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Crianças e Adolescentes Surdos: Perfil Discriminante de Habilidades Sociais

Resumo

Os objetivos do estudo foram comparar as habilidades sociais entre crianças e adolescentes surdos e traçar o perfil discriminante em relação aos comportamentos sociais habilidosos. A pesquisa possuiu delineamento quantitativo, transversal e comparativo. Participaram 71 surdos de 7 a 16 anos, avaliados por um questionário sociodemográfico e pelo Teste de Habilidades Sociais para Crianças e Adolescentes em Situação Escolar. Os resultados revelaram que adolescentes surdos possuem habilidades sociais mais elaboradas quando comparadas às crianças surdas. As crianças possuem perfil conexo a Conversação e Desenvoltura Social e Assertividade, enquanto os adolescentes incluíram-se no perfil de Civilidade e Altruísmo. Estes resultados foram discutidos a partir do desenvolvimento e especificidades da surdez. Futuras pesquisas podem avaliar essas habilidades em contextos além do escolar.

Palavras-chave:
habilidades sociais; surdez; análise discriminante

Abstract

The objectives of the study were to compare social skills among deaf children and adolescents and to outline the discriminant profile in relation to skilled social behaviors. The research had a quantitative, cross-sectional and comparative design. Seventy-one deaf people aged 7 to 16 years old participated in the study, assessed by a sociodemographic questionnaire and by the Social Skills Test for Children and Adolescents in School Situation. Results revealed that deaf adolescents have more elaborate social skills when compared to deaf children. Children have a profile related to the Conversation and Social Resourcefulness and Assertiveness while adolescents were included in the Civility and Altruism profile. These results were discussed based on the development and specificities of deafness. Future research may assess these skills beyond the school settings.

Keywords:
social skills; deafness; discriminant analysis

Introdução

O repertório de habilidades sociais é definido pela maneira que um indivíduo se comporta em interações sociais em determinado contexto ou situação. Os comportamentos sociais englobam características de relação com o outro, como dar opiniões de forma assertiva, fazer e receber elogios, aceitar críticas, defender direitos de si e do outro, iniciar e manter conversas, e outros comportamentos que envolvem condutas sociais (Antia & Kreimeyer, 2015Antia, S. D., & Kreimeyer, K. H. (2015). Social competence of deaf and hard-of-hearing children. Professional Perspectives on Deafness: evidence and applications. Oxford University Press.; Caballo, 2003Caballo, V. E. (2003). Manual de avaliação e treinamento das habilidades sociais [Social skills assessment and training manual]. Livraria Santos.; Del Prette & Del Prette, 2017Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2017). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática [Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática]. (5ª ed.). Vozes.). Por se tratar de comportamentos emitidos em interações sociais, as habilidades sociais consistem em um conjunto de capacidades de atuação aprendidas e reforçadas pelos diferentes contextos nos quais o indivíduo está inserido. Dessa forma, um comportamento social adequado para um determinado ambiente pode não ser para outro (Antia & Kreimeyer, 2015Antia, S. D., & Kreimeyer, K. H. (2015). Social competence of deaf and hard-of-hearing children. Professional Perspectives on Deafness: evidence and applications. Oxford University Press.; Caballo, 2003Caballo, V. E. (2003). Manual de avaliação e treinamento das habilidades sociais [Social skills assessment and training manual]. Livraria Santos.; Del Prette & Del Prette, 2017Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2017). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática [Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática]. (5ª ed.). Vozes.).

No processo de tomada de decisão sobre a resposta a ser emitida pelo indivíduo, há uma decodificação dos estímulos de entrada e interpretação da situação. A expressão Habilidades Sociais envolve as capacidades específicas para que a execução competente ocorra. Por outro lado, a execução da conduta e sua qualidade de adequação é conceituada como competência social (Caballo, 2003Caballo, V. E. (2003). Manual de avaliação e treinamento das habilidades sociais [Social skills assessment and training manual]. Livraria Santos.). A competência social é um indicador referente ao ajustamento psicossocial, atribuindo-se consequências positivas ao desenvolvimento, à formação e à manutenção de relacionamentos positivos (Del Prette & Del Prette, 2017Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2017). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática [Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática]. (5ª ed.). Vozes.).

Os comportamentos sociais podem ser entendidos em dimensões. Segundo Bartholomeu et al. (2014Bartholomeu, D., Silva, M. C. R., & Montiel, J. M. (2014). Teste de habilidades sociais para crianças e adolescentes em situação escolar - manual [Social skills test for school children and adolescents - manual]. Memnon.), os comportamentos sociais podem ser compreendidos em três fatores que englobam as habilidades sociais. Sobre o primeiro fator, Civilidade e Altruísmo, considera-se comportamentos de fazer e aceitar elogios, pedir desculpas, ajudar amigos, expressar sentimentos positivos e educação ao manifestar opiniões. Referente à Conversação e Desenvoltura Social, são estimados comportamentos de exposição a situações sociais novas e que possam reverberar em constrangimento, como receber críticas, falar em público, iniciar e finalizar uma conversa e interagir com um desconhecido. No terceiro fator, Assertividade com Enfrentamento, os indicadores referem questões relacionadas a manifestar desagrado, defender direitos e opiniões, negociar às pressões do grupo e afirmar autoestima. Todos esses comportamentos são apresentados sempre em detrimento de determinado contexto social.

Comportamentos socialmente habilidosos envolvem a emissão de estratégias para lidar de forma assertiva em diferentes contextos que envolvam interações sociais (Caballo, 2003Caballo, V. E. (2003). Manual de avaliação e treinamento das habilidades sociais [Social skills assessment and training manual]. Livraria Santos.). Crianças e adolescentes apresentam diferenças na emissão desses comportamentos, uma vez que existem variáveis do desenvolvimento que são intervenientes na aquisição e desenvolvimento das habilidades sociais, tais como a idade, o amadurecimento biológico e a participação em diferentes contextos sociais (Boyer & Nelson, 2015Boyer, B. P., & Nelson, J. A. (2015). Longitudinal associations of childhood parenting and adolescent health: The mediating influence of social competence. Child Development, 86(3), 828-843. https://doi.org/10.1111/cdev.12347
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; Leme et al., 2016Leme, V. B. R., Del Prette, Z. A. P., Koller, S. H., & Del Prette, A. (2016). Habilidades sociais e o modelo bioecológico do desenvolvimento humano: Análise e perspectivas [social skills and bioecological model of human development: Analyze and perspectives]. Psicologia & Sociedade, 28(1), 181-193. https://doi.org/10.1590/1807-03102015aop001
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; Papalia & Feldman, 2013Papalia, D. E., & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento humano [Human development] (12a ed.). Artmed.; Silva & Cavalcante, 2015Silva, T. A., & Cavalcante, L. I. C. (2015). Habilidades Sociais e Características Pessoais em Escolares de Belém [Social Skills and Personal Features at Belém Students]. Psicologia: Reflexão e Crítica, 28(4), 850-858. https://doi.org/10.1590/1678-7153.201528424
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). Não menos relevante, a influência de outros agentes sociais, como colegas e professores em ambiente escolar, são cruciais para o desenvolvimento do comportamento social, já que as relações entre uma criança e seu professor difere da relação de um adolescente com seu professor (Casalli & Costa, 2017Casalli, A. C. P., & Costa, C. S. L. (2017). Habilidades sociais de alunos surdos na perspectiva de professores da classe bilíngue, da classe comum e intérprete [Social skills of deaf students in teacher perspective of bilingual class, regular class and interpreter]. Revista Educação Especial, 30(57), 55-67. https://doi.org/10.5902/1984686X20286
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; Semrud-Clikeman, 2007Semrud-Clikeman, M. (2007). Social competence in children. Springer.).

