Saúde Mental e Avaliação Psicológica Durante a Pandemia de Covid-19: Revisão Sistemática

Resumo

Este estudo teve como objetivo identificar os efeitos da pandemia de Covid-19 na saúde mental de populações adultas e verificar os recursos de avaliação empregados. A partir de uma revisão sistemática, segundo as recomendações do PRISMA, foram identificados 1.158 artigos nas bases de dados Pubmed, PsycINFO, PePSIC e Scielo, dos quais 54 atenderam aos critérios de elegibilidade para análise. As populações pesquisadas contemplaram adultos em geral, profissionais de saúde e adultos idosos; sintomas de ansiedade e depressão foram os mais relatados; houve expressiva diversidade nos recursos de avaliação aplicados on-line. Políticas de prevenção, promoção de saúde mental para populações mais vulneráveis, assim como o desenvolvimento de testes de avaliação com evidências de validade para aplicação on-line, são uma realidade premente.

Palavras-chave:
Estados psíquicos; Adultos; Avaliação psicológica; Profissionais de saúde; Idosos

Abstract

This study aimed to identify the effects of the COVID-19 pandemic on the mental health of adult populations and verify the assessment resources employed. From a systematic review according to PRISMA recommendations, 1,158 articles were identified in the databases Pubmed, PsycINFO, PePSIC and Scielo, of which 54 met the eligibility criteria for analysis. The populations surveyed included adults in general, health professionals and elderly adults; symptoms of anxiety and depression were the most reported; there was expressive diversity in the assessment resources applied on-line. Prevention policies, promotion of mental health for the most vulnerable populations, as well as the development of evaluation tests with evidence of validity for on-line application, are a pressing reality.

Keywords:
Psychic states; Adults; Psychological assessment; Health professionals; Aged

A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2020) declarou que a doença causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, denominada Covid-19 (coronavirus disease-2019), havia assumido o status de pandemia em março de 2020. Até 2 de outubro daquele ano, 33.842.281 pessoas foram infectadas no mundo todo e 1.010.634 mortes foram confirmadas. A nova doença exigiu mobilizações globais na elaboração de estratégias de enfrentamento.

Nos últimos cem anos, a humanidade vivenciou três grandes cenários de enfrentamento a doenças contagiosas: a pandemia da gripe espanhola, a síndrome respiratória aguda grave (SARS) e a influenza H1N1. A pandemia de gripe espanhola em 1918 dizimou aproximadamente 40 milhões de pessoas, com rápida disseminação e alta letalidade em todo o mundo.

Durante a pandemia de influenza H1N1, em 2009, que causou 18 mil mortes, a falta de equipamentos de segurança foi responsável pela emergência de sintomas de adoecimento psíquico, como sentimentos de medo e isolamento, em profissionais da saúde, além de estes manifestarem sintomas de exaustão mental e física pelo excesso de trabalho (Imai et al., 2010). Na pandemia antecedente à de SARS, em 2003, que causou a morte de 800 pessoas no mundo, foi observada a persistência de sintomas de estresse pós-traumático após 3 anos do início do evento, demonstrando os efeitos nocivos da pandemia na saúde mental de profissionais da saúde, ao longo do tempo (P. Wu et al., 2009).

Distanciamento social e restrição do contato físico foram as principais recomendações para evitar o contágio nas pandemias anteriores e permanecem sendo na Covid-19 (OMS, 2020). Contudo, tais práticas sanitárias, concomitantes à vivência do cenário pandêmico, podem gerar sintomas e potencializar danos à saúde mental nas diferentes populações (Becerra-García et al., 2020). Cabe ressaltar que indicadores de prejuízos na saúde mental não podem ser confundidos com transtornos homônimos. Apenas a presença de sintomas de ansiedade (sensações desconfortáveis como angústia, inquietação, preocupações excessivas, medo ou pavor, aperto no peito, palpitação, falta de ar, náusea, transpiração excessiva, tontura), segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V; American Psychiatric Association, 2013), não caracterizam o transtorno de ansiedade, já que este requer uma avaliação ampla do sujeito.

Os resultados da revisão sistemática de Scortegagna et al. (2021) mostram indicadores de prejuízos na saúde mental em profissionais de saúde no enfrentamento à pandemia de Covid-19. A partir da análise de 28 artigos científicos publicados sobre essa temática, foram identificados sintomas de ansiedade e de depressão e alterações relevantes no sono em profissionais que atuam na linha de frente no enfrentamento à doença.

