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Características de Crianças Usuárias de Substâncias Psicoativas Descritas pela Própria Criança

Children Who Use Psychoactive Substances According to the Child's Own Reports

RESUMO

No Brasil, há uma população de crianças que faz uso de drogas. No entanto, são raras as pesquisas que tratam desse tema. Este estudo objetiva caracterizar a criança que faz uso de substâncias psicoativas atendida na Unidade de Tratamento à Criança e ao Adolescente Usuário de Álcool e Outras Drogas (UTCA) a partir dos relatos da própria criança. A UTCA é um serviço hospitalar da rede de saúde mental do estado do Espírito Santo. Os dados foram coletados a partir de entrevistas com três crianças e foram analisados por meio de análise de conteúdo. Os resultados indicam a frequência do consumo entre as crianças participantes, os fatores associados ao consumo e como a criança descreve o serviço oferecido pela UTCA.

Palavras-chave:
crianças; drogas; serviços de saúde mental

ABSTRACT

In Brazil there is a population of children who use drugs. However, very few studies address this issue. This study aimed to characterize the child who uses psychoactive substance and is attended by Unit of Treatment for Children and Teenagers Using Alcohol and Other Drugs (UTCA) based on the child's own reports. UTCA is a hospital service that belongs to the mental health network of the state Espírito Santo. Data were collected from interviews with three children and were analyzed using content analysis. The results indicate the frequency of drug use among the children who participated in the study, factors associated with drug use and how children describe the service offered by UTCA.

Keywords:
children; drugs; mental health services

O uso de drogas1 1 E conceitua-se droga de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) que a define como qualquer substância natural ou sintética que, administrada por qualquer via no organismo, afeta sua estrutura ou função (Sanceverino, & Abreu, 2004). é uma prática milenar e universal, mas se tornou uma preocupação mundial, especialmente a partir dos anos 60, em função de sua alta frequência, dos riscos que pode acarretar à saúde e por contribuir para o agravamento de diversos problemas sociais (Romanini, & Roso, 2013Romanini, M., & Roso, A. (2013). Midiatização da cultura, criminalização e patologização dos usuários de crack: Discursos e políticas. Temas em Psicologia, 21(2), 483-497. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X2013000200014&lng=pt&nrm=iso
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; Tavares, Beria, & Lima, 2001Tavares, B. F., Beria, J. U., & Lima, M. S. de. (2001). Prevalência do uso de drogas e desempenho escolar entre adolescentes. Revista de Saúde Pública, 35(2), 150-158. Recuperado de http://www.scielosp.org/pdf/rsp/v35n2/4399.pdf
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). Isso se deu porque o consumo passou de forma ritualística em pequenas quantidades para a produção e distribuição em larga escala como um produto comercial (Brusamarello, Sureki, Borrile, Roehr, & Alves Maftum, 2008Brusamarello, T., Sureki, M., Borrile, D., Roehr, H., & Alves Maftum, M. (2008). Consumo de drogas: Concepções de familiares de estudantes em idade escolar. SMAD, Revista Eletrônica de Saúde Mental Álcool Drogas, 4(1), 1-19. Recuperado de http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=80340103
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). Esse consumo se torna nocivo quando ocorre a despeito dos problemas sociais, psicológicos ou físicos que podem ser gerados (Raupp & Milnitsky-Sapiro, 2005Raupp, L., & Milnitsky-Sapiro, C. (2005). Reflexões sobre concepções e práticas contemporâneas das políticas públicas para adolescentes: O Caso da drogadição. Saúde e Sociedade, 14(2), 60-68. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902005000200007&lng=en&tlng=pt. 10.1590/S0104-12902005000200007
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)

No Brasil, o uso de substâncias psicoativas aumentou nos últimos anos (Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas [CEBRID], 2006Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas. (2006). II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: Estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país: 2005. São Paulo, SP: Author . Recuperado de http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/index.php
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; Valenca, Brandao, Germano, Vilar, & Monteiro, 2013Valenca, C. N., Brandao, I. C. A., Germano, R. M., Vilar, R. L. A. & Monteiro, A. I. (2013). Abordagem da dependência de substancias psicoativas na adolescência: Reflexão ética para a enfermagem. Escola Anna Nery, 17(3), 562-567. Recuperado de http:/www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452013000300562&lng=pt&nrm=iso
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). Fato preocupante é que, além desse aumento, o consumo tem se iniciado cada vez mais cedo, portanto, há uma população de crianças que faz uso de substâncias psicoativas e esse consumo já é expressivo (Bezerra, 2004Bezerra, K. C. V. de A. (2004). A experiência da criança com a droga: Característica do uso e circunstâncias familiares (Dissertação de Mestrado em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.; Campos, & Ferriani, 2008Campos, M. de L. G., & Ferriani, M. das G. C. (2008). Uso de drogas entre crianças de 6 a 7 anos de uma escola primária de Celaya, Guanajuato, México. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 16(especial), 523-528. Recuperado de http://www.revistas.usp.br/rlae/article/view/2513/3001
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; CEBRID, 2006Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas. (2006). II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: Estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país: 2005. São Paulo, SP: Author . Recuperado de http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/index.php
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; Neiva-Silva, 2008Neiva-Silva, L. (2008). Uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua: Um estudo longitudinal (Tese de Doutorado). Curso de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. ). De acordo com o CEBRID (2005)Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas. (2005). V levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino nas 27 capitais brasileiras, 2004. São Paulo, SP: Author. Recuperado de http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/index.php
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, esse quadro não é diferente no Espírito Santo, estado onde o presente estudo foi realizado. A Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (SESA) aponta que, em 2008, houve sete internações por uso de álcool e outras drogas na faixa etária de 10 a 14 anos (SESA, 2009Secretaria da Saúde do Estado do Espírito Santo. (2009). Política estadual de saúde mental, álcool e drogas: PPA 2010-2013. Brasil. Recuperado de http://www.saude.es.gov.br/download/Novo_PPA_inclusao_21_6_09.pdf
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).

