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Dimensões Negativas da Coparentalidade e Sintomas Internalizantes: A Regulação Emocional como Mediadora

Negative Dimensions of Coparenting and Internalizing Symptoms: Emotional Regulation as a Mediator

Resumo

O objetivo deste estudo foi testar um modelo estrutural no qual a regulação emocional é mediadora entre dimensões negativas da coparentalidade e sintomas internalizantes em adolescentes. A amostra foi composta de 229 adolescentes entre 11 a 18 anos. Modelagem de equações estruturais foi utilizada para testar a validade empírica do modelo teórico proposto. Os resultados indicaram que regulação emocional é mediadora da associação entre dimensões negativas de coparentalidade e sintomas internalizantes em adolescentes. Em contraste, associação direta entre coparentalidade e sintomas internalizantes não se manteve significativa no modelo com mediação. Conclui-se que a regulação emocional possui papel determinante para o desenvolvimento de sintomas internalizantes no contexto de dificuldades coparentais.

Palavras-chave:
sintomas afetivos; regulação emocional; relações familiares

Abstract

The objective of this study was to test a structural model in which emotional regulation mediates the negative dimensions of coparenting and internalizing symptoms in adolescents. The sample consisted of 229 adolescents aged 11 to 18 years. Structural equations modeling was used to test the empirical validity of the proposed theoretical model. The results indicated that emotional regulation mediates the association between negative dimensions of coparenting and internalizing symptoms in adolescents. In contrast, a direct link between coparenting and internalizing symptoms did not remain significant in the mediation model. It is concluded that emotional regulation plays a determining role in the development of internalizing symptoms in the context of coparental difficulties.

Keywords:
affective symptoms; emotional regulation; family relations

Problemas de saúde mental em adolescentes representam uma importante preocupação à saúde pública no mundo todo, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, 2011UNICEF. (2011) Adolescência uma fase de oportunidades. Situação mundial da Infância 2011. Retrieved from https://www.unicef.org/brazil/pt/br_sowcr11web.pdf
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). A prevalência de transtornos mentais nessa população vem aumentando nas últimas três décadas. Em termos globais, 20% dos adolescentes sofrem de algum transtorno mental. Distingue-se, nesse panorama, a depressão, uma vez que figura como uma das principais psicopatologias dessa estatística (UNICEF, 2011UNICEF. (2011) Adolescência uma fase de oportunidades. Situação mundial da Infância 2011. Retrieved from https://www.unicef.org/brazil/pt/br_sowcr11web.pdf
https://www.unicef.org/brazil/pt/br_sowc...
). Essas evidências mostram que é crucial tratar dificuldades de saúde mental precocemente, modificando o foco do tratamento de transtornos para a prevenção e intervenção precoce. A partir desse ponto de vista, torna-se primordial explorar fenômenos relacionados com o desenvolvimento de transtornos em adolescentes (Novak & Mihić, 2018Novak, M., & Mihić, J. (2018). Prevention of internalized problems of children and youth in academic setting. In B. Bernal-Morales (Ed.), Health and academic achievement (Chapter 8). London: InTech. https://doi.org/10.5772/intechopen.75590
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).

Os sintomas internalizantes referem-se a um grupo de sintomas emocionais que são fatores de risco ao desenvolvimento de transtornos mentais como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático (Achenbach, Dumenci, & Rescorla, 1993Achenbach, T. M., Dumenci, L., & Rescorla, L. A. (1993). Are American children’s problems getting worse? A 13-year comparison. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 32, 1145-1154. https://doi.org/10.1023/A:1021700430364
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; American Psychiatric Association [APA], 2013American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders: DSM-5 (5th ed). Washington, D.C: American Psychiatric Association.). Entretanto, ainda não se caracterizam como transtornos psicológicos, diferenciando-se, assim, de critérios diagnósticos de manuais, como por exemplo, o Manual de Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (DSM; Novak & Mihić, 2018Novak, M., & Mihić, J. (2018). Prevention of internalized problems of children and youth in academic setting. In B. Bernal-Morales (Ed.), Health and academic achievement (Chapter 8). London: InTech. https://doi.org/10.5772/intechopen.75590
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). Relacionam-se às manifestações de tristeza, retraimento, queixas somáticas, baixa autoestima, sintomas fisiológicos e cognitivos, compondo uma definição teórica organizada por Achenbach (Achenbach, Dumenci, & Rescorla, 1993Achenbach, T. M., Dumenci, L., & Rescorla, L. A. (1993). Are American children’s problems getting worse? A 13-year comparison. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 32, 1145-1154. https://doi.org/10.1023/A:1021700430364
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).

Sintomas internalizantes possuem consistentes associações com estratégias de regulação emocional desadaptativas (Aldao, Nolen-Hoeksema, & Schweizer, 2010Aldao, A., Nolen-Hoeksema, S., & Schweizer, S. (2010). Emotion-regulation strategies across psychopathology: A meta-analytic review. Clinical Psychology Review, 30(2), 217-237. https://doi.org/10.1016/j.cpr.2009.11.004
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). A dificuldade em regular emoções parece ser uma importante variável que aumenta o risco a uma ampla gama de sintomas emocionais e comportamentais na adolescência (Kring & Sloan, 2009Kring, A. M., & Sloan, D. M. (2009). Emotion regulation and psychopathology: A transdiagnostic approach to etiology and treatment. New York, NY: Guilford Press. , McLaughlin, Hatzenbuehler, Mennin, & Nolen-Hoeksema, 2011McLaughlin, K. A., Hatzenbuehler, M. L., Mennin, D. S., & Nolen-Hoeksema, S. (2011). Emotion dysregulation and adolescent psychopathology: A prospective study. Behaviour Research and Therapy, 49(9), 544-554. https://doi.org/10.1016/j.brat.2011.06.003
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). Estratégias de regulação emocional envolvem o gerenciamento da excitação emocional diante de situações ambientais e correspondem a processos específicos como, por exemplo, aceitação emocional (Gross, 2014Gross, J. G. (2014). Handbook of emotion regulation (2a ed.). New York, NY: Guildford Press.; Leahy, Tirch, & Napolitano, 2013Leahy, R., Tirch, D., & Napolitano, L. A. (2013). Regulação emocional em psicoterapia: Um guia para o terapeuta cognitivo-comportamental. Porto Alegre: Artmed .). Estratégias adaptativas dizem respeito a ter pensamentos e comportamentos que resultem em um final aceitável à emoção. Em contrapartida, quando há dificuldades de empregar estratégias adaptativas, o resultado da excitação emocional trará prejuízos em tamponar o impacto causado pela excitabilidade emocional (Gross, 2014Gross, J. G. (2014). Handbook of emotion regulation (2a ed.). New York, NY: Guildford Press.).

Na adolescência, ocorre uma etapa crucial para o desenvolvimento de estratégias de regulação emocional, tendo em vista que é o momento do desenvolvimento no qual temperamento, aspectos neurobiológicos, cognitivos, psicológicos e sociais começam a funcionar em conjunto e estabelecer as bases da regulação emocional que perdura na vida adulta (Thompson & Meyer, 2007Thompson, R. A., & Meyer, S. (2007) Socialization of emotion regulation in the family. In J. J. Gross (Ed.), Handbook of emotion regulation (pp. 249-268). New York, NY: Guilford Press .). Além disso, essa etapa também se configura como período chave para a maturação de regiões neurais no córtex pré-frontal que são importantes para a base neurofisiológica da regulação emocional (Gross, 2014Gross, J. G. (2014). Handbook of emotion regulation (2a ed.). New York, NY: Guildford Press.).