Os sinais de adoecimento psíquico ao longo das pandemias mostram que as políticas públicas de enfrentamento a esses cenários precisam evoluir. Há a necessidade de investimento em pesquisas que promovam respostas rápidas, coordenadas, e que facilitem o acesso das populações mais vulneráveis, como adultos idosos e profissionais de saúde, de forma mais efetiva à ações e intervenções protetivas a essas populações (Holmes et al., 2020). Dessa forma, segundo os autores, seria possível promover cenários de cuidado, proteção e prevenção aos sinais mais comuns de adoecimento.

Diante deste panorama, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) se configuram como uma das alternativas para minimizar sentimentos de solidão e angústia, decorrentes do distanciamento social e familiar, podendo ser úteis em intervenções com populações de risco, por meio do uso da Internet. Pesquisas internacionais vêm mostrando a aceitação dos usuários e os benefícios das intervenções psicológicas realizadas de forma on-line (Rost et al., 2017; McCashin et al., 2019) e apontam para experiências positivas no tratamento da depressão, embora ressaltem algumas deficiências metodológicas a serem melhoradas, como dificuldades técnicas, interferência da medicação utilizada pelo usuário e dificuldades causadas pela falta de prática (Rost et al., 2017). Resultados positivos (motivação, segurança, diversão, reconhecer pensamentos e sentimentos negativos sem julgar a si mesmo) foram encontrados na população jovem, em intervenções para quadros de alterações do humor, ansiedade, traumas e dificuldades físicas (McCashin et al., 2019), mas ainda são achados embrionários e são necessárias novas pesquisas.

No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) avança na direção de regulamentar os atendimentos psicológicos on-line durante a pandemia. A Resolução CFP nº 004/2020 normatiza a realização de atendimentos por meio das TIC de forma on-line e, especificamente, a Resolução CFP nº 009/2018, que trata dos processos de avaliação psicológica, possibilita a realização de processos avaliativos por meio das TIC com o uso de testes psicológicos padronizados e normatizados para o uso on-line. Porém, embora seja considerado um importante progresso, ainda são poucos os testes autorizados para uso no formato digital no Brasil. Dos 157 testes autorizados pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI), apenas 4 (2,54%) são próprios para aplicação em formato digital.

Avaliar, monitorar e intervir na promoção da saúde mental das populações e identificar os meios de intervenção utilizados pode ajudar a direcionar os esforços e atender populações vulneráveis com mais qualidade e rapidez, tendo em vista o aumento de sintomas de adoecimento psíquico e a necessidade de promover e fortalecer políticas públicas. Assim sendo, este estudo teve como objetivo identificar efeitos da pandemia de Covid-19 na saúde mental de populações adultas e verificar os recursos de avaliação empregados.

Método

Esta revisão sistemática foi conduzida com base nas recomendações propostas pelo guia PRISMA - Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (Liberati et al., 2009), entre os meses de maio e junho de 2020. As questões-chave que nortearam este estudo foram: Q1: Quais as populações adultas pesquisadas?; Q2: Quais os recursos de avaliação de saúde mental empregados?; e Q3: Quais os prejuízos à saúde mental de adultos durante a pandemia de Covid-19?

Estratégias de pesquisa

Considerando que a pandemia teve início oficial em 11 de março de 2020 (OMS, 2020), todos os artigos localizados foram publicados naquele ano. A busca dos estudos foi efetuada nas bases de dados Pubmed, PsycINFO, PePSIC e Scielo, não sendo aplicados filtros de idioma. A escolha dessas bases de dados deveu-se a sua pertinência e abrangência no que diz respeito ao tema de investigação proposto. As palavras-chave utilizadas foram consultadas nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), tornando-se elegíveis: “mental health and Covid-19”, “mental health and Covid19” e “mental health and Covid 19”. Na seleção destas palavras-chave, buscou-se abranger o maior número possível de artigos, abrangendo os diversos indicadores de saúde mental.

Critérios de elegibilidade

Foram elegidos artigos publicados que avaliaram a saúde mental de adultos de diferentes populações diante da pandemia de Covid-19. Excluíram-se: títulos duplicados; comentários, editoriais, cartas ao editor e artigos de revisão da literatura científica; artigos que abordavam a saúde mental de crianças e adolescentes ou em contextos educacionais; e trabalhos que não forneceram informações suficientes em seus respectivos resumos, impedindo a análise de adequação aos critérios adotados nesta revisão.

Processo de seleção dos estudos

Preliminarmente, realizou-se a busca nas bases de dados de acordo com as palavras-chave selecionadas. Na sequência, os títulos e resumos dos trabalhos identificados pela estratégia de busca foram avaliados em relação aos seus conteúdos, aplicando-se os critérios de exclusão. Os materiais que continham informações relevantes para este estudo seguiram para a próxima etapa. Por fim, os artigos que cumpriam os critérios de seleção foram avaliados na íntegra, pelos autores deste estudo.