Quanto ao tipo de droga consumida na faixa etária de 10 a 12 anos, pesquisa realizada nas 27 capitais brasileiras identificou que, quanto ao uso na vida, álcool, tabaco, maconha e solventes se destacam (CEBRID, 2005Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas. (2005). V levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino nas 27 capitais brasileiras, 2004. São Paulo, SP: Author. Recuperado de http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/index.php
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, 2006Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas. (2006). II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: Estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país: 2005. São Paulo, SP: Author . Recuperado de http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/index.php
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). O álcool e o tabaco foram as drogas que apresentaram menor idade média no início do uso, estando em torno de 12 anos. As demais apresentaram média de idade de 13 anos, exceto a cocaína, com idade média de 14 anos (CEBRID, 2005Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas. (2005). V levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino nas 27 capitais brasileiras, 2004. São Paulo, SP: Author. Recuperado de http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/index.php
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). O álcool aparece com grande frequência de uso na população infanto-juvenil e possui um consumo equivalente entre o sexo masculino e feminino (Sanceverino, & Abreu, 2004Sanceverino, S. L., & Abreu, J. L. C. de. (2004). Aspectos epidemiológicos do uso de drogas entre estudantes do ensino médio no município de Palhoça. Ciência e Saúde Coletiva, 9(4), 1047-1056. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232004000400025
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). Dado semelhante foi encontrado em outro país, o México, onde Campos e Ferriani (2008)Campos, M. de L. G., & Ferriani, M. das G. C. (2008). Uso de drogas entre crianças de 6 a 7 anos de uma escola primária de Celaya, Guanajuato, México. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 16(especial), 523-528. Recuperado de http://www.revistas.usp.br/rlae/article/view/2513/3001
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identificaram, em uma amostra de crianças mexicanas de seis e sete anos, a experimentação de bebida alcoólica e cigarro.

Na população infantil que faz uso indevido de drogas, verifica-se que é elevado o número de crianças em situação de rua que faz uso de substâncias psicoativas (CEBRID, 2004Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas. (2004). IV Levantamento nacional sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua nas 27 capitais brasileiras, 2003. São Paulo, SP: Author. Recuperado de http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/index.php
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; Moura, Sanchez, Opaleye, Neiva-Silva, Koller, & Noto 2012Moura, Y. G. S., Sanchez, Z. M, Opaleye, E. S., Neiva-Silva, L., Koller, S. H., & Noto, A. R. (2012). Drug use among street children and adolescents: What helps? Cadernos de Saúde Pública, 28(7), 1371-1380. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000700015&lng=pt&nrm=iso
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; Nascimento, 2009Nascimento, A. do. (2009). Uso de solventes por crianças e adolescentes em situação de rua no Distrito Federal (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, Brasília. ; Neiva-Silva, 2008Neiva-Silva, L. (2008). Uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua: Um estudo longitudinal (Tese de Doutorado). Curso de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. ). Quando comparadas as populações, observa-se que a prevalência do uso de drogas é menor entre estudantes do que entre crianças e adolescentes em situação de rua (Neiva-Silva, 2008Neiva-Silva, L. (2008). Uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua: Um estudo longitudinal (Tese de Doutorado). Curso de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. ). Bezerra (2004)Bezerra, K. C. V. de A. (2004). A experiência da criança com a droga: Característica do uso e circunstâncias familiares (Dissertação de Mestrado em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. pontua correlação entre a atitude de consumir drogas por crianças e o comportamento de frequentar ou permanecer na rua. Verificou-se, ainda, que esse comportamento ocorre independente de a convivência com a família estar ou não preservada.

O uso de drogas nessa população pode estar relacionado a diversos comportamentos de risco, atentando contra a saúde e a vida do indivíduo. Entre esses comportamentos, estão o envolvimento em brigas, intoxicação após o uso e prática de roubos (Nascimento, 2009Nascimento, A. do. (2009). Uso de solventes por crianças e adolescentes em situação de rua no Distrito Federal (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, Brasília. ).

De acordo com a World Health Organization (2000), as consequências do uso de drogas para a criança e o adolescente em situação de rua podem ser de ordem física, psicológica e social. Além das consequências psicossociais, o uso de drogas pode acarretar danos em funções neurológicas, prejudicando o desempenho escolar, e pode expor a um maior risco de dependência química na idade adulta (Pechansky, Szobot, & Scivoletto, 2005).

Diante de um fenômeno que produz consequências para o sujeito e a sociedade, é necessário pensar sobre o consumo de substâncias psicoativas para uma criança, sujeito em condição peculiar de desenvolvimento. Assim, esta pesquisa se justifica pela escassez de trabalhos que tratam do uso de drogas na população infantil e porque não foram encontrados, até o momento, trabalhos que articulem dados dessa população com a rede de serviços de saúde mental que atendem a essa demanda.

Perante a necessidade de conhecer a população infantil usuária de substâncias psicoativas, este trabalho tem por objetivo caracterizar a criança que faz uso de substâncias psicoativas na Unidade de Tratamento à Criança e ao Adolescente Usuário de Álcool e Outras Drogas (UTCA) a partir dos relatos da própria criança. A UTCA é um serviço hospitalar da rede de saúde mental do estado do Espírito Santo, tendo sido interrompida em fevereiro de 2013.

Método

A pesquisa consiste de um estudo descritivo de abordagem qualitativa, pois tem por objetivo descrever as características de determinado fenômeno ou população (Gil, 2008Gil, A. C. (2008). Como elaborar projetos de pesquisa (4ª ed). São Paulo: Atlas. ). Utilizou, como procedimentos de coleta de dados, a pesquisa de campo, que, se desenvolvida no local onde o fenômeno ocorre, permite ao pesquisador participar do cotidiano de atividades do grupo pesquisado e a realização de entrevistas.

O campo de estudo foi a UTCA. Implantada em 2009, dispõe de oito leitos para internação em saúde mental por um período de 15 dias visando à desintoxicação. A escolha por este serviço se deu, pois, entre os serviços da rede de saúde mental, álcool e drogas, no período da coleta, este era o que recebia crianças com maior frequência, o que viabilizou a realização da pesquisa.

Os participantes deveriam ter até 12 anos de idade e estar internados na UTCA durante o período da coleta de dados, que se deu entre setembro de 2010 a março de 2011. Nesse período, foram internadas cinco crianças com idades entre 9 e 12 anos. No entanto, apenas três participaram do estudo. Não se obteve autorização da família para participação de uma das crianças de 9 anos; e a outra criança, de 11 anos, não aceitou participar da pesquisa. Visando preservar a identidade dos participantes, foram criados nomes fictícios: Pedro, 12 anos; Ana, 11 anos, e Felipe 12 anos.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo sob o nº 180/10. Além disso, antes de dar início a coleta de dados foi necessário o consentimento livre e esclarecido por parte do responsável e o assentimento da criança. Segundo Gaiva (2009)Gaiva, M. A. M. (2009) Pesquisa envolvendo criança: Aspectos éticos. Revista Bioética, 17(1), 135-146. Recuperado de http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/viewArticle/85
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, como as crianças devem ser legalmente tuteladas, os pais ou responsáveis devem anuir com sua participação na pesquisa, mas o assentimento da própria criança também se mostra importante.

