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Qualidade de Vida em Pacientes com Anorexia e Bulimia Nervosa

Quality of Life of Patients with Anorexia and Bulimia Nervosa

RESUMO

Este estudo teve por objetivo avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) de pacientes com transtornos alimentares (TAs). A amostra foi composta por 40 pacientes consecutivos, em sua maioria mulheres jovens e adultas, com diagnóstico de Anorexia Nervosa e em tratamento ambulatorial. A coleta de dados foi realizada por meio da aplicação de um instrumento de QVRS (SF-36) e do Teste de Atitudes Alimentares (EAT-26). Os resultados evidenciaram QVRS rebaixada, especialmente nos Componentes Mentais. Constatou-se prejuízo em seis dos oito domínios de QV avaliados naqueles pacientes com maior pontuação no EAT-26, em cinco domínios nos pacientes com idade acima de 22 anos, nos domínios Estado Geral de Saúde (p = 0,02) e Saúde Mental (p = 0,03) naqueles pacientes com menos de cinco anos de tratamento e no domínio Aspectos Físicos (p = 0,02) naqueles que receberam diagnóstico de Bulimia Nervosa.

Palavras-chave
qualidade de vida; transtornos alimentares; anorexia nervosa; bulimia

ABSTRACT

This study aimed to evaluate the health-related quality of life (HRQoL) of patients with eating disorders (ED). The sample consisted of 40 predominantly young and adult female patients diagnosed with anorexia in outpatient treatment. A HRQoL instrument (SF-36) and the Eating Attitudes Test (EAT-26) were used. Results showed lowered HRQoL, especially in Mental Components. Impairments were observed in six of the eight domains evaluated regarding HRQoL of patients with higher scores on EAT-26, in five domains in patients with 22 years old or more, in General Health Perceptions (p = 0.02) and Mental Health domain (p = 0.03) in patients with less than five years of treatment and in Physical Functioning domain (p = 0.02) of patients with Bulimia Nervosa.

Keywords
quality of life; eating disorders; anorexia nervosa; bulimia

Transtornos alimentares (TAs) são caracterizados por um cortejo sintomatológico florido, que abrange sintomas físicos e psíquicos varaiados, tais como: padrão perturbado de alimentação, distorção acentuada da imagem corporal, funcionamento obsessivo-compulsivo e dificuldade no controle de impulsos (Leonidas & Santos, 2014Leonidas, C., & Santos, M. A. (2014). Social support networks and eating disorders: An integrative review of the literature. Neuropsychiatric Disease and Treatment, 10(1), 915-927. doi:10.2147/NDT.S60735
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, 2015Leonidas, C., & Santos, M. A. (2015). Family relations in eating disorders: The Genogram as instrument of assessment. Ciência & Saúde Coletiva, 20(1), 1435-1447. doi:10.1590/1413-81232015205.07802014
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). Os principais tipos de TAs são: Anorexia Nervosa (AN), Bulimia Nervosa (BN) e Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) (American Psychiatric Association [APA], 2013American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders - DSM-5 (5th ed.). Washington, DC: American Psychiatric Association.).

O Índice de Massa Corporal (IMC), que resulta da divisão do peso em quilogramas (kg) pela estatura em metros elevada ao quadrado, é considerado normal (eutrófico) quando se situa entre 18,5 e 24,9, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2000). Na AN, o peso corporal está muito aquém do esperado e não é incomum encontrar pacientes com IMC abaixo do limite considerado compatível com a vida. Já na BN, via de regra o peso está adequado ou até um pouco acima do padrão de normalidade (Leonidas & Santos, 2013aLeonidas, C., & Santos, M. A. (2013a). Redes sociais significativas de mulheres com transtornos alimentares. Psicologia: Reflexão e Crítica, 26(3), 561-571. doi: 10.1590/S0102-79722013000300016
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).

A AN se caracteriza pela recusa do indivíduo em manter o peso corporal dentro do mínimo esperado para sua idade e altura (medido pelo IMC), medo intenso de ganhar peso e alteração significativa na percepção da forma e tamanho corporal (APA, 2002American Psychiatric Association. (2002). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: Texto revisado (4a ed. rev.; C. Dornelles, Trad.). Porto Alegre, RS: Artmed. ). A AN se divide em dois subtipos: Restritivo e Compulsão Periódica/ Purgativo. No subtipo Restritivo, o baixo peso é alcançado e mantido por meio de dietas, jejuns e excesso de exercícios físicos. No subtipo Compulsão Periódica/ Purgativo, o indivíduo, além de fazer dietas e/ou jejuns, e/ou excesso de exercícios físicos, também apresenta, no episódio atual, comportamentos compulsivos e/ou purgativos, como vômitos autoinduzidos, uso de laxantes, diuréticos e/ou enemas.

A BN caracteriza-se por compulsão alimentar periódica e adoção de métodos compensatórios inadequados para evitar ganho de peso, como vômitos autoinduzidos, uso de laxantes, diuréticos e enemas. As compulsões e comportamentos compensatórios devem ocorrer, no mínimo, duas vezes por semana durante três meses (Leonidas & Santos, 2013bLeonidas, C., & Santos, M. A. (2013b). Bulimia nervosa: Uma articulação entre aspectos emocionais e rede de apoio social.Psicologia: Teoria e Prática, 15(2), 62-75.).

Os sintomas graves e persistentes impactam a qualidade de vida (QV) dos pacientes com prejuízos significativos (Fava & Peres, 2011Fava, M. V., & Peres, R. S. (2011). Do vazio mental ao vazio corporal: Um olhar psicanalítico sobre as comunidades virtuais pró-anorexia. Paidéia (Ribeirão Preto), 21(50), 353-361. doi:10.1590/S0103-863X2011000300008
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). Isso fica mais compreensível quando se consideram os aspectos psicossociais envolvidos. Em relação ao perfil psicológico desses pacientes, a literatura aponta que indivíduos com AN do subtipo purgativo tendem a ser mais impulsivos do que os do subtipo restritivo, sendo estes mais obsessivos e perfeccionistas. Além disso, também costumam apresentar baixa autoestima, sentimento de desesperança, desenvolvimento insatisfatório da identidade, tendência a buscar aprovação externa, hipersensibilidade à crítica e conflitos nas questões relacionadas à autonomia versus independência. Pacientes com BN costumam experimentar pensamentos e emoções desadaptativas, autoestima flutuante, sendo comum apresentarem atitudes caóticas em várias esferas da vida, como os estudos, vida profissional e relações amorosas (Oliveira & Santos, 2006Oliveira, E. A., & Santos, M. A. (2006). Perfil psicológico de pacientes com anorexia e bulimia nervosas: A ótica do psicodiagnóstico. Medicina Ribeirão Preto, 39(3), 353-360.).

