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Escala de Avaliação da Metacognição em Idosos: Evidências de Validade e Consistência Interna1 1 Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo - FAPESP

Metacognition Assessment Scale for the Elderly: Validity and Internal Consistency

RESUMO

O objetivo deste estudo foi investigar as evidências de validade e precisão de um instrumento que avalia a metacognição em idosos, denominado Escala Metacognitiva Sênior (EMETA-S). Participaram da amostra 194 idosos de ambos os sexos, que responderam a própria EMETA-S, composta por 74 itens. A análise fatorial exploratória com rotação Varimax revelou a presença de dois fatores, responsáveis por 27,18% da variância da escala. Após a exclusão de itens, a EMETA-S ficou composta por 27 itens, com consistência interna de 0,85. Não foram encontradas diferenças significativas entre a média do desempenho em relação às variáveis: sexo, escolaridade e idade dos participantes. A análise das evidências de validade e precisão indicou adequação dos itens ao conceito proposto e boa consistência interna da escala.

Palavras-chave:
metacognição; idosos; medidas

ABSTRACT

The aim of this study was to investigate the validity and accuracy of an instrument which assess metacognition in the elderly called Metacognitive Senior Scale (EMETA-S). A sample of 194 elderly of both sexes participated. They answered the EMETA-S, consisting of 74 items. Factor analysis with varimax rotation was performed and revealed the presence of two factors accounted for 27.18% of the variance of the scale. After deleting items, the EMETA-S was composed of 27 items with internal consistency of 0.85. No significant differences were found between the average performance according to the variables of sex, age and education of the participants. The analysis of the validity and accuracy indicated adequacy of the items and good internal consistency of the scale.

Keywords:
metacognition; elderly; measures

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de pessoas com 60 anos ou mais de idade está crescendo mais rapidamente do que o de qualquer outra faixa etária. Entre a década de 70 e o ano 2025, estima-se um aumento de 223%, o que significa um número em torno de 694 milhões de pessoas idosas em todo o mundo (OMS, 2005World Health Organization. (2005). Envelhecimento ativo: Uma política de saúde (Suzana Gontijo, Trad.). Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde.). No entanto, um levantamento realizado por Ferreira (2004)Ferreira, A.A. (2004). Produção Científica sobre o Idoso na PsycINFO - 2003. (Dissertação de mestrado não publicada). Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas., na base de dados PsycINFO, sobre a produção científica relativa ao idoso, constatou que há uma carência de estudos que enfoquem somente os idosos, pois a maioria dos trabalhos analisados abordava tanto adultos com menos de 60 anos quanto idosos, além de darem um enfoque maior às doenças da velhice. Ferreira (2004)Ferreira, A.A. (2004). Produção Científica sobre o Idoso na PsycINFO - 2003. (Dissertação de mestrado não publicada). Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas. sugere que se intensifiquem as pesquisas voltadas exclusivamente para a população idosa, de modo a contribuir para o esclarecimento dos diversos aspectos dessa faixa etária, entre eles, a metacognição, foco do presente estudo.

A metacognição refere-se a reflexões sobre os próprios pensamentos e cognições, sendo observável no dia-a-dia, quando, por exemplo, tentamos recordar um nome e temos a certeza de que sabemos tal nome. Esse evento pode ser considerado como metacognitivo, pois ocorre um pensamento sobre um conhecimento (Flavell, 1979Flavell, J. H. (1979). Metacognition and cognitive monitoring. American Psychologist, 34, 906-911.; Dunlosky & Metcalfe, 2009Dunlosky, J., & Metcalfe, J. (2009). Metacognition. Reino Unido: Sage Publications.). Quando escrevemos a direção para chegar até algum local ou elaboramos uma lista de compras para ir ao supermercado, fazemos isso porque não queremos esquecer nada ao realizar essas tarefas. Essa também pode ser considerada uma forma de metacognição, pois demonstra o conhecimento sobre os limites de uma capacidade, no caso a memória (Dunlosky & Metcalfe, 2009Dunlosky, J., & Metcalfe, J. (2009). Metacognition. Reino Unido: Sage Publications.).

O que fica evidente, a partir de eventos comuns e variados, como os descritos, é que a metacognição não é apenas um simples conceito, possuindo uma natureza multifacetada (Dunlosky & Metcalfe, 2009Dunlosky, J., & Metcalfe, J. (2009). Metacognition. Reino Unido: Sage Publications.). Ressaltando tal natureza, Flavell (1979)Flavell, J. H. (1979). Metacognition and cognitive monitoring. American Psychologist, 34, 906-911. indica que muitos pesquisadores chegaram à conclusão de que a metacognição tem um papel importante na comunicação e compreensão oral de informações, na persuasão, na compreensão de leituras, na escrita, na aquisição da linguagem, na atenção, na memória, na solução de problemas, no conhecimento social, entre outros.

