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Escolher é Ser Escolhida: Meninice, Pobreza e Casamento Infantil no Brasil* * Trabalho derivado da dissertação de mestrado da primeira autora, orientada pela segunda.

Choosing to be Choosen: Childhood, Poverty and Child Marriage in Brazil

Resumo

O casamento infantil é um problema social brasileiro, atinge mais meninas do que meninos e tem como características a consesualidade e certa “agência” das meninas pela união. O objetivo da pesquisa foi levantar os fatores subjetivos gendrados presentes nessa pretensa “escolha” e perscrutar demais especificidades do cotidiano conjugal vivido pelas meninas esposas. Trata-se de pesquisa qualitativa que entrevistou meninas casadas em cidades do interior do Estado de Goiás. Compreendeu-se que: elas escolhem ser escolhidas; no cotidiano conjugal, vivem agressões invisíveis a elas e narram violações/violências cotidianas e desamparo afetivo pregressos ao matrimônio. Faz-se mister empreender novas pesquisas científicas sobre esse tema, bem como criar ações que proporcionem outras possibilidades subjetivas para além dos destinos materno e amoroso.

Palavras-chave:
casamento infantil; gênero; conjugalidade

Abstract

Child marriage is a Brazilian social problem, affects more girls than boys and has as characteristics the girl’s consensuality and certain "agency” for the union. The objective of this research was to raise the gender’s subjective factors present in this so - called "choice" and to examine other specificities of the conjugal quotidian lived by the child spouses. This is a qualitative research, in which married girls from small cities in the state of Goiás were interviewed. It was understood that: they choose to be chosen; in the marital daily life, they live invisible aggressions to them, and they narrate daily violence and emotional abandonment before marriage. It is necessary to undertake new scientific research on this subject, as well as to create actions that provide other subjective possibilities beyond the maternal and loving destinies.

Keywords:
child marriage; gender; marital relations

Internacionalmente, o casamento infantil - ato, formal ou informal, envolvendo ao menos uma pessoa com menos de 18 anos de idade - tem se configurado como um problema social a ser combatido. O Brasil é o 4º país no mundo em números absolutos de crianças casadas, atingindo principalmente as meninas em detrimento dos meninos (Abdool- Zerezeghi et al., 2017Abdool-Zerezeghi, S. N., Greene, M., Hall, K., Murphy-Graham, E., Ani ta Raj, D., & Taylor, A. (2017). Child marriage in Latin America and the Caribbean. https://www.girlsnotbrides.org/wp-content/uploads/2017/01/Child-marriage-in-LAC-01.2017.pdf
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; Clark et al., 2006Clark, S., Bruce, J., & Dude, A. (2006). Protecting young women from HIV/AIDS: The case against child and adolescent marriage. International Family Planning Perspectives, 32(2), 79-88. https://doi.org/10.1016/j.cities.2005.08.005
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; Mendoza Tascón et al., 2016Tascón, L., Benítez, D., Tascón, L. , Ospina, C., Guatibonza, M., Bejarano, J. H. C., Henao, Z. S.. (2016). Matrimonio infantil: Un problema social, económico y de salud pública. Revista Chilena de Obstetricia y Ginecología, 81(3), 254-261. https://doi.org/10.4067/S0717-75262016000300013
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; Nour, 2009Nour, N. M. (2009). Child marriage: A silent health and human rights issue. Reviews in Obstetrics & Gynecology, 2(1), 51-56. https://doi.org/10.3909/riog0109
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; Svanemyr et al., 2012Svanemyr, J., Chandra-Mouli, V., Christiansen, C. S., & Mbizvo, M. (2012). Preventing child marriages: First international day of the girl child “my life, my right, end child marriage.” Reproductive Health, 9(1), 1-31. https://doi.org/10.1186/1742-4755-9-31
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). Taylor et al. (2015Taylor, A., Lauro, G., Segundo, M., & Greene, M. (2015). “Ela vai no meu barco”: Casamento infantil na infância e adolescência no Brasil (1ª ed.). Instituto Promundo e Promundo-US. https://promundo.org.br/recursos/ela-vai-no-meu-barco-casamento-na-infancia-e-adolescencia-no-brasil/
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) ⁠ apontam que, no Brasil, temos cerca de três milhões de mulheres com idades entre 20 e 24 anos casadas antes de 18 anos. A diferença média de idade entre as meninas e seus esposos é de 9.1 anos. Apesar disso, o problema ainda é relativamente invisível à sociedade brasileira e poucos estudos científicos nacionais tem sido realizados sobre o tema (Taylor et al., 2015Taylor, A., Lauro, G., Segundo, M., & Greene, M. (2015). “Ela vai no meu barco”: Casamento infantil na infância e adolescência no Brasil (1ª ed.). Instituto Promundo e Promundo-US. https://promundo.org.br/recursos/ela-vai-no-meu-barco-casamento-na-infancia-e-adolescencia-no-brasil/
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; Veiga & Zanello, 2020Veiga, M. V. A., & Zanello, V. (2020). Casamento Infantil no Brasil: Escolha das meninas? Entre a naturalização social e a invisibilidade nas produções científicas. In F. C. S. Lemos, D. Galindo, P. P. G. de Bicalho, P. de T. R. de Oliveira, L. P. Reis Júnior, J. P. P. Barros, A. M. Sampaio, & J. M. de S. e Silva (Eds.), Clínica política, arte e cultura: Subjetividades e a produção dos fascismos no contemporâneo (1st ed., p. 586). CRV. https://doi.org/10.24824/978854444092.6
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)⁠.

Nos demais países com alta prevalência do fenômeno (no Subsaara e sul Asiático), os casamentos são usualmente atos negociais entre famílias, coercitivos às meninas, ritualizados e formais. No Brasil, entretanto, temos outras especificidades: os casamentos são informais e consensuais, envolvendo, em geral, a “agência” das meninas pela união, isto é, nas palavras de Taylor et al. (2015Taylor, A., Lauro, G., Segundo, M., & Greene, M. (2015). “Ela vai no meu barco”: Casamento infantil na infância e adolescência no Brasil (1ª ed.). Instituto Promundo e Promundo-US. https://promundo.org.br/recursos/ela-vai-no-meu-barco-casamento-na-infancia-e-adolescencia-no-brasil/
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), “níveis de escolha própria que influenciam a decisão de casar, em alguns casamentos - ainda que dentro de contextos de diferenças de poder e limitações socioeconômicas, bem como outras restrições no que se refere às opções disponíveis para as meninas” (Taylor et al., 2015Taylor, A., Lauro, G., Segundo, M., & Greene, M. (2015). “Ela vai no meu barco”: Casamento infantil na infância e adolescência no Brasil (1ª ed.). Instituto Promundo e Promundo-US. https://promundo.org.br/recursos/ela-vai-no-meu-barco-casamento-na-infancia-e-adolescencia-no-brasil/
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, p. 09, grifo nosso).

Faz-se mister, então, questionar que “agência” é essa e como ela se constitui. Segundo Zanello (2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.), em suas pesquisas sobre processos de subjetivação e gênero no Brasil, o tornar-se “mulher” ocorre através de dois dispositivos: amoroso e materno. O dispositivo amoroso aponta para um processo de subjetivação da relação das mulheres consigo mesmas, mediadas por um homem que as escolha. Utilizando-se da metáfora da “prateleira do amor”, a autora destaca o papel identitário, para as mulheres, do ser amorosamente escolhida, e o papel ativo, avaliador, dos homens, os quais transitam pelo mercado amoroso e as mulheres são tais quais produtos à mostra.