Em estudo que buscou investigar o perfil psicológico de pacientes com AN e BN por meio de instrumentos de avaliação psicológica, Oliveira e Santos (2006Oliveira, E. A., & Santos, M. A. (2006). Perfil psicológico de pacientes com anorexia e bulimia nervosas: A ótica do psicodiagnóstico. Medicina Ribeirão Preto, 39(3), 353-360.) identificaram que a capacidade intelectual desses indivíduos permanece preservada, embora se observe dificuldade de utilização eficiente dos recursos cognitivo-racionais devido à propensão à invasão afetiva. Em decorrência desse modo de funcionamento e da falta de controle sobre os fatores indicativos de imaturidade emocional há um marcado comprometimento da capacidade produtiva. A contenção dos impulsos encontra-se prejudicada, o que pode desencadear episódios de auto e hétero-agressividade. A falta de elaboração dos conflitos psíquicos vivenciados na internalização das imagos parentais compromete a consolidação da identidade pessoal e da relação amadurecida com o outro, sendo que os relacionamentos profundos são vivenciados como ameaçadores e tendem a ser evitados. São frequentes os sentimentos de solidão, isolamento, incompreensão, desamparo e desesperança. Devido à frágil estrutura egóica, em situações de maior vulnerabilidade emocional esses pacientes costumam recorrer a movimentos regressivos, buscando se defender de vivências catastróficas de dispersão e perda dos limites da própria identidade. Isso se manifesta na manutenção de um padrão de relacionamento infantil com os pais (e demais cuidadores), baseado em vínculos simbióticos e regressivos, o que obstrui os movimentos expansivos que impulsionariam o indivíduo rumo à diferenciação e ao crescimento emocional.

Por implicarem na apresentação de um conjunto de sintomas graves por longos períodos e acarretarem intenso sofrimento físico e psíquico, além de inúmeras limitações cotidianas, os TAs repercutem consideravelmente na QV dos pacientes. Por essas razões, na última década, a literatura tem buscado investigar, por meio de distintas estratégias metodológicas, o impacto desses transtornos na QV dos indivíduos acometidos.

Segundo Seidl e Zannon (2004Seidl, E. M. F., & Zannon, C. M. L. C. (2004). Qualidade de vida e saúde: Aspectos conceituais e metodológicos. Cadernos de Saúde Pública, 20(2), 580-588. doi: 10.1590/S0102-311X2004000200027
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), há duas tendências quanto à conceituação do termo qualidade de vida nos estudos da área da saúde: como um conceito mais genérico e como qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS). Como conceito genérico, tem uma acepção mais ampla, influenciada por estudos sociológicos, sem fazer referência a disfunções ou agravos à saúde. Nesse caso, as amostras investigadas incluem pessoas saudáveis da população, não se restringindo aos indivíduos acometidos por doenças específicas. São comumente utilizados para esse fim os instrumentos: World Health Organization Quality of Life Assessment - WHOQOL-100 (The WHOQOL Group, 1998The WHOQOL Group (1998). The World Health Organization Quality of Life Assessment (WHOQOL): Development and general psychometric properties, Social Science and Medicine, 46(12), 1569-1585.), também disponível na versão reduzida - WHOQOL-BREF, Medical Outcomes Study 36-Item Short Form Health Survey (Questionário Genérico de Avaliação de Qualidade de Vida - SF-36) e Sickness Impact Profile.

Já o conceito de QVRS implica o estudo dos aspectos associados a enfermidades específicas ou intervenções em saúde, investigando o impacto da doença ou do seu agravamento na qualidade de vida. Os instrumentos utilizados para essa finalidade mantêm o caráter multidimensional do construto e avaliam a percepção geral da qualidade de vida, porém enfatizam os sintomas, incapacidades e limitações desencadeadas pela enfermidade. São exemplos desses instrumentos o Medical Outcomes Study - HIV, para pessoas que vivem com HIV/Aids e EORTC-QLQ 30, para pacientes com neoplasias.

Como se trata de um construto multidimensional, os instrumentos de medida da QV não apresentam um escore geral, e sim pontuações nos diferentes domínios que a constituem. Esses instrumentos oferecem uma estimativa da satisfação subjetiva em cada domínio. No presente estudo, adota-se a definição de QV preconizada pela OMS, composta por três características: subjetividade (ênfase na percepção do próprio indivíduo), multidimensionalidade (considerando aspectos físicos, psicológicos e sociais) e bipolaridade (dimensões positivas e negativas) (Giacomini, 2004Giacomini, C. H. (2004). Bem-estar subjetivo: Em busca da qualidade de vida. Temas em Psicologia, 12(1), 43-50.).

Estudo investigou a percepção de saúde relacionada à QVRS em 197 pacientes ambulatoriais com TAs, por meio da Escala de Atitudes Alimentares (EAT-40), Questionário Genérico de Avaliação de Qualidade de Vida (SF-36) e Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD) (Padierna, Quintana, Aróstegui, Gonzalez, & Horcajo, 2000Padierna, A., Quintana, J. M., Arostegui, I, Gonzalez, N., & Horcajo, M. J. (2000). The health-related quality of life in eating disorders. Quality of Life Research, 9(6), 667-674.). Os autores identificaram que os pacientes com TAs são mais disfuncionais em todos os domínios do SF-36, em comparação com mulheres da população geral, sendo que maior pontuação nas escalas EAT e HAD foram associadas à percepção de comprometimento mais severo nos domínios do SF-36. O mesmo grupo de pesquisadores publicou outro estudo, no qual avaliaram a QVRS relacionada à gravidade da sintomatologia (González, Padierna, Quintana, Aróstegui, & Horcajo, 2001González, N., Padierna, A., Quintana, J., Aróstegui, I., & Horcajo, M. (2001). Quality of life in patients with eating disorders. Gaceta Sanitaria, 15(1), 18-24.). O estudo envolveu 180 pacientes e utilizou as escalas SF-36 e EAT. Os resultados foram comparados aos valores obtidos na população de mesmo sexo e idade e com outros transtornos psiquiátricos. Pacientes com TAs apresentaram pior QV do que a população geral do mesmo sexo e idade, e em nível semelhante ao dos pacientes com outros diagnósticos psiquiátricos, tais como transtorno esquizofrênico, depressão e transtorno do pânico. Saúde Mental, Aspecto Emocional e Vitalidade foram os domínios mais afetados do SF-36.

Estudo avaliou, por meio do Lancashire Quality of Life Profile e de um questionário, a QV, o comportamento alimentar e mudanças no estilo de vida de 46 pacientes com TAs do sexo feminino, que haviam recebido alta hospitalar havia seis meses (Danzl, Kemmler, Gottwald, Mangweth, Kinzl, & Biebl, 2001Danzl, C., Kemmler, G., Gottwald, E., Mangweth, B., Kinzl, J., & Biebl, W. (2001). Quality of life of patients with eating disorders: A catamnestic study. Psychiatrische Praxis, 28(1), 18-23. doi:10.1055/s-2001-10501
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). Foram identificadas mudanças positivas no comportamento alimentar, correlacionadas com incremento da QV na maioria dos domínios avaliados, incluindo lazer, situação financeira e percepção da saúde mental. Essas mudanças se correlacionaram com mudanças positivas no estilo de vida em vários domínios, em particular à situação familiar e lazer.

Para avaliar as mudanças no estado de saúde percebido de pacientes após receberem tratamento, estudo buscou relacioná-las com parâmetros importantes da QV de 56 pacientes do sexo feminino diagnosticadas com TAs (36 com AN e 20 com BN), com idades entre 16 e 48 anos (Banas, Januszkiewicz-Grabias, Radziwiłłowicz e Smoczyński, 2002Banas, A.; Januszkiewicz-Grabias, A.; Radziwiłłowicz, - & Smoczyński, S. (2002). Follow-up study of quality of life and treatment of eating disorder: Dynamics of the depressive and anxiety symptoms. PsychiatryOnLine, 36(6), 323-329.). As pacientes foram examinadas duas vezes (antes e após o tratamento) com os seguintes instrumentos: questionário estruturado, Escala de Depressão de Beck (BDI) e Questionário de Autoavaliação de Spielberger. Após, em média, 21,5 meses de tratamento, observou-se melhora significativa nos sintomas de ansiedade e depressão, bem como alta correlação entre peso ideal e peso real. Em um cenário semelhante, Lucka, Cebella, Fryze e Gromska (2004Lucka, I, Cebella, A., Fryze, M., & Gromska, J. (2004). An attempt to evaluate the health condition and social functioning of anorectic females: A follow-up study. Psychiatry On Line, 38(6), 1055-1062. doi:10.1371/journal.pone.0159910
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) avaliaram o estado de saúde percebido e funcionamento social em 20 mulheres jovens com AN quatro anos após a hospitalização, por meio de entrevista. Identificaram que metade das participantes sofriam com o transtorno a longo prazo, alternando períodos de remissão com momentos de maior intensidade dos sintomas. Quatro anos após receberem alta hospitalar, 16 mulheres haviam atingido a normalização do peso, porém quatro continuavam a preencher os critérios do DSM-IV para AN.

