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Métodos Audiovisuais em Pesquisas com Crianças: A Relação com Câmeras e Vídeos

RESUMO

Este artigo objetiva refletir sobre a utilização de métodos audiovisuais em pesquisas com crianças. Participaram desta pesquisa quatro crianças sobre a presença das tecnologias digitais em suas vidas em um contexto de infância urbana. Os procedimentos metodológicos foram rodas de conversa e a produção de vídeos. Os resultados evidenciam a relação dos participantes com a câmera como um outro que precisa ser posicionado, a transposição de significados relacionados ao contexto de produções audiovisuais para o momento da pesquisa e a influência do formato dos vídeos de youtubers na produção de um vídeo em grupo. Para além de funcionarem como instrumentos de registro, as câmeras e os produtos audiovisuais suscitam modos específicos de interação e de posicionamento entre as crianças.

PALAVRAS-CHAVE:
métodos audiovisuais; pesquisa com crianças; psicologia do desenvolvimento; pesquisa qualitativa

ABSTRACT

This article aims to analyze the use of audiovisual methods in research with children. Four children participated in this research about the presence of digital technologies in their lives in an urban childhood context. The methodological procedures were conversation circles and the production of videos. Results show the participants’ interaction with the camera as an “other” that should be positioned, a transposition of meanings from audiovisual production to the research context, and the influence of the format of YouTubers’ videos on the production of a video in a group. In addition to functioning as recording instruments, cameras, and audiovisual products imply specific modes of interaction and positioning among children.

KEYWORDS:
audiovisual methods; research with children; developmental psychology; qualitative research

Nas pesquisas com crianças, a utilização de diferentes métodos tem sido explorada principalmente nas áreas da Educação (Martins Filho & Barbosa, 2010Martins Filho, A. J., & Barbosa, M. C. S. (2010). Metodologias de pesquisas com crianças. Revista Reflexão e Ação, 18(2), 08-28. http://dx.doi.org/10.17058/rea.v18i2.1496
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; Werle & Bellochio, 2016Werle, K., & Bellochio, C. R. (2016). Protagonismo infantil, desafios éticos e metodológicos na pesquisa com crianças. Cadernos de Pesquisa, 23(special edition), 227-242. doi: 10.18764/2178-2229.v.23n.especial/p227-242
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), da Sociologia e Antropologia da Infância (Delgado & Müller, 2005Delgado, A. C., & Müller, F. (2005). Sociologia da Infância: Pesquisa com crianças. Educação & Sociedade, 26(91), 351-360. https://www.scielo.br/pdf/es/v26n91/a02v2691
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; Friedmann, 2011Friedmann, A. (2011). História do percurso da sociologia e da antropologia na área da infância. Revista Acadêmica de Educação do ISE Vera Cruz, 1(2), 214-235. http://dx.doi.org/10.14212/veras.vol1.n2.ano2011.art57
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; Pires, 2007Pires, F. (2007). Ser adulta e pesquisar crianças: explorando possibilidades metodológicas na pesquisa antropológica. Revista de Antropologia, 50(1), 225-270. https://doi.org/10.1590/S0034-77012007000100006
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) e da Psicologia, em especial a do Desenvolvimento (Campos-Ramos & Barbato, 2014Campos-Ramos, P. C., & Barbato, S. (2014). Participação de crianças em pesquisas: Uma proposta considerando os avanços teórico-metodológicos. Estudos de Psicologia, 19(3), 189-199. https://doi.org/10.1590/S1413-294X2014000300004
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; Krüger-Fernandes, 2018Krüger-Fernandes, L. (2018). Infância urbana e novas tecnologias: Uma análise pela perspectiva da criança. (Master’s degree dissertation, University of Brasilia). Repositório Institucional da Universidade de Brasília. https://repositorio.unb.br/handle/10482/32310
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; Naves et al, 2018Naves, R., Peres, S. G., Borges, F. F., & Borges, F. T. (2018) A videogravação como recurso metodológico em pesquisa qualitativa para análise de interações. Brazilian Journal of Education, Technology and society, 11(2), 248-261. http://dx.doi.org/10.14571/brajets.v11.n2.248-261
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, Ribeiro et al, 2020Ribeiro, L. D., Krüger-Fernandes, L. & Borges, F. T. (2020). Roda de conversa mediada por leitura dialógica com crianças: Uma proposta metodológica de pesquisa qualitativa sobre processos argumentativos. In: S. Oliveira e Sá; F. Freitas; P. Castro; M. G. Sammamed; & A. P. Costa (Orgs). Investigação qualitativa em educação: Avanços e desafios. (pp. 83-95). Ludomedia. https://doi.org/10.36367/ntqr.2.2020.83-95 84.
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). Uma preocupação das pesquisas nessas áreas é com o protagonismo das crianças participantes, tendo como desafio principal o objetivo de contemplar os processos expressivos infantis (Werle & Bellochio, 2016Werle, K., & Bellochio, C. R. (2016). Protagonismo infantil, desafios éticos e metodológicos na pesquisa com crianças. Cadernos de Pesquisa, 23(special edition), 227-242. doi: 10.18764/2178-2229.v.23n.especial/p227-242
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). Isso implica em elaborar desenhos metodológicos que situem as crianças em um lugar ativo, ocupando até mesmo, em algumas situações, o status de pesquisadoras ou co-pesquisadoras (Alderson, 2005Alderson, P. (2005). As crianças como pesquisadoras: Os efeitos dos direitos de participação sobre a metodologia de pesquisa. Educação & Sociedade, 26(91), 419-442. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302005000200007
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; Campos-Ramos & Barbato, 2014Campos-Ramos, P. C., & Barbato, S. (2014). Participação de crianças em pesquisas: Uma proposta considerando os avanços teórico-metodológicos. Estudos de Psicologia, 19(3), 189-199. https://doi.org/10.1590/S1413-294X2014000300004
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).