Além disso, essa prateleira não tem organização aleatória, as mulheres mais bem cotadas são aquelas que mais se aproximam de um ideal estético, historicamente construído: branco, loiro, magro e jovem (Braga, 2015Braga, A. (2015). História da beleza negra no Brasil: Discursos, corpos e práticas. EdUSCar.; Peixoto & Heilborn, 2016Peixoto, M. M., & Heilborn, M. L. (2016). Mulheres que amam demais: Conjugalidade e narrativas de experiências de sofrimento. Revista Estudos Feministas, 24(1), 45-62. https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/44273/31681
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; Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.)⁠. Ou seja, “o corpo ideal, idolatrado, é um corpo de classe [média e rica]” (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris., p. 88) e a jovialidade quase infantil faz parte dessa estética desejável (Braga, 2015Braga, A. (2015). História da beleza negra no Brasil: Discursos, corpos e práticas. EdUSCar.; Del Priore, 2000Del Priore, M. (2000). Corpo a corpo com a mulher - Pequena história das transformações do corpo feminino no Brasil (1ª ed.). SENAC.; Wolf, 1992Wolf, N. (1992). O Mito da beleza: Como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rocco.; Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.). Quanto mais distante desse padrão, menor a possibilidade de ser escolhida na “prateleira do amor” e maior a chance de a mulher ser vista apenas pelo prisma da objetificação sexual. Mediada pelas relações de gênero (sexismo racializado ou racismo gendrado), sobra para as mulheres negras, em nosso país, os piores lugares na prateleira, enquanto “o afeto é resguardado para aquelas em melhores 'posições'” (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris., p. 104). Não à toa, no Brasil, é a parte da população que permanece por mais tempo solteira (Pacheco, 2013Pacheco, A. C. L. (2013). Mulher negra: Afetividade e solidão. EDUFBA. ). Nesse sentido, tem crescido o número de estudos sobre o tema da solidão da mulher negra (Ribeiro, 2018Ribeiro, D. (2018). Quem tem medo do feminismo negro? Companhia das Letras.; Souza, 2008Souza, C. A. da S. (2008). A solidão da mulher negra - Sua subjetividade e seu preterimento pelo homem negro na cidade de São Paulo [Dissertação de mestrado]. TEDE2 PUC-SP. https://tede2.pucsp.br/handle/handle/3915
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)⁠.

Levando em consideração o processo de subjetivação na cultura, é preciso então destacar que o amor é, portanto, identitário para as mulheres brasileiras, e ser “escolhida” é sinônimo de ser bem sucedida. Muitas vezes, o homem é visto como “salva-dor” (Lagarde, 2011Lagarde, M. (2011). Los cautiverios de las mujeres. Madresposas, monjas, putas, presas y locas. Siglo XXI Editores México.; Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.), um amparo contra as dores emocionais e materiais. Além disso, há, em geral, uma assimetria de investimento afetivo na relação, sendo este muito maior por parte delas do que dos parceiros (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.).

O dispositivo materno é o outro pilar identitário no tornar-se mulher em nosso país. Ele se baseia no “heterocentramento”, no qual há uma verdadeira pedagogia que ensina as mulheres a priorizar as necessidades e demandas do outro, em detrimento das próprias. Ou seja, há uma naturalização da relação das mulheres com o cuidar, sendo a maternidade biológica o ápice dessa naturalização. Por outro lado, ser mãe pode representar não apenas ter sido escolhida na prateleira, mas ser ainda mais legitimizada, agora como a “mãe dos filhos dele” (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.). Os efeitos práticos dessa maternidade, no entanto, longe de reconhecer as mulheres em sua importância social, criam e aumentam as dependências financeira e afetiva delas em relação aos homens - impacto maior ainda quando se trata de gravidez precoce, visto estar atrelada à evasão escolar - sem que se garanta, como é almejado, a manutenção da relação amorosa (Greene & Rao, 1995Greene, M., & Rao, V. (1995). The marriage squeeze and the rise in informal marriage in brazil. Social Biology, 42(1-2), 65-82. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/7481921.
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).

Na pesquisa de Taylor et al. (2015Taylor, A., Lauro, G., Segundo, M., & Greene, M. (2015). “Ela vai no meu barco”: Casamento infantil na infância e adolescência no Brasil (1ª ed.). Instituto Promundo e Promundo-US. https://promundo.org.br/recursos/ela-vai-no-meu-barco-casamento-na-infancia-e-adolescencia-no-brasil/
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), com meninas brasileiras casadas, as participantes identificaram-se, em sua maioria (87%), como pardas e morenas - categorizando-se dentro de alguma forma de mestiçagem - e eram moradoras de regiões pobres de centros urbanos e zonas rurais. Além disso, 66% das meninas esposas estavam grávidas ou já tinham filhos no momento da entrevista, o que estimulava, ao menos momentaneamente, a concretização da união conjugal. A recorrência da maternidade na adolescência é um dado apontado pelo Censo de 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2014Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2014). Estatísticas de gênero: Uma análise dos resultados do censo demográfico 2010. In Estudos e pesquisas. Informação demográfica e socioeconômica. https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=288941
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). Segundo este relatório, mais da metade (56,8%) das adolescentes entre 15 e 17 anos com filhos estavam fora da escola e do mercado de trabalho, enquanto apenas 9,3% daquelas que nunca foram mães encontram-se nessa mesma condição. Nessa mesma linha, Sousa et al. (2018Sousa, C. R. de O., Gomes, K. R. O., Silva, K. C. de O., Mascarenhas, M. D. M., Rodrigues, M. T. P., Andrade, J. X., & Leal, M. A. B. F. (2018). Fatores preditores da evasão escolar entre adolescentes com experiência de gravidez. Cadernos Saúde Coletiva, 26(2), 160-169. https://doi.org/10.1590/1414-462x201800020461
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), em pesquisa quantitativa com meninas de 15 a 19 com filhos de dois anos, constataram que 94,4% das jovens interromperam os estudos em algum momento da vida e meninas com gravidez recorrente e trabalhando foram as mais propensas a abandonarem de vez os estudos.

Taylor et al. (2015Taylor, A., Lauro, G., Segundo, M., & Greene, M. (2015). “Ela vai no meu barco”: Casamento infantil na infância e adolescência no Brasil (1ª ed.). Instituto Promundo e Promundo-US. https://promundo.org.br/recursos/ela-vai-no-meu-barco-casamento-na-infancia-e-adolescencia-no-brasil/
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) salientam que “o casamento infantil (…) frequentemente ocorre em áreas com menor acesso à educação e oportunidades de emprego para mulheres e meninas, e com altas taxas de violência de gênero” (p. 17-18). Nour (2009Nour, N. M. (2009). Child marriage: A silent health and human rights issue. Reviews in Obstetrics & Gynecology, 2(1), 51-56. https://doi.org/10.3909/riog0109
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), por seu turno, destaca indicadores de que a diminuição da pobreza em países como Coréia, Tailândia e Taiwan veio acompanhada de diminuição no número de casamentos infantis. Grande parte das meninas esposas pertence a classes sociais mais vulneráveis, nas quais “(...) a perda de um ano de estudo não é percebida como problemática, como o seria em outros grupos sociais” (Heilborn, 1997Heilborn, M. L. (1997). O traçado da vida: Gênero e idade em dois bairros populares do Rio de Janeiro. In F. R. Madeira (Ed.), Quem mandou nascer mulher? Estudos sobre crianças e adolescentes pobres no Brasil (pp. 291-342). Rosa dos Ventos., p. 321); na contramão do que dita uma sociedade centrada na educação formal, em que o nível de escolaridade se relaciona a melhores oportunidades de emprego, salário e mobilidade social (Schwaab et al., 2017Schwaab, K. S., Ceretta, P. S., & Dutra, V. R. (2017). Efeitos da Educação sobre a renda: Disparidades regionais. Revista Expectativa, 16(2), 144-166. http://saber.unioeste.br/index.php/expectativa/article/view/18349/13739
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). Apesar de haver indícios, destaca-se, entretanto, que faltam dados estatísticos que tracem o perfil de meninas casadas quanto à incidência de gravidez, evasão escolar e perfil socioeconômico. Como apontaram Taylor et al. (2015Taylor, A., Lauro, G., Segundo, M., & Greene, M. (2015). “Ela vai no meu barco”: Casamento infantil na infância e adolescência no Brasil (1ª ed.). Instituto Promundo e Promundo-US. https://promundo.org.br/recursos/ela-vai-no-meu-barco-casamento-na-infancia-e-adolescencia-no-brasil/
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) e Veiga e Zanello (2020Veiga, M. V. A., & Zanello, V. (2020). Casamento Infantil no Brasil: Escolha das meninas? Entre a naturalização social e a invisibilidade nas produções científicas. In F. C. S. Lemos, D. Galindo, P. P. G. de Bicalho, P. de T. R. de Oliveira, L. P. Reis Júnior, J. P. P. Barros, A. M. Sampaio, & J. M. de S. e Silva (Eds.), Clínica política, arte e cultura: Subjetividades e a produção dos fascismos no contemporâneo (1st ed., p. 586). CRV. https://doi.org/10.24824/978854444092.6
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), ainda são escassas as pesquisas acerca do casamento infantil no Brasil.