Flavell (1976Flavell, J. H. (1976). Metacognitive aspects of problem solving. In L. B. Resnick (Ed.), The nature of intelligence (pp. 231-236). Hillsdale, N.Y.: Lawrence Erlbaum Associates., 1979Flavell, J. H. (1979). Metacognition and cognitive monitoring. American Psychologist, 34, 906-911.) foi precursor ao citar a palavra metacognição e defini-la como o "conhecimento e cognição sobre o fenômeno cognitivo" (Flavell, 1979Flavell, J. H. (1979). Metacognition and cognitive monitoring. American Psychologist, 34, 906-911., p.906), referindo-se ao conhecimento que uma pessoa tem sobre os próprios processos e produtos cognitivos. Com o intuito de especificar os domínios da metacognição, Flavell (1979)Flavell, J. H. (1979). Metacognition and cognitive monitoring. American Psychologist, 34, 906-911. propôs o Modelo de Monitoramento Cognitivo (Model of Cognitive Monitoring). Nesse modelo, o termo metacognição destaca a percepção do conhecimento que os indivíduos possuem sobre sua forma de pensar (conhecimento metacognitivo) e ao controle que a pessoa tem sobre a própria cognição (autorregulação), incluindo processos regulatórios ou de monitoramento (Narvaja & Jaroslavsky, 2004Narvaja, P. & Jaroslavsky, M. C. (2004). Metacognition and acquisition of knowledge processes underlying science. Interdisciplinaria, (esp), 143-147.; Romero et al., 2005Romero, R. F., Pacheco, M. C. T., Rodrígues, I. A., Güecha, C. M., Bohórquez, S. M., & Vanegas, C. P. (2005). Habilidades metalingüísticas, operaciones metacognitivas y su relación con los niveles de competencia en lectura y escritura: Un estudio exploratório. Forma y Función, 18, 15-44.; Rosa & Filho, 2009Rosa, C. W., & Filho, J. P. A. (2009). A dimensão metacognitiva na aprendizagem em física: Relato das pesquisas brasileiras. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, 8(3), 1117-1139.; Zampieri & Schelini, 2003Zampieri, M., & Schelini, P. W. (2003). Monitoramento metacognitivo: análise a partir do desempenho de crianças em medidas de capacidades intelectuais. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 29(2), 81-88.).

De forma a resumir o conceito de conhecimento metacognitivo, vale recorrer a Dunlosky e Metcalfe (2009)Dunlosky, J., & Metcalfe, J. (2009). Metacognition. Reino Unido: Sage Publications. que afirmam que o conhecimento metacognitivo engloba todo conhecimento adquirido pelo indivíduo, composto por fatos, crenças e episódios que a pessoa pode verbalizar. Além deles, Ribeiro (2003)Ribeiro, C. (2003). Metacognição: Um apoio ao processo de aprendizagem. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16(1), 109-116. enfatiza que o conhecimento metacognitivo colabora na tomada de decisão consciente do indivíduo, ajudando-o a identificar e representar as situações, facilitando o acesso às estratégias disponíveis e à escolha das que podem ser aplicadas, também permitindo a avaliação dos resultados finais ou intermediários a fim de continuar com a estratégia escolhida ou mudar em decorrência da avaliação realizada.

Figueira (1994)Figueira, A. P. C. (1994). Metacognição e seus contornos. Revista Iberoamericana de Educacion, 1, 1-19. comenta que para o entendimento da metacognição, os termos controle e regulação são compreendidos como mecanismos de autorregulação, utilizados para coordenar e controlar, ponderadamente, as tentativas de aprender e resolver tarefas. Exemplos dessas atividades metacognitivas regulatórias são: o planejamento das ações, ajustes das estratégias a serem utilizadas para alcançar um objetivo específico, a previsão das consequências, a verificação dos resultados das ações adotadas, o monitoramento dessas atividades, a revisão e avaliação das estratégias adotadas.

A autorregulação cognitiva implica em atividades orientadas pelo conhecimento metacognitivo que fornecem informações sobre a evolução do indivíduo em algum empreendimento cognitivo. Geralmente, essas informações advêm de experiências metacognitivas, experiências afetivas ou ainda experiências cognitivas relacionadas a um empreendimento cognitivo, por exemplo, o sentimento que o indivíduo experiência quando percebe que não entendeu a explicação de um professor. Certamente, esses três conceitos atuam juntos, um interagindo com o outro de maneira a influenciar as atividades cognitivas (Pascualon, 2011Pascualon, J. F. (2011). Escala de avaliação da metacognição infantil: Elaboração dos itens e análise dos parâmetros psicométricos (Dissertação de mestrado não publicada). Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, São Paulo, Brasil.; Pascualon & Schelini, 2013Pasculon, J. F., & Schelini, P. W. (2013). Escala de avaliação da metacognição infantil: evidências de validade baseadas no conteúdo e análise semântica. Avaliação Psicológica, 12, 147-156.; Grendene, 2007Grendene, M. V. C. (2007). Metacognição: Uma teoria em busca de validação (Dissertação de mestrado não publicada). Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.).

