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Cuidado Parental Igualitário: revisão de literatura e construção conceitual4 4 Este artigo foi traduzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Processo 2018/13403-0. 5 5 Trabalho derivado das teses da primeira e da segunda autora, orientadas pela terceira: “O cuidado parental igualitário: implicações para a construção de um modelo de interação triádica pai-mãe-bebê” (Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo [nº processo 2015/24335-7]) e “Parentalidade contemporânea e a rede de cuidados na primeira infância: dos estudos psicossociais à psicanálise” (Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo [nº processo 2015/03045-0]).

Resumo

Esta revisão de literatura tem o objetivo de, por meio do levantamento da produção científica nacional e internacional dos últimos cinco anos, discutir a construção do conceitocuidado parental igualitário, enquanto representação de uma nova dinâmica de funcionamento da relação pais/filhos(as) na contemporaneidade, priorizando o enfoque da Psicologia. Os resultados serão apresentados em função da distribuição da produção por: áreas de estudo, metodologias utilizadas, incidência mundial e incidência nacional. O corpus de análise foi aprofundado em torno das categorias: pressupostos para um ideal igualitário de família; parentalidade contemporânea; parentalidade versus trabalho versus carreira profissional; e cuidado parental igualitário. Conclui-se que o cuidado parental igualitário constitui uma tendência na construção da parentalidade contemporânea que demanda maiores investigações em contextos diversificados.

Palavras-chave:
parentalidade; família; relações igualitárias; relações de gênero; psicologia

Abstract

This literature review discusses how the concept ofegalitarian parental careis constructed as a representation of the new dynamic in parents/children relations in the contemporary world. To achieve this goal, it retrieves national and international scientific publications in the last five years and focus, as a matter of priority, on the psychological perspective. Results were presented according to data distribution between areas of knowledge, methods, international and national occurrence. Analysis was based on the following categories: assumptions for an ideal egalitarian family, contemporary parenting, parenting versus work versus professional career, and egalitarian parental care. Conclusion shows that egalitarian parental care is a trend in contemporary parenthood construction and demand further investigation in diverse contexts.

Keywords:
parenthood; family; egalitarian relations; gender relations; psychology

No contexto contemporâneo a família passa por significativas transformações que incidem simultaneamente no que, neste artigo, denominaremos de dimensões constitutiva e relacional da estrutura familiar. Quanto à dimensão constitutiva, observa-se cada vez mais uma ampliação dos limites daquilo que tem sido considerado como família, com a inclusão das afetivamente constituídas, em acréscimo aquelas biologicamente asseguradas. É o que acontece com as famílias monoparentais, reconstituídas, homoparentais, co-parentais (compartilhamento parental na criação de filhos entre casais de gays e lésbicas), de casais sem filho (Araújo, 2011Araújo, M. F. (2011). Família, modernização capitalista e democracia: Retomando alguns marcos do antigo debate sobre as transformações da família no Brasil. Tempo e Argumento, 3(1), 180-198.; Corrêa, 2012Corrêa, M. E. C. (2012). Duas mães? Mulheres lésbicas e maternidade (Tese de doutorado). Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. ; Grossi, 2003Grossi, M. P. (2003). Gênero e parentesco: Famílias gays e lésbicas no Brasil. Cadernos Pagu, 21, 261-280.) e a família artificial cujo núcleo engloba uma mãe biológica (mãe que “empresta” o útero ou doa os óvulos) exercendo a maternidade substitutiva e o pai biológico (pai que doa os espermatozoides) responsável pela paternidade genética. Além da mãe e do pai sociais, responsáveis por exercer os cuidados primários da criança (Gradvohl, Osis, & Makuch, 2014Gradvohl, S. O., Osis, M. J. D., & Makuch, M. Y. (2014). Maternidade e forma de maternagem desde à Idade Média à atualidade. Pensando Famílias, 18(1), 55-62.).

Na dimensão relacional, a família apresenta mudanças na organização das posições de seus membros e na flexibilidade com que essas posições têm sido ocupadas pelas figuras parentais. Das relações regidas anteriormente por um sistema hierárquico e dicotômico com valorização do poder e da autoridade masculina e paterna, percebe-se atualmente uma organização em que há uma tendência à horizontalização das relações em vista de ideais democráticos e igualitários na mediação de papéis e funções entre pais e mães (Araújo, 2011Araújo, M. F. (2011). Família, modernização capitalista e democracia: Retomando alguns marcos do antigo debate sobre as transformações da família no Brasil. Tempo e Argumento, 3(1), 180-198.).

A mudança na flexibilidade relacional se daria pela possibilidade de a organização parental poder se apresentar de forma intercambiável, independente do gênero de cada cuidador, o que permitiria o aumento da capacidade de negociação e a diminuição da incidência de estereótipos na orientação das práticas parentais. Esta flexibilidade também se estende à possibilidade de maiores negociações entre pais/mães e filhos(as), pois estes não são mais educados sob a imposição de uma autoridade incontestável e preconcebida, mas sim pelo respeito a uma autoridade intrinsecamente vinculada à intimidade afetiva construída (Rodriguez & Gomes, 2012Rodriguez, B. C., & Gomes, I. C. (2012). Novas formas de parentalidade: Do modelo tradicional à homoparentalidade. Boletim de Psicologia, 63(136), 29-36.).

Estas mudanças, entretanto, ocorrem de forma progressiva e com um nível de complexidade ainda pouco inteligível. Constam como alguns dos fatores de fomento e consolidação desse contexto: o feminismo como elemento de mobilização e ressignificação dos direitos e acessos sociais e políticos da mulher; a pílula anticoncepcional e a dissociação entre sexualidade e procriação; a maciça entrada da mulher no mercado de trabalho; o acesso a melhores oportunidades de formação educacional pelas mulheres; o divórcio como possibilidade; o declínio da autoridade patriarcal; a inserção dos homens no ambiente doméstico como cuidadores das crianças e ajudantes nos afazeres; a globalização e a circulação de ideais democráticos ocidentais; a valorização da infância e, consequentemente, dos papéis parentais; as conquistas de direitos a partir da defesa das causas LGBT, inclusive em alguns países, o reconhecimento jurídico do direito à homoparentalidade; e o uso de técnicas de reprodução assistida para a viabilização do desejo parental (Barham & Vanalli, 2012Barham, E. J., & Vanalli, A. C. G. (2012). Trabalho e família: Perspectivas teóricas e desafios atuais. Revista Psicologia: Organização e Trabalho, 12(1), 47-60.; Borsa & Nunes, 2011Borsa, J. C., & Nunes, M. L. T. (2011). Aspectos psicossociais da parentalidade: O papel de homens e mulheres na família nuclear. Psicologia Argumento, 29(64), 31-39.; Esteca, 2012Esteca, F. M. (2012). A mãe que trabalha fora: A criança e a família em relação ao trabalho materno (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Guimarães & Petean, 2012Guimarães, M. G. V., & Petean, E. B. L. (2012). Carreira e família: Divisão de tarefas domiciliares na vida de professoras universitárias. Revista Brasileira de Orientação Profissional , 13(1), 103-110. ).

Observa-se em decorrência disso o aumento na literatura científica das investigações que se detém em torno desse contexto de mudanças na instituição familiar. No entanto, ainda que se produzam avanços, permanecem as contradições entre um discurso em prol de um ideal familiar contemporâneo e as mudanças empiricamente atestadas de formas ainda incipientes.

O termo parentalidade surgiu na década de 60 e designa o processo de construção parental, no qual as funções maternas e paternas não estão dadas a priori, pois são construídas ao longo das práticas parentais que atualizam os vínculos psíquicos e afetivos entre pais e filhos(as). No próprio uso do termo está implícita a ideologia de paternidades e maternidades exercidas de formas mais flexíveis, o que não implica em homogeneização do cuidado, mas na possibilidade das funções parentais serem exercidas levando em conta, principalmente, as relações de pertencimento e a afetividade (Silva & Solis-Ponton, 2004Silva, M. C. P., & Solis-Ponton, L. (2004). Ser pai, Ser mãe - Parentalidade: um desafio para o terceiro milênio. São Paulo: Casa do Psicólogo. ).