Sem perder de vista a relação ética entre crianças e pesquisadores, que transversaliza todo o fazer de uma pesquisa, e ressaltando que se trata sempre de uma interpretação dos adultos em relação às crianças, assumir esse lugar e planejar o desenho metodológico com isso em mente podem propiciar contextos de maior expressão dos participantes (Becker, 2016Becker, B. (2016). A voz da criança na pesquisa e na sociedade: em busca de metodologias (efetivamente) participativas. Revista Brasileira de Psicologia, 3(1), 9-24.; Fernandes, 2016Fernandes, N. (2016). Ética na pesquisa com crianças: Ausências e desafios. Revista Brasileira de Educação, 21(66), 759-779. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782016216639.
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; Martins Filho & Barbosa, 2010Martins Filho, A. J., & Barbosa, M. C. S. (2010). Metodologias de pesquisas com crianças. Revista Reflexão e Ação, 18(2), 08-28. http://dx.doi.org/10.17058/rea.v18i2.1496
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). Nesse sentido, os diversos procedimentos metodológicos adotados vão desde a proposição de práticas lúdicas mediadas ou não por objetos (Almeida et al., 2020Almeida, B. P., Krüger-Fernandes, L., & Borges, F. T. (2020). De espectadora a criadora: Imaginação, faz de conta e mídia televisiva no desenvolvimento infantil. Psicologia & Sociedade, 32, e205296-19. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32205296
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); rodas de conversa (Alessi, 2014Alessi, V. M. (2014). Rodas de conversa: Uma análise das vozes infantis na perspectiva do círculo de Bakhtin. Editora UFPR.; Ribeiro et al., 2020Ribeiro, L. D., Krüger-Fernandes, L. & Borges, F. T. (2020). Roda de conversa mediada por leitura dialógica com crianças: Uma proposta metodológica de pesquisa qualitativa sobre processos argumentativos. In: S. Oliveira e Sá; F. Freitas; P. Castro; M. G. Sammamed; & A. P. Costa (Orgs). Investigação qualitativa em educação: Avanços e desafios. (pp. 83-95). Ludomedia. https://doi.org/10.36367/ntqr.2.2020.83-95 84.
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); produção de desenhos e de narrativas (Friedmann, 2011Friedmann, A. (2011). História do percurso da sociologia e da antropologia na área da infância. Revista Acadêmica de Educação do ISE Vera Cruz, 1(2), 214-235. http://dx.doi.org/10.14212/veras.vol1.n2.ano2011.art57
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); a fotografias e vídeos feitos pelas próprias crianças, por seus cuidadores ou pelos pesquisadores (Farias & Müller, 2017Farias, R. N. P., & Müller, F. (2017). A cidade como espaço da infância. Educação & Realidade, 42(1), 261-282. http://dx.doi.org/10.1590/2175-623654542
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; Maheirie et al., 2014Maheirie, K., Strappazzon, A. L., Müller, F. L. B., Mayorca, D. S., & Barreto, F. R. (2014). Subjetivação, criação e produção audiovisual: Uma experiência em torno de um espetáculo musical. Psicologia & Sociedade, 26(2), 84-92. https://doi.org/10.1590/S0102-71822014000600009
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; Pires, 2007Pires, F. (2007). Ser adulta e pesquisar crianças: explorando possibilidades metodológicas na pesquisa antropológica. Revista de Antropologia, 50(1), 225-270. https://doi.org/10.1590/S0034-77012007000100006
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; Plowman & Stevenson, 2012Plowman, L., & Stevenson, O. (2012). Using mobile phone diaries to explore children’s everyday lives. Childhood, 19(4), 539-553. https://doi.org/10.1177/0907568212440014
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), dentre outros.

A presença das tecnologias digitais tem se concretizado como parte de uma cultura da infância urbana que estabelece relações com a produção e com os produtos audiovisuais (Krüger-Fernandes, 2018Krüger-Fernandes, L. (2018). Infância urbana e novas tecnologias: Uma análise pela perspectiva da criança. (Master’s degree dissertation, University of Brasilia). Repositório Institucional da Universidade de Brasília. https://repositorio.unb.br/handle/10482/32310
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). Não à toa podemos observar crianças cada vez mais confortáveis na presença de câmeras e equipamentos de gravação, chegando a interagir diretamente com elas no contexto de pesquisa, como foi o caso da pesquisa aqui relatada. Além disso, os produtos audiovisuais acessíveis em canais da plataforma Youtube, por exemplo, se fazem presentes nas trocas discursivas entre as crianças e nas suas formas de se expressarem, tendo nos youtubers sua expressão mais contundente (Krüger-Fernandes, 2018Krüger-Fernandes, L. (2018). Infância urbana e novas tecnologias: Uma análise pela perspectiva da criança. (Master’s degree dissertation, University of Brasilia). Repositório Institucional da Universidade de Brasília. https://repositorio.unb.br/handle/10482/32310
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; Dalethese, 2017Dalethese, T. (2017). Faz de conta que todos nós somos youtubers: Crianças e narrativas contemporâneas. [Unpublished Master’s degree dissertation]. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Available from: http://www.unirio.br/ppgedu/DissertaoPPGEduTHAMYRESRIBEIRODALETHESE.pdf
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). Por estarem cada vez mais presentes nas rotinas das crianças, nos momentos de brincadeiras e também nos momentos de estudo e pesquisa, as tecnologias digitais se colocam com uma linguagem acessível e cotidiana para elas (González-Patiño, 2011González-Patiño, J. (2011). Rutinas de la infancia urbana mediadas por la tecnología: Un análisis visual. Papeles de Trabajo sobre Cultura, Educación y Desarrollo Humano, 7(2), 1-16. https://revistas.uam.es/ptcedh/article/view/9865
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; Plowman & Stevenson, 2012Plowman, L., & Stevenson, O. (2012). Using mobile phone diaries to explore children’s everyday lives. Childhood, 19(4), 539-553. https://doi.org/10.1177/0907568212440014
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; Krüger-Fernandes & Borges, 2020Krüger-Fernandes, L., & Borges, F. T. (2020). Infâncias urbanas e tecnologias digitais: Reflexões a partir de uma roda de conversa com crianças. In: A. Versuti, C. Mier & J. Santinello (Orgs.). Comunicação, Educação e a Construção do Conhecimento (2ª ed., pp. 154-175). Ria Editorial. http://www.riaeditorial.com/index.php/comunicacao-educacao-e-a-construcao-doconhecimento/
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). No que tange à utilização de métodos audiovisuais, essa popularização e a acessibilidade dos aparelhos digitais móveis nos últimos anos - particularmente os smartphones - nas várias camadas sociais, incluindo sua presença no cotidiano das crianças (Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2019Comitê Gestor de Internet no Brasil. (2019). TIC Kids online Brasil: Pesquisa sobre o uso da internet por crianças e adolescentes no Brasil 2018. https://cetic.br/pt/publicacao/pesquisa-sobre-o-uso-da-internet-por-criancas-e-adolescentes-no-brasil-tic-kids-online-brasil-2018/
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), tem tornado efetivo o manuseio desses aparelhos em contextos de pesquisa.

Segundo Dalethese (2017Dalethese, T. (2017). Faz de conta que todos nós somos youtubers: Crianças e narrativas contemporâneas. [Unpublished Master’s degree dissertation]. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Available from: http://www.unirio.br/ppgedu/DissertaoPPGEduTHAMYRESRIBEIRODALETHESE.pdf
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), na relação com a plataforma Youtube e com os youtubers as crianças se aproximam da lógica do espetáculo presente nessa cultura, que tem como valores a fama (contada em números de inscritos) e a possibilidade de monetização (para usar um termo corriqueiro na plataforma) de produtos audiovisuais, que na prática quer dizer receber ganhos financeiros relativos à quantidade de visualizações dos vídeos. Considerando esse contexto, as práticas de produção de vídeos atualmente são frequentemente conduzidas com o seguinte fim: o compartilhamento nas redes. Isso implica uma noção de um público imaginado com o qual se dialoga durante o vídeo, um outro que se faz presente desde o processo de filmagem e que potencializa um eu para o outro (Bakhtin, 2011Bakhtin, M. (2011). Estética da criação verbal. Martins Fontes.) que se exibe nesses vídeos (Sibilia, 2016Sibilia, P. (2016). O show do eu: A intimidade como espetáculo. Contraponto.). Ou seja, o outro imaginado estabelece as fronteiras do que pode ser dito, experenciado e reproduzido. E mais, evidencia elementos ideológicos (Volóchinov, 2017Volóchinov, V. (2017). Marxismo e filosofia da linguagem. Editora 34.) que demarcam os processos de alteridade (Bakhtin, 2011Bakhtin, M. (2011). Estética da criação verbal. Martins Fontes.) que compõem a relação dessas crianças com as imagens tanto como espectadoras, como criadoras (Almeida et al, 2020Almeida, B. P., Krüger-Fernandes, L., & Borges, F. T. (2020). De espectadora a criadora: Imaginação, faz de conta e mídia televisiva no desenvolvimento infantil. Psicologia & Sociedade, 32, e205296-19. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32205296
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).