González-Pinto et al. (2004Gonzalez-Pinto, A., Inmaculada, M., Cristina, R., Corres Blanca, F., Sonsoles, E., Fernando, R., & Purificacion, L. (2004). Purging behaviors and comorbidity as predictive factors of quality of life in anorexia nervosa. International Journal of Eating Disorders, 36(4), 445-450. doi:10.1002/erv.975
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) analisaram os fatores preditivos para os Componentes Físicos e Mentais do SF-36. Participaram do estudo 47 pacientes com AN. A avaliação foi composta por diagnóstico psiquiátrico, Entrevista Clínica Estruturada para Transtornos do Eixo I (SCID-I) e Transtornos de Personalidade (SCID-II), Impressão Clínica Global (CGI) e SF-36. Os autores identificaram como variáveis preditoras para o Componente Físico da QVRS o mau resultado obtido no ano anterior, comorbidade nos eixos I e II, e ser do sexo feminino. As variáveis preditoras para o Componente Mental da QVRS foram: presença de comorbidades em um ou outro dos transtornos do Eixo I ou II e uso de métodos purgativos.

Também com o propósito de avaliar a QV de pacientes com TAs, Mond, Hay, Rodgers, Owen e Beumont (2005Mond, J. M., Hay, P. J., Rodgers, B., Owen, C., & Beumont, P. J. (2005). Assessing quality of life in eating disorder patients. Quality of Life Research, 14(1), 171-178. doi: 10.1007/s11136-004-2657-y
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) examinaram 87 indivíduos com e sem diagnóstico. Foi utilizada uma medida de QVRS (SF-36) e outra de QV (WHOQOL-BREF), complementadas por outros instrumentos padronizados. Os resultados evidenciaram que pacientes com TAs, de modo geral, apresentaram pior QV em comparação ao grupo controle sem TAs. O grupo com AN apresentou melhor QV do que os outros subgrupos. Esse subgrupo também apresentou desempenho igual ao grupo controle livre do transtorno, no que se refere às relações sociais. Outro estudo comparativo foi realizado por Doll, Petersene e Stewart-Brown (2005Doll, H. A., Petersen, S. E., & Stewart-Brown, S. L. (2005). Eating disorders and emotional and physical well-being: Associations between student self-reports of eating disorders and quality of life as measured by the SF-36. Quality of Life Research, 14(3), 705- 717. doi: 10.1007/s11136-004-0792-0.
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), que avaliaram a QV em 1439 indivíduos com TAs em relação ao diagnóstico e relatos de doenças de longa duração, depressão e comportamentos autodestrutivos, por meio de inquérito por correio. Pacientes com TAs relataram maior comprometimento nos domínios do SF-36 relacionados ao bem-estar físico, emocional e mental, sendo este último significativamente menor. Isso ficou mais evidente na BN e em pacientes com compulsão alimentar. Por outro lado, indivíduos com AN relataram menor comprometimento no SF-36, embora as limitações emocionais tenham se mostrado significativamente mais prováveis de se apresentarem associadas a autorrelatos de depressão, comportamentos autodestrutivos e ideação suicida.

Também nesse contexto, Rie e Noordenbose van Furth (2005Rie, S. M., Noordenbos, G., & Furth, E. (2005). Quality of life and eating disorders. Quality of Life Research, 14(6), 1511-1522.) compararam a QV de um grupo de pacientes com TAs a um grupo de pacientes com transtorno de humor e um grupo de referência normal. Participaram 44 pacientes com AN, 43 com BN, 69 com TAs não especificado e 148 pacientes livres de sintomas de TAs. Foram aplicados os instrumentos: SF-36 e Eating Disorder Examination Questionnaire em todos os participantes e comparados os resultados obtidos nos três grupos. Pacientes com TAs apresentaram pior QV do que o grupo de referência normal e o grupo com transtornos de humor. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos diagnósticos. O grupo de ex-pacientes apresentou pior QV do que o grupo sem TAs.

Rie, Noordenbos, Donker e van Furth (2007Rie, S., Noordenbos, G., Donker, M., & Furth, E. (2007). The patient's view on quality of life and eating disorders. International Journal of Eating Disorders, 40(1), 13-20. doi:10.1002/eat.20338
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) investigaram a opinião de 146 pacientes atuais e 146 ex-pacientes sobre sua QV. Foram utilizados questionários autoaplicados. Pacientes com transtorno ativo mencionaram mais aspectos específicos da psicopatologia do que ex-pacientes, e também relataram QV mais empobrecida do que ex-pacientes, particularmente no que se refere à autoimagem e ao bem-estar psicológico. Já ex-pacientes relataram melhor QV do que os atuais pacientes, porém as avaliações foram apenas acima da média.

Jones, Evans, Bamford e Ford (2008Jones, A., Evans, M., Bamford, B., & Ford, H. (2008). Exploring quality of life for eating-disordered patients. European Eating Disorders Review, 16(4), 276-86.) exploraram como e se a QV mudou após duas semanas de psicoterapia para TAs na perspectiva do paciente, por meio de entrevistas semiestruturadas. Os autores identificaram que pacientes que completaram o programa foram mobilizados a alcançar, por meio da ação, suas aspirações no sentido de obter uma mudança real na QV, enquanto aqueles que interromperam sua participação foram incapazes de realizar sua aspiração por meio da ação. Uma das possíveis explicações para os resultados obtidos é que a motivação pode ter sido uma variável importante para aqueles que completaram o programa, no sentido de estarem mais propensos a buscarem a melhora não apenas dos seus sintomas, mas também de sua QV em geral.

Arkell e Robinson (2008Arkell, J., & Robinson, P. (2008). A pilot case series using qualitative and quantitative methods: Biological, psychological and social outcome in severe and enduring eating disorder (Anorexia Nervosa). International Journal of Eating Disorders, 41(7), 650-656. doi:10.1002/eat.20546
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) exploraram o grau de incapacidade e a QV em 11 participantes com quadro grave e duradouro de TAs, com cerca de 10 anos de diagnóstico. Foram utilizados métodos qualitativos e quantitativos e os resultados obtidos para a QV foram comparados aos de uma amostra de pacientes atendidos na atenção primária, com depressão de moderada a grave. Os resultados de habilidades de vida foram comparados com uma amostra da comunidade de pacientes com transtorno esquizofrênico. Pacientes com TAs apresentaram vantagem nas competências de comunicação e níveis de responsabilidade, e desvantagem em cuidados sociais e contato interpessoal em relação aos pacientes com transtorno esquizofrênico. Apresentaram-se gravemente deprimidos e suas medidas de QV refletiram os resultados obtidos com a população com depressão atendida na atenção primária. Foi constatada, também, evasão do contato intrapessoal e interpessoal, levando à autonegligência e isolamento social, apesar das habilidades sociais apresentadas.