Ao pensar em desenvolvimento emocional, destaca-se a influência da família por possuir valor fundamental sobre o desenvolvimento (Thompson & Meyer, 2007Thompson, R. A., & Meyer, S. (2007) Socialization of emotion regulation in the family. In J. J. Gross (Ed.), Handbook of emotion regulation (pp. 249-268). New York, NY: Guilford Press .). Nesse contexto, é possível encontrar diversas pesquisas que investigam a influência positiva e negativa da família no processo de desenvolvimento da regulação emocional (Feldman, Dollberg, & Nadam, 2011Feldman R, Dollberg D, & Nadam R. (2011). The expression and regulation of anger in toddlers: Relations to maternal behavior and mental representations. Infant Behavior Development, 34(2), 310-320. https://doi.org/10.1016/j.infbeh.2011.02.001
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; Feldman, Eidelman, & Rotenberg, 2004Feldman, R., Eidelman, A. I., & Rotenberg, N. (2004). Parenting stress, infant emotion regulation, maternal sensitivity, and the cognitive development of triplets: A model for parent and child influences in a unique ecology. Child Development, 75(6), 1774-1791. https://doi.org/10.1111/j.1467-8624.2004.00816.x
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; Graziano, Keane, & Calkins, 2010Graziano, P. A., Keane, S. P., & Calkins, S. D. (2010). Maternal behaviour and children’s early emotion regulation skills differentially predict development of children’s reactive control and later effortful control. Infant & Child Development, 19(4), 333-353. https://doi.org/10.1002/ICD.670
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; Hurrell, Hudson, & Schniering, 2015Hurrell, K. E., Hudson J. L., & Schniering, C. A. (2015). Parental reactions to children’s negative emotions: Relationships with emotion regulation in children with an anxiety disorder. Journal of Anxiety Disorders, 29, 72-82. https://doi.org/10.1016/j.janxdis.2014.10.008
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; Morelen, Jacob, Suveg, Jones, & Thomassin, 2013Morelen, D., Jacob, M. L., Suveg, C., Jones, A., & Thomassin, K. (2013). Family emotion expressivity, emotion regulation, and the link to psychopathology: Examination across race. British Journal of Psychology, 104(2), 149-166. https://doi.org/10.1111/j.2044-8295.2012.02108.x
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; Morris, Silk, Steinberg, Myers, & Robinson, 2007Morris, A. S., Silk, J. S., Steinberg, L., Myers, S. S., & Robinson, L. R. (2007). The role of the family context in the development of emotion regulation. Social Development, 16(2), 361-388. https://doi.org/10.1111/j.1467-9507.2007.00389.x
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; Schulz, Waldinger, Hauser, & Allen , 2005Schulz, M. S., Waldinger, R. J., Hauser, S. T., & Allen, J. P. (2005). Adolescents’ behavior in the presence of interparental hostility: Developmental and emotion regulatory influences. Development and Psychopathology, 17(2), 489-507. https://doi.org/10.1017/S0954579405050236
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; Siffert & Schwarz, 2011Siffert A, & Schwarz B. (2011). Parental conflict resolution styles and children’s adjustment: Children’s appraisals and emotion regulation as mediators. Journal Genetic Psychologist, 172(1), 21-39. https://doi.org/10.1080/00221325.2010.503723
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).

O foco de estudos atuais direciona-se para entender os mecanismos de como e porque o conflito entre os pais pode impactar o comportamento e bem-estar dos filhos (Goulart, Wagner, Barbosa, & Mosmann, 2016Goulart, V. R., Wagner, A., Barbosa, P. V., & Pereira Mosmann, C. (2016). Repercussões do conflito conjugal para o ajustamento de crianças e adolescentes: Um estudo teórico. Interação em Psicologia, 19(1), 147-159. https://doi.org/10.5380/psi.v19i1.35713
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; Siffert & Schwarz, 2011Siffert A, & Schwarz B. (2011). Parental conflict resolution styles and children’s adjustment: Children’s appraisals and emotion regulation as mediators. Journal Genetic Psychologist, 172(1), 21-39. https://doi.org/10.1080/00221325.2010.503723
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). De acordo com o modelo teórico da segurança emocional, há efeito em cascata do ambiente familiar para o bem-estar dos filhos. Assim, o conflito é considerado um estressor que aumenta as emoções negativas e leva os filhos a empregarem estratégias para regular as suas emoções, pois estão se sentindo emocionalmente inseguros (Davies & Cummings, 1994Davies, P. T., & Cummings, E. M. (1994). Marital conflict and child adjustment: An emotional security hypothesis. Psychological Bulletin, 116(3), 387-411.; Davies, Martin, Sturge-Apple, Ripple, & Cicchetti, 2016Davies, P. T., Martin, M. J., Sturge-Apple, M. L., Ripple, M. T., & Cicchetti, D. (2016). The distinctive sequelae of children’s coping with interparental conflict: Testing the reformulated emotional security theory. Developmental Psychology, 52(10), 1646-1665. https://doi.org/10.1037/dev0000170
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, Goulart et al., 2016Goulart, V. R., Wagner, A., Barbosa, P. V., & Pereira Mosmann, C. (2016). Repercussões do conflito conjugal para o ajustamento de crianças e adolescentes: Um estudo teórico. Interação em Psicologia, 19(1), 147-159. https://doi.org/10.5380/psi.v19i1.35713
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). Temos assim, modelos explicativos da conflitiva familiar que buscam entender a influência que processos familiares possuem no desenvolvimento de sintomas e psicopatologias individuais (Davies & Cummings, 1994Davies, P. T., & Cummings, E. M. (1994). Marital conflict and child adjustment: An emotional security hypothesis. Psychological Bulletin, 116(3), 387-411.; Davies et al., 2016Davies, P. T., Martin, M. J., Sturge-Apple, M. L., Ripple, M. T., & Cicchetti, D. (2016). The distinctive sequelae of children’s coping with interparental conflict: Testing the reformulated emotional security theory. Developmental Psychology, 52(10), 1646-1665. https://doi.org/10.1037/dev0000170
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; Goulart et al., 2016Goulart, V. R., Wagner, A., Barbosa, P. V., & Pereira Mosmann, C. (2016). Repercussões do conflito conjugal para o ajustamento de crianças e adolescentes: Um estudo teórico. Interação em Psicologia, 19(1), 147-159. https://doi.org/10.5380/psi.v19i1.35713
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; Siffert & Schwarz, 2011Siffert A, & Schwarz B. (2011). Parental conflict resolution styles and children’s adjustment: Children’s appraisals and emotion regulation as mediators. Journal Genetic Psychologist, 172(1), 21-39. https://doi.org/10.1080/00221325.2010.503723
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).