Considerando as diferenças entre as faixas etárias, as habilidades sociais apresentam diferenças quanto à sua aquisição e desenvolvimento. Crianças e adolescentes aprendem essas habilidades conforme decorre também sua maturidade emocional. Semrud-Clikeman (2007Semrud-Clikeman, M. (2007). Social competence in children. Springer.) afirma essas diferenças, sendo que o período dos 6 aos 11 anos, considerado como terceira infância ou idade escolar, as crianças iniciam o período de escolarização, o que propiciará envolvimento com os pares e decorrendo, dessa forma, as habilidades sociais básicas. A exemplo, destacam-se comportamentos relacionados à brincadeira cooperativa, que requerem habilidades de ouvir o outro, esperar a sua vez, capacidade de se diferenciar em relação ao outro (percepção interpessoal), compreensão não verbal entre os pares e reconhecimento de expressões faciais básicas daqueles com quem interage. Esse conjunto de comportamentos envoltos no desenvolvimento emocional favorecem que as habilidades sociais sejam propriamente adquiridas por essas crianças. Destaca-se ainda o acréscimo do repertório comunicacional, o qual interatua com as interações sociais (Papalia & Feldman, 2013Papalia, D. E., & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento humano [Human development] (12a ed.). Artmed.).

Variáveis relacionadas aos estilos parentais também demarcam grande importância na configuração social das crianças, já que estas observam a maneira como os pais interagem com os outros, bem como as oportunidades que a família oferecerá à criança a interagir, brincar e ter experiências sociais com seus iguais, além do contexto escolar. Por outro lado, se a criança experimenta situações de isolamento ou dificuldades de decifrar suas interações sociais, provavelmente ela apresentará problemas na efetividade no relacionamento com os pares, ocorrendo falhas no aprendizado das habilidades sociais (Semrud-Clikeman, 2007Semrud-Clikeman, M. (2007). Social competence in children. Springer.).

Em relação à adolescência, período a partir dos 12 anos de idade, demarcam-se habilidades de compreensão sobre as crenças das outras pessoas, bem como a motivação para modificar seus comportamentos de interação de acordo com as situações e grupos que participa. Essas habilidades coincidem com o desenvolvimento cerebral dessa fase, contribuindo para o pensamento abstrato e diferentes maneiras de resolução de problemas. O desenvolvimento psicológico da adolescência também inclui fatores que favorecem melhores habilidades sociais, como auto percepção, reconhecimento de emoções mais complexas e a mudança de pensamentos e comportamentos diante interações específicas. Esses esquemas passam a ser armazenados diante as situações já vivenciadas e reorganizados com novas alternativas que são avaliadas para a execução de novos comportamentos sociais. O relacionamento com pares propiciado no ambiente escolar favorece a dinâmica social, especialmente por articular na validação de comportamentos assertivos, promovendo ainda autoestima, senso de identidade e aprimoramento das habilidades sociais (Papalia & Feldman, 2013Papalia, D. E., & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento humano [Human development] (12a ed.). Artmed.; Semrud-Clikeman, 2007Semrud-Clikeman, M. (2007). Social competence in children. Springer.).

As habilidades sociais são necessárias para o desenvolvimento de relacionamentos sociais (Antia & Kreimeyer, 2015Antia, S. D., & Kreimeyer, K. H. (2015). Social competence of deaf and hard-of-hearing children. Professional Perspectives on Deafness: evidence and applications. Oxford University Press.; Semrud-Clikeman, 2007Semrud-Clikeman, M. (2007). Social competence in children. Springer.). A aprendizagem social iniciará no contexto familiar e, ao receber um filho surdo, a comunicação familiar se tornará particularmente sensível, já que envolve a aquisição da língua de sinais, a fim de favorecer a convívio e solidificar os vínculos sociais (Gianoto et al., 2016Gianoto, H. D. S. S., Gianotto, A. O., & Marques, H. R. (2016). Pais ouvintes, filhos surdos: barreiras na comunicação [Listeners deaf, children parents: barriers in communication]. Multitemas, 21(49), 161-180. https://doi.org/10.20435/multi.v21i49.1114
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; Karnopp et al., 2011Karnopp, L., Klein, M. & Lunardi-Lazzarin, M. L. (Orgs.). (2011). Cultura surda na contemporaneidade: negociações, intercorrências e provocações [Deaf culture in contemporary times: negotiations, complications and provocations]. ULBRA.; Quevedo et al., 2017Quevedo, R. F., Dambrós, S., & Sassi, R. (2017). Grupo de mães ouvintes de filhos surdos: relato de uma experiência de estágio [Group of hearing mothers of deaf children: Internship experience report]. Psicologia em Estudo, 22(1), 107-115. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v22i1.31794
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). Ressalta-se dessa maneira a importância do aprendizado da Libras pela família ouvinte, pois a dificuldade de identificação com a língua de sinais e a demora na identificação da surdez resultará em um ambiente social empobrecido, gerando maior dependência social e problemas emocionais em razão da distância para estabelecer vínculos de afeto (Gianoto et al., 2016Gianoto, H. D. S. S., Gianotto, A. O., & Marques, H. R. (2016). Pais ouvintes, filhos surdos: barreiras na comunicação [Listeners deaf, children parents: barriers in communication]. Multitemas, 21(49), 161-180. https://doi.org/10.20435/multi.v21i49.1114
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; Marschark & Spencer, 2011Marschark, M., & Spencer, P. E. (2011). The Oxford handbook of deaf studies, language, and education (2ª ed., Vol.1). Oxford University Press.).