Latner, Vallance e Buckett (2008Latner, J. D, Vallance, J. K., & Buckett, G. (2008). Health-related quality of life in women with eating disorders: Association with subjective and objective binge eating. Journal of Clinical Psychology in Medical Settings, 15(2), 148-153. doi:10.1007/s10880-008-9111-1
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) examinaram a QV e sua associação com diferentes tipos de compulsão alimentar em 53 mulheres com TAs, por meio da aplicação das escalas: SF-36, EAT e BDI. O estudo mostrou que os episódios bulímicos (binge eating) comprometem significativamente a QV das pacientes.

Estudo de revisão, realizado por Engel, Adair, LasHayas e Abraham (2009Engel, S. G.; Adair, C. E.; Las Hayas, C. & Abraham, S. (2009). Health-related quality of life and eating disorders: A review and update. International Journal of Eating Disorders, 42(2), 179-187. doi:10.1002/eat.20602
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), identificou seis temas presentes de forma recorrente na literatura consultada, a saber: (1) pacientes com TAs apresentam QV rebaixada em comparação ao grupo controle; (2) declínio na QV de pacientes com sintomatologia ou com sintomas subclínicos; (3) comprometimento na QV dos familiares dos pacientes; (4) depreciação considerável na QV dos pacientes com TAs; (5) melhoras observadas na QV após o tratamento; (6) diferenças na QV em função do gênero. A revisão mostrou que quatro estudos desenvolveram medidas de QV específicas para pacientes com TAs. Esses achados são importantes porque a maior parte dos estudos empíricos na área ainda aplicam instrumentos genéricos para avaliar a QV.

Muñoz et al. (2009Muñoz, P.; Quintana, J. M.; LasHayas, C.; Aguirre, U.; Padierna A. & González-Torres, M. A. (2009). Assessment of the impact of eating disorders on quality of life using the Disease-Specific-Health-Related Quality of Life for Eating Disorders (HeRQoLED) Questionnaire. Quality of Life Research, 18(9), 1137-1146. doi: 10.1080/10640266.2014.959847
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) avaliaram e compararam a QV de pacientes com TAs e a população geral, utilizando um questionário específico: o Health-Related Quality of Life for Eating Disorders (HeRQoLED). Participaram do estudo 358 pacientes com TAs e 305 pessoas da população geral. Identificou-se que pacientes com AN apresentavam pior QV e melhoras discretas nessa medida após um ano de tratamento, sendo estas mais relacionadas à saúde física. Investigando especificamente a AN, Fox e Leung (2009Fox, A. P., & Leung, N. (2009). Existential well-being in younger and older people with anorexia nervosa: A preliminary investigation. European Eating Disorders Review, 17(1), 24-30. doi:10.1002/erv.895
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) identificaram as preocupações existenciais associadas a sintomas de AN. Participaram do estudo dois grupos de mulheres com AN, sendo um na faixa etária entre 18 e 30 anos, e outro com idade superior a 30 anos. Os dois grupos foram comparados a grupos equivalentes durante dois anos por meio de quatro instrumentos de medida: Inventário de Transtorno Alimentar (EDI), BDI, Escala de Cognição sobre Anorexígenos de McGill e a subscala de QV Bem-estar Existencial. Ambos os grupos apresentaram menores índices de bem-estar existencial em comparação aos grupos controle.

Tirico, Stefano e Blay (2010Tirico, P. P., Stefano, S. C., & Blay, S. L. (2010). Qualidade de vida e transtornos alimentares: Uma revisão sistemática. Cadernos de Saúde Pública, 26(3), 431-449. doi:10.1590/S0102-311X2010000300002
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) realizaram uma revisão sistemática da literatura, na qual foram avaliados 36 estudos que tratavam da QV em pessoas que desenvolveram TAs. Foi identificado maior comprometimento do Componente Mental da QV em pacientes com TAs, quando comparadas a grupos normais ou com outras psicopatologias. Em outro estudo de revisão, Jenkins, Hoste, Meyer e Blissett (2011Jenkins, P. E., Hoste, R. R., Meyer, C., & Blissett, J. M. (2011). Eating disorders and quality of life: A review of the literature. Clinical Psychology Review, 31(1), 113-121. doi:10.1016/j.cpr.2010.08.003
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) também avaliaram resultados de pesquisas que trataram do impacto dos TAs na QV. As evidências apontaram prejuízo na QV dos pacientes, no entanto, os autores ressaltam que os determinantes dessa depreciação ainda precisam ser melhor delineados, embora sugiram a presença de compulsões e purgações como variáveis relevantes para explicar esse declínio.

Arostegui, Padierna e Quintana (2010Arostegui, I., Padierna, A., & Quintana, J. M. (2010). Assessment of HRQoL in patients with eating disorders by the beta-binomial regression approach. International Journal of Eating Disorders, 43(5), 455-463. doi:10.1002/eat.20713
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) investigaram a influência de variáveis clínicas na QV de 193 mulheres com TAs, por meio de informações clínicas, sociodemográficas e os resultados do SF-36. Ansiedade, depressão e gravidade do transtorno foram identificadas como variáveis que influenciaram a pontuação na maioria dos domínios do SF-36 no início do acometimento. Decorridos dois anos da avaliação, os autores confirmaram que variáveis como ansiedade, depressão e duração dos sintomas foram preditores importantes da QV das mulheres com TAs. Considerando outros fatores clínicos, Bamford (2010Bamford, B., & Sly, R. (2010). Exploring quality of life in the eating disorders. European Eating Disorders Review, 18(2), 147-153. doi:10.1002/erv.975
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) investigou o impacto do IMC, duração e gravidade do transtorno na QV de 156 pacientes adultos com TAs, por meio de questionários e autorrelato. O autor identificou o IMC e a gravidade do transtorno como preditores de baixa QV, enquanto que a duração do transtorno não foi um preditor significativo. Foram encontrados, ainda, resultados inferiores de QV em pacientes com AN.

Vallance, Latner e Gleaves (2011Vallance, J. K., Latner, J. D., & Gleaves, D. H. (2011). The relationship between eating disorder psychopathology and health-related quality of life within a community sample. Quality of Life Research, 20(5), 675-682. doi:10.1007/s11136-010-9799-x
https://doi.org/10.1007/s11136-010-9799-...
) investigaram o impacto dos TAs na QV de 214 mulheres por meio de questionários que avaliavam os sintomas de TAs, insatisfação corporal, checagem corporal, comportamentos de esquiva e psicopatologia geral. A drástica alteração dos hábitos alimentares e a insatisfação com a imagem corporal foram associadas à QV mais pobre. Episódios bulímicos também foram associados a alterações da QV. Jenkins, Hoste, Conley, Meyer e Blissett (2011Jenkins, P. E., Hoste, R. R., Conley, C. S., Meyer, C., & Blissett, J. M. (2011). Is being underweight associated with impairments in quality of life in the absence of significant eating disorder pathology? Eating and Weight Disorders, 16(1), 61-64. doi:10.1007/BF03327523.
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) compararam a QV entre um grupo de pacientes que apresentavam poucos sintomas de TAs e um grupo de pacientes com muitos sintomas, porém com semelhantes índices de massa corporal (IMC). O estudo identificou que o grupo com maior número de sintomas apresentou QV pior do que o grupo com menos sintomas, e que o peso baixo por si só não é um fator primário para menor QV.