A coleta de dados se deu em duas etapas. Primeiramente, buscou-se estabelecer contato com a criança através da participação em sua rotina de atividades na UTCA. Posteriormente, a criança foi convidada a participar de um momento de conversa em que foi estruturada uma situação lúdica, disponibilizando materiais gráficos e jogos para facilitar o diálogo. Como instrumento, foi utilizada a entrevista parcialmente estruturada (Gil, 2008Gil, A. C. (2008). Como elaborar projetos de pesquisa (4ª ed). São Paulo: Atlas. ), guiada por questões sobre família, escola, amigos e consumo de substâncias psicoativas.

A análise dos dados foi realizada por meio do método de análise de conteúdo, na modalidade de análise temática (Minayo, 2007Minayo, M. C. V. de S. (2007). Ciência, Técnica e Arte: O desafio da pesquisa social. In: Minayo, M. V. de S. (Org), Pesquisa Social: Teoria, método e criatividade (pp. 9-29). Petrópolis, RJ, Vozes. 9-30). A partir das entrevistas gravadas e transcritas, fez-se a leitura dos dados agrupando-os em categorias e subcategorias, utilizando-se o critério da frequência com que determinado tema aparecia nas entrevistas. Como resultado desse processo, foram formuladas as seguintes categorias que serão apresentadas a seguir: família, vida em casa, amigos, escola, drogas e a experiência na UTCA.

Resultados e Discussão

Família

A categoria Família tratará desse tema e está dividida em duas subcategorias: Vivência na família e Histórico familiar de envolvimento com drogas. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990), família natural é definida como uma comunidade constituída pelos pais, ou um deles, e seus descendentes, e a família ampliada se estende para os parentes com quem os membros mantêm convivência e vínculos de afetividade. Esse conceito está bastante relacionado à família consanguínea, no entanto, Silva (2005)Silva, C. E. da. (2005). História e desenvolvimento do conceito de família (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós Graduação em Direito das Relações Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. aponta que o conceito de família é dinâmico e sofreu diversas transformações ao longo da história, apresentando-se atualmente de forma ampla como um núcleo de relações de afetividade, dando espaço para novas configurações familiares.

As famílias das crianças entrevistadas refletem essas novas configurações familiares. A família de Pedro é composta por mãe, pai e duas irmãs, mas houve um período em que seus pais estiveram separados e, nesse período, a genitora passou a ter um novo relacionamento. Felipe reside com a mãe, padrasto e avó, não há relato sobre irmãos e diz apenas que não tem proximidade com seu pai. Quanto a Ana, ela residiu ao longo de sua vida em diferentes casas, tendo mais de um cuidador. No período anterior à internação, não residia com familiares, mas com conhecidos de sua mãe: "Eu morava na casa das minhas amigas, eu morava lá com elas" (Ana).

Quanto ao relacionamento familiar, duas crianças afirmaram ter boa relação com as pessoas de sua família. Mas, nos relatos de Ana, encontra-se que seus vínculos familiares estão fragilizados. Ana cresceu longe de seus familiares, especialmente de sua mãe biológica. Ela conta que "quando eu nasci eu não morei com ela [mãe biológica], eu morei com uma mãe de criação, ai depois, com 6 anos, eu fui morar com ela". Relata, ainda, ter residido com a avó e depois em uma instituição de acolhimento. Diz: "o conselho tutelar pegou eu e meus irmão e levou para o abrigo". Quanto ao período em que ela esteve abrigada relata: "Fiquei dois natais [no abrigo] depois eu fugi". Ana não sabe nem mesmo relatar onde a mãe reside: "não sei onde ela tá morando. Eu nem vejo minha mãe". Ela afirma não ter conhecido seu pai biológico.

Verifica-se que as pessoas com quem as crianças residem são as mesmas que provêm seu sustento e cuidados. Ana relata que o sustento da casa onde residia procede da venda de substâncias psicoativas, inclusive por parte da criança. Segundo ela, a casa era mantida "com o dinheiro da droga". Já o sustento da casa onde Pedro e Felipe residem provém do trabalho dos pais. Pedro relata que seus pais, além de trabalhar em empresa privada com regime celetista, precisam complementar a renda através de trabalho informal autônomo. Nessa atividade, é comum a criança acompanhar os familiares. Ele afirma: "Eu vigio carro com minha mãe, minha avó, todo mundo" (Pedro). No entanto, vigiar carros é uma atividade inadequada para uma criança por expô-la a diversas situações de risco como acidentes, violência, atividades ilícitas e a facilidade de acesso a substâncias psicoativas (Organização Internacional do Trabalho, 1999Organização Internacional do Trabalho. (1999). Convenção 182, de 1º de junho de 1999. Convenção sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação. Recuperado de http://www.oitbrasil.org.br/node/518
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)

A segunda subcategoria trata do envolvimento de familiares da criança com drogas. Observa-se que, das crianças entrevistadas, Pedro e Ana declararam ter familiares ou cuidadores que têm proximidade com a droga, seja pelo consumo ou comercialização. Esses mesmos familiares têm passagem pelo sistema prisional: "Vendia o meu tio que está preso (...) meu padrasto era traficante, aí eu via lá na minha casa" (Pedro); "Minha mãe usa. (...) Minha mãe parou de mexer [vender] com isso desde quando ela saiu da cadeia. (...) Ela [mulher com quem morava] usa" (Ana).

