Função Cognitiva de Pacientes com Insuficiência Renal Crônica em Hemodiálise: Uma Revisão Sistemática

Resumo

O objetivo foi revisar sistematicamente a relação da Insuficiência Renal Crônica e da Hemodiálise com a função cognitiva. Esta pesquisa de revisão sistemática seguiu os parâmetros propostos pelo PRISMA. A busca dos artigos foi realizada na base de dados PubMed. Foram encontrados 113 artigos, sendo que destes 31 foram selecionados para análise. Analisando a amostra dos estudos verificou-se que 19,3% dos estudos tiveram grupo controle, que o instrumento mais utilizado foi Mini Exame do Estado Mental (41,9%) e que pacientes com idade mais avançada e os pacientes com mais tempo de tratamento hemodialítico tinham piores escores cognitivos. Conclui-se que a HD pode reduzir a função cognitiva de pessoas com IRC.

Palavras-chave:
Diálise Renal; Falência Renal Crônica; Cognição; Revisão Sistemática

Abstract

The objective was to systematically review the relationship between Chronic Kidney Failure and Hemodialysis with cognitive function. This systematic review followed the parameters proposed by PRISMA. The search for articles was carried out in the PubMed database. A total of 113 articles were found, of which 31 were selected for analysis. Analyzing the studies' samples, it was found that 19.3% of them had a control group, that the most used instrument was the Mini-Mental State Examination (41.9%), and that patients of older age and patients with longer hemodialysis treatment had worse cognitive scores. It is concluded that HD can reduce the cognitive function of people with CKF.

Keywords:
Renal Dialysis; Chronic Kidney Failure; Cognition; Systematic Review

A Insuficiência Renal Crônica (IRC) está se tornando cada vez mais comum na população, acometendo 3,6 milhões de pessoas em todo o mundo (Marinho et al., 2017). A mesma é considerada um problema de saúde pública, devido à morbimortalidade, ao custo elevado com o tratamento, ao impacto social que ocasiona no paciente (Karatas et al., 2018), às complicações multissistêmicas (Wuttke et al., 2019) e às altas taxas de hospitalização (Alcalde & Kirsztajn, 2018).

A IRC se destaca devido sua alta taxa de incidência e prevalência que chegam a 194 e 610 pacientes por milhão de habitantes (PMP), respectivamente (Thomé et al., 2019). Estes números tendem a aumentar consideravelmente devido ao envelhecimento populacional e seu perfil de morbidade, que agrava o quadro epidemiológico da patologia (Miranda et al., 2016), e pelo fato de seus principais fatores de risco como a diabetes mellitus, a hipertensão arterial sistêmica, as glomerulonefrites, a síndrome metabólica e as doenças urológicas também estarem com altas taxas de aumento (Li & Ma, 2017).

Nas últimas duas décadas, os avanços no tratamento da IRC ajudaram a aumentar a sobrevida das pessoas que tem esta morbidade (Msaad et al., 2019). Dentre os tipos de tratamento, a HD representa a principal alternativa. Atualmente cerca de 2 milhões de pessoas no mundo estão em hemodiálise, sendo que este número, no Brasil, chega a 126.583 mil pessoas, de acordo com o inquérito anual realizado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) (Thomé et al., 2019).

Pacientes com IRC em HD enfrentam mudanças significativas no estilo de vida que afetam seriamente os aspectos biopsicossociais da saúde (Johnston, 2016; Ren et al., 2019). Diversos estudos apontam que pacientes em HD apresentam uma piora nas suas condições de saúde, perda de massa muscular, fragilidade (Kamijo et al., 2018), depressão (Khan et al., 2019) má qualidade do sono saúde (Ren et al., 2019), desnutrição (Bousquet-Santos et al., 2019) e a piora da função cognitiva (Erken et al., 2019).

O comprometimento cognitivo é muito comum na IRC (Van Sandwijk et al., 2016) e a HD parece causar um impacto negativo ainda maior na função cognitiva dos pacientes, devido ao estresse circulatório e a hipoperfusão cerebral ocasionada pelo tratamento (Wolfgram, 2018).

A função cognitiva pode afetar o tratamento dialítico em diversos aspectos, prejudicar a capacidade de tomada de decisão e o envolvimento terapêutico, reduzir a capacidade de autocuidado, ocasionar baixa adesão à terapia e restrições de estilo de vida associadas (Wilson et al., 2018).