Resultados

Os resultados das buscas nas bases de dados totalizaram 1.158 publicações. A Figura 1 apresenta o fluxograma do processo de seleção utilizado neste estudo.

Figura 1.
Diagrama de fluxo do processo de seleção da revisão sistemática, adaptado do diagrama PRISMA (Liberati et al., 2009)

A partir da seleção dos estudos, seus conteúdos foram reunidos de modo a responder as questões, como se segue:

Quais as populações adultas estudadas?

A análise dos 54 artigos possibilitou a classificação inicial de 3 grupos, de acordo com as populações estudadas, a saber: população adulta em geral, profissionais da saúde e adultos idosos. A Tabela 1 descreve a quantidade de artigos sobre cada uma dessas populações, os participantes, os autores e países de origem.

Tabela 1.
Descrição dos artigos selecionados de acordo com suas populações

População	Participantes	Autores	País de origem
População adulta geral (n=19)	151 a 7.236 pessoas (idades de 18 a 90 anos)	(Becerra-García et al., 2020)	China (n=8)
		(Choi et al., 2020)	Índia (n=3)
		(Gao et al., 2020)	Espanha (n=3)
		(Huang & Zhao, 2020)	Reino Unido (n=1)
		(Lei et al., 2020)	Turquia (n=1)
		(Lin et al., 2020)	Jordânia (n=1)
		(Mazza et al., 2020)	Austrália (n=1)
		(Naser et al., 2020)	Itália (n=1)
		(Özdin & Bayrak Özdin, 2020)
		(Parrado-González & León-Jariego, 2020)
		(Rehman et al., 2020)
		(González-Sanguino et al., 2020)
		(Smith et al., 2020)
		(Stanton et al., 2020)
		(Verma & Mishra, 2020)
		( H. Wang et al., 2020)
		( C. Wang et al., 2020)
		(Zheng et al., 2020)
		(Roy et al., 2020)
Profissionais da saúde (n=28)	1 a 14.866 (idades de 18 a 60 anos)	(Anmella et al., 2020)	China (n=19)
		( C. Zhang et al., 2020)	Índia (n=2)
		(Liu et al., 2020)	Alemanha (n=1)
		(Cai et al., 2020)	Itália (n=1)
		(Civantos et al., 2020)	Jordânia (n=1)
		( D. Sun et al., 2020)	Espanha (n=1)
		(Dong et al., 2020)	Paquistão (n=1)
		(Fawaz & Samaha, 2020)	Líbano (n=1)
		(Kang et al., 2020)	Estados Unidos (n=1)
		(Khanna et al., 2020)
		(Lai et al., 2020)
		(Lu et al., 2020)
		(Mo et al., 2020)
		( N. Sun et al., 2020)
		(Naser et al., 2020)
		(Podder et al., 2020)
		(Que et al., 2020)
		(Rossi et al., 2020)
		(Sethi et al., 2020)
		(Song et al., 2020)
		(Tu et al., 2020)
		(W. Zhang et al., 2020)
		(S. Wang et al., 2020)
		(W. Wu et al., 2020)
		(Xing et al., 2020)
		(Yin et al., 2020)
		(Zerbini et al., 2020)
		(Zhuo et al., 2020)
Adultos idosos (n=7)	1 a 1501 pessoas (idades de 60 a 88 anos)	(Goethals et al., 2020)	Espanha (n=1)
		(Goodman-Casanova et al., 2020)	Estados Unidos (n=1)
		(Iaboni et al., 2020)	França (n=1)
		(Kivi et al., 2020)	Canadá (n=1)
		(Losada-Baltar et al., 2020)	Suécia (n=1)
		(Naarding et al., 2020)	Espanha (n=1)
		(Van Orden et al., 2020)	Holanda (n=1)

Observa-se na Tabela 1 que a China, onde a pandemia de Covid-19 iniciou oficialmente (OMS, 2020), foi o país que mais produziu estudos sobre as condições de saúde mental da população adulta (n=27). Na sequência, com mais produções, tem-se a Índia (n=5) e a Espanha (n=4), e verifica-se a inexistência de estudos brasileiros durante o período pesquisado. O número amostral variou extensivamente de 1 (Anmella et al., 2020; Iaboni et al., 2020) a 14.866 indivíduos (Song et al., 2020).