A família é a rede fundamental de segurança social para as crianças (Moura et al. 2012Moura, Y. G. S., Sanchez, Z. M, Opaleye, E. S., Neiva-Silva, L., Koller, S. H., & Noto, A. R. (2012). Drug use among street children and adolescents: What helps? Cadernos de Saúde Pública, 28(7), 1371-1380. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000700015&lng=pt&nrm=iso
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), sendo importante, dessa forma, para o desenvolvimento psicossocial da criança, devendo propiciar todas as medidas de proteção e cuidado. No entanto, ela também pode se tornar um fator de risco para o consumo de substâncias psicoativas (Oliveira, Bittencourt, & Carmo, 2008Oliveira, E. B., Bittencourt, L. P., & Carmo, A. C. (2008). A importância da família na prevenção do uso de drogas entre crianças e adolescentes: Papel materno. SMAD, Revista Eletrônica de Saúde Mental Álcool Drogas, 4(2), 9-23. Recuperado de http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/38673
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; Silva-Oliveira et al., 2014Silva-Oliveira, F., Jorge, K. O., Ferreira, E. F., Vale, M. P., Kawachi, I., & Zarzar, P. M. (2014). The prevalence of inhalant use and associated factors among adolescents in Belo Horizonte, Brazil. Ciência & Saúde Coletiva, 19(3), 881-890. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232014000300881&lng=pt&nrm=iso
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). Considera-se por fatores de risco as condições ou variáveis associadas à possibilidade de ocorrência de resultados negativos para a saúde, o bem-estar e o desempenho social (Shenker, & Minayo, 2005Schenker, M., & Minayo, M. C. de S. (2005). Fatores de risco e de proteção para o uso de drogas na adolescência. Ciência e Saúde Coletiva, 10(3), 707-717. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232005000300027
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).

Sanchez, Oliveira e Nappo (2005)Sanchez, Z. v. d. M, Oliveira, L. G., & Nappo, S. A. (2005). Razões para o não-uso de drogas ilícitas entre jovens em situação de risco. Revista de Saúde Pública, 39(4), 599-605 Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/rsp/v39n4/25532
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afirmam que a existência de pais dependentes químicos é um fator estressor na família, podendo interferir no desenvolvimento emocional e cognitivo dos filhos e, sobretudo, constituindo um fator de risco para o consumo. Afirmam, ainda, que o consumo de drogas ilícitas é maior entre familiares de usuários do que de não-usuários. Além disso, o consumo pelos pais é um incentivador, acontecendo até mesmo na presença dos filhos, o que acaba por despertar-lhes a curiosidade.

Figlie, Fontes, Moraes e Payá (2004)Figlie, N., Fontes, A, Moraes, E., & Payá, R. (2004). Filhos de dependentes químicos com fatores de risco biopsicossociais: necessitam de um olhar especial? Revista de Psiquiatria Clínica, 31(2), 53-62 Recuperado de http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol31/n2/53.html
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acrescentam que filhos de dependentes químicos apresentam risco aumentado para transtornos psiquiátricos, desenvolvimento de problemas físico-emocionais e dificuldades escolares. Entre os transtornos psiquiátricos, apresentam um risco aumentado para o consumo de substâncias psicoativas quando comparados com filhos de não-dependentes químicos. Esses mesmos autores apontam que, em famílias com pelo menos um dependente químico, os filhos ficam mais expostos a situações de violência, tanto na posição de vítimas como presenciando situações violentas.

Vida em Casa

A categoria Vida em Casa se refere a aspectos físicos da residência onde a criança mora que podem dar indícios sobre aspectos socioeconômicos da família. Considera-se por casa o local onde a criança reside, podendo este ser uma instituição. Em geral, as residências são descritas como tendo poucos cômodos e estrutura simples. Pedro diz que sua casa tem "5 cômodos, tem banheiro, cozinha, dois quartos e sala". Ana diz que a casa onde residia com conhecidos possuía apenas três cômodos, definindo-a da seguinte maneira: "A casa lá era casa de gente pobre". As crianças residem em bairros periféricos da região metropolitana de Vitória, onde o acesso aos serviços públicos é precário e a oferta de atividades ou espaços de lazer na comunidade são insuficientes, sendo frequente a presença do tráfico de drogas.

Também nessa categoria, buscou-se conhecer a rotina das crianças e as atividades que gostam de fazer em casa. No entanto, foram encontradas poucas falas a respeito de sua rotina. Pedro relata gostar de atividades como jogar videogame, ver televisão e usar o computador. Já nas falas de Ana e de Felipe, não aparecem relatos sobre atividades lúdicas fazendo parte de sua rotina.

O consumo de drogas pode trazer mudança na rotina das crianças, elas se voltam para atividades relacionadas ao consumo, deixando de ser frequentes atividades comuns para uma criança como a brincadeira e atividades escolares, como veremos no tópico seguinte. Segundo Bezerra (2004)Bezerra, K. C. V. de A. (2004). A experiência da criança com a droga: Característica do uso e circunstâncias familiares (Dissertação de Mestrado em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal., a criança que usa droga passa a organizar sua rotina e suas atividades para o consumo e a obtenção da droga, deixando de lado atividades lúdicas, escolares e de convivência social.

Escola

Outra categoria, denominada Escola, contém aspectos relacionados à frequência escolar, escolaridade, relação da criança com a escola e com os estudos. No que se refere à escolaridade, Pedro, 12 anos, declara estar na sexta série; Felipe, com a mesma idade, está cursando a segunda série; e Ana, 11 anos, cursa a terceira série, o que denota um atraso escolar. Todas as crianças entrevistadas não estavam estudando no período anterior à internação e aparentam uma relação de desinteresse pela escola: "ia só quando queria mesmo, quando não queria matava aula e usava" (Pedro); "Não, eu não vou voltar a estudar" (Felipe); "Já, mas eu parei na terceira. E eu não vou mais estudar" (Ana).

Segundo Broecker e Jou (2007)Broecker, C. Z., & Jou, G. I. (2007). Práticas educativas parentais: A percepção de adolescentes come sem dependência química. PsicoUSF, 12(2), 269-279. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/pusf/v12n2/v12n2a15.pdf
http://www.scielo.br/pdf/pusf/v12n2/v12n...
e Silva-Oliveira et al. (2014)Silva-Oliveira, F., Jorge, K. O., Ferreira, E. F., Vale, M. P., Kawachi, I., & Zarzar, P. M. (2014). The prevalence of inhalant use and associated factors among adolescents in Belo Horizonte, Brazil. Ciência & Saúde Coletiva, 19(3), 881-890. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232014000300881&lng=pt&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, entre dependentes químicos, a maioria não está estudando, frequenta ou frequentou escolas públicas e repetiu o ano na escola pelo menos uma vez na vida, fato também identificado entre as crianças entrevistadas. Segundo Moura et al. (2012)Moura, Y. G. S., Sanchez, Z. M, Opaleye, E. S., Neiva-Silva, L., Koller, S. H., & Noto, A. R. (2012). Drug use among street children and adolescents: What helps? Cadernos de Saúde Pública, 28(7), 1371-1380. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000700015&lng=pt&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, a frequência escolar é inversamente proporcional ao uso pesado de droga, e o compromisso escolar poderia reduzir o envolvimento da criança e do adolescente com a cultura de rua.