Nesse ínterim, na família constituída pelo casal heterossexual, os papéis parentais relativos ao gênero são ressignificados em função das demandas imediatas de cuidado. Desse modo, a identidade da mulher é dissociada do papel materno como algo naturalizado e sua entrada no mercado de trabalho abre acesso a outros papéis sociais tão (ou mais) importantes que a maternidade. Ato contínuo, o homem adentra o âmbito doméstico e o cuidado com os filhos(as), até hoje predominantemente apanágio da mulher/mãe, para construir novos parâmetros no cuidado paterno e na masculinidade (Borsa & Nunes, 2011Borsa, J. C., & Nunes, M. L. T. (2011). Aspectos psicossociais da parentalidade: O papel de homens e mulheres na família nuclear. Psicologia Argumento, 29(64), 31-39.).

Nas famílias constituídas por casais homossexuais, alguns estudos apontam um nível maior de flexibilização entre os cuidados parentais e também na divisão dos afazeres domésticos entre os membros do casal (Rodriguez & Gomes, 2012Rodriguez, B. C., & Gomes, I. C. (2012). Novas formas de parentalidade: Do modelo tradicional à homoparentalidade. Boletim de Psicologia, 63(136), 29-36.; Smith & Perry-Jenkins, 2012Smith, J. Z., & Perry-Jenkins, M. (2012). The division of labor in lesbian, gay, and heterosexual new adoptive parents. Journal of Marriage and Family, 74, 812-828.). Além desses contextos, nas famílias reconstituídas os graus de parentesco são ampliados e a divisão desses cuidados ganha um nível maior de complexidade pelo acréscimo de madrastas/padrastos e meios-irmãos (Rodriguez & Gomes, 2012Rodriguez, B. C., & Gomes, I. C. (2012). Novas formas de parentalidade: Do modelo tradicional à homoparentalidade. Boletim de Psicologia, 63(136), 29-36.).

Nesse estudo temos como objetivo conceituar o termo cuidado parental igualitário, a partir de uma revisão de literatura nacional (Brasil) e internacional, dos últimos cinco anos, enquanto representação de uma nova dinâmica de funcionamento da relação pais/filhos(as) na contemporaneidade, priorizando o enfoque da Psicologia.

Na atualidade outras denominações foram criadas, tais como coparenting/coparentalidade ou equally shared parenting/parentalidade igualmente compartilhada, entretanto, o primeiro termo também se refere ao compartilhamento da parentalidade entre dois casais (de gays e de lésbicas) no exercício parental, estabelecendo uma restrição de sentido que pode tornar confusa a sua utilização; e o segundo termo não engloba toda a complexidade do fenômeno que estamos abordando, pois se refere a estereótipos de gênero a partir do discurso, não analisando o cuidado parental enquanto prática igualitária (Corrêa, 2012Corrêa, M. E. C. (2012). Duas mães? Mulheres lésbicas e maternidade (Tese de doutorado). Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. ; Tiitinen & Ruusuvuori, 2015Tiitinen, S., & Ruusuvuori, J. (2015). Producing gendered parenthood in child health clinics. Discourse & Society, 26(1), 113-132.).

A escolha do termo cuidado parental igualitário, portanto, reflete uma proposta que faz referência tanto a novos referenciais nas práticas parentais em contextos familiares diversificados, como ao ideal social, político e histórico que fundamenta esse contexto de mudanças, a saber, o ideal democrático. Sob a premissa da conquista, consolidação e manutenção de direitos estendidos a todos sem distinções discriminatórias têm-se a busca pela igualdade não só discursiva, mas também como égide relacional que promove reposicionamentos e/ou a criação de novas posições no que diz respeito também ao cuidado parental.

Método

Dado que o tema estudado foi encontrado de forma fragmentada na literatura científica, ou seja, as problemáticas da nova maternidade foram dissociadas da nova paternidade e vice-versa, acredita-se que o conhecimento produzido em torno dos novos referenciais parentais demande uma articulação coesa que trate dos vários ângulos de discussão sintetizando-os e refletindo acerca dos processos correlacionados. Logo, esta revisão se justifica pelo intuito de apresentar um quadro geral e analisar de forma mais integrada e aprofundada a temática em questão.

Inicialmente, realizamos um levantamento geral na literatura científica no qual não foram feitas restrições às áreas de estudo dos artigos, com o propósito de verificar a incidência e a prevalência das investigações sobre o tema abordado nos últimos anos. O material coletado é referente aos artigos, teses e dissertações publicados no período de 2011 a 2015. Num primeiro momento, os procedimentos de seleção e armazenamento dos dados foram realizados, separadamente, por duas juízas (1ª e 2ª autoras). Posteriormente os dados foram comparados, triados e analisados conjuntamente. Em todas as etapas uma terceira juíza (3ª autora) avaliou e decidiu acerca da pertinência e consistência do material.

Bases indexadoras eletrônicas utilizadas: SciELO, PePSIC, LILACS, Portal de Periódicos CAPES, Scopus e Biblioteca Virtual de Saúde - BVS. Descritores: família/family, paternidade/paternity/fatherhood, maternidade/maternity/motherhood, casais de dupla carreira/dual career couples, família igualitária/egalitarian family. Ressalta-se que em bases indexadoras de grande porte como Portal de Periódicos Capes e Scopus utilizou-se o recurso do pareamento de descritores na busca dos artigos para melhor eficiência nos procedimentos de seleção.

A quantidade e diversidade de descritores se justifica pelas formas parciais com as quais a temática vem sendo abordada, já que não foram encontrados artigos que se referissem diretamente ao objetivo proposto por essa revisão. Critérios de inclusão: artigos, dissertações ou teses publicados em periódicos indexados; publicações no período de janeiro de 2011 a dezembro de 2015; resumos redigidos nos idiomas português, inglês, espanhol ou francês; artigos relacionados à temática da parentalidade contemporânea. Não foram feitas restrições quanto às áreas de estudo, delineamento metodológico ou abordagem teórica das publicações.

Critérios de exclusão: livros, capítulos de livros, resenhas, atas, cartas, notícias, artigos publicados antes de 2011, artigos não relacionados à temática da parentalidade contemporânea.

Procedimentos

Etapa 1 - identificação. Escolha geral dos artigos relacionados à temática, a partir dos resumos. Foram encontrados 64 artigos nacionais e 193 internacionais. Estes foram catalogados em tabelas (nacional e internacional) com as seguintes especificações: título do artigo, link de acesso virtual, descritor utilizado, base de dados consultada, ano de publicação, resumo/abstract/resumen/résumé, palavras-chave/keywords/palabras clave/mots-clés, área de estudo, abordagem teórica, tipo de método, temática correlacionada, periódico de publicação e local de referência do estudo (para artigos teóricos ou de revisão destacou-se o local de referência das instituições de filiação profissional dos autores; para artigos empíricos, estatísticos ou de pesquisa documental destacou-se o local de referência dos sujeitos de pesquisa).

Etapa 2 - 1º rastreio. Seleção de artigos sobre a temática segundo o enfoque da Psicologia (47 artigos nacionais e 73 artigos internacionais), área de estudos das autoras.

Etapa 3 - 2º rastreio. Seleção de 3 artigos nacionais e 28 internacionais com termos diretamente relacionados ao cuidado parental igualitário, tais como: relações igualitárias, atitudes igualitárias, divisão igualitária do trabalho, divisão de tarefas igualitária, igualdade, família igualitária, coparenting, ideal of gender equality, equally shared parenting, egalitarian actions, egalitarian relation, gender egalitarian division of labour, egalitarian housework arrangements, egalitarian housework patterns, egalitarian gender role concepts, egalitarian family environments, egalitarian ideal family life.

Etapa 4 - Elegibilidade. A partir dos 31 artigos selecionados, procedeu-se à etapa de avaliação quanto à elegibilidade após leitura na íntegra dos textos completos. Foram excluídos 11 artigos por não tratarem diretamente da temática, 04 artigos não foram obtidos por falta de acesso ao texto integral e 16 artigos foram incluídos para servir de base para a definição e aprofundamento da construção conceitual. O seguimento das etapas descritas está ilustrado na Figura 1.