Em relação ao processo de subjetivação dos homens, Zanello (2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.) aponta que ele se calca no dispositivo da eficácia, o qual se baseia na virilidade sexual e laborativa. Em outras palavras, ser um homem “de verdade”, no Brasil, passa pela eficácia do trabalhar (ser provedor, sendo o acúmulo de dinheiro e status a chancela de sucesso) e do comportamento sexual ativo (ter muitas parceiras, muitas relações sexuais, avaliado também pela “localização” da mulher na prateleira a que ele teve acesso). A masculinidade, para os homens, ocorreria através de forte pedagogia afetiva, que se dá pelo embrutecimento da relação consigo mesmo (corpo e afeto) e com os outros (mulheres e homens), pautada, sobretudo, pela misoginia (Badinter, 1985Badinter, E. (1985). Um amor conquistado - O mito do amor materno. Nova Fronteira.; Welzer-Lang, 2001Welzer-Lang, D. (2001). A construção do masculino: Dominação das mulheres e homofobia. Revista Estudos Feministas, 9(2), 460-482. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2001000200008
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; Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.). ⁠Diferentemente das mulheres, que são avaliadas (física e moralmente) pelos homens, no caso deles, são seus próprios pares quem os avaliam. A masculinidade é, assim, atestada, por outros homens, no que Welzer-Lang (2001Veiga, M. V. A., & Zanello, V. (2020). Casamento Infantil no Brasil: Escolha das meninas? Entre a naturalização social e a invisibilidade nas produções científicas. In F. C. S. Lemos, D. Galindo, P. P. G. de Bicalho, P. de T. R. de Oliveira, L. P. Reis Júnior, J. P. P. Barros, A. M. Sampaio, & J. M. de S. e Silva (Eds.), Clínica política, arte e cultura: Subjetividades e a produção dos fascismos no contemporâneo (1st ed., p. 586). CRV. https://doi.org/10.24824/978854444092.6
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)⁠ denominou de “casa dos homens”. Nessa “casa”, há hierarquias entre as diversas masculinidades (brancas, negras, hetero e homo, rica e pobre etc.).

Taylor et al. (2015Taylor, A., Lauro, G., Segundo, M., & Greene, M. (2015). “Ela vai no meu barco”: Casamento infantil na infância e adolescência no Brasil (1ª ed.). Instituto Promundo e Promundo-US. https://promundo.org.br/recursos/ela-vai-no-meu-barco-casamento-na-infancia-e-adolescencia-no-brasil/
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) apontaram existir, a partir de entrevistas realizadas com os homens casados com meninas, um padrão subjetivo machista, no qual os maridos compreendem como vantajoso o matrimônio com meninas jovens, devido à maior facilidade de educá-las/moldá-las conforme as regras hierarquizadas da conjugalidade. Ou seja, há indícios da necessidade do exercício de controle sobre a parceira e de manutenção de certa hierarquia. Machado (2004Machado, L. Z. (2004). Masculinidades e violências: Gênero e mal-estar na sociedade contemporânea. In Masculinidades (pp. 35-78). Boitempo.) e Teixeira (2009Teixeira, A. B. (2009). Nunca você sem mim: Homicidas-suicidas nas relações afetivo-conjugais. Annablume.) identificaram, em suas pesquisas sobre conjugalidade brasileira, a conexão entre os discursos da masculinidade hegemônica (mais assujeitada a padrões de eficácia e à negação identitária de qualquer atributo considerado feminino) e a percepção subjetiva de hierarquia doméstica, em que o homem figura como autoridade e mantém as funções de regulação e controle, travestidas de proteção da casa e família, o que parece enquadrar as relações descritas, em geral, no caso das meninas esposas. Além disso, destaca-se o controle da sexualidade das esposas como preocupação recorrente (Machado, 2004Machado, L. Z. (2004). Masculinidades e violências: Gênero e mal-estar na sociedade contemporânea. In Masculinidades (pp. 35-78). Boitempo.; Teixeira, 2009Teixeira, A. B. (2009). Nunca você sem mim: Homicidas-suicidas nas relações afetivo-conjugais. Annablume.), em um contexto cultural que favorece o desconhecimento e a consequente falta de protagonismo das meninas acerca da própria sexualidade (Taylor et al., 2016Taylor, A., Fonseca, V., & Lauro, G. (2016). A sexualidade das meninas: Reflexões para a promoção de seus direitos a partir de duas pesquisas. In L. Freitas & B. Santos (Eds.), Ser menina no Brasil contemporâneo: Marcações de gênero em contexto de desigualdade (1ª ed., pp. 57-80). CRV.).

O casamento infantil no país parece estar entremeado, dessa forma, pelas interseccionalidades de gênero, raça e classe social. Segundo Nogueira (2017Nogueira, C. (2017). Interseccionalidades e Psicologia Feminista. Devires.), estes seriam os marcadores que, interseccionados, configuram relações de poder triplamente opressivas. Ou, nas palavras de Duque-Arrazola (1997Duque-Arrazola, L. S. (1997). O cotidiano sexuado de meninas e meninos em situação de pobreza. In F. R. Madeira (Ed.), Quem mandou nascer mulher? Estudos sobre crianças e adolescentes pobres no Brasil (1ª ed., pp. 343-367). Rosa dos Ventos., p. 393), “as relações de gênero assumem um padrão exacerbado em associação com a pobreza, tanto pela herança tradicional, quanto pela falta de alternativas - econômicas, sobretudo - para a mulher que deseja libertar-se da tutela familiar”.

Levando em consideração a especificidade (em comparação a outros países) da “consensualidade” e da “agência” das meninas, apontada por Taylor et al. (2015Taylor, A., Lauro, G., Segundo, M., & Greene, M. (2015). “Ela vai no meu barco”: Casamento infantil na infância e adolescência no Brasil (1ª ed.). Instituto Promundo e Promundo-US. https://promundo.org.br/recursos/ela-vai-no-meu-barco-casamento-na-infancia-e-adolescencia-no-brasil/
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) sobre o casamento infantil no Brasil, o presente estudo teve como objetivo levantar os fatores subjetivos presentes nessa pretensa “escolha” pela união e perscrutar demais especificidades do cotidiano conjugal vivido pelas meninas esposas.

Método

Após aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Brasília (IH/UnB/CAAE: 87046318.4.0000.5540), foi realizada busca de participantes por duas vias: casos judicializados de estupro de vulnerável (quando a menina conta com menos de 14 anos) com indicadores de casamento infantil ou de conhecimento da rede local de proteção da criança e adolescente; por bola de neve em cidades de pequeno porte (< 50.000 hab) em um estado brasileiro do Centro-Oeste, apenas em áreas urbanas, por meninas de até 18 anos. As entrevistas foram realizadas à medida que meninas demonstravam interesse (mediante assinatura de termo de assentimento) e as/os responsáveis (em sua maioria mães, com exceção de um pai e duas irmãs maiores de idade), consentimento. Foram entrevistadas 10 meninas, como proposto inicialmente, entretanto, uma delas apenas namorava, sem prospecção de engajamento conjugal, assim sua entrevista foi descartada para fins desta pesquisa. No estudo, os fragmentos das narrativas foram formatados em itálico e identificados por nomes fictícios referentes a cada participante. Os nomes em substituição são de mulheres de notoriedade pública por suas trajetórias de resistência e luta social, frente a trajetórias marcadas pela violação de seus direitos, e violações semelhantes às vivenciadas pelas participantes desta pesquisa. Os respectivos maridos, quando citados, estão representados pela sigla (M) seguida da primeira letra do nome fictício das entrevistadas.