Assume-se, nesse sentindo, a magnitude da influência das relações familiares no desenvolvimento da regulação emocional (Morris et al., 2007Morris, A. S., Silk, J. S., Steinberg, L., Myers, S. S., & Robinson, L. R. (2007). The role of the family context in the development of emotion regulation. Social Development, 16(2), 361-388. https://doi.org/10.1111/j.1467-9507.2007.00389.x
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), e identifica-se que os estudos na área da família diversificaram-se, enfocando diferentes subsistemas como parentalidade, conjugalidade e a coparentalidade (Lamela, Nunes-Costa, & Figueiredo, 2010Lamela, D., Nunes-Costa, R., & Figueiredo, B. (2010). Modelos teóricos das relações coparentais: Revisão crítica. Psicologia em Estudo, 15(1), 205-216.).

Coparentalidade e as Repercussões no Desenvolvimento dos Filhos

A coparentalidade é um dos subsistemas familiares com potencial influência no desenvolvimento dos filhos (McHale, Waller, & Pearson, 2012McHale, J., Waller, M. R., & Pearson, J. (2012). Coparenting interventions for fragile families: What do we know and where do we need to go next? Family Process, 51(3), 284-306. https://doi.org/10.1111/j.1545-5300.2012.01402.x
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). Engloba duas pessoas que assumem o cuidado de uma criança (Van Egeren, 2004Van Egeren, L. (2004). The development of the coparenting relationship over the transition to parenthood. Infant Mental Health Journal, 25(5), 453-477. https://doi.org/10.1002/imhj.20019
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), envolvendo a educação, formação, além da tomada de decisões sobre sua vida (Feinberg, 2003Feinberg, M. E. (2003). The internal structure and ecological context of coparenting: A framework for research and intervention. Parenting-Science and Practice, 3(2), 95-131. https://doi.org/10.1207/S15327922PAR0302_01
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). De acordo com Mosmann, Costa, Einsfeld, e Silva (2017Mosmann, C. P., Batista, C., Einsfeld, P., Silva, A. G. M. da, & Koch, C. (2017). Conjugalidade, parentalidade e coparentalidade: Associações com sintomas externalizantes e internalizantes em crianças e adolescentes. Estudos de Psicologia (Campinas), 34(4), 5-14.), esse crescente interesse decorre da coparentalidade configurar-se como mecanismo de ligação essencial na associação entre a conjugalidade, a parentalidade e as consequências para problemas emocionais e comportamentais dos filhos.

Margolin, Gordis e John (2001Margolin, G., Gordis, E., & John, R. (2001). Coparenting: A link between marital conflict and parenting in two-parent families. Journal of Family Psychology, 15(1), 3-21. https://doi.org/10.1037/0893-3200.15.1.3
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), propõem a existência de três dimensões na coparentalidade: triangulação, cooperação e conflito. A triangulação é definida como o envolvimento da prole no conflito coparental, através da união com um dos pais, em oposição ao outro cuidador. O conflito coparental ocorre quando há discórdia com relação a questões relacionadas à parentalidade e educação, os cuidadores apresentam desunião, críticas ao companheiro, e níveis de sabotagem. Já cooperação, dimensão positiva da coparentalidade, refere-se ao exercício de apoio e respeito mútuo entre os pais com relação aos cuidados com a prole (Margolin, et.al., 2001Margolin, G., Gordis, E., & John, R. (2001). Coparenting: A link between marital conflict and parenting in two-parent families. Journal of Family Psychology, 15(1), 3-21. https://doi.org/10.1037/0893-3200.15.1.3
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). A influência da coparentalidade no desenvolvimento de problemas emocionais e comportamentais pode ocorrer através de falhas no suporte de um cônjuge ao outro, expressão de práticas educativas contraditórias e desaprovação do cônjuge no exercício da parentalidade (Mosmann, et al., 2017Mosmann, C. P., Batista, C., Einsfeld, P., Silva, A. G. M. da, & Koch, C. (2017). Conjugalidade, parentalidade e coparentalidade: Associações com sintomas externalizantes e internalizantes em crianças e adolescentes. Estudos de Psicologia (Campinas), 34(4), 5-14.).

A literatura sobre as implicações da coparentalidade no desenvolvimento dos filhos tem evoluído substancialmente nos últimos anos. Os resultados das pesquisas mostram que a triangulação coparental possui tamanho de efeito maior em transtornos internalizantes, quando se compara com externalizantes (Buehler & Welsh, 2009Buehler, C., & Welsh, D. P. (2009). A process model of adolescents’ triangulation into parents’ marital conflict: The role of emotional reactivity. Journal of Family Psychology, 23(2), 167-180. https://doi.org/10.1037/a0014976
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; Teubert & Pinquart, 2010Teubert, D., & Pinquart, M. (2010). The association between coparenting and child adjustment: A meta-analysis. Parenting-Science and Practice, 10(4), 286-307. https://doi.org/10.1080/15295192.2010.492040
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). A triangulação é uma transgressão de limites, uma vez que exige que os jovens negociem entre os pais e gerenciem lealdades conflitantes. Geram-se situações confusas a eles, que perpassam processos internos em contraponto à forma manifesta, da dimensão do conflito. Essa associação é explicada pelos processos que envolvem a formação dos sintomas internalizantes, que englobam mais mecanismos emocionais internos e pouco manifestos (Buehler & Welsh, 2009Buehler, C., & Welsh, D. P. (2009). A process model of adolescents’ triangulation into parents’ marital conflict: The role of emotional reactivity. Journal of Family Psychology, 23(2), 167-180. https://doi.org/10.1037/a0014976
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), podendo gerar sentimento de medo nos filhos, além de fazer com que se sintam pressionados a escolher entre um dos pais (Fosco, & Grych, 2008Fosco, G. M., & Grych, J. H. (2008). Emotional, cognitive, and family systems mediators of children’s adjustment to interparental conflict. Journal of Family Psychology, 22(6), 843-854. https://doi.org/10.1037/a0013809
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; Terres-Trindade & Mosmann, 2015Terres-Trindade, M., & Mosmann, C. P. (2015). Discriminant profile of young internet dependents: The role of family relationships. Paidéia, 25(62), 353-362. https://doi.org/10.1590/1982-43272562201509
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).