Essas reflexões encontram-se fortemente relacionadas aos instrumentos utilizados para produção de imagens como artefatos culturais, pois cada instrumento ressalta ou deixa de ressaltar características, inaugura funções e descarta outras, alterando os contextos de produção e moldando aspectos sociológicos e psicológicos. Jobim e Souza (2008Jobim e Souza, S. (2008). Imagem técnica e estética: Sobre os modos de produção da cultura e da subjetividade no mundo contemporâneo. In A. P. Gouvêa (Org.), Cine Imaginarium. Imaginário e estética: da arte de fazer psicologia, comunicação e cinema (pp. 265-282). Companhia de Freud: PUC-Rio: FAPERJ.) compreende que a imagem técnica se configura como um instrumento de invenção e recriação do real, e complementa que a inovação técnica amplia a experimentação da realidade e exige a criação de novos códigos culturais para alcançar essas novas experiências que precisam ser vividas na linguagem.

Nesse sentido, Orozco-Gómez (2006Orozco-Gómez, G. (2006). Os meios de comunicação de massa na era da internet. Comunicação & Sociedade, 3, 373-378. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9125.v11i3p373-378
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) afirma que vem surgindo um novo tipo de conhecimento relacionado aos modos de atuação e edição de imagens, justamente pelo convívio crescente das audiências com os meios de comunicação. O contato com produções audiovisuais pela população e o crescente acesso às tecnologias de produção de imagem têm possibilitado considerar a utilização desses recursos em pesquisas. É importante ressaltar que a presença de métodos audiovisuais em pesquisa implica em especificidades que se relacionam com a produção de significados em torno de instrumentos de captação de áudio e vídeo. Para além de funcionarem como instrumentos de registro, as câmeras e os produtos audiovisuais presentes em momentos de pesquisa suscitam modos específicos de interação e de posicionamento, assim como processos de reflexão que partem da representação do real em formato de vídeo. Segundo a teoria do posicionamento (Harré & Langenhove, 2003Harré, R., & Van Langenhove, L. (2003). Positioning theory. Blackwell Publishers.), ao longo das trocas discursivas, os participantes dos diálogos atribuem-se papéis fluidos que se modificam nas conversações configurando-se em dinâmicas de posicionamento orientadas por lógicas de poder e de identificação.

No caso da criação de um vídeo em grupo em contexto de pesquisa, por exemplo, podemos identificar a emergência de processos de negociação entre participantes, assim como os processos imaginativos (Zittoun & Gillespie, 2016Zittoun, T., & Gillespie, A. (2016). Imagination in a human and cultural development: Cultural dynamics of social representation. Routlegde.) que se mostram amplamente ativos, tanto no resgate de memórias de produtos audiovisuais com os quais os participantes já tiveram contato, quanto na prospecção da montagem da narrativa final a qual já acontece durante o planejamento e a filmagem. Além disso, o contato com o produto audiovisual finalizado permite um posicionamento exotópico (Bakhtin, 2011Bakhtin, M. (2011). Estética da criação verbal. Martins Fontes.) em relação à experiência vivida, possibilitando a ressignificação de práticas e de si mesmo como sujeito capaz de produzir algo novo, ultrapassando reflexões e afetos (Maheirie et al., 2014Maheirie, K., Strappazzon, A. L., Müller, F. L. B., Mayorca, D. S., & Barreto, F. R. (2014). Subjetivação, criação e produção audiovisual: Uma experiência em torno de um espetáculo musical. Psicologia & Sociedade, 26(2), 84-92. https://doi.org/10.1590/S0102-71822014000600009
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).

Na literatura (Garcez et al., 2011Garcez, A., Duarte, R., & Eisenberg, Z. (2011). Produção e análise de videogravações em pesquisas qualitativas. Educação e Pesquisa, 37(2), 249-262. https://doi.org/10.1590/S1517-97022011000200003
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; Honorato et al., 2006Honorato, A., Flores, C., Salvaro, G., & Leite, M. I. (2006). A vídeo-gravação como registro, a devolutiva como procedimento: Pensando sobre estratégias metodológicas na pesquisa com crianças. The 29th annual meeting of the Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação. Annals of the 29th ANPEd. Caxambu: ANPEd.; Silva et al., 2014Silva, N. M. V., Santos, C. V. M., & Rhodes, C. A. A. (2014). Do vídeo para o texto escrito: Implicações para a análise da interação. Psicologia em revista, 20(3), 513-528. https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2014V20N3P513
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), podemos encontrar artigos que se dedicam a discutir fatores relacionados à utilização de métodos audiovisuais em pesquisas com crianças, tendo como foco, principalmente, a videogravação como método de registro e até mesmo de devolutiva da pesquisa. As produções sobre o tema apontam vantagens, como a possibilidade de captar detalhes que passam despercebidos na observação direta de interações entre crianças e avançam em reflexões sobre aspectos técnicos e éticos da utilização da videogravação (Garcez et al., 2011Garcez, A., Duarte, R., & Eisenberg, Z. (2011). Produção e análise de videogravações em pesquisas qualitativas. Educação e Pesquisa, 37(2), 249-262. https://doi.org/10.1590/S1517-97022011000200003
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; Honorato et al., 2006Honorato, A., Flores, C., Salvaro, G., & Leite, M. I. (2006). A vídeo-gravação como registro, a devolutiva como procedimento: Pensando sobre estratégias metodológicas na pesquisa com crianças. The 29th annual meeting of the Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação. Annals of the 29th ANPEd. Caxambu: ANPEd.). A decisão de transcrever ou não o material audiovisual também é tratada, considerando a transcrição, quando feita, como um processo no qual incidem os pressupostos adotados pelo pesquisador ao abordar seu objeto de estudo (Silva et al., 2014Silva, N. M. V., Santos, C. V. M., & Rhodes, C. A. A. (2014). Do vídeo para o texto escrito: Implicações para a análise da interação. Psicologia em revista, 20(3), 513-528. https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2014V20N3P513
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).

Essas reflexões são cruciais e imprescindíveis quando consideramos a utilização de métodos audiovisuais em pesquisas com crianças. Com o intuito de contribuir para esse cenário, consideramos que se faz necessário abordar também a presença das câmeras no contexto de pesquisa e a relação dos participantes com elas, assim como os processos interacionais e psicológicos envolvidos na produção de um vídeo em grupo. A partir da prática investigativa com crianças, nos deparamos com essas questões e fomos mobilizadas pelo contexto de pesquisa a pensar sobre essas implicações metodológicas. Para isso, partimos de nossa fundamentação teórica de base - o enfoque do desenvolvimento humano pela psicologia cultural (Bruner, 1997Bruner, J. (1997). Atos de significação. Artes Médicas.; Valsiner, 2012Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: Mundos da mente, mundos da vida. Artmed.; Vygotsky, 2020Vygotsky, L. (1934/2020). Pensamiento y lenguaje (Colección Esenciales). Ediciones Paidós.; Zittoun & Gillespie, 2016Zittoun, T., & Gillespie, A. (2016). Imagination in a human and cultural development: Cultural dynamics of social representation. Routlegde.); de autores da filosofia da linguagem (Bakhtin, 2011Bakhtin, M. (2011). Estética da criação verbal. Martins Fontes.; Volóchinov, 2017Volóchinov, V. (2017). Marxismo e filosofia da linguagem. Editora 34.) que embasam nosso método de análise - a Análise Temática Dialógica (Silva & Borges, 2017Silva, C. C., & Borges, F. T. (2017). Análise Temática Dialógica como método de análise de dados verbais em pesquisas qualitativas. Linhas Críticas, 23(51), p. 245-267. https://doi.org/10.26512/lc.v23i51.8221
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; Krüger-Fernandes et al., 2021Krüger-Fernandes, L., Ribeiro, L. D. M., & Borges, F. T. (2021). Análise Temática Dialógica aplicada a uma roda de conversa com crianças: Uma explanação baseada em relato de pesquisa. Teias, 22(64), 226-240. 10.12957/teias.%Y.50727
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); assim como da produção de outros autores que se articulam aos saberes da psicologia e nos permitem problematizar as relações com os artefatos culturais e as interações discursivas que se estabelecem entre os participantes da pesquisa, em especial das crianças.