Aparecem, ainda, nos relatos, falas que se referem às dificuldades encontradas em aprender e gostar de estudar. Foi possível observar, durante a coleta de dados, que as crianças entrevistadas apresentam dificuldades quanto a leitura e escrita: "Eu não estudo direito, não. Eu fico só fazendo bagunça" (Pedro); "Porque eu não gosto de escrever" (Felipe); "Sempre tive vontade de estudar, só que eu não consigo, aí eu desisto. [...] Minha mente é fraca. Eu não escrevo não, tia, só sei algumas palavras" (Ana).

Amigos

Na categoria Amigos, o tema amizade aparece fortemente associado à temática drogas. Os amigos aparecem como facilitadores do primeiro consumo bem como dos conseguintes. Para Pedro e Felipe, os amigos tiveram papel importante no início do uso, pois estes, em geral, já faziam uso de droga, facilitando o acesso e o consumo para a criança. Broecker e Jou (2007)Broecker, C. Z., & Jou, G. I. (2007). Práticas educativas parentais: A percepção de adolescentes come sem dependência química. PsicoUSF, 12(2), 269-279. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/pusf/v12n2/v12n2a15.pdf
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também afirmam que, entre o grupo de usuários de drogas, a grande maioria apontou que as drogas ilícitas foram oferecidas por amigos e que o consumo se dá no grupo. O grupo de amigos exerce influência sobre o comportamento da criança, que ainda está em fase de formação de seus valores.

Entre as atividades que as crianças entrevistadas relatam realizar com seus amigos, estão brincar, jogar bola, usar drogas e vender tal substância. Quando perguntado às crianças o que fazem quando estão com os amigos, apenas Pedro diz que brinca.

Pedro faz uma diferenciação entre seus amigos. Considera como "amigos de verdade" aqueles que não faziam o consumo de drogas e com quem ele brincava. Já os demais com quem convivia e que faziam uso de drogas são também chamados de amigos, mas contendo uma conotação negativa, pois segundo Pedro, com eles, não relata brincar, mas sim comportamentos como usar droga, vender, ficar na rua, roubar. Ele diz: "Nois não brinca. Quando estou com meus amigos de verdade, a gente brinca, joga bola, solta pipa".

Os amigos são descritos pelos entrevistados como sendo, em geral, adolescentes e usuários de substâncias psicoativas, mas também são descritos, como amigos, crianças e adultos. São da mesma escola e/ou vizinhos da criança.

Ana relata ter tido pouca convivência com outras crianças dizendo: "Nunca convivi com criança sem ser meus irmãos". Durante a coleta de dados com essa criança, pode-se observar que ela apresenta comportamentos e falas que expressam vivências que não são comuns para sua idade. Talvez a pouca convivência com pares da mesma idade e as circunstâncias de vida a que ela esteve exposta fizeram com que apresentasse comportamentos diferentes do que seria esperado para sua idade. Figlie et al. (2004)Figlie, N., Fontes, A, Moraes, E., & Payá, R. (2004). Filhos de dependentes químicos com fatores de risco biopsicossociais: necessitam de um olhar especial? Revista de Psiquiatria Clínica, 31(2), 53-62 Recuperado de http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol31/n2/53.html
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apontam que, entre outros fatores, pode ser identificada a maturidade precoce entre filhos de dependentes químicos.

A Droga

A categoria Droga identifica como é feito o uso de substâncias psicoativas quanto ao tipo e frequência. Abordam-se também comportamentos relacionados ao consumo.

Entre os entrevistados, o primeiro uso de substâncias psicoativas se deu entre 7 e 11 anos. Pedro não sabe precisar a idade do primeiro uso, afirma que foi entre 10 e 11 anos, Felipe aponta 10 anos para o uso do cigarro e 11 anos para o uso da maconha, já Ana relata ter feito uso de maconha pela primeira vez aos 7 anos de idade.

O CEBRID (2005)Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas. (2005). V levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino nas 27 capitais brasileiras, 2004. São Paulo, SP: Author. Recuperado de http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/index.php
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destaca que já é expressivo o consumo de drogas pelo menos uma vez na vida na faixa etária de 10 a 12 anos. Vieira, Aerts, Freddo, Bittencourt e Monteiro (2008)Vieira, P. C., Aerts, D. R. G. C., Freddo, S. L., Bittencourt, A., & Monteiro, L. (2008). Uso de álcool, tabaco e outras drogas por adolescentes escolares em município do Sul do Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 24(11), 2487-2498. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/csp/v24n11/04.pdf
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apontam que a idade média do primeiro contato com tabaco e álcool, relatada por jovens, foi de 11,7 anos e 11,3 anos, respectivamente e a experiência com outras drogas aconteceu mais tarde, com idade média de 13,0 anos.

Quando comparados os dados encontrados nessa pesquisa com a literatura citada, é possível identificar relação no que se refere ao início do consumo de drogas lícitas ocorrer mais cedo que o de drogas ilícitas, fato relatado por Felipe. No entanto, isso não deve ser generalizado, pois não necessariamente o consumo se inicia por drogas lícitas, como o álcool e tabaco. Pedro aponta que primeiramente fez o uso de maconha e, no decorrer do seu histórico de consumo, fez uso de bebidas alcoólicas. Ana nem sequer relata o consumo de drogas lícitas.

Quanto ao tipo de droga ilícita usada pela primeira vez a maconha foi citada pelos três entrevistados. Somente uma criança entrevistada relata ter consumido droga lícita em primeiro lugar, que foi o caso de Felipe, que consumiu em primeiro lugar tabaco. Entre as demais substâncias utilizadas pelos participantes, foram citadas maconha, cocaína e crack. Já como drogas lícitas, apareceram relatos de consumo de cigarro e bebidas alcoólicas.