Figura 1
Fluxograma com os procedimentos de seleção dos artigos analisados

O corpus de análise do estudo foi construído em relação aos 16 artigos incluídos e será elucidado a partir da apresentação sistemática dos dados recolhidos. A discussão do material abrangerá uma análise crítica acerca da conceituação do termo - cuidado parental igualitário, bem como das implicações do fenômeno psicossocial ao qual ele se remete para os diversos contextos descritos, por meio das seguintes categorias: pressupostos para um ideal igualitário de família; parentalidade contemporânea; parentalidade versus trabalho versus carreira profissional; e cuidado parental igualitário.

Resultados

Quanto à Incidência de Investigações por Área de Estudo no Período

Diversas áreas de estudos têm realizado investigações e promovido reflexões a respeito da temática, com produção nacional e internacional - Administração/Negócios (3,2%; n = 9), Antropologia (1,7%; n = 5), Educação (1%; n = 3), Enfermagem (7,1%; n = 20), Medicina (0,7%; n = 2), Política (4,6%; n = 13), Psicologia (42,7%; n = 120), Saúde Pública (1,7%; n = 5), Serviço Social (1,4%; n = 4) e Sociologia (21,7%; n = 61); área com produção apenas nacional - História (0,3%; n = 1); e áreas com produção apenas internacional - Comunicação Social (1,4%; n = 4), Direito (1,4%; n = 4), Demografia (2,4%; n = 7), Economia (5,3%; n = 15), Estatística (0,3%; n = 1), Filosofia (1,4%; n = 4) e Neurociência (1%; n = 3).

É possível observar que a prevalência das publicações se concentra na área da Psicologia, que em todos os anos apresentou quantidades maiores de artigos, nacionais (73,4%; n = 47) e internacionais (37,8%; n = 73), em comparação com cada uma das outras áreas de estudo, excetuando-se os anos de 2011 e 2014, em que a produção internacional da Sociologia foi prevalente. Na literatura nacional e internacional, obtiveram a segunda maior incidência de publicações, respectivamente, a Enfermagem com 10,9% (n = 7) e a Sociologia com 32,6% (n = 63) do total de publicações.

De 2011 a 2014 a média de publicações na área da Psicologia distribuiu-se de forma relativamente equitativa, seguem os valores por ano, respectivamente, nacionais e internacionais: 2011 - 45,8% (n = 11) e 54,1% (n = 13); 2012 - 47,8% (n = 11) e 52,1% (n = 12); 2013 - 50% (n = 8) e 50% (n = 8); 2014 - 46,1% (n = 12) e 53,8% (n = 14). Contudo, no ano de 2015 as publicações internacionais de Psicologia corresponderam a 84,3% (n = 27), enquanto as nacionais a 15,6% (n = 5). Este também foi o ano em que mais se publicou sobre a temática da parentalidade contemporânea, aumento verificado inclusive em outras áreas de estudo, o que pode estar correlacionado a elementos de legitimação, difusão e consolidação do fenômeno em si.

Em relação à média de publicações em outras áreas ao longo dos 5 anos, observamos uma prevalência significativa das publicações internacionais, de caráter quantitativo e qualitativo. A relação de proporcionalidade do total de publicações de todos os anos apresentou uma média em que a produção internacional foi, aproximadamente, 7 vezes maior que a nacional. Seguem os resultados comparativos entre os totais de todas as áreas de estudo, respectivamente, nacionais e internacionais: 2011 - 12,9% (n = 4) e 87% (n = 27); 2012 - 17,2% (n = 5) e 82,7% (n = 24); 2013 - 15% (n = 3) e 85% (n = 17); 2014 - 9,6% (n = 3) e 90,3% (n = 28); 2015 - 9,5% (n = 4) e 90,4% (n = 38).

Quanto ao Delineamento Metodológico das Investigações

Considerando os 257 artigos identificados na literatura nacional e internacional, sem restrição de áreas de estudo, foram encontrados os seguintes delineamentos metodológicos: metodologia de investigação exclusivamente teórica (16,7%; n = 43), pesquisas empíricas a partir de investigações de campo (69,6%; n = 179), revisões de literatura (5%; n = 13), pesquisas documentais (2,3%; n = 6) e estudos de análise exclusivamente estatística (6,2%; n = 16).

Dentro do conjunto de produções com delineamento empírico estão incluídos: estudos de caso, estudos qualitativos exploratórios e descritivos, estudos quantitativos descritivos e estatísticos, interculturais e comparativos, longitudinais, pesquisas com metodologia quantitativa e qualitativa, estudos clínicos, interventivos, etnográficos, pesquisas de follow-up e avaliação de programas de intervenção.

Considerando a incidência maior do delineamento metodológico empírico em relação aos outros tipos de delineamento, inferimos que o cuidado parental igualitário foi abordado em estudos que denotam uma tentativa de apresentar não só um novo ideal parental em termos discursivos, mas também os alcances desse discurso nas práticas parentais.

Quanto à Distribuição Mundial e Nacional da Produção Científica

Na Tabela 1, é possível observar a distribuição geográfica mundial da produção científica acerca da temática:

Tabela 1
Distribuição por Continentes/Países da produção científica acerca da temática

Percebe-se, a difusão de investigações, o que contribui para a exploração ampla do fenômeno em contextos diversificados (principalmente internacional) e, em alguns casos, com realidades extremamente opostas no que diz respeito às transformações estruturais pelas quais a família passa no contemporâneo.

Na Tabela 2, observa-se a distribuição por Regiões/Estados territoriais brasileiros da produção científica acerca da temática:

Tabela 2
Distribuição por Regiões/Estados brasileiros da produção científica acerca da temática

Observa-se uma grande concentração das publicações nas regiões Sudeste e Sul do país, o que pode ser um reflexo dos seguintes fatores: maior incidência do fenômeno nessas regiões, interesse ainda incipiente pela temática nas demais regiões brasileiras, maior quantidade de Programas de Pós-graduação e maior escolaridade da população. A confirmação dessas inferências atestaria a necessidade de maiores investigações em contextos sócio-econômico-demográficos variados.

Após a apresentação dos resultados gerais, sem restrições quanto às áreas de estudo e destacando a produção da Psicologia em torno da temática, passamos para a análise dos 16 artigos selecionados dessa área, por estarem indexados com termos (nos resumos ou nas palavras-chave) que remetem à parentalidade igualitária e, após leitura na íntegra, serem considerados diretamente relacionados ao objetivo de construção do conceito cuidado parental igualitário.

Discussão

Pressupostos para um Ideal Igualitário nas Famílias

De acordo com Araújo (2011Araújo, M. F. (2011). Família, modernização capitalista e democracia: Retomando alguns marcos do antigo debate sobre as transformações da família no Brasil. Tempo e Argumento, 3(1), 180-198.) a igualdade, como um valor e um direito, remonta à Revolução Francesa e à instituição da modernidade. Entretanto, o advento do Estado democrático, fundamentado em uma época em que concepções androcêntricas e misóginas eram predominantes, restringia os direitos emergentes apenas aos homens. Outras revoluções foram necessárias para que estes direitos fossem conquistados também pelas mulheres, tais como: a revolução industrial, a instituição do capitalismo como sistema econômico, a difusão da democracia como sistema político, a revolução feminista, a revolução sexual com a criação da pílula anticoncepcional, a mudança na legislação que regulamentava o direito ao divórcio, o processo de urbanização e a cultura globalizada (Trifan, Stattin, & Tilton-Weaver, 2014Trifan, T. A., Stattin, H., & Tilton-Weaver, L. (2014). Have authoritarian parenting practices and roles changed in the last 50 years? Journal of Marriage and Family , 76, 744-761.).

Neste cenário, o feminismo foi imprescindível para aplacar hegemonias e desigualdades arraigadas às relações de dominância dos homens sobre as mulheres (Araújo, 2011Araújo, M. F. (2011). Família, modernização capitalista e democracia: Retomando alguns marcos do antigo debate sobre as transformações da família no Brasil. Tempo e Argumento, 3(1), 180-198.; Viala, 2011Viala, E. S. (2011). Contemporary family life: A joint venture with contradictions. Nordic Psychology, 63(2), 68-87.). Da igualdade valorizada pelo Estado democrático moderno às relações igualitárias preconizadas na contemporaneidade instaura-se o hiato de transformações que culminaram num processo de democratização familiar, que vem regendo cada vez mais as relações entre homens, mulheres e crianças (Araújo, 2011Araújo, M. F. (2011). Família, modernização capitalista e democracia: Retomando alguns marcos do antigo debate sobre as transformações da família no Brasil. Tempo e Argumento, 3(1), 180-198.). No interjogo dessas relações, o paradigma autoritário e remanescente da ideologia patriarcal cede espaço ao paradigma afetivo vinculado de um lado à valorização da infância e das funções parentais e, por outro lado, intrinsecamente atrelado à multiplicidade de representações de gênero e à desconstrução de estereótipos masculinos e femininos.