Os métodos de avaliação metacognitiva parecem proporcionar uma investigação, de forma objetiva, da integridade dos processos envolvidos no conhecimento metacognitivo e na autorregulação. No entanto há poucas abordagens padronizadas para investigar esses processos em idosos, especialmente para uso em estudos epidemiológicos. As abordagens existentes podem ser classificadas em: (a) a classificação realizada por um médico habilitado e treinado, (b) instrumentos de autorrelato, (c) testes cognitivos padronizados e (d) métodos multidimensionais, que combinam duas ou mais abordagens (Buckley 2008Buckley, T. (2008). Measuring unawareness of cognitive decline in a population of elderly individuals: The cache county study (Unpublished master's thesis). Utah State University, Logan, Utah, USA. Recuperado de http://digitalcommons.usu.edu/etd/67
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; Buckley et al., 2010Buckley, T., Norton, M. C., Deberard, M. S., Welsh-Bohmer, K. a., & Tschanz, J. T. (2010). A brief metacognition questionnaire for the elderly: Comparison with cognitive performance and informant ratings the cache county study. International Journal of Geriatric Psychiatry, 25(7), 739-47.).

Para Hertzog, Hultsch e Dixon (1989)Hertzog, C., Hultsch, D. F., & Dixon, R. (1989). Evidence for the convergent validity of two self-report metamemory questionnaires. Developmental Psychology, 25(5), 687-700., a abordagem mais utilizada na avaliação metacognitiva tem sido o uso de instrumentos de autorrelato, sendo possível citar: o Inventory of everyday memory experiences (SIME; Herrmann & Neisser, 1978), o Everyday Memory Questionnarie (EMQ; Sunderland, Harris, & Baddeley, 1983), o Questionnaire Assessment of Memory Complaints (MFQ; Gilewski, Zelinski, & Schaie, 1990Gilewski, M.J., Zelinski, E.M., & Schaie, K.W. (1990). The memory functioning questionnaire for assessment of memory complaints in adulthood and old age. Psychology and Aging, 5, 482-490.) e o Metamemory in Adulthood (MIA; Dixon & Hultsch, 1984Hertzog, C., Hultsch, D. F., & Dixon, R. (1989). Evidence for the convergent validity of two self-report metamemory questionnaires. Developmental Psychology, 25(5), 687-700.; Dixon, Hultsch, & Hertzog, 1988Dixon, R. A., Hultsch, D. F., & Hertzog, C. (1988). The metamemory in adulthood (MIA) questionnaire. Psychopharmacology Bulletin, 24, 671-688.).

Em relação aos instrumentos que foram elaborados a partir de estudos apenas com indivíduos idosos, de 60 anos ou mais, e que visam avaliar os processos metacognitivos de maneira mais ampla, ou seja, sem o foco exclusivo na memória, recentemente foram criados o CCSMHA de Buckley (2008Buckley, T. (2008). Measuring unawareness of cognitive decline in a population of elderly individuals: The cache county study (Unpublished master's thesis). Utah State University, Logan, Utah, USA. Recuperado de http://digitalcommons.usu.edu/etd/67
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; 2010Buckley, T., Norton, M. C., Deberard, M. S., Welsh-Bohmer, K. a., & Tschanz, J. T. (2010). A brief metacognition questionnaire for the elderly: Comparison with cognitive performance and informant ratings the cache county study. International Journal of Geriatric Psychiatry, 25(7), 739-47.) e o Brief Questionnaire on Metacognition (Breve Questionário de Metacognição) de Klusmann, Evers, Schwarzer e Heuser (2011)Klusmann, V., Evers, A., Schwarzer, R., & Heuser, I. (2011). A brief questionnaire on metacognition: Psychometric properties. Aging & Mental Health, 15(8), 1052-62., que são descritos a seguir.

Buckley (2008Buckley, T. (2008). Measuring unawareness of cognitive decline in a population of elderly individuals: The cache county study (Unpublished master's thesis). Utah State University, Logan, Utah, USA. Recuperado de http://digitalcommons.usu.edu/etd/67
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, 2010Buckley, T., Norton, M. C., Deberard, M. S., Welsh-Bohmer, K. a., & Tschanz, J. T. (2010). A brief metacognition questionnaire for the elderly: Comparison with cognitive performance and informant ratings the cache county study. International Journal of Geriatric Psychiatry, 25(7), 739-47.) examinou as propriedades psicométricas de uma escala de metacognição com os participantes de um grande estudo populacional: a investigação em Memória, Saúde e Envelhecimento de County Cache, Utah (sigla em inglês: CCSMHA). O instrumento foi elaborado tendo como base o Informant Questionnaire on Cognitive Decline in the Elderly (IQCODE; Questionário Informante sobre Declínio Cognitivo em Idosos), desenvolvido por Jorm (2004)Jorm, A. (2004). The informant questionnaire on cognitive decline in the elderly (IQCODE): A review. International Psychogeriatrics, 16, 1-19. e o Memory Functioning Questionnaire (MFQ; Questionário de Funcionamento da Memória), desenvolvido por Gilewski et al. (1990)Gilewski, M.J., Zelinski, E.M., & Schaie, K.W. (1990). The memory functioning questionnaire for assessment of memory complaints in adulthood and old age. Psychology and Aging, 5, 482-490.. O IQCODE é um inventário dirigido a um informante a quem se pergunta sobre o status cognitivo de um idoso. Serve para avaliar declínio cognitivo em idosos por meio do relato desse informante.