A pesquisa se deu por meio de entrevistas semiestruturadas, com perguntas acerca da infância e adolescência delas; relação amorosa/conjugal e maternidade (mesmo para as não grávidas e sem filhos), e aspectos cotidianos atuais. Foram priorizadas, apesar da estruturação inicial, intervenções disparadoras como “fale-me mais sobre isso”, “como assim?” e solicitado exemplos do que era narrado. Em casos em que se identificou vulnerabilidade psicológica e social das meninas entrevistadas, foram feitas orientações acerca de serviços ofertados nas redes públicas de assistência social e saúde mental do município. Ademais, reforçou-se a possibilidade de interrupção da entrevista a qualquer momento, caso a participante mudasse de ideia no decurso do encontro.

As entrevistas ocorreram entre setembro e novembro de 2018, com duração média de uma hora, em locais variados: escolas e um posto de saúde cederam espaços sigilosos para a pesquisa; em algumas ocasiões, entretanto, elas ocorreram na casa da menina ou de parentes desta, prezando-se pelo sigilo e a ausência do esposo.

Os áudios foram inteiramente gravados para posterior transcrição e análise concomitantemente ao andamento da pesquisa de campo, para então ser realizada a análise de conteúdo (Bardin, 2016Bardin, L. (2016). Análise de conteúdo. Edições 70.; Campos, 2004Campos, C. J. G. (2004). Método de análise de conteúdo: Ferramenta para a análise de dados qualitativos no campo da saúde. Revista Brasileira de Enfermagem, 57(5), 611-614. https://doi.org/10.1590/S0034-71672004000500019
https://doi.org/10.1590/S0034-7167200400...
). Duas pesquisadoras realizaram, separadamente, a leitura integral e análise das entrevistas para prévio levantamento dos temas. A partir daí, reuniram-se para deliberar acerca das categorias produzidas.

A apreciação do conteúdo foi efetuada por meio do levantamento dos temas em cada entrevista e posterior classificação em categorias gerais. Os resultados foram analisados à luz de teorias feministas em Psicologia e áreas afins, com ênfase às que evocam as interseccionalidades de raça e classe (Nogueira, 2017Nogueira, C. (2017). Interseccionalidades e Psicologia Feminista. Devires.; Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.). .

Resultados e Discussão

Sobre o perfil das participantes da pesquisa: três estavam na iminência de coabitação com o parceiro - duas delas, grávidas e já considerando-se casadas; cinco coabitavam informalmente com os parceiros e uma já estava separada. Das que se casaram (seis no total), em média a união se concretizou quando contavam com 13 anos e 10 meses a idade. A idade das entrevistadas variou entre 14 e 19 anos, com média de 16 anos; a idade dos “maridos” (nome que elas designavam, mesmo não coabitando) variou de 14 a 72 anos, com diferença média de idade em relação às esposas de 11 anos e cinco meses, sendo as duas maiores diferenças de 56 e 16 anos - participantes com vivências de maior vulnerabilidade familiar e de classe social; e as menores diferenças de dois e três anos - esta última, com a situação menos vulnerável entre as nove participantes. Na época das entrevistas, as participantes tinham as seguintes idades: Conceição (14 anos), Marielle (15 anos), Djamila (16 anos); Elza, Laudelina, Lélia, Sueli, Tereza (16 anos) e Dandara (19 anos).

As nove meninas são negras e não fizeram menção a uma renda familiar específica, mas indicativos (como acesso à internet e à moradia de qualidade, oportunidades de emprego não-subalternos e escolarização) apontam que sete delas integram famílias de classe trabalhadora precarizada e duas, da nova classe trabalhadora1 1 Classificação de Souza, (2015), o qual critica a divisão limitada à renda por haver outros marcadores que interferem na vida dos sujeitos. Por exemplo, a nova classe trabalhadora tem jornadas de trabalho extenuantes e estuda à noite, enquanto a classe média consegue comprar tempo livre aos filhos, demarcando uma diferença de conhecimento, de capital cultural, tão importante para uma vida digna quanto o dinheiro. . Oito entrevistadas evadiram da escola ou possuem histórico recente de evasão, a participante que se manteve de forma ininterrupta na escola possui parentes próximos estudantes do ensino superior.

No que tange à análise do conteúdo das entrevistas, foram elencadas três categorias, a saber: Ser escolhida; Em duas semanas “ele colocou a aliança no meu dedo” - Invisibilidade das agressões no casamento infantil; Relações familiares e violações cotidianas. Apresentamos, a seguir, a descrição das três categorias encontradas, seguidas de trechos das entrevistas que as exemplificam.

Ser Escolhida

Esta categoria abarca narrativas que evidenciam comportamento passivo das meninas entrevistadas no que tange à história de conjugalidade ao mesmo tempo em que há uma “agência” (Taylor et al., 2015Taylor, A., Lauro, G., Segundo, M., & Greene, M. (2015). “Ela vai no meu barco”: Casamento infantil na infância e adolescência no Brasil (1ª ed.). Instituto Promundo e Promundo-US. https://promundo.org.br/recursos/ela-vai-no-meu-barco-casamento-na-infancia-e-adolescencia-no-brasil/
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) das meninas na busca por estar no lugar de escolhidas e conformação a um determinado padrão estético. Faz-se mister relembrar que as participantes são negras, algumas fora de um padrão de magreza vigente na nossa cultura. Tal corporeidade tem impactos na constituição subjetiva e faz-se notar nos marcadores estéticos de aparência e fala das meninas esposas. Alegam usar o cabelo solto, só quando alisado (Conceição, Dandara, Elza, Laudelina, Lélia, Tereza). Seis delas tinham os cabelos bem presos durante a entrevista; as demais, cabelos alisados e soltos; duas apontaram grande interesse por maquiagem, indicando à pesquisadora tutorial no Youtube (Conceição) que, dentre outros “truques”, ensinava a afunilar o nariz, “concretizando no plano do ilusório [a branquitude] que a realidade não permite” (Braga, 2015Braga, A. (2015). História da beleza negra no Brasil: Discursos, corpos e práticas. EdUSCar., p. 243).

Notou-se que a história do relacionamento inaugura-se, mantém-se e evolui para a gravidez de acordo com as decisões do homem. Laudelina e Marielle narram respectivamente que “Uai, eu que... ele mandou solicitação [no Facebook], aí eu fui e aceitei, e foi nor começamo a conversar e já marcou encontro já (...) Foi tipo na sorte né.”(Laudelina),na verdade, ele começou me olhando, aí pegou, ele me chamou pra conversar. Me perguntou se eu queria ficar com ele. Aí pegou, eu falei que queria, aí nois ficou”(Marielle). Mesmo quando já interessadas ou em uma evolução de interesse mútuo, caso de duas meninas (Djamila e Dandara), a trama relacional só é inaugurada após a iniciativa do homem, em conformidade com a metáfora da “prateleira do amor” (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.). Sublinhamos que, em uma das narrativas, houve a insistência da menina em estabelecer a relação e, mesmo assim, unida ao interesse manifesto do homem, que se recusou momentaneamente por camaradagem ao pai da participante (são amigos): “Não, eu cheguei nele, falei para ele que gostava dele (...) Eu falei: meu pai não precisa aceitar e nem minha família, q’ tem que aceitar é eu. Cê vai casar é comigo, num é com a minha família” (Tereza).

Seguido aos primeiros contatos amorosos, identificamos a recorrência do pedido de permissão de namoro à família da menina por parte do homem. Elza afirma: “Aí eles fala bem assim: ‘uai, mas se já namora…’, aí eu falei assim: ‘não, que do mesmo jeito tem que falar com minha mãe [pai ausente]’”. Sete das nove participantes passaram por este ritual, o qual incluiu a ausência delas no momento de pedido; perguntadas, nem sabiam narrar o que foi dito, contentando-se com o veredito, em todas as narrativas, positivo. Lélia narra que “(...) o pai do ML apertou o ML e falou bem assim: ‘Agora você vai pedir pro pai dela, quero ver se você é homem mesmo’”. Nesse ponto, há que se salientar que em alguns casos havia a resistência familiar quanto à diferença de idade do casal e ao mau comportamento social pregresso do pretendente na cidade (uso de drogas, sem emprego). O problema, entretanto, era sanado com o ritual de pedido de permissão aos pais. Conceição descreve a resolução desse descontentamento, “‘deixa ela namorar com ele mesmo’ [mãe intercedendo junto ao pai]. Aí no outro dia à noite, meu pai chegou do serviço e ele foi lá pedir minha mão em namoro. Aí meu pai deixou a gente namorar” (Conceição).