Metodologia

O presente trabalho parte de informações construídas em uma pesquisa, cujo objetivo foi analisar os significados emergentes em duas rodas de conversa com quatro crianças e nas narrativas audiovisuais produzidas por elas sobre a presença das tecnologias em suas vidas, para pensar a utilização de métodos audiovisuais nesse contexto. Para isso, foram selecionados três momentos da pesquisa em que a interação com esses instrumentos se mostrou mais evidente: (a) o início da primeira roda de conversa; (b) um vídeo produzido por uma das participantes; e (c) o momento da produção de um vídeo em grupo, o qual ocorreu no início da segunda roda de conversa.

Neste artigo, exploramos alguns pontos: a relação dos participantes com a câmera como um outro que precisa ser posicionado; a transposição de significados pertencentes ao contexto de produções audiovisuais para o momento da pesquisa; o contexto e os modos de produção de um vídeo feito por uma participante; e a influência do formato de vídeos de youtubers na produção de um vídeo em grupo.

A pesquisa se valeu do delineamento qualitativo com a utilização de rodas de conversa e de recursos audiovisuais (produção dos vídeos) para a construção das informações junto aos participantes. A pesquisa qualitativa se caracteriza como uma atividade situada e assume um aspecto de bricolagem, na qual o pesquisador realiza uma montagem a partir das informações construídas, utilizando-se de diferentes instrumentos e técnicas que não podem ser pensados em ordem de importância e se encontram refletidos nos resultados da pesquisa (Denzin & Lincoln, 2018Denzin, N. K., & Lincoln, Y. S. (Eds.). (2018). The SAGE Handbook of qualitative research. (5th ed.). SAGE.).

Partindo de uma posição que entende a construção de conhecimento como produto da interação dialógica entre todos os envolvidos no processo da pesquisa (Bakhtin, 2011Bakhtin, M. (2011). Estética da criação verbal. Martins Fontes.) e com o objetivo de contemplar as vozes das crianças, a pesquisa foi estruturada em três momentos: 1) Roda de Conversa sobre Tecnologia; 2) Produção de Vídeos sobre Tecnologia pelas Crianças; e 3) Roda de Conversa Pós-Produção dos Vídeos. Dessa forma, pretendeu-se oferecer diferentes condições de produção das informações facilitando processos de diálogo e reflexão sobre o mesmo tema.

Nessa pesquisa foram utilizados instrumentos de produção audiovisual - duas câmeras de vídeo da pesquisadora em tripés utilizadas para a videogração das rodas de conversa e smartphones das crianças - para o registro e produção das informações. As crianças interagiram com esses aparelhos ao longo de todo o processo, o que trouxe características muito específicas para o processo em si e para as informações produzidas. Ressaltamos o uso dos aparelhos digitais móveis (smartphones) pelas crianças participantes para a produção das informações (vídeos), considerando que o manejo desses aparelhos para expressão de suas ideias as situa em um lugar privilegiado da cultura pela própria história de interação que elas têm com eles.

Método

Contexto de Pesquisa e Participantes

A pesquisa ocorreu na área comum de um condomínio de uma Região Administrativa do Distrito Federal. Com o intuito de conduzir a pesquisa fora de uma instituição, encontrou-se como alternativa válida a escolha de um condomínio como local de pesquisa, no qual o encontro com os participantes seria facilitado. Por morarem no mesmo local, as crianças já se conheciam e algumas já se consideravam amigas, o que também pode ter facilitado a interação mais espontânea do grupo ao longo da pesquisa.

Em um primeiro momento foi feito o contato com uma participante em potencial, Bela (12 anos), que nos introduziu no campo percorrendo a área comum do condomínio junto à pesquisadora em busca de outros participantes. Esse processo de aproximação do campo durou um mês. A partir desse contato inicial, mais três crianças demonstraram que gostariam de participar da pesquisa. Dessa forma, participaram da pesquisa quatro crianças com idades variando de 9 a 12 anos. Os participantes foram selecionados por conveniência, atendendo aos seguintes critérios: (a) possuírem smartphones e tablets próprios ou a sua disposição; (b) serem capazes de manipular esses aparelhos com o objetivo de fazer vídeos de forma bem-sucedida, diminuindo a necessidade do auxílio de terceiros e dando maior abertura à expressão espontânea da criança. Na Tabela 1, podemos observar a caracterização dos participantes.

Tabela 1
Tabela de Participantes (Codinomes Escolhidos pelos Participantes)

Estabeleceu-se primeiramente o contato com os responsáveis dos prováveis participantes, momento no qual foram entregues os Questionários Socioeconômicos, Termos de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE e os Termos de Autorização para Utilização de Imagem e Som de Voz para fins de Pesquisa para preenchimento. Dúvidas sobre a pesquisa foram sanadas e contatos telefônicos foram trocados com os responsáveis. Ressaltamos que, em momento anterior ao contato com os participantes, o projeto de pesquisa foi submetido ao Conselho de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências Humanas - CEP/IH - da Universidade de Brasília obtendo aprovação desse comitê.

No primeiro encontro, foi conduzida uma roda de conversa sobre tecnologia, na qual, primeiramente, foram abordados os aspectos éticos da pesquisa com as crianças em linguagem apropriada e foram apresentados os Termos de Assentimento. Foi explorado o entendimento das crianças sobre a pesquisa e dúvidas foram sanadas. Os termos foram assinados e foi oferecida a possibilidade de escolha de codinomes às crianças para a referência às mesmas no relato da pesquisa.

Ao final da roda de conversa foi dada a consigna de produção de um vídeo sobre a tecnologia com os aparelhos que as crianças tivessem acesso. Após três semanas nos encontramos em outra sala do mesmo condomínio e verificamos que apenas Mar e Bela tinham produzido seus vídeos. Somente o vídeo de Mar foi assistido em grupo, pois, apesar de Bela também ter feito seu vídeo, os participantes resolveram gravar um vídeo juntos logo que terminamos de assistir ao vídeo de Mar. Esse fato nos permitiu presenciar o processo de criação de um vídeo em conjunto, incluindo a negociação de ideias, preparação para apresentar-se à câmera, assim como a prospecção da montagem (edição) da narrativa final, que ocorre já durante a filmagem.