São sete itens que compõe o CCSMHA, sendo que o indivíduo deve classificar sua capacidade cognitiva atual em comparação há três anos, por meio de uma escala Likert de cinco pontos, sendo: (1) muito melhor, (2) um pouco melhor, (3) não mudou muito, (4) um pouco pior, ou (5) muito pior. Entre os itens estão, por exemplo: "Comparado há três anos, como você está se lembrando de eventos, compromissos e objetos?", "Comparado há três anos, como você está em manter a sua linha de pensamento ou encontrar as palavras certas?", e "Em geral, como é sua memória agora em comparação como ela era há três anos?" (Buckley, 2008Buckley, T. (2008). Measuring unawareness of cognitive decline in a population of elderly individuals: The cache county study (Unpublished master's thesis). Utah State University, Logan, Utah, USA. Recuperado de http://digitalcommons.usu.edu/etd/67
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). Participaram do estudo, entre homens e mulheres, 687 pessoas com idade a partir de 65 anos, sendo que 667 também responderam por completo o questionário 3MS, que é uma versão modificada do Mini Exame do Estado Mental. Para verificar a consistência interna do CCSMHA foi calculado o coeficiente alpha de Cronbach tendo sido obtido o valor de 0,75, considerado aceitável (Buckley, 2008Buckley, T. (2008). Measuring unawareness of cognitive decline in a population of elderly individuals: The cache county study (Unpublished master's thesis). Utah State University, Logan, Utah, USA. Recuperado de http://digitalcommons.usu.edu/etd/67
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). A validade foi analisada por meio de análise fatorial e da correlação de Pearson entre cada um dos sete itens. Os itens se correlacionaram positivamente entre si, sendo que, como o autor esperava, os itens cognitivos foram relacionados mais fortemente entre si do que com os itens funcionais e vice-versa.

Um instrumento ainda mais recente foi elaborado por Klusmann e colaboradores (2011)Klusmann, V., Evers, A., Schwarzer, R., & Heuser, I. (2011). A brief questionnaire on metacognition: Psychometric properties. Aging & Mental Health, 15(8), 1052-62., o Brief Questionnaire on Metacognition, (Breve Questionário sobre Metacognição). A configuração final é composta por nove itens que avaliam a metamemória e a metaconcentração. Para a elaboração do questionário foram feitas traduções e re-traduções para o idioma alemão de cinco dos 17 itens da subescala de memória do questionário MIA (Dixon et. al, 1988Dixon, R. A., Hultsch, D. F., & Hertzog, C. (1988). The metamemory in adulthood (MIA) questionnaire. Psychopharmacology Bulletin, 24, 671-688.) e foram desenvolvidos outros quatro itens com base na subescala de concentração da European Depression Scale (EURO-D; Prince et al, 1999). Foram consultados especialistas em envelhecimento para verificar se os itens escolhidos eram os mais representativos para a vida cotidiana dos idosos e se eram relacionados às habilidades de memória e concentração na terceira idade. Para registrar as respostas, foi utilizada uma escala do tipo Likert de cinco pontos: absolutamente errado, bem errado, nem certo nem errado, pouco verdadeiro e absolutamente verdadeiro. Os itens foram aplicados em 228 mulheres acima de 70 anos que obtiveram pontuação mínima de 26 pontos no Mini Exame do Estado Mental. Além disso, as participantes responderam um questionário a respeito da sua capacidade de cuidar das tarefas diárias e de gerenciar a própria casa sem ajuda. O coeficiente alpha de Cronbach para metamemória foi de 0,65 e para metaconcentração foi de 0,63. Tais coeficientes, um pouco abaixo de 0,70, podem ter ocorrido devido ao estudo ter focado na heterogenidade dos itens que cobrem as habilidades de memória e concentração.

Apesar do considerável número de questionários de autorrelato de memória descritos na literatura, há algumas desvantagens associadas à sua utilização, especialmente em ambientes clínicos (Troyer & Rich, 2002Troyer, A. K., & Rich, J. B. (2002). Psychometric properties of a new metamemory questionnaire for older adults. The Journals of Gerontology, 57(1), 19-27.). Os autores destacam que os itens não necessariamente refletem os aspectos da memória que são passíveis de intervenção clínica. Nesse sentido, os itens que envolvem memória para eventos muito remotos não refletiriam alvos típicos de intervenções clínicas, uma vez que as intervenções clínicas tendem a se concentrar em problemas com a memória recente (por exemplo, se lembrar de nomes novos) e em estratégias relevantes para a vida cotidiana. Outra limitação apontada por Troyer e Rich (2002)Troyer, A. K., & Rich, J. B. (2002). Psychometric properties of a new metamemory questionnaire for older adults. The Journals of Gerontology, 57(1), 19-27., é que alguns instrumentos não abordam aspectos da metamemória como, por exemplo, a ansiedade na memória. Por último, os instrumentos tendem a ser unidimensionais, abordando, em geral, apenas à frequência com que ocorrem os erros de memória.