Os resultados das pesquisas puderam ser sistematizados em três grupos. O primeiro grupo teve como objetivo estudar a população adulta geral (n=19), sem segmentar as idades dos participantes. Abrangeram pessoas entre 18 a 90 anos de idade, de países diversificados e de diferentes contextos, sem perfis profissionais específicos. A inclusão de sujeitos com mais de 60 anos (Mazza et al. 2020; González-Sanguino et al. 2020; C. Wang et al. 2020) neste grupo deveu-se justamente pelos estudos não diferenciarem os participantes, nem os resultados, de acordo com as idades.

Na sequência, observa-se que a maior parte dos estudos sobre adultos foi desenvolvida com profissionais da saúde (n=28) com idade entre 18 e 60 anos e de diferentes países. Estes estudos dividiram-se metodologicamente em: médicos e enfermeiros (n=10) (Fawaz & Samaha, 2020; Kang et al., 2020; Lai et al., 2020; Que et al., 2020; Song et al., 2020; S. Wang et al., 2020; Xing et al., 2020; Zerbini et al., 2020; W. Zhang et al., 2020; Zhuo et al., 2020); médicos, enfermeiros e equipes administrativas (n=6) (Dong et al., 2020; Liu et al., 2020; Lu et al., 2020; Rossi et al., 2020; D. Sun et al., 2020; Yin et al., 2020); apenas médicos (n=4) (Anmella et al., 2020; Civantos et al., 2020; Khanna et al., 2020; Podder et al., 2020); apenas enfermeiros (n=3) (Mo et al., 2020; N. Sun et al., 2020; Tu et al., 2020); médicos, enfermeiros, técnicos, farmacêuticos, residentes e outros profissionais não especificados, equipe de logística e de mídias sociais (n=2) (Cai et al., 2020; Naser et al., 2020); não especificaram os profissionais de saúde avaliados (n=2) (W. Wu et al., 2020; W. Zhang et al., 2020); e médicos e dentistas (n=1) (Sethi et al., 2020).

Por fim, o terceiro grupo incluiu as pesquisas realizadas com populações de adultos idosos (n=7). Foram considerados elegíveis para esse grupo os estudos que contaram com populações exclusivas de adultos idosos e/ou que diferenciaram os resultados de indivíduos com mais de 60 anos de idade de outras populações, analisando esses resultados de forma independente. A idade das amostras analisadas variou de 60 a 88 anos, considerando apenas os adultos idosos, embora, em dois estudos (Goethals, et al., 2020; Losada-Baltar, et al. 2020), foram incluídos participantes com menos de 60 anos. Os resultados apresentados foram retirados apenas das populações de adultos idosos.

Observou-se a formação de 2 tipos de estudos: com pessoas idosas com mais de 60 anos e com boas condições psiquiátricas, sem alterações evidentes (Goethals et al., 2020; Kivi et al., 2020; Losada-Baltar et al., 2020; Van Orden et al., 2020) e estudos com os que apresentavam alguma condição psiquiátrica (Goodman-Casanova et al., 2020; Iaboni et al., 2020; Naarding et al., 2020) em especial doença de Alzheimer e outras demências, variando de graus leves a severos.

Quais os recursos de avaliação de saúde mental empregados?

A Tabela 2 descreve os instrumentos de avaliação utilizados e prejuízos na saúde mental encontrados nos artigos selecionados. Buscou-se quantificar e agrupar dados semelhantes, com o propósito de comparar os diferentes grupos.

Tabela 2.
Descrição dos problemas de saúde mental da população adulta em geral, profissionais de saúde e adultos idosos e dos instrumentos de avaliação empregados