Por outro lado, a surdez não é um obstáculo para a linguagem quando se trata da comunicação em si, já que a língua de sinais é a abertura para a integração social do surdo (Gianoto et al., 2016Gianoto, H. D. S. S., Gianotto, A. O., & Marques, H. R. (2016). Pais ouvintes, filhos surdos: barreiras na comunicação [Listeners deaf, children parents: barriers in communication]. Multitemas, 21(49), 161-180. https://doi.org/10.20435/multi.v21i49.1114
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; Karnopp et al., 2011Karnopp, L., Klein, M. & Lunardi-Lazzarin, M. L. (Orgs.). (2011). Cultura surda na contemporaneidade: negociações, intercorrências e provocações [Deaf culture in contemporary times: negotiations, complications and provocations]. ULBRA.; Quevedo et al., 2017Quevedo, R. F., Dambrós, S., & Sassi, R. (2017). Grupo de mães ouvintes de filhos surdos: relato de uma experiência de estágio [Group of hearing mothers of deaf children: Internship experience report]. Psicologia em Estudo, 22(1), 107-115. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v22i1.31794
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). É a partir do processo de escolarização que a criança estabelecerá diferentes experiências sociais, sendo importante para o desenvolvimento de comportamentos sociais (Antia & Kreimeyer, 2015Antia, S. D., & Kreimeyer, K. H. (2015). Social competence of deaf and hard-of-hearing children. Professional Perspectives on Deafness: evidence and applications. Oxford University Press.; Martins, 2012Martins, C. R. (2012). A cultura surda na escola [Deaf culture at school]. In: G. Perlin & M. Stumpf (Orgs). Um olhar sobre nós surdos: Leituras contemporâneas (pp. 159-166). CRV.). Sendo assim, a proposta da educação bilíngue para surdos, amparada pela Política Linguística de Educação Bilíngue - Língua Brasileira de Sinais (Libras) e Língua Portuguesa, defende que a escola deve ser um local que propicie contato com a língua natural do surdo - ou seja, a língua de sinais -, tenha profissionais surdos e ouvintes capacitados e bilíngues, assim como adaptações no currículo de aprendizagem para o aluno surdo. A educação bilíngue é compreendida como a escolarização que respeita a identidade surda e sua experiência visual como constituidora de uma cultura singular, a Cultura Surda (Martins & Lacerda, 2016Martins, V. R. O., & Lacerda, C. B. F. (2016). Educação inclusiva bilíngue para surdos: problematizações acerca das políticas educacionais e linguísticas [Inclusive bilingual education of deaf children: An analysis of education and language policies]. Revista de Educação PUC-Campinas, 21(2), 163-178. https://doi.org/10.24220/2318-0870v21n2a3277
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; Stürmer & Thoma, 2015Stürmer, I. E., & Thoma, A. D. S. (2015). Políticas Educacionais e Linguísticas para Surdos: discursos que produzem a educação bilíngue no Brasil na atualidade [Educational and linguistic policies for the deaf: Discourses that produce bilingual education in Brazil today]. [Anais] Reunião anual da associação nacional de pós-graduação e pesquisa em educação 37, 1-15. http://37reuniao.anped.org.br/wp-content/uploads/2015/02/Trabalho-GT15-4093.pdf
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). Diante essa perspectiva educacional, salienta-se que os processos de socialização de uma criança surda serão melhor elaborados dada a convivência com seus iguais, a partir da utilização da sua língua natural como meio de comunicação e aprendizado (Karnopp, Klein, & Lunardi-Lazzarin, 2011Karnopp, L., Klein, M. & Lunardi-Lazzarin, M. L. (Orgs.). (2011). Cultura surda na contemporaneidade: negociações, intercorrências e provocações [Deaf culture in contemporary times: negotiations, complications and provocations]. ULBRA.; Martins, 2012Martins, C. R. (2012). A cultura surda na escola [Deaf culture at school]. In: G. Perlin & M. Stumpf (Orgs). Um olhar sobre nós surdos: Leituras contemporâneas (pp. 159-166). CRV.; Stürmer & Thoma, 2015Stürmer, I. E., & Thoma, A. D. S. (2015). Políticas Educacionais e Linguísticas para Surdos: discursos que produzem a educação bilíngue no Brasil na atualidade [Educational and linguistic policies for the deaf: Discourses that produce bilingual education in Brazil today]. [Anais] Reunião anual da associação nacional de pós-graduação e pesquisa em educação 37, 1-15. http://37reuniao.anped.org.br/wp-content/uploads/2015/02/Trabalho-GT15-4093.pdf
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). Logo, a exposição protelada pode acarretar prejuízos quanto a aquisição e desenvolvimento das habilidades sociais.

A importância do desenvolvimento social dos surdos com pares está bem documentada, sendo que as habilidades sociais apresentam gradativo aumento conforme a percepção de amizade, aceitação entre os pares e participação social (Michelson et al., 1983Michelson, L., Sugai, D. P., Wood, R. P., & Kazdin, A. E. (1983). Social Skills Assessment and Training with Children: An empirically based handbook. Springer.). Ainda, cabe destacar que o grau de aquisição e responsividade se relaciona com o ambiente social no qual a criança ou adolescente participa (Michelson et al., 1983Michelson, L., Sugai, D. P., Wood, R. P., & Kazdin, A. E. (1983). Social Skills Assessment and Training with Children: An empirically based handbook. Springer.; Semrud-Clikeman, 2007Semrud-Clikeman, M. (2007). Social competence in children. Springer.), já que decorrem dos processos de validação social, naturais para qualquer indivíduo na decorrência de suas habilidades sociais.

Tendo em vista as características do desenvolvimento para os períodos da vida, as habilidades sociais diferem entre a infância e a adolescência. Considerando a rede de relações sociais que serão estabelecidas no contexto escolar, é necessário compreender aspectos do desenvolvimento social de crianças e adolescentes surdos que conviverão com seus pares, tendo em vista as dimensões de habilidades sociais utilizadas desses grupos etários. Casalli e Costa (2017Casalli, A. C. P., & Costa, C. S. L. (2017). Habilidades sociais de alunos surdos na perspectiva de professores da classe bilíngue, da classe comum e intérprete [Social skills of deaf students in teacher perspective of bilingual class, regular class and interpreter]. Revista Educação Especial, 30(57), 55-67. https://doi.org/10.5902/1984686X20286
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) avaliaram as habilidades sociais de 15 alunos surdos com idade entre 6 e 17 anos sob o ponto de vista dos professores, resultando que maioria possui um repertório mediano de habilidades sociais. Entretanto, crianças de 6 a 12 anos foram avaliadas com um repertório inferior nessas habilidades. Assim, percebe-se que há diferença nas habilidades de crianças e adolescentes surdos, porém ressalva-se a quantidade da amostra do estudo, bem como a avaliação pela perspectiva de outros, o que inviabiliza generalizações. Do mesmo modo, destaca-se o estudo de Streng e Kirk (1938Streng, A., & Kirk, S. (1938). The Social Competence of Deaf and Hard-of-Hearing Children in a Public Day-School. American Annals of the Deaf, 83(3), 244-254. http://www.jstor.org/stable/44391557
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), sendo uma das primeiras obras publicadas sobre o tema, o qual avaliou 97 crianças surdas oralizadas com idade entre 6 e 18 anos. Embora no geral esses surdos tenham habilidades sociais medianas, os resultados foram inconclusivos sobre as diferenças entre as faixas etárias de crianças e adolescentes para comportamentos sociais habilidosos desses participantes.

Compreender o desenvolvimento da interação social de um surdo requer estudos inovadores para essas pessoas, como contribuições que analisem comportamentos sociais específicos nas diferentes fases do desenvolvimento humano, considerando a emergência de questões fundamentais e não respondidas sobre a comunicação dos surdos (Brice & Strauss, 2016Brice, P. J., & Strauss, G. (2016). Deaf adolescents in a hearing world: a review of factors affecting psychosocial adaptation. Adolescent Health, Medicine and Therapeutics, 7(67). https://doi.org/10.2147/AHMT.S60261
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; Wake & Carew, 2016Wake, M., & Carew, P. (2016). Science, not philosophy, will help deaf and hard-of-hearing children reach their potencial. Pediatrics, 137(1), 1-2. https://doi.org/10.1542/peds.2015-3443
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). Estudos prévios abordando as habilidades sociais de pessoas com surdez são escassos, reverberando em lacunas a serem estudadas (Antia & Kreimeyer, 2015Antia, S. D., & Kreimeyer, K. H. (2015). Social competence of deaf and hard-of-hearing children. Professional Perspectives on Deafness: evidence and applications. Oxford University Press.; Del Prette & Del Prette, 2017Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2017). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática [Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática]. (5ª ed.). Vozes.; Marschark & Spencer, 2011Marschark, M., & Spencer, P. E. (2011). The Oxford handbook of deaf studies, language, and education (2ª ed., Vol.1). Oxford University Press.). Das pesquisas realizadas até o momento, os instrumentos geralmente são aplicados com os pais e/ou professores, o que limita a avaliação segundo a percepção daqueles que convivem com a criança (Casalli & Costa, 2017Casalli, A. C. P., & Costa, C. S. L. (2017). Habilidades sociais de alunos surdos na perspectiva de professores da classe bilíngue, da classe comum e intérprete [Social skills of deaf students in teacher perspective of bilingual class, regular class and interpreter]. Revista Educação Especial, 30(57), 55-67. https://doi.org/10.5902/1984686X20286
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). Desta forma, faz se necessário avaliar as habilidades sociais com instrumentos que sejam aplicados nas próprias crianças e adolescentes, levando em consideração a percepção destes e não de outrem. A partir das lacunas apresentadas pela literatura e da necessidade de compreender os comportamentos sociais em surdos pertencentes da escola bilíngue, os objetivos desse estudo podem ser divididos em dois: (a) comparar as habilidades sociais entre crianças e adolescentes surdos; (b) traçar o perfil discriminante entre crianças e adolescentes nessa população específica em relação aos comportamentos sociais habilidosos de cada grupo.

