FAPESP ou CNPq/PUCSP. Todos eram provenientes ou estudantes de uma faculdade particular em que os alunos têm como matéria obrigatória dois semestres do Método de Rorschach, totalizando 102 horas em sua carga horária, seguindo o Sistema Compreensivo. Uma psicóloga voluntária - com muita experiência no uso do instrumento - contribuiu com uma aplicação em um momento que foi necessário. A coordenadora da pesquisa também fez duas aplicações porque em duas das escolas foi solicitado que permanecesse junto com os bolsistas.

Todos os aplicadores receberam a mesma formação e conduziram a pesquisa da mesma maneira. Tiveram um preparo intensivo com a coordenadora antes e durante a pesquisa, que também supervisionou todos os procedimentos da pesquisa e preparou os examinadores para a codificação do Rorschach. Antes do início das aplicações foram realizadas diversas reuniões com a equipe para treinamento dos examinadores para a aplicação e codificação de maneira uniforme (incluindo a psicóloga voluntária).

Pesquisa de adultos

Os dados da pesquisa de adolescentes foram comparados com pesquisa normativa anterior da mesma autora, realizada com 409 participantes no estado de São Paulo, cujas informações poderão ser obtidas em Nascimento 2007Nascimento, R. S. G. F. (2007). Rorschach Comprehensive System Data for a Sample of 409 Adults Nonpatients from Brazil. Journal of Personality Assessment, 89(Suppl.1), S35- S41. e 2010Nascimento, R. S. G. F. (2010). Sistema Compreensivo do Rorschach: teoria, pesquisa e normas para a população brasileira. São Paulo: Casa do Psicólogo..

Procedimento para análise dos dados

Após a codificação dos protocolos, estes foram digitalizados no RIAP 5 (Exner & Weiner, 2003Exner, J. E., & Weiner, I. B. (2003). Rorschach Interpretation Assistance Program Version 5 - RIAP5. Lutz, FL: Psychological Assessment Resources.) (programa para elaboração do sumário estrutural dos protocolos individualmente). A partir das codificações, o banco de dados foi transferido para o programa SPSS 17 para as análises estatísticas, a partir de uma sintaxe fornecida por Gregory Meyer, em comunicação pessoal.

Foram realizados os seguintes procedimentos de análise de dados:

  1. Média, desvio padrão, frequência, valores mínimo e máximo, moda e mediana (estatística descritiva) de todas as variáveis do sistema compreensivo do Rorschach, para o grupo de adolescentes utilizando-se a ferramenta do programa RIAP 5 (Exner &Weiner, 2003Exner, J. E., & Weiner, I. B. (2003). Rorschach Interpretation Assistance Program Version 5 - RIAP5. Lutz, FL: Psychological Assessment Resources.);

  2. Estudo de concordância de classificação com codificadores externos à pesquisa dos adolescentes. O estudo foi realizado com agrupamentos básicos de codificação, utilizando-se a medida de concordância Kappa e para a nota Z, o ICC. Foram trabalhadas 567 respostas, para os adolescentes, referentes a 26 protocolos da pesquisa, ou 22% do total.

  3. Análise de variância (ANOVA) para efetuar a comparação entre os participantes de acordo com a idade (13-14 anos versus 15-17 anos) e adolescentes (13-17 anos) com a amostra de adultos (17 a 65 anos), sem levar em conta a variável "complexidade" (R-PAS) (Meyer, Viglione, Mihura, Erard, & Erdberg, 2011Meyer, G. J., Viglione, D. J., Mihura J. L., Erard, R. E., & Erdberg, P. (2011). Rorschach Performance Assessment System: Administration, Coding, Interpretation and Technical Manual. Toledo: Rorschach Performance Assessment System, LLC.) das respostas e moderados pela complexidade. Análise de co-variância (ANCOVA), no caso de se utilizar esta variável para moderação. Para ambas as análises, foi calculado o d de Cohen (effect size). Considerou-se estatisticamente significativos os resultados com nível de significância de, pelo menos, p ≤ 0,05.