Procedimentos de Análise da Roda de Conversa

As informações produzidas em campo foram analisadas pela Análise Temática Dialógica (Silva & Borges, 2017Silva, C. C., & Borges, F. T. (2017). Análise Temática Dialógica como método de análise de dados verbais em pesquisas qualitativas. Linhas Críticas, 23(51), p. 245-267. https://doi.org/10.26512/lc.v23i51.8221
https://doi.org/10.26512/lc.v23i51.8221 ...
; Krüger-Fernandes et al., 2021Krüger-Fernandes, L., Ribeiro, L. D. M., & Borges, F. T. (2021). Análise Temática Dialógica aplicada a uma roda de conversa com crianças: Uma explanação baseada em relato de pesquisa. Teias, 22(64), 226-240. 10.12957/teias.%Y.50727
https://doi.org/10.12957/teias.%Y.50727...
) em que são identificados temas e subtemas emergentes e as relações entre eles, considerando-se os turnos de falas como uma construção dialógica das informações e a indissociável presença da pesquisadora em interação constante com os participantes no processo de produção das informações da pesquisa. Esse tipo de análise é fundamentado nas concepções sobre linguagem elaboradas e discutidas no âmbito do Círculo de Bakhtin (Bakhtin, 2011Bakhtin, M. (2011). Estética da criação verbal. Martins Fontes.; Volóchinov, 2017Volóchinov, V. (2017). Marxismo e filosofia da linguagem. Editora 34.). Nesse sentido, o foco da Análise Temática Dialógica está na descrição dos processos dialógicos, ou seja, do jogo interlocucional que se estabelece entre os sujeitos da pesquisa e por isso a aproximação do material audiovisual e do material transcrito se faz com um olhar criterioso que prioriza o encadeamento dos diálogos, das expressões verbais e corporais.

O primeiro passo para a análise das informações da roda de conversa foi a transcrição que levou em consideração as falas literais dos participantes, características gestuais e aspectos da interação que ocorriam no momento da fala. As falas foram organizadas em turnos e foram indicadas pausas, falas sobrepostas, ênfases e inaudibilidade de falas por meio de símbolos. Os símbolos utilizados foram: P= Pesquisadora; B= Bela; U= Unicórnio; M= Mar; S= Superman; .=pausa curta; ..= pausa média; ... = pausa longa; palavra = ênfase; _ = fala sobreposta; (...) = inaudibilidade; [...] = supressão de falas para melhor entendimento do diálogo; * = descrição do comportamento.

Procedimentos de Análise dos Vídeos Produzidos pelas Crianças

A translação dos vídeos produzidos pelas crianças seguiu o modelo elaborado por Rose (2003Rose, D. (2003). Análise de imagens em movimento. In M. W. Bauer, & G. Gaskell (Orgs.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som (2ª ed., pp. 343-264). Vozes.) que leva em consideração a dimensão visual e a dimensão verbal. Como parte da dimensão visual foram consideradas as formas de edição, incluindo tipos de cortes, movimentos de câmera e presença ou não de música de fundo. Para compor a dimensão verbal foram transcritas as falas das crianças. A análise partiu da translação, que não deve ser entendida como uma cópia do vídeo (texto original), mas como geradora de resultados inteiramente novos. Dessa forma, além da análise temática do conteúdo verbal foi necessário tratar esse material audiovisual como um amálgama de sentidos, imagens, técnicas, composição e sequência de cenas (Rose, 2003Rose, D. (2003). Análise de imagens em movimento. In M. W. Bauer, & G. Gaskell (Orgs.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som (2ª ed., pp. 343-264). Vozes.).

Resultados e Discussão

Começando a Conversa: A Câmera como um Outro na Construção do Diálogo

Enquanto preparávamos as câmeras e decidíamos os melhores lugares para estar, algumas falas das crianças nos chamaram a atenção. Logo no início, quando as crianças começaram a se sentar no sofá, Bela e Unicórnio dialogaram olhando e gesticulando em direção à câmera. Apesar de ocorrer em forma de brincadeira, o tom do diálogo é de desafio e parece uma tentativa de posicionar-se (Harré & Van Langenhove, 2003Harré, R., & Van Langenhove, L. (2003). Positioning theory. Blackwell Publishers.) como alguém perigoso, ou como alguém com quem o outro precisa de coragem para se relacionar, como podemos ver no diálogo abaixo:

(1) U- E aí, bro. Ce quer mesmo se meter comigo?

(2) B- Quer se meter na parada? Hummm.

(3) U- Ahmm, ce vai ter coragem??

(4) B- Fica esperto, bro.

(5) U- Quem quer se meter aqui no...grupo..bro.

(6) B- Bro.

Considerando ser esse um momento de início de diálogo em que as posições no grupo ainda estão se estabelecendo e se caracterizando, Bela e Unicórnio já explicitam seu posicionamento como mais dominante, posicionando automaticamente o outro como alguém que deve ter medo e “ficar esperto”. Pela teoria do posicionamento de Harré e Van Langenhove (2003Harré, R., & Van Langenhove, L. (2003). Positioning theory. Blackwell Publishers.), posicionar-se e posicionar o outro constitui na atribuição de papéis fluidos aos participantes de uma construção discursiva, o que faz com que as ações das pessoas sejam inteligíveis e relativamente determinadas como atos sociais. Por serem fluidos esses posicionamentos se modificam nas conversações, podendo ser adotados posicionamentos diferentes e até mesmo contraditórios ao longo da conversação. Esses posicionamentos podem ser aceitos passivamente pelos outros membros ou questionados pelos processos dialógicos que caracterizam a conversação, uma vez que o domínio do diálogo sobre o outro caracteriza-se com um dotar ideológico de poder (Harré & Van Langenhove, 2003Harré, R., & Van Langenhove, L. (2003). Positioning theory. Blackwell Publishers.).

Podemos perceber, pelo encadeamento do diálogo, que Bela valida o posicionamento de Unicórnio e se posiciona como semelhante. Essa reverberação que Unicórnio percebe de sua fala parece estar relacionada a uma reestruturação da frase do turno (1) que ocorre no turno (5) e que consiste fundamentalmente da mudança de um posicionamento de um eu solitário para um posicionamento de nós (o grupo) (Harré & Van Langenhove, 2003Harré, R., & Van Langenhove, L. (2003). Positioning theory. Blackwell Publishers.). A ênfase na palavra bro também pode indicar esse pertencimento ao grupo. Ressaltamos que Bro é uma gíria da língua inglesa e deriva da palavra brother que significa irmão (Merriam-Webster, 2020Merriam-Webster. (n.d.). Bro. In Merriam-Webster.com dictionary. Retrieved on August 17, 2020. Available from Available from https://www.merriam-webster.com/dictionary/bro .
https://www.merriam-webster.com/dictiona...
).

Outro elemento que chama a atenção é o fato das crianças se direcionarem à câmera enquanto dialogam, posicionando o outro nesse artefato (Bakhtin, 2011Bakhtin, M. (2011). Estética da criação verbal. Martins Fontes.). Nesse caso, o outro é o olhar que verá a tela no futuro. O outro que olha a tela no futuro se faz presente no diálogo exposto acima e em vários outros diálogos ao longo das rodas de conversa e dos vídeos feitos pelas crianças. Essa pode ser considerada uma ação que transcende o tempo e constrói novos cronotopos pelo deslocamento de si em relação à câmera, que funciona tanto como o outro como quanto a si mesmo na fronteira entre as várias vozes (Bakhtin, 2018Bakhtin, M. (2018). Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. Editora 34.).