Embora existam estudos sobre coparentalidade e sintomas nos filhos, ainda se identificam lacunas na compreensão desse fenômeno. Uma delas é entender como esse subsistema efetivamente influencia a formação de sintomas internalizantes. Buscando desvelar essas conexões, a regulação emocional, com comprovada ligação com o desenvolvimento de sintomas em crianças e adolescentes (Aldao et al., 2010Aldao, A., Nolen-Hoeksema, S., & Schweizer, S. (2010). Emotion-regulation strategies across psychopathology: A meta-analytic review. Clinical Psychology Review, 30(2), 217-237. https://doi.org/10.1016/j.cpr.2009.11.004
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), poderia desempenhar papel de relevância. Somando-se a isso, pesquisas mostram divergências entre a percepção da coparentalidade pelos pais em comparação com os adolescentes, tendo em vista que os adolescentes possuem uma visão mais crítica do funcionamento familiar, e pais são influenciados por desejabilidade social ao responderem escalas de auto-relato (Teubert & Pinquart, 2011Teubert, D., & Pinquart, M. (2011). The Coparenting Inventory for Parents and Adolescents (CI-PA): Reliability and validity. European Journal of Psychological Assessment, 27(3), 206-215. https://doi.org/10.1027/1015-5759/a000068
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). Assim, constata-se a necessidade de se evoluir no entendimento das relações entre processos e sistemas familiares e sua influência na regulação emocional de crianças e adolescentes e consequentemente em sintomas e transtornos (Morris et al., 2007Morris, A. S., Silk, J. S., Steinberg, L., Myers, S. S., & Robinson, L. R. (2007). The role of the family context in the development of emotion regulation. Social Development, 16(2), 361-388. https://doi.org/10.1111/j.1467-9507.2007.00389.x
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). Salienta-se que a literatura internacional é escassa e a nacional inexistente quando se buscam pela intersecção entre essas variáveis. Na literatura internacional, foi possível encontrar apenas um estudo testando modelos que associam a influência do conflito interparental diretamente na desregulação emocional. Os resultados sugerem que a regulação emocional foi mediadora de transtornos internalizantes e externalizantes (Siffert & Schwarz, 2011Siffert A, & Schwarz B. (2011). Parental conflict resolution styles and children’s adjustment: Children’s appraisals and emotion regulation as mediators. Journal Genetic Psychologist, 172(1), 21-39. https://doi.org/10.1080/00221325.2010.503723
https://doi.org/10.1080/00221325.2010.50...
).

Considerando as recentes pesquisas sobre a relevância do subsistema coparental para o contexto familiar, é pertinente investigar a possível conexão entre a coparentalidade e a regulação emocional e as reverberações nos sintomas internalizantes. Com o exposto, o presente estudo teve como objetivo testar empiricamente um modelo no qual a regulação emocional é mediadora entre coparentalidade e sintomas internalizantes em adolescentes. Como hipótese estimou-se que há relações diretas e indiretas entre coparentalidade e sintomas internalizantes percebidos pelos adolescentes, sendo as indiretas mediadas, portanto pela regulação emocional. A Figura 1 ilustra o modelo teórico proposto

Figura 1.
Modelo estrutural proposto

Método

Delineamento

Trata-se de um estudo quantitativo, transversal e explicativo (Creswell, 2010Creswell, J. W. (2010). Projeto de Pesquisa: Métodos qualitativo, quantitativo e misto (3a ed.). Porto Alegre: Artmed.).

Amostra

A amostra foi composta por 229 adolescentes, residentes no Rio Grande do Sul, selecionados por critério de conveniência. O tamanho da amostra foi definido considerando critérios propostos para a realização de modelagem de equações estruturais. Ao se analisarem modelos estruturais que possuam cinco construtos ou menos, cada um com mais de três itens (atendido no presente estudo), o tamanho mínimo exigido da amostra é de 200 (Hair et al., 2009Hair, J. F., Black, W. C., Babin, B. j., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análise multivariada de dados (6a ed.). Porto Alegre: Grupo A - Bookman. ).

A idade média dos participantes foi de 14,56 (DP=1,97), sendo a mínima 11 anos e a máxima 18 anos. Meninos formaram 50,2% (n=115) da amostra, e meninas, 49,6% (n=113). A maioria dos adolescentes estavam inseridos em famílias originais, representando 73,8% (n=169) da amostra, sendo que os 26,2% restantes correspondem a outras configurações familiares. Do mesmo modo, constatou-se que 7,4% (n=17) dos pais e 9,6% (n=22) das mães estavam em novas uniões no momento da pesquisa.

Quanto à escolaridade dos adolescentes, identificou-se que 45% (n=103) estavam cursando o ensino fundamental, 54,6% (n=125), o ensino médio e apenas 4% (n=1), o ensino superior. Ainda, 90,4% dos adolescentes estavam matriculados em escolas públicas, 3% em escolas particulares e os 6,6% restantes não responderam a esse dado. A maior parte dos adolescentes (94,8%) se autodeclarou pertencendo entre a classe média baixa e classe média alta.

Instrumentos

Questionário sociodemográfico. Constituído de 24 questões, referente a dados sociodemográficos como: sexo, idade, escolaridade, cidade, número de irmãos etc.

The Coparenting Inventory for Parents and Adolescents (CI-PA; Teubert, & Pinquart, 2011Teubert, D., & Pinquart, M. (2011). The Coparenting Inventory for Parents and Adolescents (CI-PA): Reliability and validity. European Journal of Psychological Assessment, 27(3), 206-215. https://doi.org/10.1027/1015-5759/a000068
https://doi.org/10.1027/1015-5759/a00006...
; versão brasileira: Mosmann, Machado, Costa, Gross, Cruz, no prelo). Neste estudo, foi utilizada a versão brasileira que verifica a percepção dos adolescentes. Esta versão avalia a díade coparental, as contribuições da mãe e contribuições do pai à coparentalidade. Cada escala é composta por três subescalas cooperação, conflito e triangulação, cada uma contando com quatro itens. Os itens são pontuados em uma escala Likert de quatro pontos. Os Alpha de Cronbach, neste estudo, foram de 0,757 para conflito coparental da mãe, 0,833 para triangulação coparental da mãe, 0,773 para conflito coparental do pai, 0,892 para triangulação coparental do pai, 0,714 para conflito coparental da família e por fim 0,819 para triangulação coparental da família.

Inventário de Auto-Avaliação de Jovens de 11 a 18 anos (Youth Self-Report [YSR], Achenbach & Rescorla, 2001Achenbach, T. M., & Rescorla, L. A. (2001). Manual for the ASEBA School-Age Forms & Profiles. Burlington. Vermont: University of Vermont, Research Center for Children, Youth, & Families.). Desenvolvido por; Achenbach e Rescorla, (2001Achenbach, T. M., & Rescorla, L. A. (2001). Manual for the ASEBA School-Age Forms & Profiles. Burlington. Vermont: University of Vermont, Research Center for Children, Youth, & Families.) e validado para utilização no Brasil por Rocha (2012Rocha, M. M. D. (2012). Evidências de validade do Inventário de Autoavaliação para Adolescentes (YSR/2001) para a população brasileira (Doctoral dissertation). Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.). O YSR é composto por oito escalas de problemas de comportamento. Neste estudo, será utilizada a classificação em níveis, especificamente utilizando a classificação em problemas internalizantes, no qual abrange as escalas de Ansiedade/Depressão, Retraimento e Queixas somáticas, e que obteve neste estudo alpha de Cronbach de 0,775.