As análises foram realizadas para as seguintes variáveis selecionadas do Sistema Compreensivo do Rorschach: R, F%, complexidade, Zf, Zd, W, D, Dd, DQ+ e DQv [módulo do processamento]; XA%, X-% e X+% [módulo da mediação]; ativos: passivos; WSum6 e nível 2 dos códigos especiais críticos (Lvl2) [módulo da ideação]; EA, M, WSumC, [FC-(CF+C)], es, FM+m, Soma Sombreado (Soma Sh), Soma Textura, Nota D, AdjD [módulo do controle e tolerância ao estresse e módulos da ideação e do afeto]; Índice de egocentricidade, Pares, Forma Dimensão (FD), Soma das respostas de Humanos [H+(H)+Hd+(Hd)], [H- (H)+Hd+(Hd)], [módulos da autopercepção e relações interpessoais], e dos índices CDI total, DEPI total, HVI total, PTI total, EII-2.

Resultados

Os resultados da estatística descritiva das 115 variáveis do Sistema Compreensivo encontram-se na Tabela 2. Devido ao grande número de variáveis, os resultados não serão comentados. Apenas serão feitas algumas considerações. Estes resultados evidenciam algumas diferenças com outras tabelas normativas de outros países, mas no conjunto, muito mais semelhanças do que diferenças. Um estudo estatístico está em andamento para comparar esses resultados a partir do Escore T, com outras tabelas normativas. Também já foram elaborados estudos comparativos com a amostra de Goiânia. Oportunamente todos os estudos serão publicados.

Tabela 2
Estatística Descritiva para 118 Protocolos de Adolescentes de São Paulo (RIAP(tm))

Também é necessário esclarecer que os resultados não indicam sinais de normalidade. São apenas resultados médios de uma amostra específica, em que se propôs coletar parâmetros para comparar com resultados obtidos em avaliações individuais. Por este procedimento nós podemos compreender em que as pessoas se parecem e em que se diferenciam umas das outras.

Com relação ao estudo de concordância para as codificações com juízes externos, os resultados encontrados podem ser interpretados como indicadores de concordância quase perfeita, pelos índices Kappa e ICC (>0.81 - 1.00), o que garante maior confiabilidade às codificações e consequentemente, aos dados apresentados. Os resultados Kappa encontrados são os seguintes: localização = 0,96; qualidade evolutiva = 0,92; determinantes (14 variáveis) = 0,92; qualidade formal = 0,80; par = 0,87; conteúdos (25 variáveis) = 0,90; códigos especiais = 0,86; P = 0,88 e ICC da nota Z =0,86 .

Nas comparações entre os grupos dicotomizados dos adolescentes não foram encontradas diferenças significativas nos cálculos da ANOVA, considerando-se valores <0.05, ao se comparar os grupos de 13-14 anos com o grupo 15-17 anos. Em ANCOVA, análise realizada com mediação do fator "complexidade", foi apenas encontrada uma diferença, na soma total do CDI (índice de déficit relacional) (13-14 anos - média = 2,87; DP 1,13; 15-17 anos - média = 3,33; DP = 1,19; p = 0,041; d = 0,43)

3 3 As tabelas com os resultados de ANOVA e ANCOVA referentes às comparações às idades dicotomizadas devido ao pequeno número de diferenças estatísticas significantes não serão apresentadas nesta publicação por questão de espaço, mas estão à disposição dos interessados, com a autora. . Por este resultado, notamos que as médias são pouco mais elevadas no grupo de adolescentes mais velhos, o que sugere menos recursos para enfrentar as demandas sociais. Essa diferença não é atribuída à maior ou menor complexidade dos protocolos do Rorschach. Como a diferença numérica entre as médias é muito pequena e os resultados médios encontrados se encontrarem abaixo do valor indicativo de déficit relacional (CDI = 4), considerou-se importante verificar quantos jovens em cada grupo apresentam CDI positivo. Os resultados dessa análise evidenciaram que os adolescentes mais jovens apresentaram, de fato, menos sinais de CDI, o que indicaria que possuem mais recursos para administrar as relações interpessoais. A frequência de CDI positivo foi 31,3% para os jovens de 13-14 anos e de 53,5%, para os de 15-17 anos, o que é uma diferença bastante relevante. Foi possível também observar que os adolescentes mais velhos apresentaram exatamente os mesmos resultados da amostra de adultos (53,5%), na frequência de CDI positivo. Ao resultado de ANCOVA soma-se o resultado do d de Cohen, para verificar o tamanho das diferenças identificadas na comparação estatística (effect size), que nessas análises pode ser estimado como indicativo de boa magnitude. É muito difícil interpretar esse dado que, em princípio contraria a expectativa de que os mais velhos teriam mais recursos para enfrentar as demandas sociais. Poder-se-ia pensar que estejam mais sujeitos a crises próprias da adolescência. Mas os resultados dos adolescentes (15-17 anos) se repetem entre os adultos, o que contradiz essa interpretação. O índice é composto por EA<6 ou AdjD <0; COP <2 e AG<2; WsumC<2,5 ou Afr<0,46; p>a ou H<2; SomaT>1 ou Isolamento/R>0,24 ou Fd>0. Pessoas com CDI positivo costumam apresentar fracassos em sua vida que muitas vezes podem desencadear depressão.