Método

Participantes

A amostra foi composta por 71 crianças e adolescentes surdos com idade entre 7 e 16 anos, distribuídos em dois grupos pelo critério de faixa etária: participantes com idade entre 7 e 11 anos pertenceram ao grupo de crianças (n = 26; 36,6%), e apresentaram idade média de 8,88 anos (DP = 1,33) e participantes com idade entre 12 e 16 anos foram incluídos ao grupo de adolescentes (n = 45; 63,4%), com idade média de 13,6 anos (DP = 1,36).

Os participantes estavam matriculados em quatro escolas bilíngues da rede pública das regiões metropolitanas e da Serra Gaúcha do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Dessa forma, 42,3% (n = 29) dos participantes encontravam-se nas séries iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), 52,1% (n = 38) estavam matriculados nas séries finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e 5,6% (n = 4) eram alunos do Ensino Médio. A maioria dos participantes nunca reprovou (70,4%, n = 50), estudou sempre na mesma escola (63,4%, n = 45) e pertence às Classes Econômicas C, D e E (83,1%; n = 59), segundo a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2016Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (2016). Critério Brasil 2016 [Brazil Criterion 2016]. http://www.abep.org/download
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). Importante salientar que não fizeram parte da amostra crianças e adolescentes com outro diagnóstico que se valha de prejuízo cognitivo diagnosticado previamente, o qual foi fornecido pela família ou escola, ou por estarem além ou aquém da faixa etária estabelecida (n = 105), ou pela não anuência do responsável para a participação do filho nessa pesquisa (n = 12).

Instrumentos

Questionário Sociodemográfico

O questionário sociodemográfico foi desenvolvido para conhecer especificidades da população amostral, tais como idade, sexo, escolaridade e diagnósticos sobre síndromes, prejuízo cognitivo, entre outros. Além disso, abordou-se informações sobre a classificação socioeconômica dos participantes, segundo o Critério Brasil (ABEP, 2016Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (2016). Critério Brasil 2016 [Brazil Criterion 2016]. http://www.abep.org/download
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).

Teste de Habilidades Sociais para Crianças e Adolescentes em Situação Escolar (THAS-C)

Instrumento criado por Bartholomeu et al. (2014Bartholomeu, D., Silva, M. C. R., & Montiel, J. M. (2014). Teste de habilidades sociais para crianças e adolescentes em situação escolar - manual [Social skills test for school children and adolescents - manual]. Memnon.) que avalia as habilidades sociais em contexto escolar de crianças de 7 a 15 anos de idade, porém resguardou-se junto aos autores a possibilidade de aplicação a adolescentes de 16 anos. Trata-se de uma escala likert de três pontos (sempre, às vezes e nunca), composta por 23 itens que avaliam 3 fatores: Civilidade e Altruísmo (13 itens); Conversação e Desenvoltura Social (6 itens); e Assertividade com Enfrentamento (4 itens). A pontuação bruta é transposta em percentis fornecidos por idades, gerando classificações que variam de Habilidade Social Muito Baixa (quartil abaixo de 25) e Habilidade Social Muito Alta (quartil acima de 75). Os coeficientes de precisão forneceram índices de 0,83 para o coeficiente alfa de Cronbach (Bartholomeu et al., 2014Bartholomeu, D., Silva, M. C. R., & Montiel, J. M. (2014). Teste de habilidades sociais para crianças e adolescentes em situação escolar - manual [Social skills test for school children and adolescents - manual]. Memnon.). Para o presente estudo, o índice de confiabilidade foi de 0,87 para o coeficiente alfa de Cronbach.

A aplicação do instrumento foi realizada individualmente, com duração entre 15 e 30 minutos, em uma sala cedida em cada escola, com a presença de um tradutor intérprete de Libras. A fim de o instrumento tornar-se mais sensível, verificou-se a necessidade de adaptar o conteúdo da Libras em questão da idade dos participantes juntamente a uma pedagoga surda. Andrade e Castro (2016Andrade, L. F., & Castro, S. S. (2016). Saúde e surdez: instrumentos de pesquisas adaptados à língua de sinais - uma revisão sistemática [Health and hearing: Research instruments adapted to sign language - a systematic review]. Medicina (Ribeirão Preto Online) 49(2), 175-184. https://doi.org/10.11606/issn.2176-7262.v49i2p175-184
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) confirmam a necessidade de instrumentos adaptados à língua de sinais, visto que a população surda tem o direito de ser avaliada de acordo com sua língua materna, reverberando em respeito para com suas especificidades culturais. A escolha por um instrumento que avaliasse as habilidades sociais em ambiente escolar decorreu visto que o contexto de avaliação deve ser naturalístico (Del Prette & Del Prette, 2017Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2017). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática [Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática]. (5ª ed.). Vozes.), ou seja, um ambiente que seja real ao que os participantes vivenciam.

Procedimentos Éticos e de Coleta

Realizou-se contato com instituições de ensino, buscando inicialmente a anuência de uma escola destinada a surdos. Após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), sob parecer de número 1.917.775, realizou-se contato telefônico com as instituições de ensino de crianças surdas, sendo que quatro escolas aceitaram participar. Na maioria das escolas, a equipe diretiva entrou em contato com as famílias, enviando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o Questionário Sociodemográfico para os responsáveis. Com cada criança e adolescente, foi feito rapport e aplicado o instrumento transposto para a Libras junto à um tradutor intérprete de Libras, bem como realizada a assinatura do Termo de Assentimento.

Análise de Dados

Os dados foram analisados com o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22.0 (IBM Corporation, 2013IBM Corporation (2013). IBM SPSS Statistics for Windows (versão 22.0) [Progama de Computador]. IBM Corp.) por análises descritivas (média, desvio padrão, frequência) e de comparação de grupos, optando-se pelo teste t de Student, considerando o nível de significância de 5% (Field, 2016Field, A. (2016). Discovering statistics using IBM SPSS Statistics (4ª ed.). Sage.; Sampieri et al., 2013Sampieri, R. H., Collado, C. H. & Lucio, P. B. (2013). Metodologia de Pesquisa [Research Methodology] (5ª ed.). McGraw-Hill.). Para as análises inferenciais, utilizou-se o teste Kolmogorov-Smirnov, no qual se verificou a distribuição homogênea.

Para traçar o perfil discriminante entre crianças e adolescentes surdos, foi utilizada a técnica multivariada da análise discriminante. Esta modalidade de análise estatística se aplica em situações nas quais a amostra pode ser dividida em grupos a partir de uma variável dependente, nesse caso consideradas as faixas etárias criança e adolescente. Os objetivos dessa análise são destinados a entender as diferenças entre grupos, possibilitando prever a probabilidade na qual um indivíduo pertencerá a um perfil em particular com base nas variáveis independentes (Hair et al., 2009Hair Jr., J.F., Black, W.C., Babin, B.J., Anderson, R.E., & Tatham, R.L. (2009). Análise multivariada de dados [Análise multivariada de dados]. (6ª ed.). A. S. Sant'Anna [Trad.]. Bookman.). Diante isso, indicou-se os comportamentos sociais e os fatores de habilidades sociais que estão, estatisticamente, mais associados ao grupo de crianças ou de adolescentes.