Nas narrativas analisadas, o início do namoro é sobreposto rapidamente pela coabitação e gravidez, agora, sem pedido de casamento à menina ou à família. Das nove participantes, sete estão ou estiveram grávidas, com a característica de o namoro ser seguido, em questão de meses, por uma gravidez, sendo a subsequente coabitação esperada e exigida socialmente. Em duas narrativas (Lélia e Tereza), a coabitação precedeu em poucos meses a gravidez. Nessa movimentação, notou-se que as meninas esposas valorizavam o pedido inicial de namoro e o comportamento masculino de “assumir” o filho, visto que a partir desse ponto, entendiam-se casadas, mesmo que sem coabitação. Elza e Laudelina, grávidas e ainda não coabitando, afirmaram, respectivamente: “a reação dele [perante a gravidez] foi muito... é, assim, q’ ele ficou bem feliz né? Q’ ele falou com ela [mãe de Elza] q’ ia cuidar direitinho, q’ ia pagar os meus exames direitinho e a reação dele foi a reação assim que todo mundo fala que ele foi homem”; “porque como ele mermo disse [o esposo], nois já tamo casado, porque já [tem] o filho”. Elza ainda elenca a vantagem de o marido ser mais velho, “menino novo não assume”. Tereza salienta, com a mesma compreensão subjetiva, a vantagem de homens mais velhos não traírem, nem baterem, não maltratarem. Apenas Conceição, não grávida, foi pedida em casamento e, em sequência, o pedido foi realizado a seus pais: “Aí ela [mãe] foi e deixou, aí meu pai chegou, falei com meu pai, aí ele [MC] foi falou com minha mãe também que queria casar, que eu era a mulher da vida dele, que não sei o que, que não sei, as burocracias inteiras.”

Ademais, duas passagens narrativas alertam para um fenômeno de reorganização da memória afetiva que encaixa o envolvimento amoroso, antes comum/ordinário (“igual aos outros”, Laudelina), em “A” história de apaixonamento especial e única a partir da ocasião em que são escolhidas na “prateleira do amor”. Um mecanismo que encobre as violações, atribuindo-lhes ares românticos. Esse “Especial Retroativo” dá sentido à trajetória de escolher ser escolhida. Dandara afirma que passou a “ver com outros olhos” o homem que antes conhecia, a partir do pedido de namoro; Elza percebeu que gostava do marido desde o primeiro dia que começaram a namorar; Laudelina “até hoje” arrepende-se de não ter perdido a virgindade com ML, porque “a gente sempre quer que seja com a pessoa certa (...) porque ele que é o pai do meu filho agora, e eu sempre gostei dele, desde que eu conheço ele. Aí eu namorava os outros, mas pensando nele” (Laudelina). E Conceição, que afirma que no primeiro beijo com MC não sentiu nada, “não sabia que ia dar em casamento”, muda de perspectiva a partir do pedido: “daquele dia em diante eu senti muita paixão. Muuuita, muita paixão. Porque ele assim foi meu primeiro namorado. Eu namorei uma vez, mas não foi igual ele, entendeu? Não foi um namoro tão sério igual foi com ele (...) depois que ele colocou a aliança no meu dedo, eu falei assim: ‘caramba!’ Foi extraordinário, nem sei explicar.” Trata-se, portanto, muito mais da expectativa e ilusão quanto ao encontro amoroso (o casar-se com o casamento), do que das experiências cotidianas da relação conjugal (Lagarde, 2012Lagarde, M. (2012). La soledad y la desolación. Consciencia y Diálogo, 3(3), 978-980. http://erevistas.saber.ula.ve/index.php/conscienciaydialogo/article/view/4313
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; Navarro, 2012Navarro, R. (2012). O livro do amor - vol 2: do Iluminismo à atualidade. Best Seller.). Em outras palavras, podemos ver aqui o funcionamento do dispositivo amoroso (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.).

Faz-se mister destacar que a maternidade esteve intrinsecamente ligada aos casamentos infantis estudados, seja por as participantes atenderem ou não ao desejo dos maridos pela gravidez; acidentalmente engravidarem; ou se posicionarem como desejantes da concepção, e sentirem-se chanceladas no lugar de escolhidas por meio da maternidade. À época da pesquisa, três meninas estavam grávidas, três já tinham filhos e uma engravidou e passou por aborto espontâneo, sem planos de engravidar por ora. Em quatro narrativas, as meninas apontaram a iniciativa do homem em querer filhos: “Não, foi... no começo quem começou a falar primeiro foi ele, ‘porque nois não temos um filho’, não sei o que. Aí ‘não, acho que eu ainda não tô pronta não’. Aí ele, ‘mas já não tamo morando junto?’ Aí eu: ‘Já’. ‘Então, vamos tentar?’ aí eu, ‘tá bom, vamo’. Aí nois foi tentando até que…” (Marielle) engravidou.

Uma delas, não grávida, casada há poucos meses, conta que: “Ah, eu converso muito com ele sobre isso [planos de futuro] e eu falo que eu quero fazer minha faculdade e ele sonha em ter filho e eu falo assim que não é minha vontade de ter filho agora, aí eu não quero ter filhos por agora. (...) Aí ele... quer por quer um filho, mas eu não posso dar um filho pra ele agora, né. Até porque eu sou muito nova, vai ser muita responsabilidade, eu estudo... então não vai pegar bem ter um filho agora” (Conceição). Destaca-se que esta menina recebia bom suporte da família de origem e melhores condições econômicas quando comparada às outras meninas. Ela faz uso de método contraceptivo, fato de que o marido “não gosta” (Conceição). Outras duas participantes tiveram gravidez não planejada, aos 13 e 15 anos, respectivamente (Dandara, Elza).

Duas outras participantes (Laudelina e Djamila) propuseram elas mesmas a gravidez, a primeira engravida logo após uma reconciliação com ML. A outra é dissuadida pelo esposo que, segunda ela, têm planos financeiros prioritários, sendo o marido, afinal, quem decide pela gravidez ou pela não gravidez. A concepção, por fim, aparece como um forte marcador de que elas foram escolhidas: a menina esposa será a mãe dos filhos dele, passando a um lugar de poder - que não se concretiza, segundo Lagarde (2011Lagarde, M. (2011). Los cautiverios de las mujeres. Madresposas, monjas, putas, presas y locas. Siglo XXI Editores México.) e Zanello (2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.). Nesse âmbito, a gravidez marca a entrada no casamento e constituição de família: “(entrevistadora) Desde quando você chama ele de marido? (Elza) Desde de quando eu fiquei... comecei a ficar, quando eu soube que tava grávida dele. Só desse dia pra cá”.

Nas nove entrevistas, foram feitas perguntas ligadas ao conhecimento do próprio corpo, masturbação e iniciação sexual, todas demonstraram estranhamento e negaram experiências a respeito ou diálogo com outras mulheres (amigas, mãe) acerca do tema, evidenciando um isolamento que privilegia o homem, visto que sem educação que vise uma sexualidade protagonista e sem a possibilidade de sororidade (união e aliança entre mulheres, baseado na empatia e companheirismo), as meninas ficam a mercê das regras do marido (Taylor et al., 2016Taylor, A., Fonseca, V., & Lauro, G. (2016). A sexualidade das meninas: Reflexões para a promoção de seus direitos a partir de duas pesquisas. In L. Freitas & B. Santos (Eds.), Ser menina no Brasil contemporâneo: Marcações de gênero em contexto de desigualdade (1ª ed., pp. 57-80). CRV.).