Escala de Dificuldades de Regulação Emocional (DERS; Gratz & Roemer, 2004Gratz, K. L., & Roemer, L. (2004). Multidimensional assessment of emotion regulation and dysregulation: Development, factor structure, and initial validation of the difficulties in emotion regulation scale. Journal of Psychopathology and Behavioral Assessment, 26(1), 41-54. https://doi.org/10.1007/s10862-008-9102-4.
https://doi.org/10.1007/s10862-008-9102-...
, traduzida por Coutinho, Ribeiro, Ferreirinha, & Dias, 2010Coutinho, J., Ribeiro, E., Ferreirinha, R., & Dias, P. (2010). Versão portuguesa da Escala de Dificuldades de Regulação Emocional e sua relação com sintomas psicopatológicos.Revista de Psiquiatria Clínica,37(4), 145-151. https://doi.org/10.1590/S0101-60832010000400001
https://doi.org/10.1590/S0101-6083201000...
). A escala avalia os níveis típicos de dificuldades de regulação emocional e foi elaborada por Gratz e Roemer (2004Gratz, K. L., & Roemer, L. (2004). Multidimensional assessment of emotion regulation and dysregulation: Development, factor structure, and initial validation of the difficulties in emotion regulation scale. Journal of Psychopathology and Behavioral Assessment, 26(1), 41-54. https://doi.org/10.1007/s10862-008-9102-4.
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). Possui seis domínios: não aceitação das emoções negativas, incapacidade de se envolver em comportamentos dirigidos por objetivos quando experiencia emoções negativas, problemas em controlar comportamento impulsivo quando experiencia emoções negativas, acesso limitado às estratégias de regulação emocional que são percebidas como efetivas, falta de consciência emocional e falta de clareza emocional. A versão da escala utilizada neste estudo foi a da dissertação brasileira de Barrios (2014Barrios, A. J. M. (2014). Relação entre estilos parentais, personalidade e regulação emocional na condição de bullying em adolescentes (Dissertação de mestrado). Retirado de http://repositorio.pucrs.br/dspace/handle/10923/6961
http://repositorio.pucrs.br/dspace/handl...
), adaptada ao português brasileiro e ao público adolescente. Contêm 36 itens numa escala Lickert de 5 pontos do 1 (quase nunca se aplica a mim) ao 5 (aplica-se quase sempre a mim). A escala revelou possuir elevados valores de consistência interna (alfa = 0,93), boa fidelidade teste-reteste (rs = 0,88) e adequada validade de construto e preditiva. O valor do Alpha de Cronbach das dimensões para este estudo foi de 0,821 para não aceitação das emoções negativas; 0,833 para acesso limitado às estratégias de regulação emocional que são percebidas como efetivas; 0,850 problemas em controlar comportamento impulsivo quando experiência emoções negativas; 0,738 incapacidade de se envolver em comportamentos dirigidos por objetivos quando experiência emoções negativas; 0,787 para falta de consciência emocional e 0,633 falta de clareza emocional.

Procedimentos de Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada, por conveniência quatro escolas, em escolas públicas e privadas do interior do Rio Grande do Sul. A equipe de coordenação de cada escola selecionada foi contatada e os objetivos do estudo foram apresentados. Os alunos foram convidados a participar e informados de que a sua participação era voluntária. Após, receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que deveria ser assinado pelos pais ou responsáveis, os adolescentes assinaram um termo de assentimento informado. Apenas os estudantes que retornaram com o TCLE assinado participaram do estudo. A administração de instrumentos foi realizada coletivamente nas turmas com duração de 90 minutos em média.

Considerações Éticas

Este projeto possui aprovação sob número 14/152 do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, conforme a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta a pesquisa com seres humanos no Brasil. Aos adolescentes, foi assegurada a confidencialidade de todas as informações, que a participação ocorreria de maneira voluntária e que a desistência dos participantes era aceita em qualquer momento da pesquisa.

Análise de Dados

A análise dos dados consistiu em cálculos descritivos e correlações bivariadas de Pearson. Para avaliar a hipótese de que a dificuldade de regulação emocional é uma variável mediadora entre coparentalidade e sintomas internalizantes em adolescentes, foi utilizada Modelagem de Equações Estruturais (SEM). O método de estimação empregado foi o Maximum Likelihood de probabilidade a partir do software AMOS. Ainda foi testado se a coparentalidade possui impacto direto sobre os sintomas internalizantes.

O modelo foi composto por três variáveis latentes: Dimensões Negativas da Coparentalidade (exógena), Dificuldade de Regulação Emocional (endógena) e Sintomas Internalizantes (endógena). Para a mensuração da coparentalidade, foram analisadas as seguintes medidas: triangulação coparental da mãe, triangulação coparental do pai, triangulação familiar; conflito coparental do pai, conflito coparental da mãe e conflito coparental familiar. Da mesma forma para a variável latente, Dificuldades de Regulação Emocional, foram analisadas as seguintes medidas: dificuldade de aceitação das emoções, dificuldade de empregar estratégias de gerenciamento emocional, dificuldade de clareza emocional, dificuldade de consciência emocional, dificuldade de chegar a objetivos, dificuldade de controlar impulsos para a regulação emocional. Por fim, retraimento, sintomas somáticos, ansiedade e depressão compõem os sintomas internalizantes.

A análise de adequação do modelo de equações estruturais foi realizada usando as principais medidas de ajuste: qui-quadrado (X²), Raiz do Erro Quadrático Médio de Aproximação (RMSEA), Índice de Ajuste Normado (NFI), Índice de Ajuste Comparativo (CFI), Índice de Tucker Lewis (TLI). Para o ajuste do modelo, observou-se valor para a Raiz do Erro Quadrático Médio de Aproximação (RMSEA) menor de 0,08. E para o Índice de Ajuste Normado (NFI), Índice de Ajuste Comparativo (CFI), Índice de Tucker Lewis (TLI) valores superiores a 0,9 foram considerados satisfatórios (Hair et al., 2009Hair, J. F., Black, W. C., Babin, B. j., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análise multivariada de dados (6a ed.). Porto Alegre: Grupo A - Bookman. ).

Resultados

Análise Preliminar

Inicialmente foram analisados os dados da estatística descritiva e as correlações entre as variáveis. As correlações entre todas as variáveis alternam entre moderadas a fracas e podem ser observadas na Tabela 1.

Tabela 1
Correlação entre as variáveis

Através da análise da significância e magnitude das correlações, identificaram-se quais variáveis observáveis (preditoras, mediadoras e o desfecho) iriam compor as variáveis latentes do modelo. Os resultados para conflito coparental familiar e conflito coparental da mãe indicaram correlações significativas apenas com as dimensões observáveis do próprio construto latente (Dimensões Negativas da Coparentalidade). Dessa forma, essas variáveis não foram inseridas no construto que comporia a variável latente de Dimensões Negativas da Coparentalidade. A Consciência Emocional também foi uma variável observável que não apresentou resultados aceitáveis fora do seu construto latente. Obteve-se apenas correlação significativa com os Sintomas de Ansiedade e Depressão, no entanto com uma magnitude fraca (r=0,15, p<0,005). Consequentemente também se optou pela exclusão da Consciência Emocional do Modelo Estrutural.

Modelo Estrutural

O modelo estrutural proposto baseou-se na hipótese de que as dificuldades de regulação emocional mediam parcialmente as relações entre as dimensões negativas da coparentalidade e sintomas emocionais internalizantes em adolescentes. Ainda, foi testada a hipótese de que as dimensões negativas da coparentalidade possuem impacto direto nos sintomas internalizantes.