Jáuregui-Lobera e BolañosRíos (2011Jáuregui-Lobera, I., & Bolaños Ríos, P. (2011). Body image quality of life in eating disorders. Patient Preference and Adherence, 5 (1), 109-116. doi:10.2147/PPA.S17452
https://doi.org/10.2147/PPA.S17452...
) investigaram como a imagem corporal afeta a QV em três amostras diferentes: uma clínica, composta por pacientes com diagnóstico de TAs (n = 70), uma constituída por pacientes com outros transtornos psiquiátricos (n = 106) e outra de estudantes universitários (não clínica) (n = 135). Foram utilizados os instrumentos: Qualidade da Imagem Corporal, da versão Vida Inventory-Espanhol (BIQLI-SP), Eating Disorders Inventory-2 (EDI-2), Questionário de Estresse Percebido (PSQ), Escala de Autoestima (SES) e Symptom Checklist-90-Revised (SCL-90-R). Os autores identificaram que a QV relacionada à imagem corporal foi afetada não apenas por doenças específicas relacionadas aos distúrbios da imagem corporal, como também por outras síndromes psicopatológicas. No entanto, o maior efeito foi relacionado aos TAs, e parece ser mais negativo entre os homens.

Finalmente, Jenkins, Hoste, Meyer e Blissett (2011Jenkins, P. E., Hoste, R. R., Meyer, C., & Blissett, J. M. (2011). Eating disorders and quality of life: A review of the literature. Clinical Psychology Review, 31(1), 113-121. doi:10.1016/j.cpr.2010.08.003
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) realizaram uma revisão sobre QV de pessoas acometidas por TAs e elaboraram uma base de evidências que comprova que eles apresentam QV mais prejudicada em comparação à população sem transtorno. No entanto, ressaltam que os fatores que determinam a QV ainda precisam ser mais bem delineados, embora já existam algumas hipóteses sobre essas variáveis, como a presença de comportamento de comer compulsivo e purgação. Os autores consideram que o desenvolvimento de medidas específicas tem colaborado na busca de maior clareza nessa área, porém algumas conclusões equivocadas sugerem a necessidade de mais pesquisas.

Considerando o exposto, este estudo teve por objetivo avaliar a QVRS de pacientes com diagnóstico de AN e BN, que se encontravam em acompanhamento ambulatorial em um serviço especializado no tratamento dos TAs.

Método

Estudo descritivo exploratório, transversal, de abordagem quantitativa, com uma amostra clínica de conveniência.

Participantes

Participaram do estudo 40 pacientes de ambos os sexos, os quais estavam cadastrados no Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares (GRATA) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (Tabela 1). Esses participantes constituem a totalidade dos indivíduos que frequentaram o serviço no período de avaliação e que preenchiam os critérios diagnósticos para TAs. Os critérios de seleção foram: ter diagnóstico de TA (AN ou BN, independentemente dos seus subtipos), estar em acompanhamento ambulatorial no GRATA no período definido para a coleta de dados (de janeiro a dezembro de 2011); apresentar condições e disponibilidade para colaborar voluntariamente com a pesquisa; estar preservado do ponto de vista das habilidades cognitivas, aferidas em avaliação conduzida por meio de entrevista e observação clínica. Como critérios de exclusão foram definidos: pacientes que apresentavam acentuada deterioração do seu estado geral de saúde e/ou comprometimento nas funções cognitivas.

A Tabela 1 evidencia que a população investigada era constituída, majoritariamente, de mulheres com idade acima de 22 anos (idade média = 25,8 anos; DP = 9,7 anos), sem companheiro ou namorado, com diagnóstico de BN.

Tabela 1
Distribuição absoluta e relativa dos pacientes com TAs de acordo com sexo, idade, estado marital e categoria diagnóstica (n = 40)

Contexto do Estudo

O estudo foi realizado em um ambulatório de nutrologia de um hospital universitário de um município do interior do estado de São Paulo, que conta com uma equipe composta por médicos nutrólogos, nutricionistas, psiquiatras, psicólogos e estudantes-estagiários de Psicologia, além de enfermeiros e terapeutas ocupacionais nos casos que requerem internação. A maioria dos profissionais atuava voluntariamente na instituição macro-hospitalar pública, de natureza acadêmica, atendendo diferentes estratos sociais devido à sua inserção no Sistema Único de Saúde - SUS.

Todos os pacientes, ao ingressarem no serviço, são avaliados pela equipe multiprofissional para confirmação do diagnóstico e elaboração de um plano de intervenção. As modalidades de assistência oferecidas, em nível ambulatorial e com funcionamento semanal, compreendem: atendimentos clínicos individuais realizados por nutrólogos e nutricionistas, atendimentos psiquiátricos (com prescrição de medicamentos), atendimentos psicoterápicos individuais para pacientes e alguns familiares, realizados na abordagem psicodinâmica, complementados por psicodiagnóstico, grupo de orientação médico-nutricional e grupo de apoio psicológico aos pacientes e, em separado, aos familiares. São atendidos de seis a oito pacientes em média a cada retorno semanal, mas a frequência ao serviço varia para cada paciente e no decorrer do tratamento, de acordo com a avaliação das necessidades realizada pelos profissionais. Todos os pacientes são submetidos ao mesmo protocolo de tratamento.

Instrumentos

Para a coleta de dados foram utilizados os seguintes instrumentos:

Questionário Genérico de Avaliação de Qualidade de Vida - Medical Outcomes Study 36-Item Short Form Health Survey (SF-36). O SF-36 é um instrumento de avaliação genérica de saúde multidimensional, originalmente elaborado na língua inglesa, de fácil administração e compreensão. Ciconelli, Ferraz, Santos, Meinão e Quaresma (1999Ciconelli, R. M., Ferraz, M. B., Santos, W., Meinão, I., & Quaresma, M. R. (1999). Tradução para a língua portuguesa e validação do Questionário Genérico de Qualidade de Vida SF-36. Revista Brasileira de Reumatolologia, 39(3), 143-150.) desenvolveram uma versão para a língua portuguesa após processo de tradução e adaptação transcultural, e confirmaram as propriedades de medida do instrumento, ou seja, bons índices de reprodutibilidade e validade. O instrumento oferece uma estimativa da satisfação subjetiva em diferentes domínios da QVRS, constituídos por itens que podem ser classificados em dois grandes componentes: Físico e Mental.

Eating Attitudes Test (EAT-26). O EAT-26 é um instrumento traduzido para a língua portuguesa, adaptado e validado por Biguetti (2003Biguetti, F. (2003). Tradução e validação do Eating Attitudes Test (EAT-26) em adolescentes do sexo feminino na cidade de Ribeirão Preto-SP. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. ). Essa versão contém 26 itens, que se dividem em três escalas: uma relacionada à dieta, uma relacionada a comportamentos bulímicos e outra vinculada à preocupação com os alimentos e controle oral. Segundo a autora da versão brasileira do instrumento, a validação e confiabilidade da consistência interna foram consideradas estatisticamente satisfatórias, de modo que a escala apresenta condições de ser aplicada em adolescentes como recurso auxiliar de rastreamento e pré-diagnóstico de possíveis casos de TAs.

Procedimento

Coleta de dados. A coleta de dados foi realizada durante os retornos ambulatoriais dos participantes. Os instrumentos foram aplicados individualmente, em situação face a face, em ambiente preservado, sempre que possível em sala reservada, resguardando-se os princípios de conforto e privacidade. A aplicação dos instrumentos teve duração média de 15 minutos. Não foram observadas resistências ou dificuldades no autopreenchimento dos instrumentos.