O anseio pela conjugalidade ainda compareceu nas narrativas como desejo de liberdade perante os limites impostos pela família de origem; como medo da solidão, e como modo de desvencilhar-se de um cotidiano marcado por violações concretas (mortes violentas, abuso sexual) e transgeracionais. Lélia explica o motivo de ter escolhido sair da casa dos pais: “ó, vou casar logo que aí eu saio, pra onde que eu quiser”, porém, mesmo certa do que deseja, “ser do baile” (sem namorado e outros filhos), vive cotidiano marcado pela centralidade do marido e da maternidade. Sueli pontuou seu ressentimento quanto à ausência paterna nos cuidados diários com a filha, “quando a neném começa a chorar, eu falo pra ele fazê as coisas, ele pega e não faz. Ele não sabe fazer as coisa direito, nunca banhou a neném e nunca trocou” e o designa como “chato”. Quanto à incapacidade de ficar só, Laudelina, Sueli e Tereza foram explícitas ao afirmarem que não gostariam de ficar sem parceiro, pois já se acostumaram e a solidão - mesmo estando casadas, mas em momentos sem a companhia deles - é “tediosa” (Sueli).

Apesar da tenra idade, seis participantes narram engajamento em namoros (e até em casamentos) sequenciais, quase sem intervalo entre um e outro. Dandara se casou aos 13 anos e conta que passou por dois namoros anteriores; Tereza relata uma série de cinco relações (duas envolveram coabitação) entre os 11 e 16 anos de idade; casou-se pela segunda vez aos 13 anos e, em sequência, houve período de separação em que se engajou ainda em outro relacionamento. Laudelina narra uma cadência parecida: “tinha acabado de terminar outro namoro, e aí eu queria voltar com esse outro, mas já tava gostando desse, desse ML. Aí pegou e o outro, porque era muito criança, aí eu fui deixei ele pra ficar com ML (...) Aí foi e passou e nois terminamos, eu voltei com esse outro menino (...) Aí eu comecei a ficar com um menino, e eu achei que nois tava namorando né, só que ele pegou, ele falou pra mim: ‘quem disse que a gente tá namorando?’”, em sequência, recebe um recado de reconciliação de ML e narra:“(...) nois voltou e aí com um mês que nor tinha voltado, aí foi e nois já fez o filho já, porque, eu falei o que eu queria porque, esse negócio de ser mãe cedo né, aí cê vê o filho crescer, esses trem". Assim, com o casamento e filhos, tenta-se suprir a orfandade existencial apontada por Lagarde (2012Lagarde, M. (2012). La soledad y la desolación. Consciencia y Diálogo, 3(3), 978-980. http://erevistas.saber.ula.ve/index.php/conscienciaydialogo/article/view/4313
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)⁠ como sintoma identitário para as mulheres, fruto de caminhos subjetivos (amoroso e materno) (des)privilegiados (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.). Havendo, ainda, a tentativa de garantir, por meio da maternidade, a manutenção da relação amorosa - entendida quase como única via possível no decurso do desenvolvimento identitário.

Por fim, as narrativas de Conceição, Elza, Marielle, Sueli e Tereza evidenciam a função do homem como salva-dor (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.), tanto dos males existenciais, quanto dos concretos. Conceição é “salva” ao ser escolhida por MC mesmo mal cotada na “prateleira do amor” - fora dos padrões estéticos de magreza, pois sofria bullying na escola. Elza passava por situação semelhante, com foco, entretanto, na ausência paterna em eventos escolares, chegou a desistir dos estudos e não queria mais sair de casa, quando conheceu ME e “aí agora que eu conheci ele né, ele me ajudou foi muito.. a recuperar”. Voltou a estudar por incentivo dele, mas está grávida. Marielle, Sueli e Tereza foram salvas de situações concretas de violações familiares e sociais, de família “muito bagunçada” (Sueli), com histórico de judicialização e controle estatal por violações de direitos de crianças de sua família de origem; de laços afetivos precários: “eles [irmãos] me batia, meu pai não fazia nada (...) Eu tentei até me matar já, o MT sabe disso (...) Aí meu pai não queria vim, meu pai falou que era pra deixar eu morrer, aí o MT falou: não, vou deixar ela morrer não. Aí me pegou, colocou meu pai dentro do carro e veio [para o hospital] comigo” (Tereza).

Identificou-se, assim, que a falta de outros caminhos subjetivos para além do papel de esposa e mãe, e os marcadores interseccionais que permeiam, com uma série de violações, as narrativas de pessoas negras e da classe trabalhadora precarizada constituíram-se como vias desprotetivas que auxiliam na decisão de escolher ser escolhida nas histórias das meninas esposas. A agência das meninas aparece, então, como mais um sintoma identitário do dispositivo amoroso, evidenciando a necessidade constitutiva, nesse padrão, de mediação e presença simbólica de um homem na relação delas consigo mesmas.

Em Duas Semanas “Ele Colocou A Aliança No Meu Dedo” - Invisibilidade Das Agressões No Casamento Infantil

Nesta categoria, foram agrupados os discursos acerca das vivências cotidianas de controle das meninas esposas por parte de seus maridos. Nenhuma participante narrou episódios de agressões físicas, mas outras formas menos visíveis, como ciúmes, proibições e manipulações, não havendo, portanto, o reconhecimento de tais ações como violentas. Conceição, Dandara, Elza e Sueli utilizaram-se dos termos “ele deixa”, “ele proibiu”, para descrever negociações relacionais. Houve situações descritas de pedir permissão para se manterem trabalhando e para permanecerem em redes sociais digitais; de o homem monitorar para onde a esposa está olhando; de tentativa de trabalhar e manter amizades, e de as mesmas serem barradas pelos “maridos”: “ele não deixa eu trabalha (...) as coisa q’ eu quero fazer, ele quase não deixa, parece q’ é ciúmes, sei lá. No [programa estatal] primeiro emprego da prefeitura, eu falei pra ele q’ ia entrar. Ele falou q’ não ia, por causa da neném, que entra só com seis mês. (...) As coisas q’ eu quero fazer... é estudar de noite, q’ ele não deixa, conversar com meus amigos e só” (Sueli). Em outra passagem, Sueli diz “ainda falava pra ele que não queria ter filho c’ ele. Até que engravidei. (...) [Risos] Ele falava que ia ter [risos]. Ele queria, mas eu não queria ter”. Nesse âmbito, a maternidade figura como controle por parte dos parceiros em relação às meninas. Conceição, por sua vez, recusa-se a engravidar, gerando descontentamento do marido. Marielle narrou que não tinha desejo de gravidez, mas face à insistência do marido, ficou grávida um mês depois.

O controle da sexualidade das meninas por parte dos homens foi recentemente reconhecido como fator que contribui para o casamento na infância e adolescência no Brasil (Taylor et al., 2016Taylor, A., Fonseca, V., & Lauro, G. (2016). A sexualidade das meninas: Reflexões para a promoção de seus direitos a partir de duas pesquisas. In L. Freitas & B. Santos (Eds.), Ser menina no Brasil contemporâneo: Marcações de gênero em contexto de desigualdade (1ª ed., pp. 57-80). CRV.). É mais difícil elas confrontarem os maridos no que tange às relações sexuais e a gravidez pode figurar como uma consequência disso. Dandara, que disse gostar muito de estudar, saiu da escola após gravidez e retornando anos depois, logo fica grávida “por acidente”, evadindo novamente, “que trabalho, escola e gravidez não combina não” (Dandara). MS, além da gravidez, deixa literalmente suas marcas em Sueli, a tatua,“foi MS que quis fazer isso em mim (...) Eu também queria fazer uma também. A primeira que eu fiz, foi essa aqui do braço (...). Eu queria fazer ela e mais nenhuma”. Tereza tem tatuado no antebraço (do cotovelo ao punho) o nome de um ex-namorado.