Em consulta realizada à base de dados BIREME, em outubro de 2012, foram encontrados 16 artigos por meio da busca com a palavra-chave "metacognition", sendo que apenas um tratava da criação e validação de instrumento para mensuração da metacognição em idosos: o de autoria de Klusmann et al. (2011)Klusmann, V., Evers, A., Schwarzer, R., & Heuser, I. (2011). A brief questionnaire on metacognition: Psychometric properties. Aging & Mental Health, 15(8), 1052-62., já descrito anteriormente. Utilizando a mesma palavra-chave na base de dados da PubMed, foram encontrados 17 artigos. Entre eles, o único que abordava a criação e validação de instrumento para mensuração da metacognição foi o mesmo encontrado na busca anterior. Tal fato parece demonstrar que são escassos os estudos relativos à mensuração da metacognição em idosos, sendo que, entre o conjunto de possibilidades de pesquisa junto a essa população, é possível destacar que um dos desafios é elaborar medidas válidas e precisas das capacidades metacognitivas de forma ampla, não se limitando à metamemória (França, 2013França, A. B. (2013). Escala metacognitivas para idosos: Elaboração de itens e análise dos parâmetros psicométricos (Dissertação de mestrado não publicada). Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.). Nesse sentido, de acordo com as pesquisas descritas, foi possível constatar a existência de estudos que investigam a validade de instrumentos que enfatizam o construto da metamemória e não daqueles voltados a avaliar de forma ampla o conhecimento metacognitivo e a autorregulação cognitiva, de modo a refletir aspectos da vida cotidiana dos idosos que não envolvam apenas a capacidade mnemônica. Segundo Klusmann et al. (2011)Klusmann, V., Evers, A., Schwarzer, R., & Heuser, I. (2011). A brief questionnaire on metacognition: Psychometric properties. Aging & Mental Health, 15(8), 1052-62. se a avaliação da metacognição for restrita à metamemória, serão desconsideradas uma série de outras variáveis importantes ao dia-a-dia dos idosos.

Diante desse contexto, o presente estudo visou investigar as evidências de validade com base na estrutura interna (validade fatorial) e consistência interna do instrumento denominado Escala Metacognitiva Sênior (EMETA-S), cujo propósito é avaliar a metacognição em idosos, em especial o conhecimento metacognitivo e a autorregulação. Além disso, buscou-se verificar diferenças por variáveis sociodemográficas tais como sexo, idade e escolaridade.

Método

Participantes

A EMETA-S foi aplicada em um total de 211 participantes de ambos os sexos e com idade entre 60 e 87 anos. Após a análise exploratória das respostas à escala, 17 participantes foram excluídos devido à presença de respostas omissas (missing values) em um ou mais itens do instrumento. Desse modo, permaneceram 194 participantes na amostra final para a análise das evidências de validade baseada na estrutura interna (validade fatorial) e da precisão. Houve predominância de indivíduos nas idades de 60 anos (10,3%), 69 anos (7,7%), 62 anos (7,2%) e 65 anos (6,2%), sendo que a idade média da amostra foi de 60,08 anos, com desvio-padrão de 6,8 anos. Em relação ao sexo, o feminino representou 78,9% da amostra, enquanto que o masculino representou 21,1%.

Entre os participantes, 30,9% declararam ter formação superior. Seguiram-se, quase com o mesmo percentual, aqueles que estudaram até a quarta série do ensino fundamental (29,4%). Apenas 3,1% dos participantes declararam ser apenas alfabetizados.

Instrumento

O instrumento utilizado foi a EMETA-S, uma escala do tipo Likert de quatro pontos, que compreendia, originalmente, 74 itens, sendo que, para cada item, o participante deve escolher (assinalar) uma entre quatro possibilidades. Ao responder, o participante determina se o item da escala é ou não capaz de descrevê-lo ou representá-lo. Se o participante acreditava que o item não era capaz de representá-lo completamente, assinalaria a primeira coluna com o menor círculo acompanhado da descrição "Nada a ver comigo", por outro lado, se acreditava que o item era capaz de descrevê-lo completamente, assinalava a última coluna , com o maior círculo acompanhado da descrição "Tudo a ver comigo" (Figura 1).

Figura 1
Escala utilizada no instrumento EMETA-S

A EMETA-S foi elaborada com base na análise prévia de alguns instrumentos da literatura nacional e internacional da área e, principalmente, a partir da Escala de Metacognição (EMETA; Pascualon, 2011Pascualon, J. F. (2011). Escala de avaliação da metacognição infantil: Elaboração dos itens e análise dos parâmetros psicométricos (Dissertação de mestrado não publicada). Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, São Paulo, Brasil.; Pascualon & Schelini, 2013Pasculon, J. F., & Schelini, P. W. (2013). Escala de avaliação da metacognição infantil: evidências de validade baseadas no conteúdo e análise semântica. Avaliação Psicológica, 12, 147-156.). Na elaboração da EMETA- S, todos os 40 itens da EMETA original foram revistos e os comportamentos, atividades ou situações voltadas às crianças foram modificados de forma a propiciar a adaptação dos itens para os idosos. Outros 34 itens foram criados com base na literatura internacional da área com foco em adultos e idosos.