Broecker e Jou (2007)Broecker, C. Z., & Jou, G. I. (2007). Práticas educativas parentais: A percepção de adolescentes come sem dependência química. PsicoUSF, 12(2), 269-279. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/pusf/v12n2/v12n2a15.pdf
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e Guimarães, Godinho, Cruz, Kappann e Tosta Junior (2004)Guimarães, J. L., Godinho, P., Cruz, R., Kappann, J. I, & Tosta Junior, L. A. (2004). Consumo de drogas psicoativas por adolescentes escolares de Assis, SP. Revista de Saúde Pública, 38(1), 73-80. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-9102004000100018&script=sci_arttext
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identificaram a maconha como a droga ilícita mais consumida, seguida pelo crack e pela cocaína. Entre as drogas lícitas, predomina o consumo do álcool, seguido pelo tabaco. Guimarães et al, em sua pesquisa com estudantes, identifica que, na faixa etária de 10 a 12 anos, 9% fazem uso de diversas drogas ilícitas, 5,4% fazem uso de tabaco e 43,7% fazem uso de álcool. Além disso, nessa faixa etária, o consumo foi maior entre participantes que estudam em escolas públicas.

Pedro, Felipe e Ana, ao relatarem a frequência com que faziam uso de substâncias psicoativas, mostram que o consumo de drogas ilícitas como a maconha, a cocaína e o crack pode ser caracterizado como pesado. Segundo o CEBRID (2005)Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas. (2005). V levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino nas 27 capitais brasileiras, 2004. São Paulo, SP: Author. Recuperado de http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/index.php
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, o uso pesado é aquele realizado vinte ou mais vezes nos últimos 30 dias. Já o consumo de substâncias lícitas como álcool e cigarro mostra-se menos frequente, mas os entrevistaram não sabem precisar ao certo.

Pedro relata fazer uso diário de maconha, também fazia uso de cocaína e bebida alcoólica "às vezes, só de vez em quando". Felipe também relata fazer o uso diariamente: "fumava maconha de manhã e pedra de noite, porque eu ficava, me deixava mais tranquilo". Ana afirma fazer uso frequente de maconha e cocaína e descreve a frequência do consumo como "Direto e reto", diz já ter fumado crack, mas não é possível discriminar a frequência. Ela diz que seu consumo passa a se intensificar a partir do momento em que vai residir na casa de conhecidos: "Eu comecei a usar muito agora".

Outra subcategoria se refere às circunstâncias associadas ao primeiro contato com a droga. Esta trata dos aspectos pessoais, sociais e comunitários que levaram a criança a ter contato pela primeira vez com as drogas e a fazer o primeiro uso.

Diante dos dados coletados, verifica-se que a família e os amigos são fatores importantes que levaram as crianças dessa pesquisa a ter contato pela primeira vez com drogas e a fazer o primeiro uso. As crianças relatam que a primeira vez em que tiveram contato, viram ou ouviram falar de drogas se deu através de familiares ou amigos. Segundo Pedro, "Eu vi com minha avó, na casa dela, porque meu tio vendia".

Assim, o primeiro consumo se deu por meio de familiares, como o caso da Ana, e por meio de amigos, como para Pedro e Felipe: "Haaa foi um colega lá que eu andava muito com ele" (Felipe); "meus amigos me chamaram" (Pedro). Porém, mesmo Ana, que relata ter sido sua mãe quem primeiro lhe ofereceu maconha, aponta que posteriormente os amigos com quem convivia tiveram influência no seu consumo. Aos 7 anos, Ana teve contato com a maconha através de sua mãe. No entanto, ela convivia com outros adolescentes que vendiam e consumiam drogas, o que facilitou o acesso e pode ter influenciado a continuação do consumo: "Foi minha mãe que me deu um baseado desde os 7 anos (...) Eles [amigos] que me ofereceram" (Ana).

Bezerra (2004)Bezerra, K. C. V. de A. (2004). A experiência da criança com a droga: Característica do uso e circunstâncias familiares (Dissertação de Mestrado em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. também encontrou em seu trabalho essa relação. Segundo a autora, o grupo social no qual o indivíduo está inserido influencia o comportamento de usar ou não drogas, em especial o grupo de amigos e familiares. Dessa forma, a família e o grupo de pares podem funcionar como um fator de risco para o uso de drogas (Bezerra, 2004Bezerra, K. C. V. de A. (2004). A experiência da criança com a droga: Característica do uso e circunstâncias familiares (Dissertação de Mestrado em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.). Shenker e Minayo (2005) afirmam que o grupo de pares é considerado fator de risco especialmente quando os amigos são considerados modelo de comportamento, demonstram tolerância, aprovação ou consomem drogas.

Além da família e amigos, outro fator que favoreceu o consumo foi a curiosidade. Pedro relata que sentiu curiosidade por conhecer a droga e se aproximar do local onde era vendida a substância, chamado por ele de "Boca": "Um dia eu fui lá [Boca] ai eles falaram: toma fuma aqui, e eu falei: eu não, vou ficar doido. Ai eles falaram: que fica doido o que. Aí eu peguei e fumei, ai disso eu comecei a fumar, comecei a vender" (Pedro).

Pratta e Santos (2006) apontam a curiosidade como o mais citado motivo para o primeiro contato com a droga entre jovens de 14 a 20 anos, seguido por diversão e prazer. No que se refere a quem introduziu o uso, também concorda que a maior frequência tenha sido de amigos, família e conhecidos.

Outro fator identificado entre os participantes se refere a proximidade com o tráfico de drogas, pois as três crianças relatam ter proximidade com o tráfico, o que facilita a aproximação da criança com a droga, seja para o consumo, seja para a venda. Segundo os participantes, as pessoas que vendem/consomem residem em seu bairro, próximas a sua casa e, em alguns casos, são familiares, cuidadores, vizinhos ou amigos. Assim, pode-se supor que a curiosidade, acima mencionada, pode estar sendo produzida pelo meio social onde essas crianças e adolescentes estão inseridos: "A casa da minha avó fica perto da boca, mas a do meu tio fica mais" (Pedro); "É, tem em todo lugar uns menino vendendo e usando" (Felipe).

Além disso, Pedro relata que as pessoas que vendiam drogas em seu bairro lhe davam constantemente presentes. Essa criança se aproximava de pessoas associadas ao tráfico "Porque eles me davam dinheiro, roupa, roupas de marca. Eles me deram dois bonés, eles me davam comida, me davam tudo o que eu pedia. Eu ficava jogando videogame na casa deles" (Pedro).

Os entrevistados também trazem relatos a respeito do local onde ocorreu o primeiro consumo, geralmente no bairro onde residiam, em locais como as ruas ou a casa de amigos ou traficantes. Felipe diz: "De dia eu usava com os meninos e de noite eu ia pra casa de um homem lá, onde vendia".