O isolamento social também faz parte da seara de agressões não nomeadas, oito das nove participantes relataram ter se afastado de amigas e amigos após o casamento, seja por terem evadido a escola e perdido o contato, por preferir distanciar-se para que ele também o faça dos amigos, seja por voltar-se à vida diária do casamento. Marielle relata que “eu saía muito antes deu ca... deu começar a morar com ele. Eu saía pra festa, essas coisa, aí pegou, aí depois não podia sair muito pra festa, tinha que ficar dentro de casa, essas coisa, fazer as coisa”. Dessa forma, por meio dos cerceamentos e desmandos elencados acima, o poder dos homens de escolha na “prateleira do amor” adquire contornos de controle, despercebido pelas meninas, visto que não nomearam, em momento algum das entrevistas, sofrerem agressões. Os homens atribuem-se o lugar simbólico de autoridade, de controle das esposas, mais passíveis de molde devido à tenra idade (Taylor et al., 2015Taylor, A., Lauro, G., Segundo, M., & Greene, M. (2015). “Ela vai no meu barco”: Casamento infantil na infância e adolescência no Brasil (1ª ed.). Instituto Promundo e Promundo-US. https://promundo.org.br/recursos/ela-vai-no-meu-barco-casamento-na-infancia-e-adolescencia-no-brasil/
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).

Quanto às manifestações de ciúmes, Elza diz não existir ciúmes na relação, “só quando ele vê uma coisa errada mesmo, (...) Causa q’ ele.. ele.. os menino, os ex-namorados mandava mensagem, aí ele [ME] ficava com ciúmes, aí ele ia lá, comprava meu chip, e eu trocava…”; Dandara nega ciúmes a princípio, mas lembra-se de que ele não a deixava ir no banheiro sozinha em uma festa, ficava em guarda na porta. Em três narrativas, menciona-se ciúme de roupas curtas; ML ligou duas vezes para Lélia durante entrevista desta pesquisa, perguntando quanto tempo duraria, além de, segundo a entrevistada, não gostar de sua melhor amiga. E Tereza, em vistas de se engajar em outro relacionamento, já relatou episódios de ciúmes por olhar para grupo de meninos passando na rua. O ciúme não é ressentido pelas meninas como manifestação de controle e violência, mas como chancela do amor, como confirmação de continuarem escolhidas no mercado amoroso.

Da parte delas, sete assumem ter ciúmes, o que se evidencia menos como controle e mais como uma espécie de pacto mútuo, “ele tem, mas eu também tenho!” (Dandara), “ele proíbe, mas eu também proíbo” (Tereza); Conceição narra que “não causo ciúmes nele. Só que eu também não gosto que ele causa em mim. Só que ele não causa. Porque toda vez que eu sinto ciúmes, eu brigo, tendeu? Aí eu falo: ‘não causa ciúmes em mim que eu não causo em você, vai ser bom pra nós dois’”. Djamila descreve situações em que o ciúme é mútuo e os limites (rígidos) são respeitados por ambas as partes, se um não tem Whatsapp (mídia de interação social), o outro também não. E ainda, Djamila, Laudelina e Lélia manifestaram o ciúme como ressentimento por quererem maior atenção e cuidado dos esposos: eles saem com amigos deixando-as em casa; fazem mais favores aos amigos do que a elas; desejam ter um carro ao invés de construir uma casa para o casal.

Relações Familiares e Violações Cotidianas

Nesta categoria, foram elencadas as falas referentes às relações com a família de origem e às vivências interseccionais negras e pobres que tangenciam as narrativas das entrevistadas. Dois conteúdos chamam a atenção: a recorrência de laços fluidos e parentescos borrados, com históricos de reconfigurações familiares constantes e relações amorosas que infringem os limites de parentescos convencionados socialmente; e as violações cotidianas, traduzidas em vivências recorrentes de desamparo e violências em contexto socioeconômico desfavorecido.

Três narrativas descreveram relações familiares desviantes das convenções estabelecidas de parentesco. Laudelina conta que o pai pedia à mãe que o traísse e a traía também (a mãe cumpria pelo desejo de manter a relação, e hoje ressente-se, segundo relatos da Laudelina e da própria mãe em breve diálogo); após a separação, decidida pelo pai, este se casou com uma prima. Dandara narra que o pai, atualmente, é casado com a cunhada dela, irmã de seu marido; Tereza, por sua vez, descobre aos 11 anos que é fruto de uma relação extraconjugal da mãe com um enteado (de idade aproximada à materna): “porque assim, a minha mãe, ela tinha falado que eu não era filho do meu pai né, aí minha mãe teve uma relação com meu irmão. Q’ nó somo’... são 52 irmão” (Tereza). Além disso, dois dos parceiros pregressos de Tereza a traíram com a irmã dela.

Fenômeno atrelado a este é a troca rápida de parceiras pelos homens (Fonseca, 2013Fonseca, C. (2013). Ser mulher, mãe e pobre. In M. Del Priore (Ed.), História das mulheres no Brasil (10ª ed., pp. 510-553). Contexto.; Greene & Rao, 1995Greene, M., & Rao, V. (1995). The marriage squeeze and the rise in informal marriage in brazil. Social Biology, 42(1-2), 65-82. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/7481921.
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; Taylor et al., 2015Taylor, A., Lauro, G., Segundo, M., & Greene, M. (2015). “Ela vai no meu barco”: Casamento infantil na infância e adolescência no Brasil (1ª ed.). Instituto Promundo e Promundo-US. https://promundo.org.br/recursos/ela-vai-no-meu-barco-casamento-na-infancia-e-adolescencia-no-brasil/
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) e identificada nas entrevistas tanto na família de origem, quanto na trajetória de casamento infantil de entrevistadas. Ter filhos aparenta constituir-se como um “carimbo” simbólico de um homem em várias mulheres - quanto mais mulheres ‘marcadas’, mais se chancela no dispositivo da eficácia sexual (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.). Conceição relata uma época em que o pai se separou da mãe e logo se engajou em outra relação de coabitação, retornando em seguida ao antigo lar; Elza desconhece o paradeiro do pai; Laudelina afirma: “é porque quando minha mãe engravidou, meu pai deixou ela, aí foi veio esse, que é pai das outras três (...) porque pra pessoa pegar uma mulher assim e já com bebê e já ir levar pra outro lugar, é muita responsabilidade, né”, entretanto, durante o casamento ele a trai, separa-se e tem outra família. Marielle tem dez irmãos, espalhados pelos estados brasileiros, oito de mãe com parceiros diferentes; Sueli conta com nove irmãos, sete de mãe e pai, e os outros fruto de duas outras relações do pai, e Tereza relatou ter 52 irmãos: “meu pai tem filho que nem sabe que existe”. No que tange às relações maritais das participantes, duas relataram que os respectivos maridos já têm filhos de outras relações. Marielle, grávida de 5 meses, narrou a história de união, gravidez, e rápida separação, quando contava com 4 meses de gestação, sendo que o ex-marido já contava com outro filho, fruto de relação pregressa. Sueli também relatou que o marido tem filhos com outras mulheres. O problema, entretanto, não está propriamente na fluidez das relações, mas nos desejos forjados pelos dispositivos amoroso e materno de manutenção da relação e subsequente falso empoderamento pela maternidade (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: Cultura e processos de subjetivação. Appris.), fenômeno subjetivo que tende a manter as meninas e mulheres num ciclo incessante de busca por serem escolhidas.

Há marcadores de fluidez ainda na alternância de cuidadores e de lares das meninas em suas vidas pregressas ao casamento. Marielle, Sueli e Tereza narraram passagens da vida em que moraram com o pai, depois com a mãe, seguido de coabitações com irmãos, avós, em instituição de acolhimento para crianças e adolescentes, passando, por último, pela coabitação marital. Djamila e Conceição moraram, até se casarem, com os pais unidos, e Dandara, Elza, Laudelina, Lélia, somente com a mãe a maior parte da vida.