A partir dessa interação, podemos pensar em um deslocamento temporal em direção ao futuro (Valsiner, 2012Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: Mundos da mente, mundos da vida. Artmed.), a assunção de que a lente que registra a imagem que posteriormente é exibida na tela sempre tem um observador - um outro que necessita ser posicionado - e na presença da câmera que para essas crianças remete ao registro, à imagem na tela que inevitavelmente será assistida. Essa interação somente é possível pela presença da câmera que atua como mediadora da produção desses significados (Jobim e Souza, 2008Jobim e Souza, S. (2008). Imagem técnica e estética: Sobre os modos de produção da cultura e da subjetividade no mundo contemporâneo. In A. P. Gouvêa (Org.), Cine Imaginarium. Imaginário e estética: da arte de fazer psicologia, comunicação e cinema (pp. 265-282). Companhia de Freud: PUC-Rio: FAPERJ.). Para Vygotsky (2020Vygotsky, L. (1934/2020). Pensamiento y lenguaje (Colección Esenciales). Ediciones Paidós.), a interação com os artefatos culturais é orientada externamente alterando a relação do homem com seu ambiente num movimento dialético que acaba por alterar a sua própria natureza, acarretando mudanças no funcionamento cognitivo. O artefato cultural se transforma em um instrumento mediador pela apropriação dos esquemas de sua utilização pelo sujeito (Vygotsky, 2020Vygotsky, L. (1934/2020). Pensamiento y lenguaje (Colección Esenciales). Ediciones Paidós.), estabelecendo uma mediação semiótica com o mundo.

Após o diálogo descrito acima, mas ainda nesse momento inicial, Unicórnio levanta-se do sofá e, jogando o cabelo de um lado para o outro como demonstrado na Figura 1, diz:

Figura 1.
Frame de Videogravação

(1) U- Gente, sou a atriz principal, tá. Eu sou a estrela... principal. Vocês aí, hein, fiquem caladinhos. Que vocês são atriz, dançarinos lá do fundo.

(2) S- Sério, você é a principal. É, você é a principal.

Novamente, Unicórnio se expressa de forma a criar uma tensão entre seu posicionamento e os outros colegas (Harré & Van Langenhove, 2003Harré, R., & Van Langenhove, L. (2003). Positioning theory. Blackwell Publishers.). Diferente do caso demonstrado anteriormente, em que o outro não está explícito, no exemplo trazido acima ela se refere explicitamente a seus colegas (outros participantes), inclusive apontando para eles com o dedo. A analogia que Unicórnio faz do momento da pesquisa com um setting de filmagem ou um espaço teatral condiz com elementos que ela identifica como pertencentes a esse contexto, como as câmeras de vídeo e tripés, os quais estão mediando os processos de produção de significados no diálogo (Volóchinov, 2017Volóchinov, V. (2017). Marxismo e filosofia da linguagem. Editora 34.).

Nesse contexto, ela se imagina como a “atriz principal” e os outros participantes como “atriz, dançarinos lá do fundo”. Além da dinâmica de hierarquia que ela estabelece por meio desse diálogo, estão presentes também os processos imaginativos que a permitem imaginar a si mesma e a seus colegas como sendo algo diferente do que são. Os processos imaginativos acontecem a partir das experiências com o mundo cotidiano (Zittoun & Gillespie, 2016Zittoun, T., & Gillespie, A. (2016). Imagination in a human and cultural development: Cultural dynamics of social representation. Routlegde.), portanto da realidade vivenciada, o que nos leva a refletir sobre a familiaridade dessas crianças com o contexto descrito acima.

Trazendo um contraponto em tom de ironia, Superman reforça a ideia de que Unicórnio é a atriz principal. A repetição da fala de Unicórnio e seu tom irônico nos levam a crer que ele discorda do que ela diz, talvez por achar injusto, talvez por querer ser o “ator principal”. Ele parece questionar de forma irônica o posicionamento de Unicórnio e por consequência o posicionamento que ela atribui aos outros participantes. A ironia se caracteriza como uma forma ambígua do discurso que instaura o ambivalente, dando origem a uma dissonância entre a fala em si e o sentido da fala (Alavarce, 2009Alavarce, C. S. (2009). A ironia e suas refrações: Um estudo sobre a dissonância na paródia e no riso. Editora UNESP.). Essa dissonância só pode ser captada em relação a outros elementos do discurso, como os aspectos extraverbais integrantes da situação de produção, recepção e de circulação, possibilitando assim a análise da fala como signo ideológico (Volóchinov, 2017Volóchinov, V. (2017). Marxismo e filosofia da linguagem. Editora 34.).

Quando Superman repete a fala de Unicórnio no turno 2, ele está se utilizando de um dos principais recursos da ironia, o bivocalismo. Esse recurso se define como uma palavra a duas vozes, em que se fazem presentes duas opiniões ou duas intenções conflitantes (Bubnova, 2011Bubnova, T. (2011). Voz, sentido e diálogo em Bakhtin. Bakhtiniana: Revista de Estudos do Discurso, 6(1), 268-280. https://dx.doi.org/10.1590/S2176-45732011000200016
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). O conflito exposto na fala irônica de Superman gera uma tensão (Volóchinov, 2017Volóchinov, V. (2017). Marxismo e filosofia da linguagem. Editora 34.) que se estabelece entre os dois participantes relacionada ao fato de ser mais importante que o outro, fato esse que está ligado à ideia de aparecer mais ou menos no vídeo, estar mais próximo ou mais distante da câmera. Podemos pensar que os participantes entendem a visibilidade como sendo sinal de maior ou menor importância (Sibilia, 2016Sibilia, P. (2016). O show do eu: A intimidade como espetáculo. Contraponto.). As “atrizes e dançarinos lá do fundo” não têm direito nem a falar - “Vocês aí, hein, fiquem caladinhos”. Repousa também nesse desejo de ser vista a concepção de uma subjetividade alterdirigida, que se constrói para o olhar do outro (Sibilia, 2016Sibilia, P. (2016). O show do eu: A intimidade como espetáculo. Contraponto.), de uma exposição de si, de um espetáculo do EU.

Podemos afirmar que os significados expressos nesse momento estão estreitamente relacionados à presença das câmeras. Da mesma forma, outra fala indica essa noção de uma imagem construída para o outro que está contextualmente ligada à situação de gravação em vídeo e ao fato de ser filmada (Sibilia, 2016Sibilia, P. (2016). O show do eu: A intimidade como espetáculo. Contraponto.). No encadeamento de falas abaixo, a pesquisadora ressalta que uma das participantes tinha passado batom, se preparado para o momento da pesquisa. Unicórnio responde de forma a relacionar essa preparação ao fato de ser filmada, ao que Bela complementa com a ideia de ser “celebridade” e “aparecer na (Universidade de Brasília)”. Chama atenção a relação que as crianças fazem entre a ideia de ser celebridade e aparecer na (Universidade de Brasília), indicando que a (Universidade de Brasília) se configura como lugar de visibilidade para as crianças em contato com os significados presentes nessa cultura (Bruner, 1997Bruner, J. (1997). Atos de significação. Artes Médicas.; Valsiner, 2012Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: Mundos da mente, mundos da vida. Artmed.). Bela sinaliza que ser participante de uma pesquisa que está sendo conduzida no âmbito da (Universidade de Brasília) é percebido como um fator de famosidade na sociedade do espetáculo (Debord, 1997Debord, G. (1997). A sociedade do espetáculo. Contraponto.; Sibilia, 2016Sibilia, P. (2016). O show do eu: A intimidade como espetáculo. Contraponto.).

P- A Bela até passou batom. Olha sóoo.

U- Também, neh, a gente vai ser filmada.

B- A gente é celebridadeee. Vamos aparecer na (Universidade de Brasília).