Verificou-se que a forma com que as crianças obtinham a droga se dava por meio do convívio com outros que faziam uso ou de atitudes ilícitas como o roubo a familiares ou terceiros para conseguir comprar a droga: "Eu ia lá na rua, aí eu ficava lá até eles chegarem, quando eles chegavam eu fumava também [...] eu vendia e aí, quando eles fumavam, eu fumava também" (Pedro); "Eu pegava dinheiro da minha mãe, coisas da minha casa, eu roubava também em Carapina" (Felipe).

Por fim, a partir das entrevistas pode-se identificar, ainda, circunstâncias associadas ao consumo. Exemplos são complicações diretas e indiretas decorrentes do abuso de drogas, situações de risco para o uso e circunstâncias a que as crianças estão expostas durante o consumo para conseguir a substância.

Um fator que pode estar associado ao consumo de drogas por crianças é a vivência de rua. Fato fortemente marcado no relato da Pedro, que tinha o comportamento de permanecer nas ruas ou na casa de traficantes. Relata que chegava a ficar seis dias sem retornar para sua casa. A rua é descrita por ele como um local de diversão, onde é possível ter acesso a divertimentos que o bairro não oferece. Assim, essa criança relata: "Na rua, você pode dormir, brincar, ficar na praia, roubo, uso drogas". Além disso, quando perguntado o motivo de ir para as ruas, ele diz: "Para fumar, para ficar com meus amigos que me chamavam". Na rua, não há regras, nem horários e é possível fazer o uso de substâncias psicoativas sem a coerção da família.

Ana se utilizava do espaço da rua para a venda de substâncias psicoativas. Ela ficava próximo a bares onde sabia que havia compradores, mas não relatou dormir na rua. Ela diz que ficava "vendendo na rua. Em um bar". Assim como Felipe, não apresentou vivência de rua.

Segundo o CEBRID (2004)Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas. (2004). IV Levantamento nacional sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua nas 27 capitais brasileiras, 2003. São Paulo, SP: Author. Recuperado de http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/index.php
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, Bezerra (2004)Bezerra, K. C. V. de A. (2004). A experiência da criança com a droga: Característica do uso e circunstâncias familiares (Dissertação de Mestrado em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. e Moura (2012)Moura, Y. G. S., Sanchez, Z. M, Opaleye, E. S., Neiva-Silva, L., Koller, S. H., & Noto, A. R. (2012). Drug use among street children and adolescents: What helps? Cadernos de Saúde Pública, 28(7), 1371-1380. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000700015&lng=pt&nrm=iso
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, o comportamento de ir para a rua aparece associado ao comportamento de consumir drogas. Entretanto, a conduta de permanecer na rua ocorre independentemente de a convivência com a família estar ou não preservada. Aparece motivada pela facilidade de acesso a droga, pela liberdade que a situação oferece, visto que a criança não está sob nenhuma regra ou proibição, estando livre para o consumo. Além disso, a rua é o espaço onde é possível comercializar a substância.

Sob esse ponto de vista, a rua é utilizada com frequência pelas crianças para a venda de drogas. E essa venda é outro fator associado ao consumo, já que a comercialização da substância aparece como meio de garantir o próprio consumo. Vale informar que não foram encontrados relatos de que a venda de drogas trouxe algum tipo de lucro financeiro para a criança, ou seja, essa atividade era realizada com o intuído de propiciar seu próprio consumo: "Não eu não ganhava [dinheiro] não, eu me oferecia para vender" (Pedro); "Eu vendia e depois usava" (Ana).

As crianças entrevistadas também trazem relatos sobre situações de risco a que estiveram expostas para conseguir a substância. Pedro traz elementos acerca do envolvimento com o tráfico de drogas, a proximidade com armas e a prática de atividades ilícitas.

Um dia eu fiquei com medo, tinha dois dias que eu estava fora de casa, tava dormindo na casa do traficante, aí num dia de noite ele falou assim "agora você tem que ir embora porque se os homens vêm aqui e eu vou meter tiro neles", ai eu fui embora, fui para outra casa de outro traficante, que gosta da minha irmã, aí chegou lá de noite eu estava dormindo, aí chegou a polícia bateu na porta e falou "abre ai rapaz" mas eu não abri, fiquei com medo e falaram "olha lá, correu, correu". [Você que correu?] Não, eu fiquei em casa, debaixo da cama, aí eu olhei por baixo e não tinha mais ninguém, aí eu vi dois canivetes, porque eu amarrei com sacolas a porta e não tinha cadeado nem nada na casa aí eu fui lá cortei as sacolas joguei o canivete no chão e sai correndo. (Pedro)

Felipe traz em seu relato que está ameaçado de morte em seu bairro por traficantes, pois estava em dívida com eles. Esse fator foi decisivo para que a família procurasse ajuda por meio do conselho tutelar e conseguisse uma vaga para internação. Já Ana relata que, na casa onde residia com conhecidos, houve uma briga e a polícia foi acionada. Nesse momento, como ela era a única criança no local, foi levada pela polícia ao conselho tutelar.

Diante desses relatos, pode-se inferir que a criança que faz o uso de drogas está vulnerável a circunstâncias que põem em risco sua vida, a violência, a rupturas familiares, ao baixo rendimento escolar e ao envolvimento em atividades ilícitas. Shenker (citado por Bernardy & Oliveira, 2010Bernardy, C. C. F., & Oliveira, M. L. F. (2010). O papel das relações familiares na iniciação ao uso de drogas de abuso por jovens institucionalizados. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 44(1), 11-17. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v44n1/a02v44n1.pdf
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) concorda com essa proposição e afirma que o uso abusivo de drogas acarreta prejuízos aos jovens, à família e à sociedade, traduzidos em repetência escolar, perda de emprego, rupturas familiares, violência, crimes, acidentes e encarceramentos.

Experiência da Internação

Nessa categoria, pretende-se conhecer como se deu a experiências da criança durante a internação sob os seguintes aspectos: quais atividades foram oferecidas durante o período de internação, o que a criança pensou/ sentiu nesse período e, por fim, em que a criança considera que a internação a ajudou.