População	Instrumentos/Testes utilizados	Sintomas ou comportamentos autorrelatados
População Adulta Geral (n=19)	Questionário semiestruturado (on-line; n=5);	Ansiedade (n=14);
	Depression, Anxiety and Stress Scale (on-line; n=3);	Sintomas depressivos (n=11);
	Generalized Anxiety Disorder 7-Item Scale (on-line; n=3);	Estresse (n=5);
	Impact of Event Scale-Revised (on-line; n=2);	Compras compulsivas (n=1).
	Patient Health Questionnaire-9 (on-line; n=2);
	Inventário de Ansiedade de Beck (on-line; n=1);
	Inventário de Depressão de Beck (on-line; n=1);
	Warwick-Edinburg Mental Well-being Scale (on-line; n=1);
	Hospital Anxiety and Depression Scale (on-line; n=1);
	Health Anxiety Inventory (on-line; n=1);
	National Internet Survey on Emotional and Mental Health (on-line; n=1);
	Social Anxiety Scale (on-line; n=1);
	Zung's Self-rating Depression Scale (on-line; n=1);
	Goldberg Health Questionnaire-12 (on-line; n=1);
	WHO (Five) Well-being Index (on-line; n=1);
	State-Trait Anxiety Inventory (on-line; n=1);
	Outras versões do Patient Health Questionnaire (on-line; n=1);
	Outras versões do Generalized Anxiety Disorder (on-line; n=1);
	PTSD Checklist - Civilian Version (on-line; n=1);
	Functional Assessment of Chronic Illness Therapy - Spiritual Well-Being 12 items (on-line; n=1);
	Self-Compassion Scale (on-line; n=1).
Profissionais de saúde (n=28)	Generalized Anxiety Disorder 7-Item Scale (on-line; n=8);	Ansiedade (n=13);
	Patient Health Questionnaire-9 (on-line; n=8);	Sintomas depressivos (n=11);
	Insomnia Severity Index (on-line; n=7);	Problemas com o sono (n=8);
	Inventário ou Questionário semiestruturado desenvolvido pelos pesquisadores (on-line; n=7);	Estresse (n=5);
	Impact of Event Scale (on-line; n=5);	Medo (n=4);
	Pittsburgh Sleep Quality Index (on-line; n=3);	Exaustão (n=4);
	Symptom Checklist-90 (on-line; n=3);	Estresse Pós-Traumático (n=3);
	Outras versões do Patient Health Questionnaire (on-line; n=3).	Somatização (n=2);
	Estudo de caso (presencial, n=1)	Comportamento Obsessivo-Compulsivo (n=2);
		Psicoticismo (n=2);
		Angústia (n=2);
		Burnout (n=1).
Adultos Idosos (n=7)	Escala Moral da Filadélfia (on-line; n=1);	Solidão (n=3);
	Entrevista semiestruturada (on-line; n=3);	Ansiedade (n=1);
	Terapia Cognitivo Comportamental (on-line; n=1);	Tristeza (n=1);
	Estudo de Caso (presencial; n=2).	Sedentarismo (n=1);
		Resistência ao Isolamento (n=1).

Houve ampla variação de instrumentos utilizados em cada grupo e entre os grupos. Os instrumentos mais utilizados foram o Generalized Anxiety Disorder 7-Item Scale (n=11) e o Patient Health Questionnaire-9 (n=10). Inventários, questionários ou entrevistas semiestruturadas desenvolvidos pelos próprios autores também foram amplamente empregados (n=15), entretanto, tratando-se de procedimentos diferentes, optou-se por apenas serem contabilizados. Diante da recomendação de isolamento social, o campo de interação entre pesquisadores e participantes tornou-se digital em 50 estudos (92%), em que o uso da Internet e de dispositivos eletrônicos possibilitou a coleta de dados.

Quais os prejuízos à saúde mental dos adultos durante a pandemia de COVID-19?

Em relação aos prejuízos à saúde mental dos adultos decorrentes da pandemia de Covid-19, nos três grupos foram encontrados 95 relatos de alterações, referidos 21 sintomas, sendo os sintomas de ansiedade (n=28, 29,47%) e de depressão (n=23, 24,21%) os mais frequentes. Os profissionais de saúde apresentaram a maior gama de relatos, identificados 57 vezes (60%) nos estudos e mencionados 12 sintomas (57,14%), sendo os sintomas de ansiedade (n=13, 22,80%) e sintomas depressivos (n=11, 19,29%), os mais relatados. Muitos profissionais de saúde apresentavam mais de um sintoma concomitantemente.

A população adulta geral apresentou 31 alterações (32,63%), agrupadas em 4 sintomas diferentes (19,04%), sendo que os sintomas de ansiedade foram os mais referidos (n=14, 45,16%), seguidos por sintomas depressivos (n=11, 35,48%). Na população de adultos idosos, foram identificadas 7 alterações (7,36%), relatados em 5 sintomas diferentes (23,80%). Os sintomas de solidão foram os mais mencionados (n=3, 42,85%) enquanto outros sintomas apresentaram-se apenas uma vez cada (14,28%).

Discussão

A produção científica sobre os efeitos psicológicos da pandemia de Covid-19 na saúde mental de populações adultas retrata a investigação de três principais grupos (população adulta geral, profissionais de saúde, adultos idosos), avaliados por diversos instrumentos em que o uso de recursos digitais predominou. Como resultado, observaram-se prejuízos psíquicos, destacando-se os sintomas de ansiedade e a depressão.