Análise dos dados. Os dados foram cotados e organizados segundo as recomendações da literatura referente a cada instrumento e, posteriormente, submetidos à análise estatística, utilizando as variáveis sociodemográficas, clínicas (categoria diagnóstica e tempo de diagnóstico) e antropométricas (IMC), e os escores obtidos nos dois instrumentos.

Para cada variável investigada testou-se a normalidade das variáveis do SF-36 pelo teste de Shapiro-Wilkis. No caso de a hipótese de normalidade ser rejeitada, utilizou-se o teste não-paramétrico de Mann-Whitney. Nos casos de a hipótese de normalidade não ser rejeitada, aplicou-se o teste t de Student para amostras independentes. Em todas as análises o nível de significância adotado foi p ≤ 0,05.

Cuidados éticos. Todos os procedimentos éticos foram adotados para inclusão dos participantes no presente estudo. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (protocolo nº 11236/2009).

Resultados

Os resultados mostraram que, no Componente Mental do SF-36, o domínio que se mostrou mais comprometido foram os Aspectos Emocionais (32,5±40,2). Esse domínio se refere à satisfação do indivíduo com a quantidade de tempo e a qualidade de empenho com que se dedica às suas atividades cotidianas. Outros domínios comprometidos do Componente Mental foram: Saúde Mental (37,10±24,1), que se refere à sensação de desânimo, nervosismo e depressão, e Vitalidade (37,37±23,7), domínio relacionado à perda de energia vital. O domínio menos comprometido do Componente Mental foi o relacionado aos Aspectos Sociais (46,25±26,6), que se refere ao comprometimento das relações sociais devido ao estado de saúde. Nota-se que, ainda que comparativamente corresponda ao domínio menos prejudicado do Componente Mental do instrumento utilizado, o escore médio obtido encontra-se rebaixado.

Entre os domínios do Componente Físico do SF-36, o mais preservado foi a Capacidade Funcional (73,7±23,8), que se refere à capacidade de manter atividades físicas básicas e rotineiras, como andar, tomar banho e subir escada; seguido pelos domínios Dor (53,06±35,7) e Estado Geral de Saúde (51,65±22,2), que se refere à percepção do indivíduo acerca da própria saúde. No que concerne ao Componente Físico, o domínio mais prejudicado foram os Aspectos Funcionais (43,75±44,4). Esse domínio se relaciona ao nível de comprometimento do indivíduo em relação à execução das atividades laborais ou de vida diária. Esses dados aparecem sistematizados na Tabela 2.

A variável sexo não foi considerada na análise por haver apenas dois participantes do sexo masculino na população investigada, o que impede a apreciação de diferenças significantes nos resultados. A seguir, serão apresentados os resultados que mostraram diferenças estatisticamente significantes.

Faixa etária. A distribuição dos resultados do SF-36, segundo a faixa etária, aparece sistematizada na Tabela 2. Os participantes foram subdivididos em dois grupos etários: de 16 a 21 anos e de 22 a 60 anos. Foi constatado que os pacientes mais jovens apresentaram valores significativamente superiores nos domínios Aspectos Sociais (p = 0,01), Capacidade Funcional (p = 0,05), Aspectos Físicos (p = 0,01), Dor (p = 0,001) e Aspectos Emocionais (p = 0,02).

Tabela 2
Distribuição dos escores médios obtidos nos diferentes domínios da QVRS em pacientes na faixa etária de 16 a 21 anos e 22 a 60 anos (n = 40)

Diagnóstico. Como mostra a Tabela 3, participantes com diagnóstico de AN apresentaram valores significativamente superiores no domínio Aspectos Físicos (p = 0,02). A diferença obtida no domínio Dor (p = 0,07) é próxima de 0,05, porém não alcançou significância estatística. Nos outros domínios do SF-36 não foram constatadas diferenças significantes em relação aos tipos de TAs.

Tabela 3
Distribuição dos escores médios obtidos nos diferentes domínios da QVRS de pacientes com AN e BN (n = 40)

Tempo de tratamento. A distribuição dos resultados do SF-36, de acordo com o tempo de tratamento, aparece na Tabela 4. Participantes em tratamento há mais de cinco anos apresentaram valores significativamente superiores (p = 0,02) no domínio Estado Geral de Saúde e Saúde Mental (p = 0,03). Esse grupo também apresentou valores próximos ao nível de significância no domínio Aspectos Emocionais (p = 0,07). Nos outros domínios do SF-36 essa variável não apresentou diferenças estatisticamente significantes.

Tabela 4
Distribuição dos escores médios obtidos nos diferentes aspectos da QV nos pacientes com mais e com menos de cinco anos de tratamento (n = 40)

Sintomas de TAs. Participantes com quantidade e gravidade de sintomas sugestivos de TAs abaixo da média apresentaram valores significativamente superiores nos domínios Aspectos Sociais (p = 0,001), Saúde Mental (p = 0,001), Capacidade Funcional (p = 0,04), Vitalidade (p = 0,003), Aspectos Físicos (p = 0,04) e Aspectos Emocionais (p = 0,05). Essa variável não apresentou diferenças estatisticamente significantes nos domínios de Estado Geral de Saúde e Dor (Tabela 5).

Tabela 5
Distribuição dos escores médios obtidos nos diferentes domínios da QVRS dos pacientes com maior e menor pontuação (sintomas) no EAT-26 (n = 40)

Em síntese, as variáveis que apresentaram diferenças estatisticamente significantes, que indicam QVRS preservada, foram: diagnóstico de AN, tempo de tratamento superior a cinco anos, faixa etária entre 16 e 21 anos e poucos sintomas de TAs. Em contrapartida, os valores do IMC e uso de métodos purgativos não mostraram diferenças estatisticamente significantes.

Discussão

Os resultados do presente estudo indicam comprometimento em diversos componentes da QVRS de pacientes com TAs que se encontravam em atendimento em um serviço especializado, em especial os relacionados à esfera afetivo-emocional. Esse dado é corroborado pela literatura da área, uma vez que estudos que tiveram por objetivo avaliar a implicação dos TAs na QV, por meio de instrumentos diversos, identificaram maior prejuízo na QV de pacientes com TAs em relação à população geral e também prejuízo semelhante em comparação a pacientes com outros transtornos psiquiátricos graves e persistentes, como transtorno esquizofrênico, depressão maior e transtorno de pânico, nas quais há maior comprometimento dos componentes mentais, principalmente da saúde mental, organização emocional e vitalidade (Arkell & Robinson, 2008Arkell, J., & Robinson, P. (2008). A pilot case series using qualitative and quantitative methods: Biological, psychological and social outcome in severe and enduring eating disorder (Anorexia Nervosa). International Journal of Eating Disorders, 41(7), 650-656. doi:10.1002/eat.20546
https://doi.org/10.1002/eat.20546...
; Gonzalez et al., 2001González, N., Padierna, A., Quintana, J., Aróstegui, I., & Horcajo, M. (2001). Quality of life in patients with eating disorders. Gaceta Sanitaria, 15(1), 18-24.; Tirico et al., 2010Tirico, P. P., Stefano, S. C., & Blay, S. L. (2010). Qualidade de vida e transtornos alimentares: Uma revisão sistemática. Cadernos de Saúde Pública, 26(3), 431-449. doi:10.1590/S0102-311X2010000300002
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), assim como menor bem-estar existencial em relação ao apresentado pelo grupo controle (Fox & Leung, 2009Fox, A. P., & Leung, N. (2009). Existential well-being in younger and older people with anorexia nervosa: A preliminary investigation. European Eating Disorders Review, 17(1), 24-30. doi:10.1002/erv.895
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).