Resultados

A comparação dos subgrupos criança e adolescente possibilitou verificar diferenças entre os grupos, sendo que adolescentes surdos apresentaram médias mais elevadas nos fatores “Civilidade e Altruísmo” e “Assertividade e Enfrentamento”, bem como na Classificação Geral de Habilidades Sociais. Por outro lado, não foram identificadas diferenças entre os grupos para Conversação e Desenvoltura Social (Tabela 1).

Tabela 1
Comparação de Habilidades Sociais entre Crianças e Adolescentes Surdos

Tendo em vista que adolescentes surdos são mais hábeis socialmente que crianças surdas, realizou-se a análise discriminante objetivando verificar os comportamentos socialmente hábeis que identificam cada um dos grupos. Assim, a função obtida no perfil discriminante entre as faixas etárias, por ser única, explica 100% da variabilidade entre os grupos. A função discriminante é significativa (χ2 = 10,734; p = 0,005) e apresenta uma correlação canônica discriminante de 0,382 (Tabela 2).

Tabela 2
Valores da Função Discriminante entre Crianças e Adolescentes Surdos

Pode-se observar um λ de Wilks de 0,854, equivalente a uma variância explicada pela função discriminante de 17,1%. Com relação à classificação, a função obtida classifica corretamente 69,0% dos participantes em seus respectivos grupos, sendo um bom índice de classificação preditiva por meio do perfil da função obtida (Tabela 3).

Tabela 3
Valores da Classificação Discriminante entre Crianças e Adolescentes

O grupo de crianças apresentou valor centroide de 0,530, enquanto o grupo de adolescentes apresentou o valor de -0,310. Esses valores indicam que os grupos estão bem afastados pelo perfil obtido, podendo ser discriminados pelas variáveis apresentadas, sendo que o sinal das correlações obtidas indica a direção favorável a um grupo ou outro. As variáveis significativas e mais relevantes na capacidade discriminativa entre as faixas etárias criança e adolescente estão ordenadas por tamanho absoluto de correlação na matriz estrutural, tendo como ponto de corte 0,200 (Tabela 4).

Tabela 4
Comportamentos Sociais Discriminados entre Crianças e Adolescentes

Dos 23 comportamentos sociais e itens do THAS-C, oito foram discriminados entre os grupos, conforme a Tabela 4. Os comportamentos sociais que mais discriminam os grupos foram vergonha em falar para a sala toda (0,685), em direção ao grupo de crianças surdas, e ajudar os amigos quando precisam (-0,606), a favor do grupo de adolescentes surdos. Com poder moderado de discriminação entre os grupos, aparecem os comportamentos de vergonha ao chegar num grupo que não conhece (0,410), sentir raiva ao ser criticado mesmo que justamente (0,369), vergonha ao perguntar algo a um desconhecido (0,220) e falar quando algum amigo disser algo que não gostou (0,210), em direção ao grupo de crianças.

Por outro lado, comportamentos associados a ser gentil com os amigos na sala (-0,259) e elogiar um amigo (-0,224) direcionaram com poder moderado para o grupo de adolescentes surdos. Nesse sentido, é possível observar que os valores que mais discriminam as crianças e os adolescentes, na direção dos primeiros, estão associados a Conversação e Desenvoltura Social e Assertividade com Enfrentamento. Além disso, os valores referentes a uma maior funcionalidade nas habilidades de Civilidade e Altruísmo discriminam os grupos em favor dos adolescentes.

Discussão

Os resultados apontam que há diferença entre os grupos etários referente às habilidades sociais, sendo que adolescentes surdos apresentam níveis mais elevados quando comparados às crianças surdas, corroborando com os resultados de Casalli e Costa (2017Casalli, A. C. P., & Costa, C. S. L. (2017). Habilidades sociais de alunos surdos na perspectiva de professores da classe bilíngue, da classe comum e intérprete [Social skills of deaf students in teacher perspective of bilingual class, regular class and interpreter]. Revista Educação Especial, 30(57), 55-67. https://doi.org/10.5902/1984686X20286
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) e avançando resultados inconclusivos (Streng & Kirk, 1938Streng, A., & Kirk, S. (1938). The Social Competence of Deaf and Hard-of-Hearing Children in a Public Day-School. American Annals of the Deaf, 83(3), 244-254. http://www.jstor.org/stable/44391557
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). O resultado também confirma estudos que apontam que, com o avançar da idade, ocorre um aumento no repertório de habilidades sociais (Boyer & Nelson, 2015Boyer, B. P., & Nelson, J. A. (2015). Longitudinal associations of childhood parenting and adolescent health: The mediating influence of social competence. Child Development, 86(3), 828-843. https://doi.org/10.1111/cdev.12347
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; Semrud-Clikeman, 2007Semrud-Clikeman, M. (2007). Social competence in children. Springer.; Silva & Cavalcante, 2015Silva, T. A., & Cavalcante, L. I. C. (2015). Habilidades Sociais e Características Pessoais em Escolares de Belém [Social Skills and Personal Features at Belém Students]. Psicologia: Reflexão e Crítica, 28(4), 850-858. https://doi.org/10.1590/1678-7153.201528424
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). Diante isso, salienta-se que crianças surdas apresentaram menores escores de habilidades sociais por vivenciarem menor número de interações sociais quando comparadas aos adolescentes surdos. Estes últimos passam a experenciar um número maior de relacionamentos sociais a partir do desenvolvimento etário e da participação mais ativa em diferentes ambientes. Isso porque os adolescentes apresentam maior autonomia em relação às crianças, que dependerão dos contextos que a família interage para aquisição e desenvolvimento de um repertório social (Antia & Kreimeyer, 2015Antia, S. D., & Kreimeyer, K. H. (2015). Social competence of deaf and hard-of-hearing children. Professional Perspectives on Deafness: evidence and applications. Oxford University Press.; Lobo, 2016Lobo, M. C. (2016). Adolescente surdo e os conflitos da idade: o olhar da Psicologia [Deaf adolescent and age conflicts: The look of Psychology]. Revista Núcleo de Estudos Paranaenses da UFPR, 2(5), 132-143. https://doi.org/10.5380/nep.v2i5.49565
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; Semrud-Clikeman, 2007Semrud-Clikeman, M. (2007). Social competence in children. Springer.).

Embora não seja o único fator, é a partir do desenvolvimento da comunicação que se faz a produção de sentido na interação social de um surdo (Batten et al., 2014Batten, G., Oakes, P. M., & Alexander, T. (2014). Factors associated with social interactions between deaf children and their hearing peers: A systematic literature review. Journal of Deaf Studies and Deaf Education, 19(3), 285-302. https://doi.org/10.1093/deafed/ent052
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; Karnopp et al., 2011Karnopp, L., Klein, M. & Lunardi-Lazzarin, M. L. (Orgs.). (2011). Cultura surda na contemporaneidade: negociações, intercorrências e provocações [Deaf culture in contemporary times: negotiations, complications and provocations]. ULBRA.; Marschark & Spencer, 2011Marschark, M., & Spencer, P. E. (2011). The Oxford handbook of deaf studies, language, and education (2ª ed., Vol.1). Oxford University Press.; Martins, 2012Martins, C. R. (2012). A cultura surda na escola [Deaf culture at school]. In: G. Perlin & M. Stumpf (Orgs). Um olhar sobre nós surdos: Leituras contemporâneas (pp. 159-166). CRV.). Os adolescentes surdos participantes dessa amostra, ao apresentarem habilidades sociais mais elevadas quando comparadas às crianças surdas, denotam maior maturidade na comunicação, possivelmente pelo desenvolvimento de Libras. A partir disso, tem-se que a evolução da interação ocorre entre seus iguais, ou seja, entre aqueles que compartilham a Cultura Surda e a língua de sinais, revelando reforço contínuo na formação e constância das habilidades sociais desses adolescentes surdos (Lobo, 2016Lobo, M. C. (2016). Adolescente surdo e os conflitos da idade: o olhar da Psicologia [Deaf adolescent and age conflicts: The look of Psychology]. Revista Núcleo de Estudos Paranaenses da UFPR, 2(5), 132-143. https://doi.org/10.5380/nep.v2i5.49565
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).