Iniciando com a população adulta geral, os estudos mostram que sintomas de ansiedade e de depressão atingem mais às populações de adultos jovens (18-45 anos; Huang & Zhao, 2020; Naser et al., 2020; Smith et al., 2020; Stanton et al., 2020), especialmente do gênero feminino (González-Sanguino et al., 2020; Lin et al., 2020; Mazza et al., 2020; Naser et al., 2020; Özdin & Bayrak Özdin, 2020; Parrado-González & León-Jariego, 2020; Rehman et al., 2020; Smith et al., 2020). Esses resultados apoiam estudos prévios que mostram que as mulheres são mais propensas a desenvolver sintomas de estresse pós-traumático e ansiedade em eventos de grande impacto (Sareen et al., 2013).

A razão pela qual as populações de adultos jovens expressaram um maior grau de ansiedade não foi amplamente investigada, portanto, justifica investigações mais aprofundadas. Entretanto, a enorme quantidade de informações sobre o novo coronavírus circuladas nas redes sociais, um dos meios de comunicação mais populares desta população, talvez tenha contribuído para o incremento da ansiedade entre os mais jovens. Além disso, com o surto de Covid-19, houve o fechamento de escolas localizadas em todo o país, a queda acentuada na atividade empresarial e ameaça à segurança no emprego e algumas mulheres tiveram que conciliar tarefas domésticas com outras atividades, inclusive de cuidado com familiares, como observado em outros estudos (González-Sanguino et al., 2020; Lin et al., 2020). Essas disparidades demográficas identificadas nos níveis de ansiedade podem fornecer pistas para o direcionamento de intervenções em saúde pública, a fim de reduzir os problemas relacionados à saúde mental.

Na sequência, os resultados encontrados revelaram um quadro preocupante. Os profissionais de saúde manifestaram severo sofrimento psicológico, em que sintomas de ansiedade (n=13), depressão (n=11) e problemas com o sono (n=8) foram os mais descritos. Por estarem diariamente em contato com pessoas infectadas, constituem um grupo de risco particularmente diferente dos demais (Liu et al., 2020; Zhang et al., 2020). O alto risco de contágio a que estão expostos, o aumento de carga de trabalho (Civantos et al., 2020; Sethi et al., 2020; D. Sun et al., 2020) e a necessidade de uma rotina de cuidados com equipamentos e procedimentos (Xing et al., 2020) parecem incrementar e exponenciar as sensações de medo, ansiedade, desesperança e estresse, resultado semelhante à outras pandemias (Imai et al., 2010).

Cumprindo as medidas sanitárias de proteção, os profissionais da saúde afastam-se de suas famílias e amigos para evitar contaminá-los. A diminuição do contato com pessoas importantes pareceu fragilizar ainda mais a saúde mental desse grupo, o que pode ter contribuído para o incremento de sintomas depressivos, como relatado em alguns estudos (Dong et al., 2020; Lai et al., 2020).

Estes resultados acirram constatações anteriores observadas em outras pandemias, em que as altas cargas de trabalho e a falta de profissionais, além da vivência de questões éticas e o convívio com situações de morte, contribuíram para o incremento de extremo estresse (Henderson et al., 2000; P. Wu et al., 2009). Particularmente, o estudo de P. Wu et al. (2009) destaca a extensão dos prejuízos psicológicos em profissionais da saúde, mesmo após três anos da pandemia, com destaque para a presença de sintomas de estresse pós-traumático.

Estes dados motivam alguns questionamentos: os profissionais de saúde estão sendo acolhidos e atendidos em suas demandas psíquicas, referentes aos sintomas de ansiedade e depressão? Há ofertas de serviços de atendimento à saúde mental a esses profissionais? As respostas confirmam que, como em outros cenários pandêmicos, os profissionais de saúde foram severamente afetados em sua saúde mental e, quando observada a oferta de intervenções, verifica-se que ainda existem práticas preventivas e protetivas insuficientes a essa população para enfrentar pandemias (informação oculta). Sendo assim, as políticas que visam promover e fortalecer a saúde mental destes profissionais são insuficientes e precisam ser incrementadas.

Por fim, embora estejam entre os grupos com maior mortalidade (OMS, 2020), os estudos com adultos idosos foram mais escassos e indicaram sinais de sofrimento emocional distintos, especialmente quando comparados a populações mais jovens. Identificar quem foram os adultos idosos pesquisados pode ajudar a compreender esses dados e prover a assistência necessária.