Já nas comparações entre adolescentes e adultos foram identificadas muitas diferenças estatisticamente significativas. Os resultados de ANOVA, ANCOVA e d de Cohen podem ser verificados nas Tabelas 3 e 4.

Tabela 3
Comparação dos Resultados dos Adolescentes (118) e Adultos (409) por meio de ANOVA e d de Cohen, para Variáveis Selecionadas do Rorschach

Tabela 4
Comparação dos Resultados da Amostra de Adolescentes (118) com Adultos (409), por meio de ANCOVA e d de Cohen, para Variáveis Selecionadas do Rorschach, Mediadas pela Complexidade

Em ANOVA temos diferenças, com significância estatística menor do que 0,05 em número de respostas (R), F%, variável "complexidade", Zf, D, DQv, XA%, proporção a:p, nível 2 dos códigos especiais críticos, EA, M, WsumC, Nota D, AdjD, Índice de Egocentricidade (Ego Index), Soma total de DEPI (TotDEPI) e HVI Total (TotHVI). As diferenças são marginalmente significativas em FD e CDI total. Algumas dessas diferenças encontram-se associadas à diferença entre o número de respostas, mas não todas, tanto que muitas se repetem em ANCOVA.

Nas análises em que se realizou as comparações entre os grupos mediadas pela variável "complexidade" (ANCOVA), foram identificadas diferenças estatisticamente significantes em R, F%, D, DQv, proporção a:p, nível 2 dos códigos especiais críticos, Índice de Egocentricidade (Ego Index), H+(H)+Hd+(Hd), H-[Hd+(H)+(Hd)], Soma total de DEPI (TotDEPI) e de HVI (TotHVI). Não existiram sinais de diferenças estatisticamente significativas em EA, M e WSumC, porém sim diferenças nas características indicativas de poucos recursos para enfrentar as situações de estresse, ou como denominadas no R-PAS (Meyer, et al, 2011Meyer, G. J., Viglione, D. J., Mihura J. L., Erard, R. E., & Erdberg, P. (2011). Rorschach Performance Assessment System: Administration, Coding, Interpretation and Technical Manual. Toledo: Rorschach Performance Assessment System, LLC.) como PPD (Potentially Problematic Determinants), a saber, es, FM+m, Soma Sombreado e Soma Textura, bem como nos das notas D e AdjD. Esses indicadores evidenciaram um trabalho mental mais complexo entre os adolescentes e maior nível de ansiedade, tensão e estresse entre os adultos. Embora a diferença de EA tenha aparecido no cálculo sem a moderação da complexidade, pode-se justificar essa presença pelo número de respostas (R) ser mais elevado entre os adolescentes.

Apesar das variáveis indicadoras de estresse e ansiedade mais elevadas entre os adultos, foram identificados os índices de depressão (média adolesc. = 3,77; adultos = 3,42) e hipervigilância (média adolesc. = 2,90; adultos = 2,13) mais elevados entre os adolescentes, com diferenças estatisticamente significativas tanto em ANOVA, quanto em ANCOVA, com nível de significância estatística p<0,05. Em TotDEPI o valor do d de Cohen foi pouco significativo (d = 0,26 e 0,21 respectivamente aos procedimentos estatísticos), embora não desprezível. As médias, como as de outros índices, revelaram pouco, não sendo um resultado que indique presença de depressão ou de evidência de problemas na área, tanto entre os adolescentes como entre os adultos, uma vez que são médias que caem abaixo do valor de corte para a positivação do índice. Procurou-se então a porcentagem de casos positivos em cada uma das amostras, como realizado na análise do CDI. Desse modo, foi possível identificar DEPI positivo em 21,3% dos adultos e tomando-se apenas a capital do estado, esse valor praticamente se mantém (23,5%). Já entre os adolescentes, a porcentagem de DEPI positivo é muito mais elevada (33,1%). Portanto, os achados foram sugestivos de sinais de depressão, mas não de ansiedade ou estresse entre os mais jovens. Investigou-se também a distribuição destes resultados nas idades dicotomizadas. Entre os jovens de 13 e 14 anos foram encontrados 34,4% de índice de depressão positivo. Entre os de 15 a 17 anos, o DEPI positivo atingiu 32,6%, porcentagens que pouco os diferencia, mas chama atenção que os mais jovens apresentem valor maior e sem haver uma correspondência com o CDI, uma vez que os mais jovens apresentaram menos indicadores desse índice.