Nos domínios que compõem o Componente Físico da QVRS, chama a atenção os resultados obtidos nos Aspectos Físicos. Foi constatado comprometimento total desses aspectos em grande parte dos participantes (17 pacientes pontuaram zero nesse domínio), o que contrastou, por outro lado, com a preservação total desse aspecto em uma parcela minoritária de participantes.

Comparando os resultados dos Componentes Mentais e Físicos do SF-36, observou-se maior comprometimento dos primeiros. Esse dado pode estar relacionado ao tratamento especializado que os participantes recebem, uma vez que os pacientes tendem a apresentar melhoras substancialmente menores depois de um ano de tratamento, sendo estas mais relacionadas aos domínios físicos do que aos mentais (Muñoz et al., 2009Muñoz, P.; Quintana, J. M.; LasHayas, C.; Aguirre, U.; Padierna A. & González-Torres, M. A. (2009). Assessment of the impact of eating disorders on quality of life using the Disease-Specific-Health-Related Quality of Life for Eating Disorders (HeRQoLED) Questionnaire. Quality of Life Research, 18(9), 1137-1146. doi: 10.1080/10640266.2014.959847
https://doi.org/10.1080/10640266.2014.95...
). De modo semelhante aos achados de Padierna et al. (2000Padierna, A., Quintana, J. M., Arostegui, I, Gonzalez, N., & Horcajo, M. J. (2000). The health-related quality of life in eating disorders. Quality of Life Research, 9(6), 667-674.), os aspectos mais comprometidos da QVRS dos participantes foram: Aspectos Emocionais, Saúde Mental e Vitalidade, confirmando o impacto do adoecimento nos aspectos mentais dos pacientes com TAs.

A idade do paciente é ressaltada na literatura como uma variável importante na compreensão da QVRS dos indivíduos com TAs (Fox & Leung, 2009Fox, A. P., & Leung, N. (2009). Existential well-being in younger and older people with anorexia nervosa: A preliminary investigation. European Eating Disorders Review, 17(1), 24-30. doi:10.1002/erv.895
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). Esse achado foi confirmado no presente estudo, uma vez que os participantes jovens, isto é, que se encontravam na faixa etária dos 16 aos 21 anos, apresentaram valores significativamente superiores nos domínios da QVRS. Desse modo, percebe-se que participantes mais jovens tendem a apresentar melhor padrão de QVRS do que os adultos. Esse achado sugere que aqueles pacientes cujo transtorno tende a seguir um curso crônico estão mais propensos a apresentarem maior deterioração da QVRS.

Em relação aos diagnósticos de AN e BN, não existe consenso na literatura sobre as diferenças em termos da QVRS. Alguns estudos identificaram menor prejuízo em pacientes com AN em relação aos pacientes de outros grupos diagnósticos (Mond et al., 2005Mond, J. M., Hay, P. J., Rodgers, B., Owen, C., & Beumont, P. J. (2005). Assessing quality of life in eating disorder patients. Quality of Life Research, 14(1), 171-178. doi: 10.1007/s11136-004-2657-y
https://doi.org/10.1007/s11136-004-2657-...
). Outros estudos apontam menor comprometimento no SF-36 de pacientes com AN, embora as limitações emocionais tenham se mostrado significativamente mais prováveis e associadas a relatos de depressão, comportamento autodestrutivo e ideação suicida (Dollet al., 2005Doll, H. A., Petersen, S. E., & Stewart-Brown, S. L. (2005). Eating disorders and emotional and physical well-being: Associations between student self-reports of eating disorders and quality of life as measured by the SF-36. Quality of Life Research, 14(3), 705- 717. doi: 10.1007/s11136-004-0792-0.
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). Além disso, também foram encontrados estudos que não identificaram diferenças estatisticamente significantes na QVRS entre as diversas categorias diagnósticas (Gonzalez et al., 2001González, N., Padierna, A., Quintana, J., Aróstegui, I., & Horcajo, M. (2001). Quality of life in patients with eating disorders. Gaceta Sanitaria, 15(1), 18-24.; Padierna et al., 2000Padierna, A., Quintana, J. M., Arostegui, I, Gonzalez, N., & Horcajo, M. J. (2000). The health-related quality of life in eating disorders. Quality of Life Research, 9(6), 667-674.; Rie, 2005Rie, S. M., Noordenbos, G., & Furth, E. (2005). Quality of life and eating disorders. Quality of Life Research, 14(6), 1511-1522.). Os resultados da presente investigação indicam que pacientes com AN obtiveram melhores escores na QVRS.

Um fator reconhecido na literatura como influenciador na QVRS de pacientes com TAs é a presença ou não de episódios de purgação, sendo que o uso de método purgativo tem sido correlacionado com a piora dos Componentes Mentais (González-Pinto et al., 2004Gonzalez-Pinto, A., Inmaculada, M., Cristina, R., Corres Blanca, F., Sonsoles, E., Fernando, R., & Purificacion, L. (2004). Purging behaviors and comorbidity as predictive factors of quality of life in anorexia nervosa. International Journal of Eating Disorders, 36(4), 445-450. doi:10.1002/erv.975
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; Latner et al., 2008Latner, J. D, Vallance, J. K., & Buckett, G. (2008). Health-related quality of life in women with eating disorders: Association with subjective and objective binge eating. Journal of Clinical Psychology in Medical Settings, 15(2), 148-153. doi:10.1007/s10880-008-9111-1
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). Esse achado não foi corroborado nos resultados do presente estudo, uma vez que não se observaram diferenças significantes em qualquer componente do SF-36 em relação a apresentar ou não episódios de purgação.

Outros fatores reconhecidos como relevantes na apreciação da QVRS de pacientes com TAs são os valores do IMC (Bamford, 2010Bamford, B., & Sly, R. (2010). Exploring quality of life in the eating disorders. European Eating Disorders Review, 18(2), 147-153. doi:10.1002/erv.975
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) e a pontuação do EAT (Padierna et al., 2000Padierna, A., Quintana, J. M., Arostegui, I, Gonzalez, N., & Horcajo, M. J. (2000). The health-related quality of life in eating disorders. Quality of Life Research, 9(6), 667-674.). De acordo com Arostegui, Paderna e Quintana (2010Arostegui, I., Padierna, A., & Quintana, J. M. (2010). Assessment of HRQoL in patients with eating disorders by the beta-binomial regression approach. International Journal of Eating Disorders, 43(5), 455-463. doi:10.1002/eat.20713
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), o IMC e a gravidade do transtorno estão relacionados à piora da QVRS. No presente estudo, a primeira variável não mostrou diferença estatisticamente significante na relação com os valores de QVRS, porém os resultados do EAT indicaram que participantes com quantidade e gravidade de sintomas sugestivos de TAs abaixo da média apresentaram valores significativamente superiores na QVRS. Esse resultado é corroborado por Vallance et al. (2011Vallance, J. K., Latner, J. D., & Gleaves, D. H. (2011). The relationship between eating disorder psychopathology and health-related quality of life within a community sample. Quality of Life Research, 20(5), 675-682. doi:10.1007/s11136-010-9799-x
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), que identificaram que pacientes com maior número de sintomas apresentavam piora na QVRS, mas que o baixo peso por si só não era um fator primário para declínio da QVRS.