Após a elaboração, o instrumento foi enviado a três juízes especialistas, para a investigação das evidências de validade baseadas no conteúdo, por meio da análise de concordância entre eles. Além disso, a EMETA-S foi aplicada em amostra piloto de 15 idosos para análise da adequação das instruções e itens. A versão da escala, após suas devidas alterações, foi obtida nessa fase e considerada compreensível para ser administrada em idosos.

Alguns exemplos de itens são: depois de terminar um trabalho, tenho uma ideia de como me saí; quando termino de ler um livro, sei o que eu entendi e o que não entendi; durante a realização de uma tarefa que alguém me pediu, paro algumas vezes para ver se estou realizando-a direito; quando não consigo resolver uma tarefa, sei por que tive dificuldade; enquanto tento resolver um problema, faço perguntas para mim mesmo, para prestar atenção.

Procedimentos

As aplicações da EMETA-S ocorreram na Universidade Aberta da Terceira Idade - UATI em uma cidade do interior do estado de São Paulo. Foram realizadas de maneira coletiva, sendo que o tempo médio utilizado pelos participantes para responder o instrumento foi de 20 minutos. A aplicação apenas era iniciada após a explicação do estudo e a assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido.

As instruções e exemplos eram lidos em voz alta para os participantes. Após a leitura, eles eram questionados sobre a compreensão das instruções, sendo que caso afirmassem que haviam compreendido a tarefa, a aplicação prosseguia, caso contrário, as instruções eram novamente lidas.

Resultados

As respostas dos participantes utilizadas para a análise das evidências de validade fatorial e precisão da EMETA-S foram tratadas por meio de software estatístico especializado, o SPSS 20 (Statistical Package for the Social Sciences).

Optou-se pelo teste da adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o Teste de Esfericidade de Bartlett em relação às respostas dos 194 participantes à EMETA-S. O índice KMO foi de 0,80, esse resultado respalda o emprego da análise fatorial para a extração de fatores e a estimação dos escores fatoriais. A Figura 2 apresenta o scree plot da análise fatorial exploratória com rotação Varimax.

Figura 2
Scree plot

De acordo com o scree plot (Figura 2) e considerando o critério de raiz latente (Kaiser), considerou-se que os itens da escala tendem a avaliar predominantemente dois fatores. Os dois fatores explicaram 27,18% da variância total, sendo 21,34% explicados pelo Fator 1 e 5,84% pelo Fator 2. A Tabela 1 apresenta as cargas fatoriais para cada item da EMETA-S.

Tabela 1
Itens e cargas fatoriais

Um item foi considerado como pertencente a um fator quando apresentou carga mais elevada nesse fator, desprezando-se o sinal. Também foram adotados como valores aceitáveis de carga, aqueles acima de 0,30 por estes explicarem pelo menos 9% da variância total do instrumento (Kline, 1994Kline, P. (1994). An easy guide to factor analysis. New York: Routlege.). Esses critérios de pertença de item a um fator e de uma carga fatorial mínima para que um item pudesse compor um fator acabaram sendo utilizados na seleção (ou exclusão) de itens da escala. Além deles, os itens com carga igual ou superior a 0,30 nos dois fatores simultaneamente também foram desprezados.

Com a eliminação dos itens citados acima, a escala ficou composta por 53 itens divididos em: Fator 1 (itens 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9,11, 12, 13, 16, 17, 18, 21, 22, 32, 38, 42, 45, 46, 49, 53, 59, 60, 63, 65, 68 e 72) e Fator 2 (itens 15, 20, 23, 24, 26, 28, 29, 30, 33, 36, 39, 41, 43, 44, 47, 48, 50, 54, 55, 57, 58, 69 e 70).

Após observação do conjunto de 53 itens, dispostos em dois fatores, verificou-se a existência, em um mesmo fator, de itens com conteúdos semelhantes entre si Entre os itens semelhantes, o primeiro critério para selecionar os que permaneceriam na EMETA-S foi a comparação de suas cargas fatoriais, ou seja, os itens com cargas mais baixas em comparação com seus semelhantes seriam eliminados. O segundo critério foi verificar o índice de concordância dos juízes: os itens que obtiveram menor índice de concordância entre os juízes dentro do agrupamento eram eliminados.

Deste modo, a escala foi reduzida para 27 itens divididos em fator 1 (1, 2, 4, 9, 13, 17, 18, 21, 22, 38, 42, 45, 53 e 63) e fator 2 (15, 20, 23, 28, 30, 36, 43, 47, 54, 55, 57, 58 e 70). O alpha de Cronbach e o Lambda 22) para o total de itens que permaneceram na EMETA-S atingiram índices iguais a 0,850.

As respostas da escala apresentaram uma distribuição normal (Média = 220,24; Desvio Padrão = 30,54; N =194) e, por essa razão, foram utilizados testes estatísticos paramétricos para realizar as comparações entre os grupos. Verificada a normalidade, são apresentadas a seguir as análises de comparação entre médias (ANOVA) para sexo, escolaridade e idade.