O estudo de Losada-Baltar et al. (2020) mostrou que idosos com boas condições psiquiátricas apresentam baixos relatos de sintomas de ansiedade e menor impacto traumático da pandemia em suas rotinas. Mas, observa-se, em relatos de pessoas idosas, participantes voluntarias de atividades de assistência em saúde mental, em pelo menos três estados do Brasil (Scortegagna et al., 2021), que as restrições de convívio social e familiar, impostas pelo distanciamento físico, contribuíram para incrementar sentimentos de solidão e de exclusão social, o que também foi confirmado em outros estudos (Losada-Baltar et al., 2020; Van Orden et al., 2020).

Os sentimentos de solidão parecem incrementar outras formas de sofrimento. Morar sozinho aumentou sintomas de ansiedade e dificuldades para dormir, e diminuiu a sensação de bem-estar (Goodman-Casanova et al., 2020). Redes de apoio familiar e mudanças que buscam maior interação podem ser fatores protetivos para diminuir os sentimentos de solidão (Brooks et al., 2020). Sobre esse ponto, alguns autores compartilham da ideia de que as ferramentas digitais como computadores, smartphones e serviços de comunicação podem diminuir os efeitos negativos do distanciamento físico (Goodman-Casanova et al., 2020), mas, nem todas as pessoas idosas se adaptam facilmente as tecnologias (Goethals et al., 2020) e podem precisar de atenção especial nesse processo. Diante da constatação dessas dificuldades, observa-se, no Brasil, que alguns filhos se voltam para atender as necessidades de cuidado de seus pais, auxiliando-os no manuseio de dispositivos m-Health e na sua inserção aos atendimentos coletivos em saúde mental, em plataformas da web (Scortegagna et al., 2021). Tal prática pode contribuir para solucionar problemas e potencializar recursos de saúde.

O distanciamento físico contribuiu também para o aumento de sedentarismo entre pessoas idosas. O estudo de Goethals et al. (2020) identificou um maior risco de lesões físicas ocasionados pela falta de equipamentos adequados para prática de exercícios em casa e de conhecimento em atividades físicas. Para os autores, o que explica o aumento de sedentarismo foi a quebra dos laços sociais experienciada durante as atividades físicas em grupo, o que pode levar a um declínio da saúde mental e emocional dos adultos idosos.

É possível inferir que a simples transposição de atividades presenciais para on-line pode não ser atrativa e que as ferramentas utilizadas precisam ser de fácil compreensão e manejo. Aliado a isso, a falta de letramento digital, os parcos recursos econômicos para aquisição e manutenção de recursos tecnológicos e o pouco tempo necessário para a familiarização com tais atividades e para desenvolver sentimentos de confiança e segurança nesse tipo de assistência podem incidir negativamente nesta alternativa, como um dos recursos para promoção de saúde.

Em detrimento da preocupação com a pandemia, outras preocupações causadoras de mal-estar e relacionadas a consequências sociais, situações econômicas e financeiras foram identificadas em residentes na Suécia (Kivi et al., 2020). Relacionado entre os países com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e ocupando a terceira posição mundial no ranking de envelhecimento (Alldatanow, 2020), uma possível explicação ao expressivo mal-estar com preocupações secundárias, segundo Kivi et al. (2020), pode estar vinculado ao fato de alguns adultos idosos negarem a sua identificação com os grupos de risco. Outra possível explicação, ainda segundo os autores, são os níveis de bem-estar da amostra avaliada e a maior liberdade de movimento no país, quando comparado a outros lugares e suas restrições.

Pessoas idosas com demência ou outras debilidades apresentam maiores riscos de contrair Covid-19. As dificuldades em seguir as recomendações de segurança e distanciamento físico (Iaboni et al., 2020) e a maior dificuldade em identificar os sintomas da doença (Naarding et al., 2020) podem favorecer as transmissões nos espaços compartilhados, como casas geriátricas ou instituições que atendem essas populações, consequentemente aumentando o número de óbitos.

Para auxiliar a minimizar esse contexto adverso, grupos de suporte podem ser fonte de ajuda nas atividades da vida diária de idosos com demências leves, mas, para isso, devem receber suporte e treinamento específico. Pessoas que auxiliam com suprimentos básicos e que oferecem informações sobre a pandemia podem ser geradoras de bem-estar em pessoas idosas com essa condição e que vivem sozinhas; por outro lado, a paralisação das atividades físicas e de convívio social pode incidir em pioras na cognição e no desenvolvimento de atividades cotidianas, como reportado em estudos (Goodman-Casanova et al., 2020) e práticas de assistência em saúde mental coletiva (Scortegagna et al., 2021).