Podemos afirmar que as participantes canalizam as vozes da cultura em que vivem (Bakhtin, 2011Bakhtin, M. (2011). Estética da criação verbal. Martins Fontes.; Volóchinov, 2017Volóchinov, V. (2017). Marxismo e filosofia da linguagem. Editora 34.) ao expressarem as conexões entre ter visibilidade em algum meio e ser celebridade ou ser famoso. Segundo Sibilia (2016Sibilia, P. (2016). O show do eu: A intimidade como espetáculo. Contraponto.), a palavra famoso/famosa deixou de ser adjetivo e se transformou em substantivo autojustificável, sem necessidade de um complemento tais como: uma atriz famosa ou um político famoso. Dessa forma, “a celebridade se autolegitima: é tão tautológica como o espetáculo, pois ela é o espetáculo” (Sibilia, 2016Sibilia, P. (2016). O show do eu: A intimidade como espetáculo. Contraponto., p. 312). O único fator que justifica a famosidade é, portanto, a própria visibilidade mediada por um instrumento que traz em si um conjunto desses significados historicamente construídos e depositados nele, ou seja, a câmera (Bruner, 1997Bruner, J. (1997). Atos de significação. Artes Médicas.; Jobim e Souza, 2008Jobim e Souza, S. (2008). Imagem técnica e estética: Sobre os modos de produção da cultura e da subjetividade no mundo contemporâneo. In A. P. Gouvêa (Org.), Cine Imaginarium. Imaginário e estética: da arte de fazer psicologia, comunicação e cinema (pp. 265-282). Companhia de Freud: PUC-Rio: FAPERJ.).

Logo depois, Bela relaciona a ideia de ter um canal no Youtube com a possibilidade de “ficar rico”. Interagindo corporalmente com Unicórnio enquanto fala, suas palavras dão forma ao contexto social em que ela se desenvolve (Volóchinov, 2017Volóchinov, V. (2017). Marxismo e filosofia da linguagem. Editora 34.), em que a visibilidade citada no parágrafo anterior e que na atualidade é acessível a muitos pela plataforma Youtube se relaciona com ganhos monetários significativos (Dalethese, 2017Dalethese, T. (2017). Faz de conta que todos nós somos youtubers: Crianças e narrativas contemporâneas. [Unpublished Master’s degree dissertation]. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Available from: http://www.unirio.br/ppgedu/DissertaoPPGEduTHAMYRESRIBEIRODALETHESE.pdf
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).

B - Gente, pense se a gente tivesse um canal no Youtube. A gente ia ficar rico.

*Bela olha e interage com Unicórnio. Unicórnio se inclina para trás e coloca as mãos abertas em frente ao rosto.

Interpretamos que a fala de Bela expressa a noção de que qualquer um, até mesmo uma criança, pode ter um canal no Youtube e que as consequências dessa visibilidade se configuram como uma opção válida para ganhar dinheiro e se tornar um fazer profissional (Hidalgo-Marí & Segarra-Saavedra, 2017Hidalgo-Marí, T., & Segarra-Saavedra, J. (2017) El fenómeno youtuber y su expansión transmedia. Análisis del empoderamiento juvenil en redes sociales. Fonseca, Journal of Communication, 15, 43-56. https://doi.org/10.14201/fjc2017154356
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), como veremos na segunda roda de conversa quando as crianças decidem ser youtubers na produção de um vídeo em grupo.

Produção de Vídeos sobre Tecnologia pelas Crianças: O Vídeo de Mar

No vídeo de Mar, podemos perceber a presença de outras crianças atuando no processo de produção em conjunto. A câmera (smartphone) estava na mão da participante Unicórnio e outra criança atuou interativamente com Mar em um diálogo ensaiado. A escolha do local para filmagem, a forma de edição utilizada e a presença de outras crianças convidadas que atuam como uma equipe são pontos importantes para entender o que é relevante para a participante em questão. Na Tabela 2 podemos ver um exemplo de translação dos vídeos produzidos pelas crianças.

Tabela 2
Exemplo de Translação dos Vídeos Produzidos pelas Crianças: O Vídeo de Mar

A escolha do parquinho do condomínio como local de filmagem mostra a relevância desse espaço enquanto ponto de encontro das crianças. Pode indicar que Mar se sente confortável nesse espaço em que as crianças circulam sem muita supervisão dos adultos. Outro fato relevante é que, apesar de seu vídeo tratar do tema tecnologia, a própria escolha do parquinho para local de filmagem vem como um contraponto à utilização dos aparelhos digitais móveis pelas crianças. De certa forma, Mar ilustra em seu vídeo a convivência entre brincadeiras mais convencionais - como pular estrelinha, brincar no parquinho ou descer em um escorregador - com a presença das tecnologias digitais móveis (Plowman & Stevenson, 2012Plowman, L., & Stevenson, O. (2012). Using mobile phone diaries to explore children’s everyday lives. Childhood, 19(4), 539-553. https://doi.org/10.1177/0907568212440014
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).

Sobre a edição, a participante utilizou um recurso da câmera de seu próprio celular que possibilita filmar várias tomadas uma após a outra pausando a filmagem para marcar um corte. Se a tomada feita não agrada ao usuário é possível apagá-la e filmar novamente, sendo que a junção das partes é feita automaticamente. Quando o vídeo está completo e se deseja encerrá-lo é necessário somente clicar o botão de pare (stop). Sendo assim, todos os cortes são secos e pulam de uma tomada para a outra. Essa é uma opção prática que prescinde de aplicativos ou programas extras de edição para a produção do vídeo.

Quanto à escolha da participante de trabalhar em conjunto com outras crianças, podemos compreender que para ela, um vídeo é produto de um trabalho de grupo em que cada um tem a sua função no processo. A produção de seu vídeo envolveu, pelo menos, quatro crianças: uma criança manipulou a câmera do smartphone fazendo movimento de câmera, marcando os cortes e delimitando quadros; outra criança atuou como figurante ao pular uma estrelinha na tomada de abertura; uma criança atuou como atriz executando os diálogos ensaiados com Mar; e, por fim, a própria participante. Na primeira tomada do vídeo, foi feito um movimento de câmera da esquerda para a direita que remete a uma fala da própria participante durante o final da primeira roda de conversa.

M- Pode pegar tipo, pode pegar tipo também experiências de outros filmes?

P- Tipo o que?

M- Tipo pegar de exemplo alguns outros filmes. E ter algumas ideias.

P- Pooode... e onde é que você ia olhar isso?

M- Num filme que eu acho engraçado.

P- Que você gosta?

M- É.

P- Qual é?

M- O diário de Tati3 1 O Diário de Tati é um filme de comédia brasileiro lançado em 2012 pela Globo Filmes Foi dirigido por Mauro Farias, com roteiro baseado no livro O Diário de Tati, de Heloísa Périssé, a qual protagoniza o longa-metragem. .

P- Você pode sim pegar umas ideias lá. O que que tem nesse filme que você gosta tanto?

M- Não... é porque, começa mostrando o quarto dela, depois chega na cama dela, ela taaaa não querendo acordar.

*Enquanto Mar fala, ela demonstra com a mão esquerda o movimento da câmera da direita para a esquerda.

P- Ah é? Ah, legal... Essa é uma cena, entendeu?

M- É algo que parece comigo, porque também eu odeio acordar... entãooo.