Como consequência deste comprometimento cognitivo observa-se menor percepção de qualidade de vida, maior risco de hospitalização e mortalidade nesses pacientes (Wilson et al., 2018). Dessa forma, a monitoração periódica deve fazer parte do acompanhamento de pacientes em HD, sendo fundamental para identificar e prevenir os efeitos deletérios causados pela doença (Bousquet-Santos et al., 2019).

No ano de 2010, com o intuito de verificar/identificar o panorama da IRC no Brasil, a SBN começou a realizar o Inquérito Brasileiro de Diálise Crônica, que visa coletar dados individuais dos pacientes em diálise de todo Brasil. Contudo, os resultados se limitam a dados de prevalência, incidência e descrevem as características das instituições de saúde dos pacientes em diálise crônica no Brasil (Thomé et al., 2019) e não avalia a função cognitiva destas pessoas, o que deixa uma lacuna na avaliação desta população específica.

Pesquisas internacionais longitudinais avaliaram a cognição desta população (Foster et al., 2016; Mcadams-Demarco et al., 2015) e evidenciaram uma piora na cognição a medida que diminui a Taxa de Filtração Glomerular (TFG) dos pacientes. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi revisar sistematicamente a relação da IRC e da HD com a função cognitiva.

Método

Esta pesquisa de revisão sistemática seguiu os parâmetros propostos pelo PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses) (Liberati et al., 2009), que consiste em uma lista de verificação de 27 itens e um diagrama de fluxo em quatro fases considerados essenciais para relatórios transparentes de uma revisão sistemática, tendo em vista que este tipo de estudo são ferramentas úteis para o entendimento de evidências.

A busca dos artigos foi realizada na base de dados PubMed, utilizando os seguintes critérios de inclusão: a) estudos que foram realizados com seres humanos; b) estudos publicados de janeiro de 2015 até março de 2020 e c) estudos com pacientes submetidos à terapia dialítica e; d) estudos internacionais. Optou-se pelos estudos internacionais uma vez que no Brasil, este tema ainda é pouco explorado. Como estratégia de busca utilizou-se os descritores “Renal Dialysis” and “Renal Insufficiency, Chronic” and “Cognition”. As buscas forma feitas durante os dias 15 a 22 de março de 2020.

Foram encontrados 113 artigos, sendo que 40 foram excluídos por não contemplaram a temática do estudo, 25 por serem de revisão, comentários ou relatos de caso e 17 por utilizarem outros tipos de tratamento. Sendo assim, encontraram-se 31 artigos selecionados para leitura na íntegra, conforme figura abaixo (Figura 1). Os artigos selecionados foram avaliados por instrumento utilizado e principais resultados encontrados levando em consideração a relação da IRC e da HD com a função cognitiva.

Figura 1.
Estratégia de busca utilizada para a seleção dos artigos da revisão sistemática.

Resultados

Estão descritos no Tabela 1 os resultados da busca realizada na base de dados PubMed, na qual foram selecionados 31 (trinta e um) artigos.

Tabela 1.
Síntese dos resultados dos estudos selecionados para avaliação.