Outro parâmetro de mudança apontado na direção de um ideal igualitário se deu pela subversão dos acessos entre o público e o privado. A realidade atual das relações entre os membros familiares demonstra um acesso cada vez maior das mulheres ao mercado de trabalho, a melhores níveis de qualificação profissional e a atuações em várias instâncias sociais e políticas; além disso, alguns homens estão demonstrando um interesse crescente em se inserir no ambiente doméstico. O provimento financeiro passa a ser responsabilidade do casal e os afazeres são distribuídos em função de critérios que vão além das determinações pré-estabelecidas entre papéis e funções tipicamente orientados em função do gênero (Bilac, 2014Bilac, E. D. (2014). Trabalho e Família - Articulações possíveis. Tempo Social, 26(1), 129-141.).

A democratização, entretanto, continua pondo de lado vários contextos sociais e culturais, pois esta não se estende de forma igualitária aos diversos seguimentos populacionais, concentrando-se em seguimentos intelectualizados e de maior poder socioeconômico. Esta igualdade relativa e, por isso mesmo, desigual, é posta em questão como modelo relacional e evidenciada, em muitos casos, apenas como um discurso emergente ainda muito distante da realidade apreendida. De acordo com Rodriguez e Gomes (2012Rodriguez, B. C., & Gomes, I. C. (2012). Novas formas de parentalidade: Do modelo tradicional à homoparentalidade. Boletim de Psicologia, 63(136), 29-36.), em vista da sucessão de direitos conquistados e reconhecidos, é necessário refletir acerca de um processo de construção de novos referenciais atuando na reformulação de valores, discursos e práticas em âmbito familiar.

Parentalidade Contemporânea

A partir das lutas feministas, a maternidade, ora associada a uma submissão ao homem (movimento feminista radical), ora defendida como um papel social feminino sujeito à remuneração (movimento maternalista), passou por significativas transformações (Gradvohl et al., 2014Gradvohl, S. O., Osis, M. J. D., & Makuch, M. Y. (2014). Maternidade e forma de maternagem desde à Idade Média à atualidade. Pensando Famílias, 18(1), 55-62.). Sob o crivo de contestações incisivas, o amor materno foi atestado como um mito e a concepção de uma natureza feminina voltada para o cuidado exclusivo do ambiente doméstico e dos(as) filhos(as) vem sendo desnaturalizada e entendida como uma construção normativa e cultural na designação da identidade da mulher (Badinter, 1980Badinter, E. (1980). L’indifférence maternelle. In E. Badinter, L’amour em plus - Histoire de l’amour maternel - XVII°-XX° siècle (pp.73-136). Flammarion, Paris.).

A ideia embutida no imaginário social e que repercute em vários âmbitos sociais é a de que o cuidado é sempre da ordem do feminino. A “natureza” que predispõe a mulher a passar pela gravidez supõe o cuidado materno e primário como autoevidente, ao contrário do cuidado paterno (Tiitinen & Ruusuvuori, 2015Tiitinen, S., & Ruusuvuori, J. (2015). Producing gendered parenthood in child health clinics. Discourse & Society, 26(1), 113-132.). Este imperativo biológico também foi observado em estudos sobre casais de lésbicas, nos quais, em alguns casos, as mães biológicas gastavam mais tempo com a criança em comparação com a mãe não-biológica (Malmquist, 2015Malmquist, A. (2015). Women in lesbian relations: Construing equal or unequal parental roles? Psychology of Womem Quarterly, 39(2), 256-267.).

Outras ideias presentes nesse contexto são as expectativas sociais contraditórias relacionadas à vinculação entre maternidade e completude identitária da mulher e entre maternidade e renúncia. Desse modo, no esteio das mudanças em torno da identidade feminina e materna, vários estudos sinalizam, sob os imperativos tradicionais de gênero e a centralidade do perfil materno, o sofrimento de mulheres que têm vivenciado a parentalidade de forma conflituosa em vista das diferenças quantitativas e qualitativas na responsabilidade do cuidado e da educação dos(as) filhos(as) (Fiorin, Oliveira, & Dias, 2014Fiorin, P. C., Oliveira, C. T., & Dias, A. C. G. (2014). Percepções de mulheres sobre a relação entre trabalho e maternidade. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 15(1), 25-35.; Guimarães & Petean, 2012Guimarães, M. G. V., & Petean, E. B. L. (2012). Carreira e família: Divisão de tarefas domiciliares na vida de professoras universitárias. Revista Brasileira de Orientação Profissional , 13(1), 103-110. ).

A idílica completude materna é cada vez mais desmistificada e para evitar as renúncias trazidas como implicação do papel materno, algumas mulheres têm optado por não ter filhos(as) para investirem na carreira profissional, enquanto outras pelo adiamento da maternidade. Observa-se que o fenômeno da gravidez tardia vem crescendo e gerando inúmeras controvérsias. De acordo com Fiorin et al. (2014Fiorin, P. C., Oliveira, C. T., & Dias, A. C. G. (2014). Percepções de mulheres sobre a relação entre trabalho e maternidade. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 15(1), 25-35.), em um estudo realizado com mulheres que adiaram o projeto da maternidade, constatou-se que esta escolha está relacionada aos seguintes aspectos: negativos - adversidade nas gestações; pouca disposição física; além de intervenções médicas, psicológicas e de outros profissionais de saúde; positivas - melhores condições econômicas, sociais e emocionais; e maior maturidade para conciliar atividades domésticas e laborais.

É possível mencionar também estudos que discutem os contextos implicados na maternidade biológica, de aluguel e social (Gradvohl et al., 2014Gradvohl, S. O., Osis, M. J. D., & Makuch, M. Y. (2014). Maternidade e forma de maternagem desde à Idade Média à atualidade. Pensando Famílias, 18(1), 55-62.). E embora o estatuto da maternidade sacralizada e em prol do bem familiar opere nos discursos sociais, a desconstrução daquilo que é materno em meio ao questionamento tanto dos papéis de gênero, quanto da ênfase na vinculação biológica como primordial traz novas possibilidades e condições para as mulheres exercerem a parentalidade.

A outra face dessa realidade diz respeito às reconfigurações concernentes ao papel masculino e paterno. Se antes os estudos em torno da maternidade eram predominantes, observa-se um interesse cada vez maior pelo engajamento do pai nos cuidados com o bebê e a criança. Entre os benefícios e repercussões do envolvimento afetivo paterno para o desenvolvimento infantil, foram encontrados os seguintes indicadores: o pai como incentivador do aleitamento materno; o contato com o pai após o parto atuando como um fator de bem-estar; o pai como um facilitador da exploração do ambiente e como um promotor da autoimagem positiva; maior confiança da criança no pai como uma figura de cuidado; enriquecimento do desenvolvimento social e motor; encorajamento da obediência e do engajamento competitivo; o pai como exemplo de transmissão de novos papéis masculinos; a presença paterna na prevenção de comportamentos antissociais; promoção de autoestima, segurança, independência e estabilidade emocional; melhor desempenho acadêmico das crianças associado a maior participação dos pais nas atividades escolares; controle da agressividade; engajamento paterno associado ao melhor ajustamento psicossocial na adolescência e idade adulta (Benczik, 2011Benczik, E. B. P. (2011). A importância da figura paterna para o desenvolvimento infantil. Revista Psicopedagogia, 28(85), 67-75.; Castoldi, Gonçalves, & Lopes, 2014Castoldi, L., Gonçalves, T. R., & Lopes, R. C. S. (2014). Envolvimento paterno da gestação ao primeiro ano de vida do bebê. Psicologia em Estudo, 19(2), 247-259).; Röhr-Sendlmeier & Bergold, 2012Röhr-Sendlmeier, U. M., & Bergold, S. (2012). Father’s role when mother is working - family involvement, life satisfaction and children’s scholastic achievement. Journal of Family Research, 24(1), 3-26. ; Zvara, Schoppe-Sullivan, & Dush, 2013Zvara, B. J., Schoppe-Sullivan, S. J., & Dush, C. K. (2013). Fathers’ involvement in child health care: associations with prenatal involvement, parents’ beliefs, and maternal gatekeeping. Family Relations, 62, 649-661.).