O outro índice do método de Rorschach que distingue adolescentes de adultos foi o de hipervigilância (HVI), que apresenta resultados de ANOVA e ANCOVA com nível de significância altamente significativo (p<0,001), com a média mais elevada entre os mais jovens e com resultado d de grande expressividade (0,52 e 0,43, respectivamente). Porém, mais uma vez considerou-se adequado pesquisar a porcentagem de pessoas com o índice positivo, uma vez que as médias pareceram pouco expressivas e esclarecedoras. Identificou-se que 15,3% dos adolescentes apresentam HVI positivo enquanto que apenas 4,2% de adultos apresentam o índice positivo, realmente uma desproporção de grande magnitude. Ao se considerar apenas a cidade de São Paulo, são observados 8% de adultos com o índice HVI positivo, porcentagem bem mais baixa do que dos adolescentes dessa mesma cidade. Entre os mais jovens (13-14 anos), identificou-se 12,5% apresentam com HVI positivo e entre os adolescentes mais velhos (15-17 anos) observa-se que 16,3% positivam no índice, sendo estes últimos os que apresentam mais sinais de estilo de hipervigilância.

Foi possível verificar, portanto que existem indicadores de sofrimento entre os adolescentes e estes são de natureza diversa daqueles dos adultos. Embora o índice de hipervigilância não indique uma patologia, mas um estilo, considerou-se que talvez este seja um modo pelo qual alguns adolescentes expressem sua ansiedade (persecutória) e inquietação possível de ser encontrada em momentos de crise.

Os adolescentes da amostra estudada apresentaram o índice de egocentricidade (Ego Index) mais baixo que os adultos. Isso sugere autoestima mais baixa e pessoas menos autocentradas. Elevação no índice indica pessoas voltadas mais para si próprias do que aos outros. Essa é uma característica geralmente atribuída aos mais jovens, que se espera que se altere com a maturidade. O que se pode hipotetizar a respeito desse resultado, é que a adolescência pode se constituir como um período de mais insegurança, que leva os jovens a diminuir a estima que tenham por si mesmos.

Mais uma diferença encontrada entre o grupo dos mais moços e dos adultos refere-se à representação de humanos em suas respostas. Adolescentes apresentaram respostas de conteúdo humano no Rorschach em maior frequência do que os adultos. Porém, os adultos apresentaram mais respostas de humanos reais e inteiros, enquanto os adolescentes sinalizaram mais respostas de humanos parciais e não reais. Tanto o estudo com ANOVA, quanto com ANCOVA indicaram significância estatística nessas comparações (p<0,001) e ambos também apresentam resultados em d bastante expressivos. Assim, pode-se entender que a representação de si e dos outros entre os adolescentes é mais fantasiosa e parcial, o que pode vir a ser alterado na maturidade. Um item que estimula a refletir, no entanto, é a implicação desses resultados no HVI. É difícil, por este estudo, saber qual variável determina a outra.

Ainda em referência aos relacionamentos, os dados indicam mais evidência de passividade entre os adolescentes do que entre os adultos. No entanto, esse resultado tem um maior peso das respostas de movimentos humanos passivos (Mp) e não em decorrência dos outros tipos de movimentos (FM e m). Isto revela maior uso da fantasia como modo de responder às demandas do ambiente, o que pode ser considerado próprio do modo de vida dos adolescentes.

Por outro lado, foram notadas características de processos cognitivos mais sofisticados entre os adolescentes (DQv mais baixo, zf e XA% mais elevados do que os adultos) e maior flexibilidade cognitiva (complexidade). Esse dado não pode ser diretamente atribuído à escolaridade, porque embora a amostra de adultos inclua participantes de muito baixa escolaridade (este não era um critério de inclusão ou exclusão), a média de anos de estudos dos adolescentes foi de 9,34 anos, enquanto que a dos adultos é de 11,62 anos. Por outro lado, como a amostra dos adultos incluiu pessoas de muito baixa escolaridade, esse dado pode ter influenciado o resultado médio da variável. Porém, pode-se também pensar em maior disponibilidade para responder à pesquisa e não um atributo que seja específico dos adolescentes. São ideias que precisam ser melhor esclarecidas por meio de outros estudos.