Quanto ao tempo de tratamento, encontrou-se que participantes atendidos há mais tempo apresentaram valores mais elevados nos domínios da QVRS, resultado semelhante ao reportado por Muñoz et al. (2009Muñoz, P.; Quintana, J. M.; LasHayas, C.; Aguirre, U.; Padierna A. & González-Torres, M. A. (2009). Assessment of the impact of eating disorders on quality of life using the Disease-Specific-Health-Related Quality of Life for Eating Disorders (HeRQoLED) Questionnaire. Quality of Life Research, 18(9), 1137-1146. doi: 10.1080/10640266.2014.959847
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), que detectaram melhora na QVRS em pacientes que estavam há mais tempo em tratamento, o que sugere benefícios a longo prazo. Já Bamford (2010Bamford, B., & Sly, R. (2010). Exploring quality of life in the eating disorders. European Eating Disorders Review, 18(2), 147-153. doi:10.1002/erv.975
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) não identificou a duração do transtorno como um preditor significativo de depreciação da QV. De qualquer modo, esse resultado é de especial interesse para a assistência, na medida em que evidencia a importância de um tratamento de longa duração como estratégia que pode contribuir para o aprimoramento da QVRS, o que provavelmente pode se refletir na manutenção de ganhos terapêuticos mais duradouros.

Dentre as estratégias de intervenção oferecidas nos serviços de TAs figuram, com destaque, as psicoterapias nas modalidades individual, em grupo e familiar, e a terapêutica medicamentosa (Scorsolini & Santos, 2012Scorsolini-Comin, F., & Santos, M. A. (2012). Psicoterapia como estratégia de tratamento dos transtornos alimentares: Análise crítica do conhecimento produzido. Estudos de Psicologia (Campinas), 29(1), 851-863. doi:10.1590/S0103-166X2012000500021
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; Souza & Santos, 2013aSouza, L. V., & Santos, M. A. (2013a). Quem é o especialista? Lugares ocupados por profissionais e pacientes no tratamento dos transtornos alimentares. Estudos de Psicologia (Natal), 18(2), 259-267. , 2013bSouza, L. V., & Santos, M. A. (2013b). Proximidade afetiva no relacionamento profissional-paciente no tratamento dos transtornos alimentares. Psicologia em Estudo (Maringá), 18(3), 395-405. doi:10.1590/S1413-73722013000300002
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). Estudos indicam melhora significativa dos sintomas ansiosos e depressivos e também no peso ponderal, em decorrência do seguimento do plano terapêutico instituído (Banas et al., 2002Banas, A.; Januszkiewicz-Grabias, A.; Radziwiłłowicz, - & Smoczyński, S. (2002). Follow-up study of quality of life and treatment of eating disorder: Dynamics of the depressive and anxiety symptoms. PsychiatryOnLine, 36(6), 323-329.; Jones et al., 2008Jones, A., Evans, M., Bamford, B., & Ford, H. (2008). Exploring quality of life for eating-disordered patients. European Eating Disorders Review, 16(4), 276-86.). Pacientes em tratamento há pouco tempo apresentam menores índices de QVRS em relação a pacientes mais antigos ou que já receberam alta (Rie et al., 2007Rie, S., Noordenbos, G., Donker, M., & Furth, E. (2007). The patient's view on quality of life and eating disorders. International Journal of Eating Disorders, 40(1), 13-20. doi:10.1002/eat.20338
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). Pacientes que já haviam recebido alta havia seis meses apresentaram mudanças positivas no estilo de vida relacionadas ao lazer, situação financeira, relacionamentos familiares e à percepção de sua saúde mental (Danzl et al., 2001Danzl, C., Kemmler, G., Gottwald, E., Mangweth, B., Kinzl, J., & Biebl, W. (2001). Quality of life of patients with eating disorders: A catamnestic study. Psychiatrische Praxis, 28(1), 18-23. doi:10.1055/s-2001-10501
https://doi.org/10.1055/s-2001-10501...
). Em contrapartida, estudo realizado com pacientes com AN após quatro anos de alta apontou que 50% ainda sofriam com períodos de recidiva, alternados com remissão dos sintomas, 80% alcançaram normalização do peso e 20% ainda preenchiam os critérios diagnósticos do DSM-IV para AN (Lucka et al., 2004Lucka, I, Cebella, A., Fryze, M., & Gromska, J. (2004). An attempt to evaluate the health condition and social functioning of anorectic females: A follow-up study. Psychiatry On Line, 38(6), 1055-1062. doi:10.1371/journal.pone.0159910
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). Atualmente, tem sido enfatizada a necessidade de incluir no tratamento os familiares (Leonidas & Santos, 2014Leonidas, C., & Santos, M. A. (2014). Social support networks and eating disorders: An integrative review of the literature. Neuropsychiatric Disease and Treatment, 10(1), 915-927. doi:10.2147/NDT.S60735
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; Souza & Santos, 2009Souza, L. V., & Santos, M. A. (2009). A construção social de um grupo multifamiliar no tratamento dos transtornos alimentares. Psicologia: Reflexão e Crítica, 22(3), 317-326. doi:10.1590/S0102-79722009000300020
https://doi.org/10.1590/S0102-7972200900...
, 2010Souza, L. V., & Santos, M. A. (2010). A participação da família no tratamento dos transtornos alimentares. Psicologia em Estudo (Maringá), 15(2), 285-294. doi:10.1590/S1413-73722010000200007
https://doi.org/10.1590/S1413-7372201000...
, 2012Souza, L. V., & Santos, M. A. (2012). Familiares de pessoas diagnosticadas com transtornos alimentares: Participação em atendimento grupal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(3), 325-334. ; Valdanha, Scorsolini-Comin, Peres & Santos, 2013Valdanha, E. D., Scorsolini-Comin, F., Peres, R. S., & Santos, M. A. (2013). Influência familiar na anorexia nervosa: Em busca das melhores evidências científicas. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 62(3), 225-233. doi:10.1590/S0047-20852013000300007
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), como estratégia para aumentar a adesão dos pacientes ao plano terapêutico instituído e incrementar sua QV.

Conclusão

No presente estudo, investigou-se a QVRS de indivíduos com diagnóstico de TAs que se encontravam em seguimento regular por equipe multiprofissional em um ambulatório especializado. Foi identificado maior comprometimento na QVRS dos pacientes com as seguintes características: faixa etária acima de 22 anos, diagnóstico de BN, tempo de tratamento inferior a cinco anos, e quantidade e gravidade de sintomas sugestivos de TAs acima da média observada entre as participantes.

Embora os prejuízos tenham ficado evidentes tanto nos domínios físicos como nos aspectos mentais, foi confirmado maior comprometimento no Componente Mental da QV. Nos domínios que compõem o Componente Físico, em grande parte dos participantes foi constatado comprometimento total nos Aspectos Físicos, um dado a ser levado em consideração pela equipe de saúde ao planejar o cuidado terapêutico a ser oferecido aos pacientes e o apoio psicológico aos pais. Considerando, contudo, o conjunto de domínios que compõem o Componente Físico do SF-36, nota-se que, comparativamente ao Componente Mental, ele tende a apresentar um perfil mais favorável. Isso porque, em condições crônicas de saúde como os TAs, o tratamento especializado tende a estabilizar os aspectos físicos depois de algum tempo, a partir da reabilitação nutricional e da gradual e discreta melhora nas condições clínicas dos pacientes. Porém, os aspectos mentais são mais difíceis de serem modificados, por estarem enraizados na estrutura de personalidade do indivíduo e por se tratar de transtorno psiquiátrico de reconhecida complexidade.

Agradecimentos

Esta pesquisa contou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2014
  • Revisado
    18 Fev 2015
  • Aceito
    25 Abr 2016
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