O engajamento paterno também tem sido associado a funções preventivas e de suporte em casos de depressão e não-responsividade materna, além de intercorrências negativas durante a gestação, como é o caso de estudos que investigam a importância do contato pele-a-pele (Método Canguru) entre pai e o bebê pré-termo (Piccinini, Silva, Gonçalves, Lopes, & Tudge, 2012Piccinini, C. A., Silva, M. R., Gonçalves, T. R., Lopes, R. C. S., & Tudge, J. (2012). Envolvimento paterno aos três meses de vida do bebê. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(3), 303-314.).

Ainda que as mulheres continuem figurando como as principais cuidadoras, o papel de cuidador desempenhado pelo homem já põe em questão estereótipos antigos de uma paternidade distanciada e referenciada como responsável apenas pelo provimento financeiro e pela autoridade. O homem se apropria do ambiente doméstico para ressignificar sua participação e assumir novos lugares como pai, cujas mudanças ainda têm sido mais marcadamente observadas após o primeiro ano do bebê. De acordo com Zvara et al. (2013Zvara, B. J., Schoppe-Sullivan, S. J., & Dush, C. K. (2013). Fathers’ involvement in child health care: associations with prenatal involvement, parents’ beliefs, and maternal gatekeeping. Family Relations, 62, 649-661.), isto se justificaria pelo fato de neste período a criança ainda estabelecer uma intensa relação de dependência com a mãe, o que faria o pai se colocar num lugar secundário nos cuidados.

Na contrapartida dessa ênfase materna durante o desenvolvimento precoce surge a representação do casal grávido e do homem que se implica ativamente no processo gravídico-puerperal. Nesse novo posicionamento paterno investiga-se um fenômeno que tem sido denominado de síndrome de Couvade e que designa a manifestação de alterações psicológicas e orgânicas no homem ao longo da gestação da mulher. A síndrome tem sido entendida como uma espécie de identificação ou apropriação do lugar da gestante fazendo com que o homem “geste” sintomaticamente. De acordo com Lamour (2008Lamour, M. (2008). Construir conjuntamente a paternidade: uma experiência de pesquisa, ação e formação na creche. In J. André & C. Chabert (Eds.), O esquecimento do pai (pp.79-109). São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo - EDUSP.), é possível para o homem implicar-se afetivamente no processo da gestação sem arrogar-se do papel materno e resguardando a sua masculinidade.

Fatores como condição socioeconômica, sexo do bebê, rede social de apoio e escolaridade têm sido descritos ora como correlacionados ao maior engajamento paterno, ora não determinantes (Seabra & Seidl-de-Moura, 2011Seabra, K. C., & Seidl-de-Moura, M. L. (2011). Cuidados paternos nos primeiros três anos de vida de seus filhos: Um estudo longitudinal. Interação em Psicologia, 15(2), 135-147.; Zvara et al., 2013Zvara, B. J., Schoppe-Sullivan, S. J., & Dush, C. K. (2013). Fathers’ involvement in child health care: associations with prenatal involvement, parents’ beliefs, and maternal gatekeeping. Family Relations, 62, 649-661.). Acrescesse-se a este quadro de inferências e achados a massiva produção científica que atesta a permanência da mulher como cuidadora primária e a participação paterna de forma seletiva, na maioria dos casos associada a interações lúdicas e ao disciplinamento da criança (Arruda & Lima, 2013Arruda, S. L. S. & Lima, M. C. F. (2013). O novo lugar do pai como cuidador da criança. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 4(2), 201-216.; Castoldi et al., 2014Castoldi, L., Gonçalves, T. R., & Lopes, R. C. S. (2014). Envolvimento paterno da gestação ao primeiro ano de vida do bebê. Psicologia em Estudo, 19(2), 247-259).; Piccinini et al., 2012Piccinini, C. A., Silva, M. R., Gonçalves, T. R., Lopes, R. C. S., & Tudge, J. (2012). Envolvimento paterno aos três meses de vida do bebê. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(3), 303-314.).

Destaca-se que, apesar do incentivo e do discurso em prol de uma nova paternidade, o papel de cuidador exercido pelo homem ainda é inviabilizado pelos preconceitos tradicionais de gênero presentes nas várias instituições voltadas ao atendimento familiar. Estes preconceitos também podem provir das famílias extensas, das mulheres e dos próprios homens que não se sentem à vontade em desempenhar atividades definidas como “trabalho feminino” (Tiitinen & Ruusuvuori, 2015Tiitinen, S., & Ruusuvuori, J. (2015). Producing gendered parenthood in child health clinics. Discourse & Society, 26(1), 113-132.; Zvara et al., 2013Zvara, B. J., Schoppe-Sullivan, S. J., & Dush, C. K. (2013). Fathers’ involvement in child health care: associations with prenatal involvement, parents’ beliefs, and maternal gatekeeping. Family Relations, 62, 649-661.).

Nas nuances componentes da conjuntura de transformações familiares, identificadas neste estudo, principalmente, em discussões sobre a parentalidade a partir de casais heterossexuais, reconhece-se o avanço nas pesquisas a respeito das relações que se estabelecem entre a tríade pai-mãe-bebê/criança. Os estudos centralizados exclusivamente na díade mãe-bebê/criança e que perpetuavam a ênfase no lugar de cuidadora da mãe estão sendo ultrapassados por aqueles que incluem as contribuições do pai para a dinâmica intersubjetiva.

Parentalidade x Trabalho x Carreira profissional: Conciliações e Conflitos

A efetiva participação da mulher na sociedade como elemento de mobilização econômica e política teve início na Europa Ocidental e na América do Norte, expandindo-se em seguida à nível mundial. No Brasil esta expansão se deu da região Sudeste para as outras regiões. De forma geral, percebe-se um processo de consolidação e difusão do trabalho feminino remunerado iniciado nas regiões mais desenvolvidas, urbanizadas e com melhores possibilidades socioeconômicas e educacionais (Barham & Vanalli, 2012Barham, E. J., & Vanalli, A. C. G. (2012). Trabalho e família: Perspectivas teóricas e desafios atuais. Revista Psicologia: Organização e Trabalho, 12(1), 47-60.).

No cenário profissional atual as mulheres inserem-se em uma ampla gama de especialidades, inclusive, naquelas que anteriormente eram consideradas como preponderantemente masculinas. Se a mulher torna-se também provedora do lar, alguns estudos apresentam dados estatísticos que ilustram um aumento significativo na quantidade de famílias ditas matrifocais, com chefia feminina e predominância da mulher no sustento familiar e que podem se constituir a partir de uniões conjugais desfeitas (divórcio), interrompidas (morte do companheiro) ou por mães solteiras (Fiorin et al., 2014Fiorin, P. C., Oliveira, C. T., & Dias, A. C. G. (2014). Percepções de mulheres sobre a relação entre trabalho e maternidade. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 15(1), 25-35.). Observa-se, no entanto, que estas chefias femininas estão correlacionadas a estudos que se referem a contextos familiares em que há uma ausência da figura paterna, não tendo sido encontrados estudos em que a chefia feminina se deu em casais heterossexuais.