Discussão

Os resultados da concordância entre codificadores fornecem grande credibilidade aos valores encontrados na tabela normativa e nos demais resultados dos estudos desenvolvidos. Os valores também confirmam a objetividade no manejo do sistema compreensivo e sua aplicabilidade no Brasil, já evidenciado em diversas outras pesquisas nacionais (Nascimento, 2010Nascimento, R. S. G. F. (2010). Sistema Compreensivo do Rorschach: teoria, pesquisa e normas para a população brasileira. São Paulo: Casa do Psicólogo.; Resende, Carvalho & Martins, 2012Resende, A. C., Carvalho, T. C. R. D., & Martins, W. (2012). Desempenho Médio de Crianças e Adolescentes no Método de Rorschach Sistema Compreensivo. Avaliação Psicológica, 11(3), 375-394.; Ribeiro, Semer & Yazigi, 2011Ribeiro, R. K. S. M., Semer, N. L. & Yazigi, L. (2011). Rorschach Comprehensive System Norms in Brazilian Children from Public and Private Schools. Psicologia: Reflexão e Crítica, 24(4), 671-684.) e internacionais (Campo & Vilar, 2007Campo, V., & Vilar, N. (2007). Rorschach Comprehensive System for 517Adults from Spain. Journal of Personality Assessment. 89 (Suppl.1), S149- S153.; Czopp et al., 2012Czopp, S. T., Rothschild-Yakar, L., & Appel. L. (2012). Rorschach Comprehensive System (CS) Reference Data for Israeli Adolescents. Journal of Personality Assessment, 94 (3), 276-286.; Lunazzi et al. 2007Lunazzi, H. A., Urrutia, M. I., Fuente, M. G., Elias, D., Fernandez, F., & Fuente, S. (2007). Rorschach Comprehensive System Data for a Sample of 506 Adult Nonpatients From Argentina. Journal of Personality Assessment. 89(Suppl.1), S7-S12.; Silva & Dias, 2007Silva, D. R., & Dias, A. M. (2007). Rorschach Comprehensive System Data for a sample of 357 Portuguese Children at Five Ages . Journal of Personality Assessment, 89(Suppl.1), S131-S141.).Apesar de terem sido previstas diferenças entre os adolescentes mais jovens (13-14 anos) e mais velhos (15-17 anos), essas não foram evidenciadas pelos resultados das comparações realizadas. É possível que a entrada mais precoce na adolescência, como tem ocorrido no mundo ocidental atual, faça com que os jovens amadureçam de forma mais precoce e se assemelhem aos adolescentes de maior idade. Também o fato das amostras serem de uma mesma cidade e de grupos sociais similares pode ter favorecido o aparecimento dessas semelhanças.

Porém, ao comparar as amostras de adolescentes com a de adultos foram encontradas muitas diferenças estatisticamente significativas. Ter realizado este estudo mediado pela complexidade dos protocolos de Rorschach foi muito útil, pois proporcionou a oportunidade de verificar que as diferenças são realmente características de cada uma dessas amostras e não decorrentes apenas desse fator. Ao analisar os resultados do índice "complexidade" observa-se que a amostra de adolescentes mostrou protocolos mais complexos, apesar da porcentagem das respostas de forma (F%) encontrar-se mais elevada entre os mais jovens do que entre os adultos. De acordo com a opinião da autora da pesquisa, este resultado pode ser influenciado por mais oportunidades de experiências cognitivas deste grupo e por se tratar de amostra composta exclusivamente na cidade de São Paulo. Outros fatores precisam ser melhor investigados para compreender quais circunstâncias também contribuíram para a maior complexidade das respostas deste grupo.