Por meio da distribuição F de Fischer-Snedecor, com nível de significância de α = 5%, temos F-observado (0,835) < F-crítico (3,84), demostrando portanto que é aceito estatisticamente a hipótese de que não há diferenças significativas nos escores obtidos entre homens e mulheres. Isto é, a variável sexo não produziu efeito sobre as respostas apresentadas pelos participantes na EMETA-S.

Em relação à escolaridade, foram comparados entre si os seguintes níveis: capaz de ler e escrever (sem ter frequentado a escola), ter frequentado até a quarta série do ensino fundamental, ensino fundamental completo, ensino médio incompleto, ensino médio completo/magistério/técnico, ensino superior incompleto, ensino superior completo.

A partir do número de graus de liberdade do numerador e denominador, com nível de significância de α = 5% foi obtido: F-observado (1,277) < F-crítico (2,10), o que evidencia a hipótese de que não há diferenças significativas nos escores obtidos entre os níveis de escolaridade, ou seja, a escolaridade não produziu efeito sobre as respostas apresentadas pelos participantes na EMETA-S. Além disso, a variabilidade entre os grupos foi menor quando comparada com a variabilidade dentro dos grupos (Entre = 7083,468 > Dentro = 172937,625).

Em relação à idade, foi obtido F-observado (1,497) < F-crítico (1,52), portanto o pressuposto de variâncias iguais é válido e comprova estatisticamente que a variável idade não produziu efeito sobre as respostas apresentadas pelos participantes na EMETA-S. Contudo, nota-se que os valores de Fcrítico (1,52) e Fobservado (1,497) são muito próximos.

Discussão

A fatorabilidade da escala foi verificada por meio do teste da adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o Teste de Esfericidade de Bartlett. O índice KMO obtido foi de 0,80 o qual, de acordo com Pasquali (2003)Pasquali, L. (2003). Psicometria. Teoria dos testes na psicologia e na educação (2ª ed). Petrópolis: Editora Vozes., é considerado um nível satisfatório de adequação dos dados. Segundo o mesmo autor, os índices do KMO podem ser classificados de inaceitáveis até ótimos, sendo: abaixo de 0,50, inaceitável; de 0,50 a 0,59, ruim ("miserável", nas palavras do autor); de 0,60 a 69, modesto; de 0,70 a 0,79, mediano; de 0,80 a 0,89, satisfatório; de 0,90 a 1,00, ótimo. Já o Teste de esferecidade de Bartlett avaliou a significância geral da matriz de correlação, quanto mais próximo de zero indica que o posto da matriz é menor do que o número de variáveis que a compõem, ou seja, sugere a presença de fatores (Pasquali, 2003Pasquali, L. (2003). Psicometria. Teoria dos testes na psicologia e na educação (2ª ed). Petrópolis: Editora Vozes.).

Para determinação do número de fatores foi utilizado o critério de eingenvalue (autovalor) maior do que 1,0 de Guttman-Kaiser por extração dos componentes principais, o qual busca um número mínimo de fatores para explicar a parcela máxima da variância existente nas variáveis originais. Foi utilizada a rotação Varimax, a fim de minimizar a ocorrência de uma variável com altas cargas fatoriais para diferentes fatores, e também foi considerado o critério de raiz latente (Kaiser), que julga significantes apenas os eigenvalues maiores que 1 no screeplot (Laros, 2005Laros, J. A. (2005). O uso da análise fatorial: Algumas diretrizes para pesquisadores. Em L. Pasquali (Ed.), Análise fatorial para pesquisadores. Brasília: LabPAM.).

Como resultado, foi obtido que os itens da escala tendem a avaliar predominantemente dois fatores. Os dois fatores explicam 27,18% da variância total, sendo 21,34% explicados pelo Fator 1 e 5,84% pelo Fator 2. Dessa forma, considerando os índices obtidos, a escala parece apresentar evidências de validade fatorial. No entanto, é necessário proceder à análise dos fatores identificados e de seus respectivos itens, como forma de nomear tais fatores.

A EMETA-S foi derivada da EMETA (Pascualon, 2011Pascualon, J. F. (2011). Escala de avaliação da metacognição infantil: Elaboração dos itens e análise dos parâmetros psicométricos (Dissertação de mestrado não publicada). Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, São Paulo, Brasil.; Pascualon & Schelini, 2013Pasculon, J. F., & Schelini, P. W. (2013). Escala de avaliação da metacognição infantil: evidências de validade baseadas no conteúdo e análise semântica. Avaliação Psicológica, 12, 147-156.), sendo que ambas consideraram, na formulação de seus itens, a definição exposta por Ribeiro (2003)Ribeiro, C. (2003). Metacognição: Um apoio ao processo de aprendizagem. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16(1), 109-116. que entende o conceito (metacognição) como formado por dois elementos básicos: o conhecimento metacognitivo e o controle ou auto-regulação cognitivos. Como a formulação dos itens da EMETA-S foi baseada nessas duas amplitudes, era esperado que elas constituíssem dois fatores, que responderiam pela maior porcentagem de variância da escala. Assim, os fatores obtidos poderiam ser o de conhecimento metacognitivo e o de autorregulação. No entanto, antes de tal conclusão é necessário analisar quais foram os itens distribuídos para cada fator.