Os homens também se inserem no ambiente familiar para auxiliar em trabalhos como o cuidado infantil e nas atividades de manutenção doméstica. Viala (2011Viala, E. S. (2011). Contemporary family life: A joint venture with contradictions. Nordic Psychology, 63(2), 68-87.), Rehel (2014Rehel, E. M. (2014). When dad stays home too: paternity leave, gender, and parenting. Gender & Society, 28(1), 110-132.) e Smith e Perry-Jenkins (2012Smith, J. Z., & Perry-Jenkins, M. (2012). The division of labor in lesbian, gay, and heterosexual new adoptive parents. Journal of Marriage and Family, 74, 812-828.) ressaltam, no entanto, que a participação masculina tem se mostrado mais efetiva em relação ao cuidado com os(as) filhos(as) que com os afazeres domésticos, nos quais os homens permanecem em uma função mais colaborativa ou periférica. Kosakowska-Berezecka et al. (2016Kosakowska-Berezecka, N., Besta, T., Adamska, K., Jaskiewicz, M., Jurek, P., & Vandello, J. A. (2016). If my masculinity is threatened I won’t support gender equality? The role of agentic self-stereotyping in restoration of manhood and perception of gender relations. Psychology of Men & Masculinity, 17(3), 274-284.) entendem que esta distinção ocorre porque o cuidado com a criança estaria associado à noção de paternidade e não se desvincula da masculinidade, enquanto o trabalho doméstico seria visto como desvalorizado e como ameaça à identidade masculina.

Moreno (2011Moreno, J. M. G. (2011). A conciliação entre a vida familiar e a vida profissional no Direito Comunitário: Uma análise jurídico-feminista. Ex Aequo, 23, 39-52.) argumenta que a cidadania, como um direito democrático, estaria articulada ao espaço público, que toma como referente o modo de vida masculino. Na conciliação entre responsabilidades familiares e profissionais, o espaço privado e doméstico seria, portanto, negligenciado como questão democrática e cidadã, perpetuando a divisão sexista do trabalho nesse âmbito.

Na conciliação entre família e vida profissional surgem as categorias denominativas casais de duplo-ganho (ambos os parceiros contribuem financeiramente para o provimento familiar) e casais de dupla-carreira (além de contribuírem para o provimento financeiro, investem em formação e qualificação profissional por meio de cursos de capacitação, pós-graduação lato sensu e stricto sensu) (Quek, Knudson-Martin, Orpen, & Victor, 2011Quek, K. M. T., Knudson-Martin, C., Orpen, S., & Victor, J. (2011). Gender equality during the transition to parenthood: A longitudinal study of dual-career couples in Singapore. Journal of Social and Personal Relationships, 28(7), 943-962.; Ruitenberg & Beer, 2014Ruitenberg, J., & Beer, P. (2014). Exploring the social origins of Dutch mothers’ ideal family lives. Sex Roles, 70, 315-328.). Mesmo em casais de duplo-ganho ou de dupla-carreira, as mulheres ainda despendem mais tempo em atividades domésticas e nos cuidados com os(as) filhos(as) que os homens, o que na maioria dos casos estabelece uma dinâmica de funcionamento que causa uma sobrecarga de atribuições para a mulher. Fala-se na execução da tripla jornada de trabalho feminino, que é a divisão de esforços e tempo entre trabalho, qualificação profissional e vida familiar (Guimarães & Petean, 2012Guimarães, M. G. V., & Petean, E. B. L. (2012). Carreira e família: Divisão de tarefas domiciliares na vida de professoras universitárias. Revista Brasileira de Orientação Profissional , 13(1), 103-110. ; Quek et al., 2011Quek, K. M. T., Knudson-Martin, C., Orpen, S., & Victor, J. (2011). Gender equality during the transition to parenthood: A longitudinal study of dual-career couples in Singapore. Journal of Social and Personal Relationships, 28(7), 943-962.)

Logo, se por um lado o trabalho da mulher é associado à maior satisfação pessoal, aumento na autoestima, autonomia, senso de utilidade e competência, melhor saúde física e mental e repercussões positivas na qualidade da relação conjugal; por outro lado, surgem dificuldades em lidar com um discurso androcêntrico em ambiente de trabalho acerca da maternidade (prioridade para candidatas que têm maior disponibilidade de locomoção e tempo), associações entre trabalho feminino e negligência aos filhos(as), provenientes também das próprias mulheres, e a irrupção de crises matrimoniais na administração de múltiplas funções simultâneas (Fiorin et al., 2014Fiorin, P. C., Oliveira, C. T., & Dias, A. C. G. (2014). Percepções de mulheres sobre a relação entre trabalho e maternidade. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 15(1), 25-35.).

A percepção de um excesso no trabalho feminino (remunerado e doméstico) também é relativa, pois em alguns casos as mulheres relatam não se sentirem sobrecarregadas, em outros a divisão desigual de tarefas tem gerado sentimentos de injustiça, sintomas depressivos e insatisfação conjugal. Para evitar a dificuldade de conciliar atividades familiares e domésticas, para homens e mulheres, recorre-se ao uso de serviços terceirizados, como babás, berçários e creches. Além disso, em alguns lugares o governo, juntamente com empresas family-friendly ou father-friendly, (Kosakowska-Berezecka et al., 2016Kosakowska-Berezecka, N., Besta, T., Adamska, K., Jaskiewicz, M., Jurek, P., & Vandello, J. A. (2016). If my masculinity is threatened I won’t support gender equality? The role of agentic self-stereotyping in restoration of manhood and perception of gender relations. Psychology of Men & Masculinity, 17(3), 274-284.; Ruitenberg & Beer, 2014Ruitenberg, J., & Beer, P. (2014). Exploring the social origins of Dutch mothers’ ideal family lives. Sex Roles, 70, 315-328.; Stevens, 2015Stevens, E. (2015). Understanding discursive barriers to involved fatherhood: The case of Australian stay-at-home fathers. Journal of Family Studies, 21(1), 22-37.) tem instituído políticas e estratégias para aliviar o estresse e promover ações de conciliação entre trabalho e família, tais como creches, flexibilização nos horários de trabalho e aumento no período de licença-paternidade, fato que já tem sido associado a melhores desempenhos produtivos coletivos por parte dessas empresas.

Outro elemento com extremo potencial de transformação no contexto das relações familiares, principalmente no que se refere ao período dos cuidados parentais iniciais da criança, refere-se à legislação em torno da licença-maternidade e da licença-paternidade. Em alguns países já se estabelece uma licença parental que considera a manutenção do afastamento do trabalho por parte do casal (de forma alternada ou conjunta) no primeiro ano de vida da criança. Seguem algumas especificações de licenças com parâmetros de quase total desconsideração pela importância do papel paterno no desenvolvimento infantil inicial à consideração da importância do casal parental, inclusive concedendo direitos também aos casais homossexuais: (Estados Unidos) licença-maternidade 12 semanas não remuneradas, não há legislação para licença-paternidade (Rehel, 2014Rehel, E. M. (2014). When dad stays home too: paternity leave, gender, and parenting. Gender & Society, 28(1), 110-132.); (Brasil6 6 Funcionários de empresas que participam do Programa, sancionado pelo Governo Dilma Rousseff, Empresa Cidadã têm direito a licença-maternidade de 180 dias e licença-paternidade de 20 dias (Decreto Lei nº 11.770 de 9 de setembro da Subchefia para assuntos jurídicos, 2008). ) licença-maternidade remunerada de 16 semanas a 24 semanas e licença-paternidade de 5 a 20 dias (Fiorin et al., 2014Fiorin, P. C., Oliveira, C. T., & Dias, A. C. G. (2014). Percepções de mulheres sobre a relação entre trabalho e maternidade. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 15(1), 25-35.); (Singapura) licença-maternidade de 16 semanas e licença-paternidade de 6 dias (Quek et al., 2011Quek, K. M. T., Knudson-Martin, C., Orpen, S., & Victor, J. (2011). Gender equality during the transition to parenthood: A longitudinal study of dual-career couples in Singapore. Journal of Social and Personal Relationships, 28(7), 943-962.); (Austrália) licença parental de 18 semanas remuneradas, 2 semanas intransferíveis para o pai (Trifan et al., 2014Trifan, T. A., Stattin, H., & Tilton-Weaver, L. (2014). Have authoritarian parenting practices and roles changed in the last 50 years? Journal of Marriage and Family , 76, 744-761.); (Canadá) licença-maternidade remunerada de 15 semanas para a mãe e 35 semanas de licença parental divididos entre o casal (Rehel, 2014Rehel, E. M. (2014). When dad stays home too: paternity leave, gender, and parenting. Gender & Society, 28(1), 110-132.); (Suécia) licença parental remunerada de 32 semanas, 30 dias intransferíveis para cada membro do casal e 180 dias transferíveis tanto para mãe quanto para o pai (Malmquist, 2015Malmquist, A. (2015). Women in lesbian relations: Construing equal or unequal parental roles? Psychology of Womem Quarterly, 39(2), 256-267.); (Alemanha) licença-maternidade remunerada de 48 semanas, licença-paternidade remunerada de 48 semanas, neste país há também a possibilidade de tirar a licença até os 3 anos da criança, porém após o primeiro ano não haveria remuneração, além disso, as licenças materna e paterna podem ser usufruídas em qualquer período dos 3 primeiros anos da criança (Schulz & Rost, 2012Schulz, F., & Rost, H. (2012). Division of housework, maternity leave and the policy of parenting benefit in Germany. Journal of Family Research , 24(1), 27-45.).