Autor/ Ano	Objetivo	Amostra	Instrumento de Avaliação	Resultados
(Wilkinson et al., 2019)	Investigar a estabilidade postural em um grupo de pacientes com DRC que não necessitam de TRS.	n=30	Montreal Cognitive Assessment-Basic (MoCA)	A estabilidade postural está associada a pior funcionamento físico e cognitivo.
(Wei et al., 2019)	Determinar a relação entre o klotho sérico e a doença cerebrovascular em pacientes em hemodiálise.	n=88	Bateria neuropsicológica	O nível sérico de klotho é um potencial preditor de doença cerebrovascular.
(Chiu et al., 2019)	Investigar se a função cognitiva geral e as alterações cerebrais são compatíveis com um fenótipo de envelhecimento acelerado e podem informar possíveis mecanismos fisiopatológicos subjacentes.	GE=56 GC=60	(MEEM)	Pacientes em HD apresentam um fenótipo acelerado de envelhecimento cerebral, mesmo após levar em consideração os efeitos da idade, diabetes e depressão.
(Erken et al., 2019)	Avaliar pacientes em HD relativamente jovens com menos comorbidades e identificar pistas para a detecção precoce de comprometimento cognitivo com a ajuda de pontuações de subescala cognitiva.	GE=103 GC=37	(MoCA)	O comprometimento cognitivo era mais comum em pacientes em HD em comparação com pacientes com DRC pré-dialítico.
(Shaker et al., 2019)	Avaliar o efeito da correção da anemia no fluxo sanguíneo cerebral em relação às funções cognitivas.	GE=120 GC= 60	(MEEM)	Com a melhora da anemia, as funções cognitivas melhoraram.
(Findlay et al., 2018)	Explorar se a HD está associada a alterações no fluxo sanguíneo cerebral e determinar se essas alterações estão relacionadas à disfunção cognitiva intradialítica.	n=97	Bateria neuropsicológica	Pacientes em HD experimentam declínio transitório do fluxo sanguíneo cerebral, correlacionando-se com a disfunção cognitiva.
(Abdulan et al., 2019)	Descrever a prevalência de desnutrição e comprometimento cognitivo.	n=81	(MEEM)	O estudo confirma a importante correlação entre desnutrição e comprometimento cognitivo.
(Otobe et al., 2019)	Avaliar a prevalência de Comprometimento Cognitivo Leve e a relação com a função física em idosos com DRC pré- diálise.	n=120	(MoCA)	A associação entre MCI e velocidade reduzida da marcha suporta a possível interação entre as funções físicas e cognitivas e a necessidade de triagem precoce.
(Adame Perez et al., 2018)	Comparar as diferenças de composição corporal, qualidade de vida, saúde mental e status cognitivo e de vitamina D com a utilização de serviços de saúde por adultos frágeis e não frágeis com diabetes mellitus e com DRC.	n = 41	(MEEM)	Todos os participantes apresentaram escores no MEEM indicativos de normalidade.
(Stringuetta et al., 2018)	Avaliar os efeitos do treinamento aeróbico intradialítico (TAI) no fluxo sanguíneo cerebral e no comprometimento cognitivo em HD.	GC=15 GE=15 controlado e randomizado	(MEEM)	O TAI melhora o comprometimento cognitivo e o fluxo sanguíneo cerebral.
(Coppolino et al., 2018)	Avaliar o comprometimento funcional, a saúde geral e cognitivo e a possível relação entre esses tipos de disfunção e a gravidade do comprometimento renal.	n=271	(MEEM)	A gravidade da disfunção renal está correlacionada com a do comprometimento cognitivo.
(Polinder-bos et al., 2018)	Avaliar o efeito agudo de HD convencional no fluxo sanguíneo cerebral (CBF).	n=12	Bateria de avaliação neuropsicológica	Não foi encontrada correlação entre a função cognitiva e marcadores estruturais das lesões cerebrais.
(Henry et al., 2018)	Examinar a relação entre a duração do intervalo interdialítico e os relatos de disfunção cognitiva.	n=26	(MEEM)	O comprometimento cognitivo parece piorar logo após o tratamento da HD e melhorar durante o intervalo intradialítico.
(Prelevic et al,. 2018)	Analisar fatores de risco para declínio da função cognitiva nesses pacientes.	n=93	(MEEM)	O IGF 1 pode ser considerado um biomarcador do funcionamento cognitivo.
(Neumann et al., 2018)	Comparar, em um ano, a função cognitiva de pacientes peritoneais a pacientes em HD.	n=271	Trail Making Test-B e d2-Revision-Test	A diálise peritoneal está associada a melhor função cognitiva durante um ano comparando com a HD.
(Gesualdo et al., 2017)	Avaliar a capacidade cognitiva de pacientes com DRC em HD e sua relação com características sociodemográficas e clínicas.	n=99	Addenbrooke's Cognitive Examination	Indivíduos mais velhos e com maior tempo de HD apresentavam maior comprometimento cognitivo.