Após a exclusão dos itens descrita na seção "resultados", a escala foi reduzida para 27 itens. O Alpha de Cronbach e o Lambda 2 (λ2) para o total de itens que permaneceram na EMETA-S atingiram índices iguais a 0,850. Tal valor pode ser visto como um bom indicativo de precisão da escala como um todo, já que os índices aceitáveis são a partir de 0,70 ou ainda 0,60 para pesquisas exploratórias (Fachel & Camey, 2000Fachel, J, M. G., & Camey, S. (2000). Avaliação psicométrica: A qualidade das medidas e o entendimento dos dados. Em J. A. Cunha (Ed.), Psicodiagnóstico V. (pp. 158-170). Porto Alegre: Artes Médicas.). Considerando o que foi apontado por Guay, Boggiano e Vallerand (2001)Guay, F., Boggiano, A. K., & Vallerand, R. J. (2001). Autonomy support, intrinsic motivation and perceived competence: Conceptual and empirical linkages. Personality and Social Psychology Bulletim, 27, 643-650., o valor obtido pela EMETA-S também pode ser entendido como uma boa evidência de precisão, uma vez que eles apontam como aceitáveis para escalas de auto-relato, valores de consistência interna entre 0,70 e 0,80.

Os itens da EMETA-S foram elaborados para avaliar duas dimensões: o conhecimento metacognitivo e a autorregulação. Foi possível constatar que, de fato, dois fatores foram derivados da análise fatorial exploratória e que esses dois fatores, após a eliminação de itens, apresentam consistência interna, podendo ser considerados precisos.

Alguns autores como Flavell (1987) e Ribeiro (2003)Ribeiro, C. (2003). Metacognição: Um apoio ao processo de aprendizagem. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16(1), 109-116. comentam que as habilidades metacognitivas são interligadas, dificultando sua separação em grupos de habilidades diferentes, como habilidades que envolvem apenas o conhecimento metacognitivo e habilidades que envolvem apenas o controle/regulação cognitivo. Partindo desse pressuposto, ao analisar cuidadosamente os conteúdos dos itens dos dois fatores que compõem a EMETA-S, foi possível constatar que eles poderiam fazer parte tanto do Fator 1 quanto do Fator 2. Porém, cabe destacar que nove dos 14 itens (64%) que compõem o Fator 1 foram classificados pelos juízes como itens de autorregulação. O inverso aconteceu no Fator 2, uma vez que nove dos 13 itens (69%) foram classificados como de conhecimento metacognitivo pelos mesmos juízes. Assim, o Fator 1 poderia ser chamado de Autorregulação e o Fator 2 de Conhecimento Metacognitivo. No entanto, os itens dos dois fatores precisariam, necessariamente, ser aplicados para avaliar adequadamente essas duas dimensões da metacognição de idosos, sem a possibilidade de aplicação de itens apenas do fator 1 ou apenas do fator 2, de forma que cada fator ou subescala seja interpretada em conjunto com o outro fator ou subescala. Até porque seria muito difícil um indivíduo regular suas atividades cognitivas (autorregulação ou monitoramento cognitivos) sem ter conhecimento (conhecimento metacognitivo) de quais são as habilidades metacognitivas que ele possui em seu repertório. Dessa maneira, o resultado obtido neste estudo parece fornecer mais uma evidência para fortalecer a noção apontada por outros autores acerca da dependência entre as dimensões conhecimento metacognitivo e autorregulação cognitiva.

O presente estudo, ao analisar as evidências de validade e consistência interna de uma escala para avaliar a metacognição de idosos, é relevante em termos científicos porque tende a proporcionar o desenvolvimento teórico e empírico sobre as habilidades metacognitivas dessa população. Oliveira, Boruchovitch e Santos (2009)Oliveira, K. l., Boruchovitch, E., & Santos, A. A. A. (2009). Estratégias de aprendizagem e desempenho acadêmico: Evidências de validade. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 25, 531-536. ressaltam a carência de estudos que permitam evidenciar as propriedades psicométricas de instrumentos destinados a avaliar a metacognição. Este estudo vai ao encontro da constatação de uma lacuna científica apontada por Boruchovitch et al. (2010, p.138) quando afirmam que "existe ainda um longo caminho a ser trilhado, no qual mais estudiosos se proponham a pesquisar a fidedignidade e a buscar evidências de validade das medidas de metacognição". A tentativa de proporcionar o desenvolvimento científico poderá, no futuro, possibilitar o planejamento e a avaliação de intervenções junto a idosos a partir do desempenho em um instrumento de mensuração de habilidade metacognitivas válido e preciso.

  • 1
    Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo - FAPESP

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2013
  • Revisado
    11 Jun 2015
  • Aceito
    24 Ago 2015
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