Por outro lado, foi possível observar, com os resultados apresentados pelos adolescentes, presença de sofrimento, possivelmente devido à fase que os mais jovens estão vivendo, com manifestações típicas dessa etapa da vida, como observado por diversos autores estudiosos da adolescência (Aberastury, 1976Aberastury, A. & Knobel, M. (1976). Adolescência Normal. Porto Alegre: Artes Médicas.; Aberastury & Knobel, 1971Aberastury, A. & Knobel, M. (1976). Adolescência Normal. Porto Alegre: Artes Médicas.; Carvajal, 2001Carvajal, G. (2001). Tornar-se adolescente - A aventura de uma metamorfose (C. Berliner, Trans.) (2a ed.). São Paulo: Cortez Editora. (Trabalho original publicado em 1996); Ferrari, 1996Ferrari, A. B. (1996). Adolescência - o segundo desafio.(M. Mortara Trans.). São Paulo: Casa o Psicólogo. (Obra original, 1994); Levisky, 1995Levisky, D. L. (1995). Adolescência - reflexões psicanalíticas. (3ª Ed.) . Porto Alegre: Artes Médicas Editora.). Salienta-se a manifestação de maior vulnerabilidade a episódios de depressão e sinais de alerta e hipervigilância, porém esses sinais não permitem definir uma patologia. Indicadores de transtornos que podem ser encontrados nos resultados do Rorschach, tais como distúrbios de percepção e pensamento (PTI), perturbações na organização do ego (EII-2) não diferenciaram os grupos dos adolescentes e dos adultos; não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas em WSum6 e embora com diferença no Nível 2 dos Códigos Especiais, as médias dessa variável foram muito baixas em ambos os grupos. A maior presença de indicadores dos códigos especiais críticos pode sugerir maior tendência a utilizar processos fantasiosos ao pensar a realidade, o que pode ser em parte, atribuído à influência da mídia dirigida ao público jovem que exagera em efeitos fantásticos e irreais, pois, como vimos, não houve evidência de patologia nessa esfera. Embora não fosse a proposta inicial desta pesquisa, foi possível observar que houve predominância de protocolos do Rorschach em que não se encontram sinais disruptivos na amostra de adolescentes não pacientes, mas uma ampla incidência de sinais depressivos e de hipervigilância. Esse dado confirma a proposta de (Weiner 1990Weiner, I. (1990). Distinguiendo Desarrollo Perturbado de Saludable en Adolescentes - Revista de Psiquiatría Comportamental y del Desarrollo (texto consultado, fornecido por H. Lunazzi). Traduzido por A. Fernícola sob supervisão de H. Lunazzi de Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics, 11(3), 151-154.), que indica que a maioria dos adolescentes não apresenta uma patologia acentuada, mas sim sinais de sofrimento, com indicação de que 60% dos jovens sofrem de sintomas ocasionais, especialmente de ansiedade e depressão, que de tempos em tempos prejudicam sua capacidade de funcionamento e que apenas 20% dos adolescentes sofreriam de patologia mais grave, da mesma forma que os adultos. Esses 20% provavelmente não fazem parte das amostras aqui estudadas, mas as outras informações, de certa forma, repetem-se na amostra estudada.

Conclusão

A proposta de construir uma tabela normativa do Rorschach para adolescentes mostrou-se plenamente justificada, especialmente pelas diferenças que foram apresentadas nas comparações com estudo semelhante realizado anteriormente com adultos. Por outro lado, pode-se também verificar que não se justifica a apresentação de tabelas específicas por idade, uma vez que praticamente não foram encontradas diferenças em grupos de adolescentes mais novos, ainda estudantes do ensino fundamental (13-14 anos) e os mais velhos (15-17 anos), no ensino médio. É evidente que aqui foram apresentadas médias e estes resultados são apenas parâmetros para avaliação de protocolos de casos individuais e não refletem características constantes e nem mesmo esperadas em todos os adolescentes. De um modo geral, pode-se avaliar que a amostra, embora não de grande magnitude, apresenta características de um grupo apropriado para referenciar e subsidiar interpretações com o método de Rorschach, Sistema Compreensivo, na população brasileira.

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  • 1
    Apoio: FAPESP
  • 2
    Agradecimento: a Gregory Meyer, da Toledo University, Editor da Jounrnal of Personality Assesment, por suas valiosas contribuições
  • 3
    As tabelas com os resultados de ANOVA e ANCOVA referentes às comparações às idades dicotomizadas devido ao pequeno número de diferenças estatísticas significantes não serão apresentadas nesta publicação por questão de espaço, mas estão à disposição dos interessados, com a autora.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2014
  • Revisado
    22 Jul 2014
  • Aceito
    05 Dez 2014
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