(Chao et al., 2017)	Examinar as diferenças nas atividades corticais de pacientes com DRC, com base em seus níveis de fragilidade, e explorar as implicações clínicas.	n=36	Dados eletroencefalográficos	A fragilidade pode ter influências neurofisiológicas mais sutis além da disfunção cognitiva.
(Neumann et al., 2017)	Avaliar a confiabilidade da literatura sobre TC padrão na população de pacientes com DRC.	n = 767	Trail Making Test-B e o teste alemão d2-Revision Test	Os resultados sobre o funcionamento cognitivo podem ser tendenciosas. O teste cognitivo não visual e não verbal pode ser um recurso valioso.
(Kurella Tamura et al., 2017)	Avaliar a trajetória da função cognitiva em uma coorte contemporânea de adultos com DRC avançada antes e após o início da diálise.	n=212	Bateria de testes como escores z.	O início da diálise foi associado à perda da função executiva, sem alteração em outros aspectos da cognição.
(Malik et al., 2017)	Descrever os valores de oxigenação do cérebro e das mãos em pacientes com IRC e suas alterações durante a HD.	GE=27 GC=17	Saturação regional de oxigênio	A isquemia tecidual piora após o início da HD. Essa observação pode contribuir para o entendimento da etiologia do déficit cognitivo.
(Foster et al., 2016)	Avaliar o Comprometimento cognitivo na doença renal crônica avançada.	n=385	(MoCA)	A taxa de comprometimento é alta e global, afetando todos os aspectos da cognição e provavelmente é de natureza vascular.
(Kurella Tamura et al., 2016)	Identificar e validar metabólitos urêmicos associados ao comprometimento cognitivo usando duas coortes de pacientes em diálise de manutenção.	n=180	Trail Making Test Part B e o Digit Symbol Substitution.	Quatro metabólitos relacionados ao metabolismo da fenilalanina, benzoato e glutamato podem ser usados como marcadores.
(Tasmoc et al., 2016)	Avaliar a relação entre rigidez arterial e comprometimento cognitivo em uma coorte de pacientes em HD.	n=72	(MEEM)	O comprometimento cognitivo foi associado a velocidade da onda de pulso. Mais evidências são necessárias para apoiar a rigidez arterial como preditor em longo prazo do declínio cognitivo.
(Dixon et al., 2016)	Acompanhamento longitudinal do efeito no desempenho cognitivo da mudança da modalidade de tratamento dialítico da hemodiálise convencional para hemodiálise noturna.	n=77	Testes neuropsicológico	O desempenho cognitivo permaneceu estável, com exceção de uma melhora na velocidade de processamento psicomotor e um declínio na fluência verbal.
(Murray et al., 2016)	Identificar mecanismos que contribuem para o aumento do risco de comprometimento cognitivo em pacientes com DRC.	n=554	(MEEM)	A função cognitiva foi significativamente pior em participantes com TFGe <30 mL / min / 1,73 m
(Mcadams-Demarco et al., 2015)	Verificar se fragilidade também pode estar associada à função cognitiva deficiente em adultos de todas as idades em HD.	n=324	Trail Making Testing A e B	Em pacientes adultos com HD, a fragilidade está associada a pior função cognitiva.
(Anwar et al., 2015)	Comparar o impacto da hemodiálise e transplante renal nas funções cognitivas em pacientes com IRC.	n=100	(MEEM)	O transplante renal é superior à HD em termos de melhoria do desempenho cognitivo.
(Kitaguchi et al., 2016)	Avaliar os níveis plasmáticos de Aβ e a função cognitiva longitudinalmente.	n=30	(MEEM)	A HD remove Aβ do sangue, pode alterar o influxo de Aβ e ajudar a manter a função cognitiva.
(Chen et al., 2015)	Investigar o efeito da hemodiálise (HD) na disfunção cognitiva em pacientes com IRC.	G1=58 em HD G2=26 com IRC sem HD G3=32 saudáveis.	Bateria de exames neuropsicológicos	A HD pode ter um efeito adverso sobre a função cognitiva em pacientes.
(Schneider et al., 2015)	Avaliar a função cognitiva usando uma bateria de teste generalizada e evitar efeitos excludentes de variações circadianas.	n=28	Bateria de exames neuropsicológicos	Melhorias nas funções de memória, funções executivas e habilidades psicomotoras após uma única sessão.
(Romijn et al., 2015)	Investigar a relação entre função renal e cognição em pacientes de uma clínica de memória.	n=581	(MEEM)	Associação entre DRC leve e função cognitiva comprometida.