Inicialmente o modelo produziu ajuste inadequado dos dados, apresentando o índice NFI abaixo dos 0,9. χ² = 106,00, p= 0,000, χ²/df = 2,09, RMSEA = 0,069, CFI 0,942, TLI=0,925, NFI0,896. Ainda, o efeito direto das dimensões negativas da coparentalidade (triangulação do pai, da mãe e da família, conflito coparental do pai) sobre os sintomas internalizantes em adolescentes não foi significativo no modelo (β = 0,23, p= 0,100), o qual foi excluído. Posteriormente, foi ajustada a covariância existente entre a triangulação coparental do pai e a triangulação coparental da mãe. O ajuste do modelo resultante foi excelente χ² = 95,971, p= 0,000, χ²/df = 1,88, RMSEA = 0,062, CFI 0,953, TLI= 0,939, NFI= 0,906. A Figura 2 mostra o modelo estrutural ajustado com todos os coeficientes de regressão. Ao examinarem-se os coeficientes padronizados de regressão do modelo, identifica-se que a magnitude de previsão de dimensões negativas da coparentalidade para dificuldade de regulação emocional é moderada (β= 0,47 p<0,001), o que, por sua vez, impacta fortemente os sintomas internalizantes nos adolescentes (β= 0,77 p<0,001).

Figura 2.
Modelo estrutural de mediação

Para verificar a extensão do efeito mediador do modelo de acordo com Hair et al. (2009Hair, J. F., Black, W. C., Babin, B. j., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análise multivariada de dados (6a ed.). Porto Alegre: Grupo A - Bookman. ), algumas análises foram realizadas. Verificou-se individualmente se o tamanho de efeito direto entre os construtos latentes era significativo. Assim identificou-se o impacto entre: Dimensões Negativas da Coparentalidade para os Sintomas Internalizantes (β=0,45; p<0,001); Dimensões Negativas da Coparentalidade para Dificuldades em Regulação Emocional (β=0,45; p<0,001); e Regulação Emocional e Sintomas Internalizantes (β=0,76; p<0,001). No entanto, ao analisar o modelo completo, o efeito direto entre Coparentalidade e Sintomas deixou de ser significativo (β = 0,36; p= 0,10).

O modelo teórico original supôs que a Regulação Emocional mediaria parcialmente as relações entre Dimensões Negativas da Coparentalidade e Sintomas Internalizantes. Adicionalmente, também, supôs que haveria caminho direto entre Coparentalidade e Sintomas, caracterizando assim uma mediação parcial. No entanto, ao adicionar a Regulação Emocional ao modelo, identificou-se mudança de significância entre o caminho direto de Coparentalidade e Sintomas. Assim, ao revisar e ajustar o modelo, colocou-se em dúvida a natureza teorizada de mediação parcial. Logo, os dados sugerem que Regulação Emocional tem caráter de mediação completa.

Discussão

O presente estudo estende as investigações de associações entre coparentalidade e sintomas internalizantes para o público adolescente. O foco central foi testar a proposição de que a regulação emocional possui papel mediador entre a coparentalidade e a presença de sintomas internalizantes. Encontrou-se apoio a essa hipótese em uma amostra de 229 adolescentes com idades entre 11 e 18 anos, sugerindo-se que a regulação emocional é um mediador consistente desse processo. Por outro lado, a hipótese de que a coparentalidade associa-se diretamente com os sintomas internalizantes foi rejeitada nessa amostra, apontando que há, nessa relação, a mediação total da regulação emocional.

A descoberta de que dimensões da coparentalidade estão associadas com sintomas internalizantes replicam investigações anteriores (Buehler & Welsh, 2009Buehler, C., & Welsh, D. P. (2009). A process model of adolescents’ triangulation into parents’ marital conflict: The role of emotional reactivity. Journal of Family Psychology, 23(2), 167-180. https://doi.org/10.1037/a0014976
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; Riina & McHale, 2014Riina, E. M., & McHale, S. M. (2014). Bidirectional influences between dimensions of coparenting and adolescent adjustment. Journal of Youth and Adolescence, 43(2), 257-269. https://doi.org/10.1007/s10964-013-9940-6
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; Umemura, Christopher, Mann, Jacobvitz, & Hazen, 2015Umemura T, Christopher C, Mann T, Jacobvitz D, & Hazen N. (2015). Coparenting problems with toddlers predict children’s symptoms of psychological problems at age 7. Child Psychiatry and Human Development, 46(6), 981-96. https://doi.org/10.1007/s10578-015-0536-0
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) e avança em relação a estudos anteriores em alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, o modelo mostra que dimensões negativas da coparentalidade podem estar associadas com o processo de regulação emocional. Embora pesquisas prévias tenham considerado o impacto de diversas facetas das relações familiares, o subsistema coparental não havia, ainda, sido considerado nesse contexto (Feldman et al., 2004Feldman, R., Eidelman, A. I., & Rotenberg, N. (2004). Parenting stress, infant emotion regulation, maternal sensitivity, and the cognitive development of triplets: A model for parent and child influences in a unique ecology. Child Development, 75(6), 1774-1791. https://doi.org/10.1111/j.1467-8624.2004.00816.x
https://doi.org/10.1111/j.1467-8624.2004...
, 2011Feldman R, Dollberg D, & Nadam R. (2011). The expression and regulation of anger in toddlers: Relations to maternal behavior and mental representations. Infant Behavior Development, 34(2), 310-320. https://doi.org/10.1016/j.infbeh.2011.02.001
https://doi.org/10.1016/j.infbeh.2011.02...
; Graziano et al., 2010Graziano, P. A., Keane, S. P., & Calkins, S. D. (2010). Maternal behaviour and children’s early emotion regulation skills differentially predict development of children’s reactive control and later effortful control. Infant & Child Development, 19(4), 333-353. https://doi.org/10.1002/ICD.670
https://doi.org/10.1002/ICD.670...
; Hurrell et al., 2015Hurrell, K. E., Hudson J. L., & Schniering, C. A. (2015). Parental reactions to children’s negative emotions: Relationships with emotion regulation in children with an anxiety disorder. Journal of Anxiety Disorders, 29, 72-82. https://doi.org/10.1016/j.janxdis.2014.10.008
https://doi.org/10.1016/j.janxdis.2014.1...
; Morelen et al., 2013Morelen, D., Jacob, M. L., Suveg, C., Jones, A., & Thomassin, K. (2013). Family emotion expressivity, emotion regulation, and the link to psychopathology: Examination across race. British Journal of Psychology, 104(2), 149-166. https://doi.org/10.1111/j.2044-8295.2012.02108.x
https://doi.org/10.1111/j.2044-8295.2012...
; Morris et al., 2002Morris, A. S., Silk, J. S., Steinberg, L., Sessa, F. M., Avenevoli, S., & Essex, M. J. (2002). Temperamental vulnerability and negative parenting as interacting predictors of child adjustment. Journal of Marriage and Family, 64(2), 461-471. https://doi.org/10.1111/j.1741-3737.2002.00461.x
https://doi.org/10.1111/j.1741-3737.2002...
; Schulz et al., 2005Schulz, M. S., Waldinger, R. J., Hauser, S. T., & Allen, J. P. (2005). Adolescents’ behavior in the presence of interparental hostility: Developmental and emotion regulatory influences. Development and Psychopathology, 17(2), 489-507. https://doi.org/10.1017/S0954579405050236
https://doi.org/10.1017/S095457940505023...
; Siffert & Schwarz, 2011Siffert A, & Schwarz B. (2011). Parental conflict resolution styles and children’s adjustment: Children’s appraisals and emotion regulation as mediators. Journal Genetic Psychologist, 172(1), 21-39. https://doi.org/10.1080/00221325.2010.503723
https://doi.org/10.1080/00221325.2010.50...
).