As atividades que as crianças realizam durante a internação ficam restritas ao espaço da UTCA, visto que os pacientes não podem sair desacompanhados dos responsáveis, e nem mesmo os profissionais que lá trabalham podem propor atividades externas à unidade. Assim, na rotina das crianças, estão inseridas atividades como jogar, brincar, ver televisão, conversar, pintar, dormir, tomar banho, tomar remédio e passear. No entanto, também aparecem relatos que dizem respeito à falta de atividades como, por exemplo: "Tia, aqui não tem como fazer nada" (Ana); "Porque eu queria ficar na minha, tava com muito sono e não tinha nada pra fazer" (Felipe). A queixa das crianças é pertinente, visto que o espaço da unidade é pequeno e elas não têm trânsito livre por outros espaços do hospital.

No que se refere ao que a criança pensa e sente durante a internação, Pedro diz que os motivos que o levaram à UTCA seriam: "Para parar de usar e fazer tratamento". As outras crianças também conseguem verbalizar que estão em tratamento e tem clareza de que a causa da internação é o consumo abusivo de substâncias psicoativas.

Ana relata que a internação é "Um pouco chato", mas Pedro diz: "eu estou gostando". Ele relata que inicialmente sentiu receio porque, antes da UTCA, esteve internado em uma comunidade terapêutica onde estava junto com pessoas mais velhas e não se habituou ao local.

Pedro e Ana falam sobre a experiência de ficar sem usar drogas no período da internação. Relatam certa dificuldade, visto que, em alguns momentos, sentem vontade de fazer o consumo. Pedro diz: "Tenho que aguentar ficar aqui. Tenho que conseguir ficar sem usar drogas". Já Ana expressa o que sente e o que entende sobre a medicação que é administrada no período de internação: "Eles dão medicamento de dormir (...) Hoje eu tava doidona de sono caiu suco na minha cama".

Além disso, trazem relatos de tentativas de interromper o consumo e de suas dificuldades. Ana diz: "Já, já tentei quatro vezes, mas não consegui. Eu tento controlar, mas, às vezes, eu não consigo". Pedro conta que sua mãe o prendeu em casa acorrentado na tentativa de impedir o consumo e que ele retornasse para as ruas: "minha mãe me colocou na corrente".

Há relato também sobre os benefícios sentidos ao interromper o consumo e o que pensa que irá mudar em sua vida: "antes eu não dormia, agora faço as coisas em casa, não mente, não precisa ficar na rua até dormir (...) Ninguém me ameaça de morte por causa de droga" (Pedro).

As crianças também relatam de que modo a internação tem contribuído no tratamento contra o uso de drogas: "ela [mãe] tá mais tranquila, minha mãe, ela não precisa mais ir para a rua atrás de mim, essas coisas (...) minha mãe está gostando de eu ficar aqui" (Pedro); "Tá ajudando pouco, né, tia, porque a vontade tem ainda" (Ana).

Para o período pós internação, as crianças têm planos de dar continuidade ao tratamento, evitar o consumo, retornar para a escola, o que pode dar indícios que, ao interromper a rotina de consumo, a criança produz novas perspectivas para sua vida e voltar a atividades comumente realizadas nessa faixa etária. Felipe relata: "Eu vou ficar quieto em casa, não vou sair. Porque eu quero evitar usar".

Ana expressa também sua incerteza quanto ao período pós internação, visto que não sabe se irá voltar a residir com familiares ou se será encaminhada ao abrigo. Essa incerteza dificulta a construção de planos para o período em que receber alta hospitalar: "Quero voltar a estudar, mas, assim, tia, se me der vontade, eu vou continuar a usar. Eu não sei o que vai acontecer quando eu sair daqui" (Ana).

Verifica-se que as crianças que possuem suporte familiar conseguiram, com maior facilidade, fazer planos para o período pós-internação e sinalizam a vontade de não retomar o consumo. Schwerz (2007)Schwerz, C. I. (2007). A família como rede de apoio ao dependente químico: Desafios e possibilidades no âmbito da saúde pública (Dissertação de Mestrado). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. propõe que suporte familiar é fundamental para a melhora do prognóstico dos dependentes de substâncias psicoativas e que, portanto, é essencial durante o tratamento trabalhar para que os vínculos com a família e sua rede sejam reconectados e fortalecidos na tentativa de auxiliar as pessoas a contarem com aqueles que fazem parte da sua história. No caso de crianças, essa rede de apoio familiar é fundamental.

Considerações Finais

O uso de substâncias psicoativas na infância exige maiores reflexões por ser um tema complexo, com muitas vertentes ainda não pesquisadas. Essa pesquisa alcançou seu objetivo ao fazer a caracterização de crianças usuárias de substâncias psicoativas atendidas em um serviço de saúde mental. Dessa forma, a pesquisa contribui para indicar a existência de crianças que fazem uso de drogas, o que reafirma a necessidade da criação e ampliação de serviços em saúde mental para atender às especificidades do público infantil.

Os dados encontrados indicam que a combinação de certos fatores pode influenciar o uso de drogas por uma criança, tais como a família, os amigos e o ambiente comunitário. Conhecendo um pouco sobre as crianças entrevistadas, verifica-se que esses fatores se associam a um contexto social desfavorável em que essas crianças estão inseridas. Verifica-se que são famílias privadas do acesso a bens materiais e culturais, o que dificulta a elas garantir condições de desenvolvimento favorável a essas crianças. Também, a criança usuária de substâncias psicoativas está exposta a uma série de prejuízos fisiológicos, está mais vulnerável a cometer atos infracionais, à vivencia de rua, à perda de vínculos familiares, a dificuldades escolares, bem como o envolvimento com o tráfico de drogas.

Por fim, os resultados deste trabalho indicam a necessidade da ampliação de estudos nessa área a fim de confrontar os dados aqui descritos com outras pesquisas que contenham maior número de participantes. Dessa forma, será possível chamar atenção para tal problemática, já que, até o momento, nem a pesquisa científica nem a rede de saúde tem acompanhado o crescente consumo de drogas na infância.

  • 1
    E conceitua-se droga de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) que a define como qualquer substância natural ou sintética que, administrada por qualquer via no organismo, afeta sua estrutura ou função (Sanceverino, & Abreu, 2004Sanceverino, S. L., & Abreu, J. L. C. de. (2004). Aspectos epidemiológicos do uso de drogas entre estudantes do ensino médio no município de Palhoça. Ciência e Saúde Coletiva, 9(4), 1047-1056. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232004000400025
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    ).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2014
  • Aceito
    10 Fev 2017
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