O relacionamento entre pares promove ao adolescente surdo experiências cruciais, devido a motivação e interesses e atividades em comum para o desenvolvimento de novas habilidades, como, por exemplo, a habilidade de negociação, que perpassa a aprendizagem no núcleo familiar (Antia & Kreimeyer, 2015Antia, S. D., & Kreimeyer, K. H. (2015). Social competence of deaf and hard-of-hearing children. Professional Perspectives on Deafness: evidence and applications. Oxford University Press.; Lobo, 2016Lobo, M. C. (2016). Adolescente surdo e os conflitos da idade: o olhar da Psicologia [Deaf adolescent and age conflicts: The look of Psychology]. Revista Núcleo de Estudos Paranaenses da UFPR, 2(5), 132-143. https://doi.org/10.5380/nep.v2i5.49565
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; Semrud-Clikeman, 2007Semrud-Clikeman, M. (2007). Social competence in children. Springer.). Adolescentes passam maior tempo com seus amigos, dos quais apresentam interesses e crenças em comum, o que favorece um sentimento de igualdade e reciprocidade (Antia & Kreimeyer, 2015Antia, S. D., & Kreimeyer, K. H. (2015). Social competence of deaf and hard-of-hearing children. Professional Perspectives on Deafness: evidence and applications. Oxford University Press.; Batten, et al., 2014Batten, G., Oakes, P. M., & Alexander, T. (2014). Factors associated with social interactions between deaf children and their hearing peers: A systematic literature review. Journal of Deaf Studies and Deaf Education, 19(3), 285-302. https://doi.org/10.1093/deafed/ent052
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). Conforme desenvolve interações e laços de amizade, o adolescente também aprende a resolver conflitos com o outro (Antia & Kreimeyer, 2015Antia, S. D., & Kreimeyer, K. H. (2015). Social competence of deaf and hard-of-hearing children. Professional Perspectives on Deafness: evidence and applications. Oxford University Press.; Del Prette & Del Prette, 2017Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2017). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática [Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática]. (5ª ed.). Vozes.; Lobo, 2016Lobo, M. C. (2016). Adolescente surdo e os conflitos da idade: o olhar da Psicologia [Deaf adolescent and age conflicts: The look of Psychology]. Revista Núcleo de Estudos Paranaenses da UFPR, 2(5), 132-143. https://doi.org/10.5380/nep.v2i5.49565
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; Semrud-Clikeman, 2007Semrud-Clikeman, M. (2007). Social competence in children. Springer.), sendo que esses estímulos psicossociais valorizam as habilidades de Assertividade com Enfrentamento de forma mais positiva. Ainda, ressalta-se que o adolescente, com o desenvolvimento etário, já possui maior maturidade cognitiva para reconhecer emoções (Del Prette & Del Prette, 2017Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2017). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática [Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática]. (5ª ed.). Vozes.; Semrud-Clikeman, 2007Semrud-Clikeman, M. (2007). Social competence in children. Springer.), para interpretar o outro e a situação social que se apresenta e agir de forma específica em relação à interação que está vivenciando (Antia & Kreimeyer, 2015Antia, S. D., & Kreimeyer, K. H. (2015). Social competence of deaf and hard-of-hearing children. Professional Perspectives on Deafness: evidence and applications. Oxford University Press.). Dessa maneira, a maturidade cognitiva e as experiências sociais permitem múltiplas oportunidades de avaliar, selecionar e ensaiar comportamentos sociais com os outros em diferentes contextos.

Referente à Conversação e Desenvoltura Social, não se observou diferenças estatisticamente significativas entre o grupo de crianças e o de adolescentes surdos. Percebe-se que todos os participantes apresentaram um repertório de habilidades abaixo da média nesse fator. Bartholomeu et al. (2014Bartholomeu, D., Silva, M. C. R., & Montiel, J. M. (2014). Teste de habilidades sociais para crianças e adolescentes em situação escolar - manual [Social skills test for school children and adolescents - manual]. Memnon.) apontam que esse fator envolve condutas sociais com maior grau de dificuldade para sua emissão em um contexto social, visto que apresentam componentes morais, incluindo-se a presença de emoções reguladoras, como a vergonha em expor-se frente a outros. Corroborando a norma de validação do instrumento no presente estudo, essa dimensão é a que apresenta o maior nível de dificuldade, tanto no grupo de crianças quanto no grupo de adolescentes surdos. Papalia e Feldman (2013Papalia, D. E., & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento humano [Human development] (12a ed.). Artmed.) afirmam que, na terceira infância e na adolescência, a vergonha passa a ser internalizada, bem como a capacidade de regular emoções negativas. Entretanto, não se observou esse resultado em crianças e adolescentes surdos. Salienta-se que esse pode ser um fator de risco para essa população, visto que dificuldades nessa dimensão promovem constrangimento em situações de exposição, impedindo a tomada de iniciativas e ocasionando prejuízo social significativo (Bartholomeu, et al., 2014Bartholomeu, D., Silva, M. C. R., & Montiel, J. M. (2014). Teste de habilidades sociais para crianças e adolescentes em situação escolar - manual [Social skills test for school children and adolescents - manual]. Memnon.; Del Prette & Del Prette, 2017Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2017). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática [Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática]. (5ª ed.). Vozes.).

Tendo em vista as diferenças apresentadas entre os grupos etários, apresentou-se quais comportamentos sociais diferem essas crianças e adolescentes surdos no contexto escolar. O perfil discriminante de crianças e adolescentes surdos evidenciou que os participantes da amostra correspondentes ao grupo de crianças apresentaram um perfil de comportamentos sociais próprios, sendo: vergonha de falar para a sala toda; vergonha ao chegar num grupo que não conhece; sentir raiva ao ser criticado, mesmo que justamente; vergonha ao perguntar algo a um desconhecido; e falar quando algum amigo disser algo que não gostou. Com exceção do último item, que engloba habilidades de Assertividade com Enfrentamento, os outros comportamentos sociais se relacionam à Conversação e Desenvoltura Social.

Diante essas características, é possível afirmar que as crianças surdas da amostra apresentam comportamentos sociais típicos de crianças ouvintes, expressando suas emoções e ações sociais com menor desenvoltura e escolha adaptativa (Marschark & Spencer, 2011Marschark, M., & Spencer, P. E. (2011). The Oxford handbook of deaf studies, language, and education (2ª ed., Vol.1). Oxford University Press.). Cabe ressaltar que as habilidades sociais diferem em relação à idade da criança ou adolescente, tendo maior ou menor importância e utilizadas em maior ou menor grau, de acordo com suas interações (Antia & Kreimeyer, 2015Antia, S. D., & Kreimeyer, K. H. (2015). Social competence of deaf and hard-of-hearing children. Professional Perspectives on Deafness: evidence and applications. Oxford University Press.; Semrud-Clikeman, 2007Semrud-Clikeman, M. (2007). Social competence in children. Springer.). Assim, o nível de dificuldade de aquisição e desempenho dessas habilidades varia, sendo Civilidade e Altruísmo a dimensão mais fácil e Conversação e Desenvoltura Social o fator mais difícil (Bartholomeu, et al., 2014Bartholomeu, D., Silva, M. C. R., & Montiel, J. M. (2014). Teste de habilidades sociais para crianças e adolescentes em situação escolar - manual [Social skills test for school children and adolescents - manual]. Memnon.).