Além disso, o modelo indica apenas conexão indireta entre as dimensões negativas da coparentalidade e os sintomas internalizantes. Esse dado diverge dos resultados encontrados na literatura, que sugerem uma ligação direta com a coparentalidade (Buehler & Welsh, 2009Buehler, C., & Welsh, D. P. (2009). A process model of adolescents’ triangulation into parents’ marital conflict: The role of emotional reactivity. Journal of Family Psychology, 23(2), 167-180. https://doi.org/10.1037/a0014976
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). Os resultados podem indicar associação entre a regulação emocional e a formação de sintomas internalizantes. Uma hipótese explicativa a esse resultado é que o desenvolvimento dos sintomas internalizantes estão mais consistentemente associados com maneiras desadaptativas de regulação emocional do que sintomas externalizantes. Nesse sentido, o estudo anterior sobre regulação emocional e psicopatologia em adolescentes, de Neumann, Van Lier, Gratz e Koot (2010Neumann, A., Van Lier, P. A., Gratz, K. L., & Koot, H. M. (2010). Multidimensional assessment of emotion regulation difficulties in adolescents using the difficulties in emotion regulation scale. Assessment, 17(1), 138-149.), demostrou que a regulação emocional representou 58% a 59% da variância do resultado de ansiedade e depressão em detrimento de uma variância de 13% a 15% para comportamento agressivo. No presente estudo, pode-se observar que a explicação ganha força quando se analisa que todas as dimensões de regulação emocional apresentam tamanho de efeito de moderados a fortes. Esse dado pode ser de relevância por sugerir um caminho central através do qual o desenvolvimento de sintomas internalizantes perpassa.

O apoio para o papel mediador da regulação emocional é embasado em pesquisas anteriores sobre a teoria de segurança emocional (Davies & Cummings, 1994Davies, P. T., & Cummings, E. M. (1994). Marital conflict and child adjustment: An emotional security hypothesis. Psychological Bulletin, 116(3), 387-411.; Davies et al., 2016Davies, P. T., Martin, M. J., Sturge-Apple, M. L., Ripple, M. T., & Cicchetti, D. (2016). The distinctive sequelae of children’s coping with interparental conflict: Testing the reformulated emotional security theory. Developmental Psychology, 52(10), 1646-1665. https://doi.org/10.1037/dev0000170
https://doi.org/10.1037/dev0000170...
; Siffert & Schwarz, 2011Siffert A, & Schwarz B. (2011). Parental conflict resolution styles and children’s adjustment: Children’s appraisals and emotion regulation as mediators. Journal Genetic Psychologist, 172(1), 21-39. https://doi.org/10.1080/00221325.2010.503723
https://doi.org/10.1080/00221325.2010.50...
). Os dados corroboram o efeito cascata que a dificuldade de regulação emocional provoca (Gross, 2014Gross, J. G. (2014). Handbook of emotion regulation (2a ed.). New York, NY: Guildford Press.). Explica-se: o estresse gerado pelos pais quando apresentam dificuldade de entrar em acordo sobre a educação dos filhos, eleva o grau de excitabilidade emocional do adolescente de uma maneira geral. Em decorrência desse processo, o adolescente apresenta muitas dificuldades de realizar a regulação adaptativa de suas emoções.

Pela natureza interdependente das dimensões da regulação emocional, dificuldades em uma dimensão podem provocar o desencadeamento de dificuldades em todo o processo, como mostram os resultados de Gratz e Roemer, (2004Gratz, K. L., & Roemer, L. (2004). Multidimensional assessment of emotion regulation and dysregulation: Development, factor structure, and initial validation of the difficulties in emotion regulation scale. Journal of Psychopathology and Behavioral Assessment, 26(1), 41-54. https://doi.org/10.1007/s10862-008-9102-4.
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). Assim, os principais prejuízos envolvem a negação em sentir emoções desconfortáveis (β=0,74; p<0,001), a dificuldade de utilizar estratégias que auxiliem no controle emocional (β=0,88; p<0,001) e, ainda, de controlar impulsos quando sente emoções muito fortes. Essas dimensões também acarretam dificuldades para se chegar a objetivos ou resolver problemas, o que é corroborado por pesquisas anteriores (Aldao et al., 2010Aldao, A., Nolen-Hoeksema, S., & Schweizer, S. (2010). Emotion-regulation strategies across psychopathology: A meta-analytic review. Clinical Psychology Review, 30(2), 217-237. https://doi.org/10.1016/j.cpr.2009.11.004
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; Suveg et al., 2008Suveg, C., Sood, E., Barmish, A., Tiwari, S., Hudson, J. L., & Kendall, P. C. (2008). “I’d rather not talk about it”: Emotion parenting in families of children with an anxiety disorder. Journal of Family Psychology, 22(6), 875-884.). Além disso, pais que frequentemente recorrem à triangulação como uma forma de gerir os seus conflitos podem ser menos propensos a ensinar ou modelar resolução de conflitos de formas adaptativas aos seus filhos (Fosco & Grych, 2008Fosco, G. M., & Grych, J. H. (2008). Emotional, cognitive, and family systems mediators of children’s adjustment to interparental conflict. Journal of Family Psychology, 22(6), 843-854. https://doi.org/10.1037/a0013809
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).

Ainda, deve-se considerar que os resultados desta pesquisa decorrem da perspectiva dos adolescentes e mostram relações entre coparentalidade, regulação emocional e sintomas divergentes da literatura. Estudos com essa faixa etária pontuam ser um período de mudanças dramáticas, com foco em relações externas à família e aumento de autonomia, modificando assim as relações coparentais (Riina & McHale, 2014Riina, E. M., & McHale, S. M. (2014). Bidirectional influences between dimensions of coparenting and adolescent adjustment. Journal of Youth and Adolescence, 43(2), 257-269. https://doi.org/10.1007/s10964-013-9940-6
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). Sem negligenciar questões da etapa do desenvolvimento, entende-se que os dados refletem a maneira como os adolescentes percebem que os pais enfrentam as questões coparentais e a reverberação do impacto em suas vidas. Grande parte dos estudos anteriores avalia a coparentalidade pela perspectiva dos pais e a maneira que os mesmos entendem que enfrentam as dificuldades coparentais. Entretanto, entende-se que, quando se compara a avaliação dos pais e dos adolescentes sobre a coparentalidade, os resultados indicam uma visão mais negativa da coparentalidade pela perspectiva dos adolescentes, indicando visões divergentes sobre os processos familiares (Teubert & Pinquart, 2011Teubert, D., & Pinquart, M. (2011). The Coparenting Inventory for Parents and Adolescents (CI-PA): Reliability and validity. European Journal of Psychological Assessment, 27(3), 206-215. https://doi.org/10.1027/1015-5759/a000068
https://doi.org/10.1027/1015-5759/a00006...
).