A partir dessa revisão, ressalta-se que enquanto no Brasil as discussões se concentram em torno dos desafios enfrentados pela mulher em sua introdução no mercado de trabalho e nos conflitos e conciliações entre demandas familiares e laborais; na literatura internacional, além dessas problemáticas, foram também encontrados artigos que refletem sobre as condições e implicações da licença parental nos diversos países. Esta diferença pode ser um reflexo da maior acomodação do fenômeno do cuidado parental igualitário em âmbito internacional, enquanto no Brasil a discrepância entre as licenças materna e paterna ainda retardam o processo de mudanças na divisão igualitária dos papéis e funções parentais.

Cuidado Parental Igualitário

Dentro do que aqui denominamos como cuidado parental igualitário estão inseridos um novo ideal para mulheres e homens, em vista de demandas contemporâneas de conciliação entre desejos pessoais e exigências sociais, principalmente, no que diz respeito ao exercício parental. A identidade da mulher contemporânea engloba múltiplos papéis como de profissional bem-sucedida, provedora financeira, mãe e esposa; enquanto a identidade do homem não se completa mais apenas com a carreira profissional, assimilando as funções de cuidador infantil e companheiro nas atividades domésticas diárias, ainda que isto se dê de forma lenta (Fiorin et al., 2014Fiorin, P. C., Oliveira, C. T., & Dias, A. C. G. (2014). Percepções de mulheres sobre a relação entre trabalho e maternidade. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 15(1), 25-35.).

A mulher por sofrer desvantagens visíveis em virtude de múltiplas atribuições administradas de forma desigual é apontada como o membro da relação que mais defende um modelo de família igualitário (Trifan et al., 2012). E embora haja uma abertura a este modelo familiar, os homens só o defendem na medida em que o mesmo não representa uma ameaça a sua masculinidade, fato indicado por Kosakowska-Berezecka et al. (2016Kosakowska-Berezecka, N., Besta, T., Adamska, K., Jaskiewicz, M., Jurek, P., & Vandello, J. A. (2016). If my masculinity is threatened I won’t support gender equality? The role of agentic self-stereotyping in restoration of manhood and perception of gender relations. Psychology of Men & Masculinity, 17(3), 274-284.) em um estudo no qual homens que sentiam segurança em sua masculinidade tendiam a endossar opiniões mais igualitárias.

Atualmente, a parentalidade tem se apresentado como um projeto do casal, passível de controle, planejamento e negociação de acordo com as conveniências e limitações de curto e longo-prazo (Viala, 2011Viala, E. S. (2011). Contemporary family life: A joint venture with contradictions. Nordic Psychology, 63(2), 68-87.). Neste empreendimento há desafios a serem superados e espaços a serem conquistados. Se há uma tendência à valorização da qualificação e dos resultados profissionais, independente do gênero, as relações igualitárias são apontadas como um fator que poderia trazer qualidade de vida, reduzir conflitos entre trabalho e família e desnaturalizar a associação entre maternidade e renúncia (Kosakowska-Berezecka et al., 2016Kosakowska-Berezecka, N., Besta, T., Adamska, K., Jaskiewicz, M., Jurek, P., & Vandello, J. A. (2016). If my masculinity is threatened I won’t support gender equality? The role of agentic self-stereotyping in restoration of manhood and perception of gender relations. Psychology of Men & Masculinity, 17(3), 274-284.).

Uma nova paternidade implica em uma nova maternidade, esta correlação está concernida a atitudes ambivalentes das mães em relação à inserção paterna nos cuidados infantis. Zvara et al. (2013Zvara, B. J., Schoppe-Sullivan, S. J., & Dush, C. K. (2013). Fathers’ involvement in child health care: associations with prenatal involvement, parents’ beliefs, and maternal gatekeeping. Family Relations, 62, 649-661.) falam sobre esta questão ao se referirem a um fenômeno em que as mães funcionam como gatekeepers (guardiãs de portão), facilitando o acesso paterno (gate-opening) ou resistindo a abrir mão da primazia do cuidado (gateclosing). Outro fenômeno também relatado na literatura científica é o do stay-at-home fathers (pais que ficam em casa) e designa a decisão paterna de abdicar do trabalho remunerado, temporária ou permanentemente, para ficar em casa com os(as) filhos(as) e cuidando das atividades domésticas, enquanto as mulheres se responsabilizam pelo provimento familiar (Rehel, 2014Rehel, E. M. (2014). When dad stays home too: paternity leave, gender, and parenting. Gender & Society, 28(1), 110-132.; Stevens, 2015Stevens, E. (2015). Understanding discursive barriers to involved fatherhood: The case of Australian stay-at-home fathers. Journal of Family Studies, 21(1), 22-37.).

O cuidado parental igualitário tem sido também retratado em alguns estudos que discutem a homoparentalidade, descrita a partir de parâmetros como a ausência de papéis fixos entre os membros do casal, a inexistência de hierarquias, a circulação de lideranças, distintas referências de autoridade, lugares femininos e masculinos não coincidentes com os ocupados por homens e mulheres, funções materna e paterna desempenhadas por qualquer dos parceiros (ainda que uma das funções seja exercida de forma mais marcante por uma das figuras parentais). Outros estudos também argumentam que os casais de gays e lésbicas estariam menos vulneráveis às construções heteronormativas que incidem em problemáticas como: divisão de responsabilidades em função de trabalho remunerado ou não remunerado, das diferenças salariais e do nível educacional entre o casal (Malmquist, 2015Malmquist, A. (2015). Women in lesbian relations: Construing equal or unequal parental roles? Psychology of Womem Quarterly, 39(2), 256-267.; Rodriguez & Gomes, 2012Rodriguez, B. C., & Gomes, I. C. (2012). Novas formas de parentalidade: Do modelo tradicional à homoparentalidade. Boletim de Psicologia, 63(136), 29-36.; Smith & Perry-Jenkins, 2012Smith, J. Z., & Perry-Jenkins, M. (2012). The division of labor in lesbian, gay, and heterosexual new adoptive parents. Journal of Marriage and Family, 74, 812-828.).

Rodriguez e Gomes (2012Rodriguez, B. C., & Gomes, I. C. (2012). Novas formas de parentalidade: Do modelo tradicional à homoparentalidade. Boletim de Psicologia, 63(136), 29-36.), ao se remeterem à homoparentalidade, desenvolveram a tese de que esta configuração parental e familiar estabelece em sua constituição um incessante questionamento ao modelo de complementaridade entre masculino e feminino. De acordo com as autoras, o que se propõe a partir da família homoparental é a formulação de uma lógica constituinte do ser humano em que haja uma supremacia dos vínculos e funções, independente do sexo biológico de quem as exerça.

Alguns países como a Suécia, Holanda e Canadá promovem significativos avanços na direção de uma sociedade mais igualitária, outros como a Polônia e os Estados Unidos ainda estariam num nível de assimilação predominantemente discursiva (Kosakowska-Berezecka et al., 2016Kosakowska-Berezecka, N., Besta, T., Adamska, K., Jaskiewicz, M., Jurek, P., & Vandello, J. A. (2016). If my masculinity is threatened I won’t support gender equality? The role of agentic self-stereotyping in restoration of manhood and perception of gender relations. Psychology of Men & Masculinity, 17(3), 274-284.; Rehel, 2014Rehel, E. M. (2014). When dad stays home too: paternity leave, gender, and parenting. Gender & Society, 28(1), 110-132.; Ruitenberg & Beer, 2014Ruitenberg, J., & Beer, P. (2014). Exploring the social origins of Dutch mothers’ ideal family lives. Sex Roles, 70, 315-328.; Smith & Perry-Jenkins, 2012Smith, J. Z., & Perry-Jenkins, M. (2012). The division of labor in lesbian, gay, and heterosexual new adoptive parents. Journal of Marriage and Family, 74, 812-828.). No Brasil o discurso igualitário também já desponta no horizonte de reflexão em torno da parentalidade contemporânea, porém, os papéis de gênero não tradicionais são assimilados lentamente (Rodriguez & Gomes, 2012Rodriguez, B. C., & Gomes, I. C. (2012). Novas formas de parentalidade: Do modelo tradicional à homoparentalidade. Boletim de Psicologia, 63(136), 29-36.).