Ainda que mantenham certa heterogeneidade, os diferentes grupos de populações adultas apresentam algum tipo de sofrimento mental enquanto vivenciam a pandemia de Covid-19. Notadamente, os sintomas de ansiedade e depressão se destacam, embora as diferenças entre os grupos façam com que sejam experienciados de formas distintas.

Profissionais de saúde apresentam maiores prejuízos emocionais e encontram-se mais expostos ao vírus e suas consequências, devido à extensa rotina hospitalar de contato com pacientes, principalmente os que atuam diretamente no enfrentamento ao vírus (Lai et al., 2020; Liu et al., 2020). A população geral, entretanto, parece manifestar mais sintomas de ansiedade e depressão como consequência das mudanças de rotina e das ameaças da pandemia à saúde (Huang & Zhao, 2020; Naser et al., 2020; Smith et al., 2020; Stanton et al., 2020). Na população de adultos idosos, os impactos do distanciamento físico estão relacionados a sentimentos de solidão, mais do que mudanças na rotina (Goodman-Casanova et al., 2020).

A avaliação dos indicadores de saúde mental das diferentes populações foi possível principalmente pelo uso de recursos digitais. O uso da internet e de dispositivos eletrônicos em 92% (n=50) dos estudos aponta para uma adaptação importante nos cenários de avaliação, sugerindo que instrumentos consolidados em aplicações presenciais possam ser estudados quanto às suas equivalências para serem utilizados remotamente, de maneira síncrona.

Essa mudança metodológica é um importante avanço nas pesquisas sobre avaliação das condições de saúde mental. Contudo, no Brasil, como aponta a Resolução CFP nº 009/2018, para que um instrumento de avaliação possa ser utilizado por um psicólogo, dentre outros requisitos, precisa apresentar consistência técnico-científica. Isso significa que não é possível simplesmente transpor um teste de aplicação presencial para um formato digital, sob o risco de que o instrumento perca suas propriedades psicométricas com o acréscimo de outras variáveis como brilho, cores e sensibilidade das telas e a perícia e familiaridade do sujeito avaliado com o uso dos recursos digitais. Portanto, o desenvolvimento de pesquisas para que se possa verificar, de maneira síncrona, os alcances e as limitações dos testes psicológicos e práticas de avaliação psicológica on-line deve ser incentivado pelas politicas de saúde e governamentais.

Nessa perspectiva, os achados desse estudo ressaltam a importância da oferta de recursos digitais de avaliação em prevenção, intervenção e monitoramento da saúde mental e da saúde geral. Alternativas digitais diversas precisam ganhar espaço e alcançar populações mais vulneráveis com segurança e eficácia. Aliado a outros recursos de assistência, o desenvolvimento de recursos inovadores digitais e-Health podem ser promulgados na direção de promover a qualidade de vida e atender a saúde coletiva diante dos agravos da pandemia, dos limites de assistência presencial ou do mínimo acesso aos serviços de saúde (Rost et al., 2017; McCashin et al., 2019).

Embora os principais achados deste estudo possam contribuir para nortear as políticas públicas diante dos efeitos da pandemia, os seguimentos de pesquisas, das práticas avaliativas e de intervenção à população precisam estar dentro de suas limitações. A faixa de tempo de acesso aos artigos é a principal delas e novas buscas contemplando espaços de tempo estendidos podem refletir e/ou vir a ampliar os resultados aqui encontrados.

A falta de estudos sobre a população brasileira pode ter sido justamente pela faixa de tempo contemplada pela presente pesquisa, muito embora não se possa deixar de mencionar a necessidade de incentivo ao aumento de pesquisas no Brasil que visem o desenvolvimento e a conclusão de projetos que possam beneficiar a ciência e a sociedade. Políticas públicas de divulgação de ações de proteção e intervenção mais inclusivas, que diminuam o impacto negativo da pandemia nas populações e que facilitem a adesão as iniciativas protetivas, deveriam ser consideradas em caráter de urgência (Holmes et al., 2020).

Portanto, o seguimento de estudos é uma realidade premente. Para tanto sugere-se que as pesquisas busquem acompanhar longitudinalmente a saúde mental da população em distintas fases evolutivas; que os estudos de avaliação e monitoramento do adoecimento mental da população sejam realizados com a utilização de multimétodos, que haja incremento de estudos para o desenvolvimento de testes com evidência de validade para serem utilizados em avaliações on-line e que as pesquisas investiguem a eficácia das terapêuticas on-line voltadas à saúde mental, em diversas perspectivas e modalidades.

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• 10
  * As referências analisadas neste artigo estão sinalizadas com o símbolo (*).

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Out 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  21 Dez 2020
• Aceito
  07 Jun 2021