Analisando a amostra dos estudos verificou-se que 19,3% (n=6) dos estudos tiveram grupo controle, sendo três deles (9,6%) com amostras pareadas entre os grupos (Erken et al., 2019; Malik et al., 2017; Shaker et al., 2018). Somente um estudo (Stringuetta et al., 2018) teve amostra randomizada (3,2%). O instrumento mais utilizado foi Mini Exame do Estado Mental (41,9%; n=13) (Abdulan et al., 2019; Adame Perez et al., 2018; Anwar et al., 2015; Chiu et al., 2019; Coppolino et al., 2018; Henry et al., 2018; Kitaguchi et al., 2015; Murray et al., 2016; Prelevic et al., 2018; Romijn et al., 2015; Shaker et al., 2018; Stringuetta et al., 2018; Tasmoc et al., 2016).

Um estudo (Prelevic et al., 2018) analisado nesta pesquisa mostrou que o fator de crescimento 1 de insulina (IGF-1) pode ser considerado um biomarcador do funcionamento cognitivo.

Além disso, os principais resultados que os estudos encontraram foram que pacientes em HD tem acelerado envelhecimento cerebral (Chiu et al., 2019), maiores prevalência de problemas cardiovasculares (Wei et al., 2019), e declínio transitório do fluxo sanguíneo cerebral (Findlay et al., 2018; Stringuetta et al., 2018), fatores estes que influenciam no declínio cognitivo. Também encontrou-se que a anemia (Shaker et al., 2018) e a fragilidade (Chao et al., 2017; Mcadams-Demarco et al., 2015), problemas frequente em pacientes em HD, influenciam na perda cognitiva.

Já no início do tratamento, a função executiva (Kurella Tamura et al., 2017) e a isquemia cerebral (Malik et al., 2017) de acordo com esta revisão, são maiores e assim influenciam na perda cognitiva desta população em HD.

Outra influência negativa da HD na função cognitiva de acordo com os estudos analisados é que os pacientes com idade mais avançada e os pacientes com mais tempo de tratamento hemodialítico tem piores escores cognitivos (Gesualdo et al., 2017).

Ao comparar a HD com outras formas de tratamento, evidenciou-se que pacientes em HD tem maior comprometimento cognitivo, tanto em relação a pacientes pré-dialíticos (Erken et al., 2019) quanto ao ser comparado ao transplante renal (Anwar et al., 2015) e a diálise peritoneal (Neumann et al., 2018). Isto se deve a maior gravidade da doença em pacientes em HD que influencia neste perda (Coppolino et al., 2018) levando em consideração o ponto de corte de TFGe <30 mL / min / 1,73 m onde a piora da função cognitiva se acentua significativamente (Murray et al., 2016).

Discussão

Nessa revisão sistemática, verificou-se que um baixo percentual dos estudos desta revisão tiveram grupo controle. Não ter o grupo de comparação enfraquece as considerações sobre o estudo tendo em vista que estudos experimentais são mais fortes em suas evidências, quando comparados grupo experimental e grupo controle (Thiese, 2014). Além disso, somente um estudo foi randomizado o que demonstra a dificuldade de se realizar estudos com este tipo de amostragem em clínicas renais.

O Mini Exame do Estado Mental (MEEM) elaborado por Folstein et al. (1975) foi o instrumento mais utilizado, o que também foi evidenciado na revisão sistemática e metanálise realizada Vanderlinden et al. (2018) que buscou identificar os testes neurocognitivos utilizados em pacientes com DRC. O MEEM é capaz de detectar diferenças significativas, quando comparado a indivíduos saudáveis, sendo assim, um instrumento seguro para a triagem de demência, indicando possíveis déficits no funcionamento global, atenção e velocidade de processamento nesta população (Vanderlinden et al., 2018).

Destaca-se que o IGF 1 foi encontrado nesta revisão como um biomarcador do funcionamento cognitivo, pois níveis séricos reduzidos de IGF-1 dimunuem a depuração da Proteina beta amilóide no cérebro, potencializam a inflamação (Nilsson et al., 2015) e estão associado ao alto risco cardiovascular (Beberashvili et al., 2013). Dessa forma, baixos níveis de IGF-1 sérico é um fator de risco para o comprometimento cognitivo.

De acordo com os estudos analisados os pacientes com idade mais avançada apresentam maior comprometimento cognitivo. O estudo realizado por Viana et al. (2019) avaliou a cognição de idosos (60 anos e mais) e muito idosos (80 anos e mais) em HD e verificou que a prevalência de qualquer déficit foi maior entre os muito idosos (72% e 94%, p = 0,007).

Uma alta taxa de comprometimento cognitivo está associado a idade avançada (Foster et al., 2016). Em pacientes jovens e de meia idade com DRC, a prevalência de comprometimento cognitivo varia de 10% a 30%, subindo para 30% a 55% em pacientes com mais de 75 anos (Kurella Tamura et al., 2010).