Quanto às vivências de desamparo e violações cotidianas, as narrativas apontam para as vivências familiares, domésticas e contextuais que fragilizaram laços afetivos primários e que são marcadores recorrentes em trajetória subjetivas, marcadas por interseccionalidades vulnerabilizadoras, quais sejam, pobreza, raça e gênero. Laudelina narra a pedagogia concreta da mãe: “(...) uma vez só que eu aumentei a voz pra minha mãe, levei um murro na boca, pra nunca mais”; Sueli conta de um ex-namorado que morreu esfaqueado, e no casamento com o parceiro atual, morou em casa sem luz e água; além disso, citou a violência doméstica perpetrada pelo pai contra a mãe. Ele já foi preso três vezes: por agredir a esposa atual e por não pagar devidamente a pensão aos filhos, não cumprindo nem ao menos o papel de provedor. Laudelina e Tereza contaram sobre abusos sexuais sofridos na infância. Tereza não revelou a violência sofrida à época por medo do pai e irmãos matarem o homem e se prejudicarem, “que meu irmão tem duas filhas, né”, justifica. Conta ainda sobre episódio em que o pai foi chamado na escola e “chegou a me dá um tapa na cara já, meu pai, lá na escola. A diretora tá de prova e só porque o outro [professor] que... tirou de cima de mim (...) Aí ele [pai] pegou… aí eu peguei e fugi. Aí ele pegou e foi lá e me mandou pro Conselho Tutelar, me botou no Consel’ Tutela’; aí, depois de um tempo, ele foi me buscar, aí eu chorei pra não sair lá de dentro da Casa Abrigo [nome fictício para instituição de acolhimento]”.

Não se trata apenas de violência e desamparos concretamente vividos, incluem-se aspectos de cuidado e atenção descontinuados, “eu fiquei dois anos sem estudar (...) porque minha mãe ficava viajando, aí não tinha como eu parar numa escola certa”, afirmou Marielle. Já Sueli foi à entrevista com a filha no colo por não possuir rede de apoio que a auxiliasse nos cuidados com a prole; ao passo que Djamila, sem filhos ou gravidez e ainda coabitando em parte com os pais, deixou de estudar porque as amigas o fizeram, sem narrar que os pais tenham se contraposto à sua decisão. Salientam-se, nesses casos, os marcadores sociais de desemprego e constantes migrações, característicos do cotidiano de classes populares (Fonseca, 2013Fonseca, C. (2013). Ser mulher, mãe e pobre. In M. Del Priore (Ed.), História das mulheres no Brasil (10ª ed., pp. 510-553). Contexto.; Souza, 2015Souza, J. (2015). A tolice da inteligência brasileira. Casa da Palavra.), além da descrença nos estudos como via de prosperidade passível de alcance à menina, pobre, negra, de uma cidade pequena.

Inclui-se, ainda, um último marcador recorrente nas narrativas: a transgeracionalidade do desamparo e de violência sofridas pelas mulheres no contexto familiar e comunitário. As mães das nove participantes casaram-se antes dos 16 anos, todas com homens ao menos dois anos mais velhos. Duas entrevistadas casaram-se dois e três anos mais novas do que as mães; quatro, com a mesma idade, e três com cerca de dois anos mais velhas. Conceição, Elza, Laudelina e Marielle narram situações de desamparo sofridas pelas mães nas circunstâncias do casamento, inclusive de não agência delas nesse caminho. Conceição narra que “foi logo após que a minha avó materna morreu, ela faleceu, aí ela [mãe] foi e casou [com 14 anos] porque o pai dela bebia muuito, aí ele, batia muito nela aí ela foi e casou, aí foi uma coisa que ela não teve escolha, eu acho né”; Elza contou que a mãe “sofria demais”, foi dada pela avó a um homem quando contava com 12 ou 13 anos, fugiu, mas logo foi encontrada; Laudelina narrou história semelhante, a avó materna morreu aos oito anos de idade da mãe, que foi criada por uma irmã até o casamento infantil; a última (mãe de Marielle) teve a primeira relação sexual com o namorado, aos 14 anos, e a mãe a obrigou a casar como forma de reparar o “dano”. Quatro participantes (Laudelina, Marielle, Sueli e Tereza) narraram que as mães sofriam violência doméstica perpetrada pelos maridos e uma (Marielle), gravidez indesejada no casamento forçado. Apesar disso, as participantes não sabiam relatar os pormenores das trajetórias maternas, detalhes que, em vista da possibilidade de empoderamento das meninas, poderiam lhes oferecer consciência acerca das consequências do engajamento em uniões assimétricas.

Tais vivências - pedagogias concretas, violências domésticas e no cotidiano comunitário, desatenção continuada e carência de rede de apoio - em conjunto, configuram caminhos (des)privilegiados de manutenção do desamparo e violações de direitos que, ao se manifestarem na relação profundamente gendrada e sexista que configura, em geral, o casamento infantil, são tomadas sem estranhamento pelas meninas esposas entrevistadas. Isso acaba por fomentar, portanto, destinos de violências domésticas invisíveis às meninas, à comunidade e ao Estado.

Considerações Finais

Percebeu-se, com este estudo, que as condições socioculturais constroem caminhos subjetivos passíveis de culminar em casamentos infantis, nas trajetórias narrativas de meninas pobres e negras. Com a decisão de se casarem, as meninas esposas manifestam a esperança de melhora nas condições de vida e de maior amparo afetivo e concretização da felicidade prometida pelos dispositivos amoroso e materno. O gatilho para iniciar as relações, em geral, é o ser escolhida por um homem que além de mostrar interesse, esteja disposto a validá-la perante a família e à comunidade. O matrimônio, entretanto, perpetua o desamparo por meio da manifestação dos maridos de controlá-las, produzindo agressões invisíveis às meninas, mas não por isso, menos ressentidas: a conjugalidade e experiência de maternidade cindem a expectativa pregressa de liberdade e, em última instância, de autonomia (Duque-Arrazola, 1997Duque-Arrazola, L. S. (1997). O cotidiano sexuado de meninas e meninos em situação de pobreza. In F. R. Madeira (Ed.), Quem mandou nascer mulher? Estudos sobre crianças e adolescentes pobres no Brasil (1ª ed., pp. 343-367). Rosa dos Ventos.; Taylor et al., 2015Taylor, A., Lauro, G., Segundo, M., & Greene, M. (2015). “Ela vai no meu barco”: Casamento infantil na infância e adolescência no Brasil (1ª ed.). Instituto Promundo e Promundo-US. https://promundo.org.br/recursos/ela-vai-no-meu-barco-casamento-na-infancia-e-adolescencia-no-brasil/
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)⁠. A “agência” das meninas, nesse âmbito, não rompe com os aspectos introjetados de passividade atribuídos ao feminino, pelo contrário, o que se escolhe (e o que se tenta manter) é o ser escolhida.

Este estudo tensionou promover uma maior visibilidade científica da questão no Brasil e, sobretudo, inaugurar uma análise com foco nos processos de subjetivação de meninas casadas no país. Por sua natureza qualitativa e restrição espacial, entretanto, esta pesquisa conteve limites em sua abrangência. Diante disso, faz-se mister empreender novas pesquisas científicas sobre esse tema - destacando-se a premência de estudos que envolvam as famílias, comunidade e os esposos das meninas -, bem como a criar ações cujo foco seja proporcionar, além do amparo socioeconômico, outras possibilidades subjetivas para além dos destinos materno e amoroso. Para Taylor et al. (2015Taylor, A., Lauro, G., Segundo, M., & Greene, M. (2015). “Ela vai no meu barco”: Casamento infantil na infância e adolescência no Brasil (1ª ed.). Instituto Promundo e Promundo-US. https://promundo.org.br/recursos/ela-vai-no-meu-barco-casamento-na-infancia-e-adolescencia-no-brasil/
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), o casamento na infância e adolescência no Brasil não é um problema isolado das demais violações já sofridas por meio das opressões de gênero, classe e raça, e sua visibilização e enfrentamento são fundamentais para alcançar uma série de direitos e metas de desenvolvimento já em pauta no que tange à infância e juventude brasileira.

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  • *
    Trabalho derivado da dissertação de mestrado da primeira autora, orientada pela segunda.
  • 1
    Classificação de Souza, (2015Souza, J. (2015). A tolice da inteligência brasileira. Casa da Palavra.), o qual critica a divisão limitada à renda por haver outros marcadores que interferem na vida dos sujeitos. Por exemplo, a nova classe trabalhadora tem jornadas de trabalho extenuantes e estuda à noite, enquanto a classe média consegue comprar tempo livre aos filhos, demarcando uma diferença de conhecimento, de capital cultural, tão importante para uma vida digna quanto o dinheiro.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2019
  • Revisado
    09 Dez 2019
  • Aceito
    23 Mar 2020
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