As crianças surdas da referida amostra também apresentaram o comportamento de falar quando um amigo disser algo que ela não gostou. Porém, destaca-se que a forma que esse comportamento é desempenhado pode ser pouco assertiva, já que a fluência na comunicação ainda é restrita e essas crianças estão aprendendo a interagir com seus pares em ambiente escolar (Antia & Kreimeyer, 2015Antia, S. D., & Kreimeyer, K. H. (2015). Social competence of deaf and hard-of-hearing children. Professional Perspectives on Deafness: evidence and applications. Oxford University Press.; Marschark, et al., 2014; Martins, 2012Martins, C. R. (2012). A cultura surda na escola [Deaf culture at school]. In: G. Perlin & M. Stumpf (Orgs). Um olhar sobre nós surdos: Leituras contemporâneas (pp. 159-166). CRV.). Por outro lado, o resultado demonstra que estão sendo aprendidas e desenvolvidas habilidades de Assertividade com Enfrentamento, fundamentais para o convívio social em relação ao respeito a seus interesses e à defesa de seus direitos e opiniões (Bartholomeu et al., 2014Bartholomeu, D., Silva, M. C. R., & Montiel, J. M. (2014). Teste de habilidades sociais para crianças e adolescentes em situação escolar - manual [Social skills test for school children and adolescents - manual]. Memnon.; Del Prette & Del Prette, 2017Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2017). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática [Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática]. (5ª ed.). Vozes.; Semrud-Clikeman, 2007Semrud-Clikeman, M. (2007). Social competence in children. Springer.). Por tratar-se de um nível moderado de desempenho, comportamentos sociais que englobam a dimensão de Assertividade com Enfrentamento podem ser adquiridos mais tardiamente (Bartholomeu et al., 2014Bartholomeu, D., Silva, M. C. R., & Montiel, J. M. (2014). Teste de habilidades sociais para crianças e adolescentes em situação escolar - manual [Social skills test for school children and adolescents - manual]. Memnon.), sendo que as crianças da amostra já apresentam esse comportamento como característico para a idade.

Por outro lado, o perfil que discrimina os adolescentes surdos em relação às crianças envolve os seguintes comportamentos sociais: ajudar os amigos quando precisam; ser gentil com os amigos na sala; e elogiar um amigo. Tendo em vista esses comportamentos sociais, destaca-se que todos pertencem à categoria de Civilidade e Altruísmo de habilidades sociais. As habilidades de Civilidade e Altruísmo envolvem os comportamentos mais fáceis de serem emitidos e indicam que esses adolescentes surdos dominam as normas de condutas sociais mais básicas, o que favorece sua socialização (Bartholomeu et al., 2014Bartholomeu, D., Silva, M. C. R., & Montiel, J. M. (2014). Teste de habilidades sociais para crianças e adolescentes em situação escolar - manual [Social skills test for school children and adolescents - manual]. Memnon.). Com o passar do tempo, apoiado na inserção escolar, o adolescente surdo apresenta um crescimento cognitivo, bem como a influência dos amigos e da própria escola, servindo como modelos para o desenvolvimento de habilidades sociais relacionadas à maior polidez na sua expressão com os demais (Antia & Kreimeyer, 2015Antia, S. D., & Kreimeyer, K. H. (2015). Social competence of deaf and hard-of-hearing children. Professional Perspectives on Deafness: evidence and applications. Oxford University Press.; Marschark & Spencer, 2011Marschark, M., & Spencer, P. E. (2011). The Oxford handbook of deaf studies, language, and education (2ª ed., Vol.1). Oxford University Press.; Papalia & Feldman, 2013Papalia, D. E., & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento humano [Human development] (12a ed.). Artmed.; Semrud-Clikeman, 2007Semrud-Clikeman, M. (2007). Social competence in children. Springer.). Os grupos que o adolescente surdo irá participar auxilia em várias funções, incluindo suporte emocional, validação, fonte de informações, aconselhamentos, sentimento de solidariedade, desenvolvimento moral e modelo social. Sendo assim, é importante para o adolescente sentir-se conectado com outros surdos e ambientes específicos que se sinta à vontade para explorar interações, bem como ser reconhecido socialmente de forma mais positiva por colegas e adultos (Del Prette & Del Prette, 2017Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2017). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática [Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática]. (5ª ed.). Vozes.; Karnopp et al., 2011Karnopp, L., Klein, M. & Lunardi-Lazzarin, M. L. (Orgs.). (2011). Cultura surda na contemporaneidade: negociações, intercorrências e provocações [Deaf culture in contemporary times: negotiations, complications and provocations]. ULBRA.; Lobo, 2016Lobo, M. C. (2016). Adolescente surdo e os conflitos da idade: o olhar da Psicologia [Deaf adolescent and age conflicts: The look of Psychology]. Revista Núcleo de Estudos Paranaenses da UFPR, 2(5), 132-143. https://doi.org/10.5380/nep.v2i5.49565
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; Marschark & Spencer, 2011Marschark, M., & Spencer, P. E. (2011). The Oxford handbook of deaf studies, language, and education (2ª ed., Vol.1). Oxford University Press.; Martins, 2012Martins, C. R. (2012). A cultura surda na escola [Deaf culture at school]. In: G. Perlin & M. Stumpf (Orgs). Um olhar sobre nós surdos: Leituras contemporâneas (pp. 159-166). CRV.; Semrud-Clikeman, 2007Semrud-Clikeman, M. (2007). Social competence in children. Springer.). Logo, destaca-se que os resultados do presente estudo se sustentam amparados pela literatura, na qual fatores relacionados ao desenvolvimento de amizades e a participação em contextos que favoreçam a comunicação estão intimamente conectados às habilidades de Civilidade e Altruísmo, o que é esperado na fase da adolescência (Papalia & Feldman, 2013Papalia, D. E., & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento humano [Human development] (12a ed.). Artmed.; Semrud-Clikeman, 2007Semrud-Clikeman, M. (2007). Social competence in children. Springer.).