Chama atenção que os resultados apontaram que a triangulação coparental foi um importante preditor negativo para o desenvolvimento saudável da prole, relacionada tanto à díade coparental como ao pai e à mãe no modelo. Observa-se que a triangulação coparental familiar teve o maior impacto no modelo (β=0,71; p<0,001) e a dimensão de triangulação coparental da mãe também se sustentou no modelo, entretanto, foi a dimensão que apresentou menor tamanho de efeito (β=0,38; p<0,001). Assim, evidencia-se que o envolvimento direto dos filhos em dificuldades coparentais é um fator de risco para sua saúde mental. Nesse contexto, a triangulação pode exigir mais da prole, uma vez que os filhos necessitam negociar situações entre os pais e/ ou tornam-se o foco da tensão relacional familiar. Esse processo gera altos níveis de angústia e dificuldades em baixar o nível de excitação emocional, com fortes associações com sintomas internalizantes (Buehler & Welsh, 2009Buehler, C., & Welsh, D. P. (2009). A process model of adolescents’ triangulation into parents’ marital conflict: The role of emotional reactivity. Journal of Family Psychology, 23(2), 167-180. https://doi.org/10.1037/a0014976
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). Entende-se, assim, que vivenciar repetidamente excitação emocional elevada pode comprometer a capacidade para regular emoções (Davies & Cummings, 1994Davies, P. T., & Cummings, E. M. (1994). Marital conflict and child adjustment: An emotional security hypothesis. Psychological Bulletin, 116(3), 387-411.) e acarretar o desenvolvimento de sintomas internalizantes.

Apesar de o tamanho de efeito para conflito coparental dos pais mostrar-se com uma magnitude moderada (β=0,48; p<0,001), esse resultado diverge de pesquisas anteriores em que conflito coparental não se associou com sintomas internalizantes (Teubert & Pinquart, 2010Teubert, D., & Pinquart, M. (2010). The association between coparenting and child adjustment: A meta-analysis. Parenting-Science and Practice, 10(4), 286-307. https://doi.org/10.1080/15295192.2010.492040
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). Esse resultado pode ser compreendido a partir da percepção do papel do pai para o adolescente. Mesmo na contemporaneidade, discutem-se os papeis ou a transformação de papeis de pais e mães nos núcleos familiares (Staudt & Wagner, 2011Staudt, A. C. P., & Wagner, A. (2011). A vivência da paternidade em tempos de diversidade. In A. Wagner (Ed.), Desafios psicossociais da família contemporânea? Pesquisas e reflexões (pp. 99-111). Porto Alegre: Artmed .). Não há pretensão de discutir modelos sociais desses papeis. Entretanto, ressalta-se que os dados podem auxiliar na reflexão do lugar do pai pela óptica dos filhos adolescentes, pois mostram um impacto consistente do conflito coparental do pai e menor das dimensões coparentais da mãe no desenvolvimento de sintomas. Conflito e triangulação coparental por parte do pai, foram importantes preditores de dificuldades, corroborando o estudo de Bögels e Perotti, (2011Bögels, S. M., & Perotti, E. C. (2011). Does father know best? A formal model of the paternal influence on childhood social anxiety. Journal of Child and Family Studies, 20(2), 171-181. https://doi.org/10.1007/s10826-010-9441-0
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) sobre o impacto do comportamento dos pais para transtornos de ansiedade. Os dados dessa pesquisa mostram que filhos ansiosos tendem a ser mais influenciados pelos pais do que pelas mães. Os resultados do presente estudo ampliam para além de ansiedade, identificando efeitos também em sintomas de depressão, queixas somáticas e retraimento.

Esses apontamentos sugerem que os adolescentes percebem os pais ativos na coparentalidade. O pai ativamente tenta colocar o filho/a ao seu lado e contra a mãe, assim como desqualifica a mãe como cuidadora, o que, por sua vez, pode gerar dificuldades para colocar em prática seus princípios educativos (Lamela et al., 2010Lamela, D., Nunes-Costa, R., & Figueiredo, B. (2010). Modelos teóricos das relações coparentais: Revisão crítica. Psicologia em Estudo, 15(1), 205-216.; Margolin, Gordis, & John, 2001Margolin, G., Gordis, E., & John, R. (2001). Coparenting: A link between marital conflict and parenting in two-parent families. Journal of Family Psychology, 15(1), 3-21. https://doi.org/10.1037/0893-3200.15.1.3
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). Esse processo impacta fortemente a capacidade de regular emoções e, consequentemente, os sintomas.

É importante reconhecer algumas limitações deste estudo na interpretação dos resultados. Em primeiro lugar, a metodologia utilizada é transversal e pode fornecer suporte para um modelo de mediação. No entanto, não pode examinar as relações temporais entre as variáveis. Delineamentos longitudinais ou modelos transversais recursivos poderiam confirmar consistentemente a ordem cronológica de efeitos entre essas variáveis.

Em segundo lugar, a pesquisa parte da perspectiva dos adolescentes. É possível que as relações entre as variáveis medidas neste estudo possam diferir significativamente se a perspectiva dos pais for considerada. Deve-se evoluir com pesquisas futuras que integrem a perspectiva de pais e adolescentes para esse modelo.

Em terceiro lugar, pesquisas apontam o caráter bidirecional dos sintomas nas relações familiares. Sintomas internalizantes e externalizantes reverberam em maiores índices de conflito coparental, em um processo de retroalimentação (Riina & McHale, 2014Riina, E. M., & McHale, S. M. (2014). Bidirectional influences between dimensions of coparenting and adolescent adjustment. Journal of Youth and Adolescence, 43(2), 257-269. https://doi.org/10.1007/s10964-013-9940-6
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). Modelos recursivos ainda necessitam ser melhor investigados. Por fim, diversas pesquisas pontuam a influência de processos cognitivos no ajustamento como, por exemplo, avaliação cognitiva do conflito e culpar-se a si mesmo, os quais não foram testados nesse estudo (Fosco, & Grych, 2008Fosco, G. M., & Grych, J. H. (2008). Emotional, cognitive, and family systems mediators of children’s adjustment to interparental conflict. Journal of Family Psychology, 22(6), 843-854. https://doi.org/10.1037/a0013809
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; Siffert & Schwarz,2011Siffert A, & Schwarz B. (2011). Parental conflict resolution styles and children’s adjustment: Children’s appraisals and emotion regulation as mediators. Journal Genetic Psychologist, 172(1), 21-39. https://doi.org/10.1080/00221325.2010.503723
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; Goulart et al., 2016Goulart, V. R., Wagner, A., Barbosa, P. V., & Pereira Mosmann, C. (2016). Repercussões do conflito conjugal para o ajustamento de crianças e adolescentes: Um estudo teórico. Interação em Psicologia, 19(1), 147-159. https://doi.org/10.5380/psi.v19i1.35713
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). O desafio para futuras pesquisas será integrar, em um único modelo, processos emocionais e cognitivos como mediadores entre coparentalidade e desenvolvimento dos filhos, bem como explorar tanto a perspectiva dos pais como dos filhos sobre esses fenômenos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2017
  • Revisado
    17 Out 2018
  • Aceito
    09 Mar 2019
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