A função cognitiva diminui consideravelmente com o avançar da doença pois ela tem uma maior deterioração ao comparar os estágios da mesma (estágio 1 ao 5) (Brodski et al., 2019). A DRC em estágio inicial proporciona queda na velocidade de processamento, atenção, velocidade de resposta e capacidade de memória de curto prazo. Em estágio moderado, a doença renal, ocasiona déficits no funcionamento executivo, fluência verbal, memória lógica, orientação e concentração. Já no estágio 5, em HD, manifestam-se déficits significativos em todos os domínios cognitivos, juntamente com controle cognitivo, memória imediata e atrasada, comprometimento visuoespacial e comprometimento cognitivo geral (Brodski et al., 2019).

Nesse sentido, destaca-se que a TFG está associada a função cognitiva, pois a prevalência de disfunção cognitiva aumenta linearmente com o declínio da TFG (Berger et al., 2016). A associação independente entre comprometimento cognitivo e progressão da DRC foi avaliada pelo MEEM durante uma mediana de 6,1 anos de acompanhamento e os resultados demostraram que a TFG abaixo de 30 mL/min/1,73m2 associou-se com aumento de 47% no declínio cognitivo, independentemente da doença e dos fatores de risco (Kurella Tamura et al., 2016).

Com relação aos estudos que avaliaram o comprometimento cognitivo nos diferentes tratamentos utilizados na IRC, o princi pal achado desta revisão é a alta prevalência de comprometimento cognitivo nos pacientes em HD. Ao comparar a HD com outras formas de tratamento, evidenciou-se que pacientes em HD tem maior comprometimento cognitivo (O'Lone et al., 2016), fato que pode ser explicado pela maior gravidade da doença nestes pacientes.

Os dados pontuais de prevalência sugerem que os pacientes em diálise manifestam taxas de problemas cognitivos de 3 a 5 vezes maiores que a população em geral, sendo a função executiva o domínio cognitivo mais comumente afetado (Wilson et al., 2018). Este tipo de terapia renal substitutiva, embora benéfica em termos de eliminação de toxinas urêmicas, também contribui para o declínio cognitivo, causando rápidas mudanças de fluidos e osmóticos (Van Sandwijk et al., 2016).

A HD acarreta muitos problemas no organismo humano, dentre eles o envelhecimento cerebral (Tsuruya & Yoshida, 2018), problemas cardiovasculares (Oh et al., 2018; Foster et al., 2016), o que ocasiona um declínio transitório do fluxo sanguíneo cerebral (Jiang et al., 2016), anemia (Drew et al., 2019) e fragilidade (Kallenberg et al., 2016), fatores estes que podem influenciar no declínio cognitivo. Estes e outros problemas oriundos da HD aceleram mecanismos fisiopatológicos que promovem o comprometimento neurológico e podem causar alterações degenerativas crônicas nos rins e consequentemente no cérebro (Chen et al., 2015), o que evidencia a relação entre problemas renais e cognitivos.

Alguns estudos fornecem evidências de que não são apenas fatores específicos da IRC responsáveis pelo declínio cognitivo, mas incluem o próprio processo de HD. Uma área de foco é o potencial de dano isquêmico e a hipoperfusão cerebral intradialitica, devido a variações no fluxo sanguíneo que podem ocorrer durante a HD e a indução a um declínio agudo no fluxo sanguíneo cerebral (Wolfgram, 2018). Além destes aspectos, colaboram para o declínio da função cognitiva o uso de anti-histamínicos, opióides, alumínio e a hipotensão intradialítica (Schneider et al., 2015).

Uma lacuna encontrada na avaliação destas pesquisas é em relação a falta de ensaios clínicos randomizados para evidenciar maior relação de causa e efeito tendo em vista que somente seis estudos tiveram grupos controles de comparação e um teve amostra randomizada. Outro ponto importante que pode ser pesquisado futuramente é a proposição de uma classificação específica para pacientes renais em HD em relação a função cognitiva avaliada pelo Mini Exame de Estado Mental, tendo em vista que este instrumento é específico para pessoas idosas.

Considerações Finais

Conclui-se neste estudo que existe relação entre a IRC e a HD com o declínio cognitivo, enfatizando que este tipo de tratamento, com o passar do tempo, reduz cada vez mais a função cognitiva. Neste sentido, programas de intervenção focados na reabilitação cognitiva de pacientes em HD devem ser estimulados, tanto de forma intradiálitica como em períodos contrários ao tratamento.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  24 Jul 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  27 Maio 2020
• Aceito
  25 Jan 2022