Em alguns trabalhos percebeu-se que o termo coparentalidade (coparenting), associado a uma mudança da paternidade periférica para uma paternidade implicada afetivamente nos cuidados infantis, também poderia ser correlacionado com o cuidado parental igualitário (Viala, 2011Viala, E. S. (2011). Contemporary family life: A joint venture with contradictions. Nordic Psychology, 63(2), 68-87.; Zvara et al., 2013Zvara, B. J., Schoppe-Sullivan, S. J., & Dush, C. K. (2013). Fathers’ involvement in child health care: associations with prenatal involvement, parents’ beliefs, and maternal gatekeeping. Family Relations, 62, 649-661.). De acordo com Quek (2011Quek, K. M. T., Knudson-Martin, C., Orpen, S., & Victor, J. (2011). Gender equality during the transition to parenthood: A longitudinal study of dual-career couples in Singapore. Journal of Social and Personal Relationships, 28(7), 943-962.), a coparentalidade seria facilitada quando: a carreira da mulher é valorizada pelo casal, o homem estrutura sua agenda para se engajar ativamente na parentalidade, a responsabilidade parental é compartilhada e negociada, e o acesso a um suporte da família extensa e do ambiente de trabalho é garantido.

Portanto, o cuidado parental igualitário, entendido a partir do levantamento bibliográfico empreendido, situa-se como o compartilhamento de ideais democráticos entre membros familiares repercutindo em uma divisão igualitária do cuidado e do trabalho (remunerado e não-remunerado) entre o casal; levando-se em conta as necessidades imediatas e individuais e conciliando-as com o bem-estar do grupo familiar. Neste modelo de cuidado parental os direitos seriam garantidos em vista da supressão de hierarquias de poderes e da assunção de relações horizontais e flexíveis no que diz respeito à negociação das práticas parentais.

Considerações Finais

Diante do que foi exposto, consideramos que o fenômeno que denominamos de cuidado parental igualitário está se consolidando em diversos países. Dentre as várias áreas do saber envolvidas com a temática, a Psicologia tem se destacado como a principal área que se interessa pelo tema, dada a quantidade de artigos publicados em comparação com as outras disciplinas, tanto nacional quanto internacionalmente, seguida pela Sociologia.

Se associarmos o fator acima com a maior incidência de pesquisas empíricas, podemos hipotetizar que há um aumento crescente das tentativas de compreender esses novos modos de ser família a partir da vivência real dos indivíduos e uma necessidade premente, própria das ciências humanas, em construir conhecimento científico que dê legitimação psicológica e social a essas novas dinâmicas relacionais.

Dentre as principais contribuições que podem resultar dos avanços acerca do cuidado parental igualitário está a possibilidade de se repensar as políticas públicas que atentam apenas para a díade mãe-bebê e pouco consideram o pai neste processo. No Brasil, a valorização da maternidade em detrimento da paternidade se revela quando comparamos as licenças materna e paterna, pois enquanto a licença-maternidade remunerada varia de 16 semanas a 24 semanas, a licença-paternidade varia de 5 a 20 dias. Assim, os estudos brasileiros ainda estão em processo de consolidação do fenômeno, principalmente se comparados a alguns estudos internacionais, porém, são de fundamental importância para se pensar políticas específicas para a população brasileira. Se pautarmos a implantação do cuidado parental igualitário a partir da existência da licença parental e não mais da maternidade como um dado legal, podemos afirmar que em países como Suécia, Holanda, Canadá e Dinamarca essa vivência já está implantada, comparativamente outros países permanecem presos à tradição, como Espanha e Brasil.

Este estudo é uma contribuição para a conceituação de um fenômeno em curso, porém, apesar de reconhecermos que esta pode ser uma nova tendência que interfere na conjugalidade e na parentalidade, salientamos que a compreensão desse tipo de vivência familiar demanda investigações mais diversificadas e aprofundadas acerca de sua incidência nos diversos seguimentos sociais. Fatores como raça, condição socioeconômica, escolaridade, rede social de apoio, sexo e idade da criança, quantidade de filhos(as), entre outros, influenciam o acesso à igualdade de direitos políticos e sociais em âmbito privado. Na plena garantia desses direitos, o cuidado parental igualitário torna-se efetivo?

A conjuntura do fenômeno é complexa e engloba componentes contraditórios justamente por incidir em estereótipos de gênero arraigados em diversas sociedades como, o mito do amor materno e a masculinidade afirmada em oposição ao que é considerado feminino. No entanto, para além dos preconceitos e justificativas que levam em conta apenas aspectos deterministas e restritivos, também esbarramos em questões políticas, sociais e jurídicas que perpetuam o modelo tradicional no qual às mulheres cabe o espaço privado, enquanto aos homens o público.

Na prática de um cuidado parental igualitário as crenças, valores e as referências dos modelos familiares assimilados pelos próprios indivíduos também atuam de forma conflitiva, fato observado em casos de mulheres que não abrem mão de serem as principais referências de cuidado para os(as) filhos(as) e consideram que a participação dos homens nas tarefas domésticas é uma concessão feminina. Ou, quando os homens se restringem ao papel de provedor e as demais funções ficam negligenciadas ou ganham um caráter de excesso. Consideramos que esses conflitos são resultados da coexistência do modelo tradicional com a nova tendência que rompe com estereótipos do homem/pai e da mulher/mãe.

Ressaltamos que dentro do que propomos ser o cuidado parental igualitário não está a negação das diferenças de gênero, nem a negação de aspectos biológicos para a construção da parentalidade. As diferenças são intrínsecas e o direito à escolha e à possibilidade de exercer os cuidados parentais sem os imperativos tradicionais de gênero podem contribuir para uma construção parental mais democrática.

Por se tratar de um conceito novo e ainda em construção, este estudo tem limitações metodológicas, dado que para realizar a revisão da literatura, precisamos recorrer a diversos descritores. Além disso, nem todos os artigos selecionados pelos resumos estavam relacionados à temática, o que resultou em uma amostra relativamente pequena de trabalhos que abordavam o fenômeno do cuidado parental igualitário. A maior parte das pesquisas ainda está se aproximando da temática e trata o assunto de maneira exploratória.

Não foram encontrados artigos que propunham uma definição para o cuidado parental igualitário, porém alguns trabalhos desenvolvidos no Brasil, Suíça e Estados Unidos já estão dando importância às relações triádicas, valorizando essa nova forma de parentalizar e saindo do que já é muito conhecido acerca da relação mãe/bebê/criança. Fato este que justifica a relevância da presente revisão e a importância de se desenvolver novos estudos que tentem compreender como se dá efetivamente o cuidado com as crianças de forma igualitária e quais os impactos deste fenômeno na conjugalidade e no desenvolvimento infantil.

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  • 4
    Este artigo foi traduzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Processo 2018/13403-0.
  • 5
    Trabalho derivado das teses da primeira e da segunda autora, orientadas pela terceira: “O cuidado parental igualitário: implicações para a construção de um modelo de interação triádica pai-mãe-bebê” (Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo [nº processo 2015/24335-7]) e “Parentalidade contemporânea e a rede de cuidados na primeira infância: dos estudos psicossociais à psicanálise” (Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo [nº processo 2015/03045-0]).
  • 6
    Funcionários de empresas que participam do Programa, sancionado pelo Governo Dilma Rousseff, Empresa Cidadã têm direito a licença-maternidade de 180 dias e licença-paternidade de 20 dias (Decreto Lei nº 11.770 de 9 de setembro da Subchefia para assuntos jurídicos, 2008).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    27 Dez 2016
  • Revisado
    07 Set 2017
  • Aceito
    03 Out 2017
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