A escola e a comunidade surda podem ser facilitadoras no processo de aquisição de habilidades sociais para os surdos, visto que os professores e surdos adultos são modelos para essas crianças e adolescentes. Dessa forma, a escola bilíngue e espaços de inclusão de surdos são importantes e podem promover programas e atividades mediando a socialização dos surdos para melhor desempenho nas relações sociais (Batten et al., 2014Batten, G., Oakes, P. M., & Alexander, T. (2014). Factors associated with social interactions between deaf children and their hearing peers: A systematic literature review. Journal of Deaf Studies and Deaf Education, 19(3), 285-302. https://doi.org/10.1093/deafed/ent052
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; Del Prette & Del Prette, 2017Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2017). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática [Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática]. (5ª ed.). Vozes.; Karnopp et al., 2011Karnopp, L., Klein, M. & Lunardi-Lazzarin, M. L. (Orgs.). (2011). Cultura surda na contemporaneidade: negociações, intercorrências e provocações [Deaf culture in contemporary times: negotiations, complications and provocations]. ULBRA.; Lobo, 2016Lobo, M. C. (2016). Adolescente surdo e os conflitos da idade: o olhar da Psicologia [Deaf adolescent and age conflicts: The look of Psychology]. Revista Núcleo de Estudos Paranaenses da UFPR, 2(5), 132-143. https://doi.org/10.5380/nep.v2i5.49565
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; Marschark & Spencer, 2011Marschark, M., & Spencer, P. E. (2011). The Oxford handbook of deaf studies, language, and education (2ª ed., Vol.1). Oxford University Press.). Decorrente da participação ativa na comunidade surda e aumento dos vínculos sociais, o adolescente possui o sentimento de autorreconhecimento mais elaborado sobre sua identidade surda (Brice & Strauss, 2016Brice, P. J., & Strauss, G. (2016). Deaf adolescents in a hearing world: a review of factors affecting psychosocial adaptation. Adolescent Health, Medicine and Therapeutics, 7(67). https://doi.org/10.2147/AHMT.S60261
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; Lobo, 2016Lobo, M. C. (2016). Adolescente surdo e os conflitos da idade: o olhar da Psicologia [Deaf adolescent and age conflicts: The look of Psychology]. Revista Núcleo de Estudos Paranaenses da UFPR, 2(5), 132-143. https://doi.org/10.5380/nep.v2i5.49565
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; Marschark & Spencer, 2011Marschark, M., & Spencer, P. E. (2011). The Oxford handbook of deaf studies, language, and education (2ª ed., Vol.1). Oxford University Press.). Consequentemente, esse adolescente terá maiores chances de desenvolver comportamentos cíveis e de reciprocidade com seus pares, conforme os resultados provindos dessa amostra, os quais participam da escola bilíngue.

Considerações Finais

Considerando os objetivos do presente estudo, evidenciou-se que adolescentes surdos possuem um repertório de habilidades sociais mais elevados em comparação às crianças surdas. Crianças apresentam comportamentos sociais relacionados à Conversação e Desenvoltura Social e Assertividade com Enfrentamento e adolescentes possuem perfil conexo à Civilidade e Altruísmo. Os resultados são importantes para compreender as variáveis de comportamentos sociais que explicam o desenvolvimento social das habilidades sociais em indivíduos surdos.

As habilidades sociais, por dependerem de um contexto para serem adequadas ou não, devem ser avaliadas dentro da cultura e considerando as particularidades do indivíduo (Antia & Kreimeyer, 2015Antia, S. D., & Kreimeyer, K. H. (2015). Social competence of deaf and hard-of-hearing children. Professional Perspectives on Deafness: evidence and applications. Oxford University Press.; Del Prette & Del Prette, 2017Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2017). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática [Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática]. (5ª ed.). Vozes.; Lobo, 2016Lobo, M. C. (2016). Adolescente surdo e os conflitos da idade: o olhar da Psicologia [Deaf adolescent and age conflicts: The look of Psychology]. Revista Núcleo de Estudos Paranaenses da UFPR, 2(5), 132-143. https://doi.org/10.5380/nep.v2i5.49565
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). É importante salientar que os resultados dessa pesquisa advêm de crianças e adolescentes surdos provindos de famílias ouvintes, pertencentes então da cultura ouvinte e da Cultura Surda (Antia & Kreimeyer, 2015Antia, S. D., & Kreimeyer, K. H. (2015). Social competence of deaf and hard-of-hearing children. Professional Perspectives on Deafness: evidence and applications. Oxford University Press.; Karnopp et al., 2011Karnopp, L., Klein, M. & Lunardi-Lazzarin, M. L. (Orgs.). (2011). Cultura surda na contemporaneidade: negociações, intercorrências e provocações [Deaf culture in contemporary times: negotiations, complications and provocations]. ULBRA.). Essas crianças e adolescentes podem tornar-se emocional e socialmente competentes, se dadas oportunidades para o desenvolvimento da consciência, pensamento independente, boa habilidade na resolução de problemas, identidade social e qualidade de vida no decorrer de seu desenvolvimento (Batten et al., 2014Batten, G., Oakes, P. M., & Alexander, T. (2014). Factors associated with social interactions between deaf children and their hearing peers: A systematic literature review. Journal of Deaf Studies and Deaf Education, 19(3), 285-302. https://doi.org/10.1093/deafed/ent052
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; Brice & Strauss, 2016Brice, P. J., & Strauss, G. (2016). Deaf adolescents in a hearing world: a review of factors affecting psychosocial adaptation. Adolescent Health, Medicine and Therapeutics, 7(67). https://doi.org/10.2147/AHMT.S60261
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; Lobo, 2016Lobo, M. C. (2016). Adolescente surdo e os conflitos da idade: o olhar da Psicologia [Deaf adolescent and age conflicts: The look of Psychology]. Revista Núcleo de Estudos Paranaenses da UFPR, 2(5), 132-143. https://doi.org/10.5380/nep.v2i5.49565
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; Marschark & Spencer, 2011Marschark, M., & Spencer, P. E. (2011). The Oxford handbook of deaf studies, language, and education (2ª ed., Vol.1). Oxford University Press.; Semrud-Clikeman, 2007Semrud-Clikeman, M. (2007). Social competence in children. Springer.). Isso ocorrerá especialmente se estas habilidades forem ensinadas enfatizando o papel da família, professores e profissionais que convivem com crianças e adolescentes surdos, promovendo maior competência social e permitindo que esses surdos jovens participem do processo. Salienta-se que todos devem estar conectados, visto que o senso de pertença e reconhecimento podem contribuir no desenvolvimento e adaptação social de crianças e adolescentes surdos, atuando na melhor qualidade de vida nessa população (Brice & Strauss, 2016Brice, P. J., & Strauss, G. (2016). Deaf adolescents in a hearing world: a review of factors affecting psychosocial adaptation. Adolescent Health, Medicine and Therapeutics, 7(67). https://doi.org/10.2147/AHMT.S60261
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; Del Prette & Del Prette; 2017Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2017). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática [Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática]. (5ª ed.). Vozes.; Marschark & Spencer, 2011Marschark, M., & Spencer, P. E. (2011). The Oxford handbook of deaf studies, language, and education (2ª ed., Vol.1). Oxford University Press.).

Frente às limitações do estudo, observa-se a necessidade de avaliar as habilidades sociais incluindo instrumentos que avaliem outras variáveis relacionadas a surdez, como por exemplo os níveis de perda auditiva, período de identificação da surdez e os tipos de surdez (congênita ou adquirida), pois podem ser variáveis intervenientes para essas habilidades sociais. Além disso, limita-se esses resultados às habilidades sociais direcionadas em contexto escolar, sendo necessário incluir os comportamentos sociais desses participantes surdos que sejam provenientes de outros ambientes. Ainda, o não uso de instrumentos que avaliem deficit cognitivos nesses participantes limita os resultados ao que os responsáveis alegam sobre outros diagnósticos de seus filhos, já que essa informação foi adquirida pela resposta desses pais. Não menos importante, destaca-se que o tamanho da amostra também pode ser considerado pequeno para propor generalizações, embora se saiba que surdos são uma minoria na população geral. De todo modo, o estudo é inovador e promoveu resultados relevantes para a compreensão da sociabilidade desses participantes.

Sugere-se que futuras pesquisas abarquem o contexto de habilidades sociais na população de surdos, incluindo outros contextos para além do escolar, identificando se esses comportamentos sociais continuam caracterizando os grupos etários incluídos neste estudo. Ainda, recomenda-se que sejam realizados estudo de comparação com a população ouvinte em relação aos surdos, evidenciando se existem diferenças nesses perfis de comportamentos sociais ou se os mesmos se equiparam.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2018
  • Revisado
    23 Jan 2018
  • Aceito
    25 Abr 2020
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