Podemos compreender que Mar se apoia em experiências que ela teve anteriormente com vídeos e filmes para imaginar e planejar seu próprio vídeo de forma criativa (Orozco-Gómez, 2006Orozco-Gómez, G. (2006). Os meios de comunicação de massa na era da internet. Comunicação & Sociedade, 3, 373-378. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9125.v11i3p373-378
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; Zittoun & Gillespie, 2016Zittoun, T., & Gillespie, A. (2016). Imagination in a human and cultural development: Cultural dynamics of social representation. Routlegde.). O fato de Mar enfatizar a forma da narrativa audiovisual - movimento de câmera - e não somente seu conteúdo nos revela a consciência que ela tem inclusive de como essa linguagem se estrutura (Orozco-Gómez, 2006Orozco-Gómez, G. (2006). Os meios de comunicação de massa na era da internet. Comunicação & Sociedade, 3, 373-378. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9125.v11i3p373-378
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).

Quanto ao conteúdo verbal do vídeo, Mar traz um tema relacionado à sua vivência escolar enfatizando o papel do smartphone/internet em seu processo de aprendizagem. Isso indica a relevância que o tema assume para a participante e seu entendimento das tecnologias digitais como mediadoras de seus processos de estudo-aprendizagem (González-Patiño, 2011González-Patiño, J. (2011). Rutinas de la infancia urbana mediadas por la tecnología: Un análisis visual. Papeles de Trabajo sobre Cultura, Educación y Desarrollo Humano, 7(2), 1-16. https://revistas.uam.es/ptcedh/article/view/9865
https://revistas.uam.es/ptcedh/article/v...
). Essa amálgama de sentidos, imagens, técnicas, composição e sequência de cenas (Rose, 2003Rose, D. (2003). Análise de imagens em movimento. In M. W. Bauer, & G. Gaskell (Orgs.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som (2ª ed., pp. 343-264). Vozes.) que se torna acessível pela composição criada pela participante Mar em seu vídeo (elementos visuais e verbais), nos oferece um quadro complexo em que as tecnologias digitais convivem com as brincadeiras mais tradicionais infantis e medeiam os processos de estudo-aprendizagem da participante.

Roda de Conversa Pós-Produção dos Vídeos: Produção de um Novo Vídeo em Grupo

Como havia sido combinado, a segunda roda de conversa aconteceu três semanas após a primeira roda. O objetivo da segunda roda era assistir aos vídeos feitos pelos participantes e poder testemunhar as percepções e reflexões das crianças sobre o processo de produção dos vídeos e da pesquisa em geral. Porém, ao encontrar com as crianças, a pesquisadora pôde constatar que nem todos os participantes haviam feito o vídeo. Somente Bela e Mar haviam produzido seus vídeos e, além disso, Bela afirmava não ter gostado de seu vídeo e pedia a possibilidade de fazer outro.

Por causa dos fatos mencionados acima, iniciamos a segunda roda de conversa assistindo ao vídeo de Mar juntos e, no decorrer dessa atividade, as crianças propuseram a produção de um vídeo em grupo. A partir desse momento, as crianças se organizaram de forma a produzirem um vídeo todos juntos, mobilizando processos imaginativos, negociando ideias e refletindo sobre as decisões. Dessa forma, a pesquisadora testemunhou o processo de produção desse novo vídeo desde o momento de sua concepção a sua conclusão.

Concebendo o Vídeo em Grupo: Um Canal de Youtubers

Após termos assistido ao vídeo de Mar, as crianças se mobilizaram para produzir um vídeo em grupo. Elas começaram a aventar opções de locação para a filmagem, o figurino e o mote do vídeo. Esse momento exigiu que as crianças expusessem suas ideias e negociassem as decisões em grupo, como pode ser visto no trecho abaixo:

U- A gente pode fazer assim ó... Olá, pessoal..

B- Mas a gente vai fazer vlog ou a gente vai fazer tipoo... tipoo... A gente podia fazer tipo... a gente era as patricinhas.

U- Ahh, não.

B- To dando uma ideia, você tem que dar também.

U- Não... a gente finge que nós somos um canal de youtubers famoso e finge as perguntas... aí a gente vai perguntando assim: O que é a internet pra você? Aí alguém pergunta outra coisa... o que é isso aqui? [...] aí, cada um vai respondendo a mesma pergunta, por exemplo, você pergunta assim: o que é isso?

B- Boua.

U- Aí a Mar responde: pra mim, isso isso é isso..o Superman responde: pra mim isso isso é isso. A Bela responde, pra mim isso, isso é isso. As mesmas..isso isso isso.

Pudemos observar as lógicas de poder nas tomadas de fala (Volóchinov, 2017Volóchinov, V. (2017). Marxismo e filosofia da linguagem. Editora 34.), notando que Unicórnio parece tomar a frente das decisões, o que acaba por causar certo descontentamento em outra participante: Bela. Apesar disso, a ideia de Unicórnio é aceita pelo grupo sem que ela precise tentar convencer os outros participantes, o que indica a identificação de todos com a escolha: “um canal de youtubers famoso”.

Desde a primeira roda de conversa, as crianças fazem referências aos youtubers que assistem e imitam o comportamento e a voz dessas personalidades interagindo diretamente com a câmera. Eles se apoiam no formato dessa narrativa audiovisual para se expressarem e a escolha desse formato para o vídeo em grupo somente consolida a presença desse fenômeno cultural na vida dessas crianças (Valsiner, 2012Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: Mundos da mente, mundos da vida. Artmed.). Ao “fingirem” que têm um canal de Youtube famoso elas estão dizendo que querem ser youtubers, que querem experimentar esse papel, que se espelham nessas personalidades para construírem a si mesmas (Dalethese, 2017Dalethese, T. (2017). Faz de conta que todos nós somos youtubers: Crianças e narrativas contemporâneas. [Unpublished Master’s degree dissertation]. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Available from: http://www.unirio.br/ppgedu/DissertaoPPGEduTHAMYRESRIBEIRODALETHESE.pdf
http://www.unirio.br/ppgedu/DissertaoPPG...
). No próximo trecho, vemos que eles brincam com a ideia de serem famosos e fazem referências a personalidades famosas nesse campo, como a Maísa4 2 Maísa da Silva Andrade (22 de maio de 2002) é uma apresentadora, youtuber, atriz e cantora brasileira. Foi descoberta aos três anos, quando participou de um quadro de calouros do Programa Raul Gil, na Record e na Band. :

U- Ooo Superman, gostou da minha ideia? Vai ser assim... A gente vai fingir que nós somos um canal de youtuber super famoso.

S- Você é a Maísa...to brincando ahaha.

U- Eu vou ser a dona do canal porque eu que dei a ideia.

B- Ahhhh, Unicórnio. Socorro, véii. Vai ser todo mundo junto.

U- Aí eu vou falar assim: eu trouxe com vocês vários participantes... ah, a Mar, aah sei lá quem... a Bela, a Mar... Aíiiii...

Na fala de Unicórnio, podemos ver que a atividade de produzir o vídeo foi mobilizadora de processos imaginativos (Zittoun & Gillespie, 2016Zittoun, T., & Gillespie, A. (2016). Imagination in a human and cultural development: Cultural dynamics of social representation. Routlegde.) em que as crianças se deslocaram no tempo antecipando e planejando o que fariam e o que falariam durante a gravação. Ainda em meio à negociação sobre como seria o vídeo, Superman começa a interagir diretamente com a câmera, direcionando-se a um público imaginado com o qual ele parece ter intimidade, o que aparece nas falas: “Fala, galeraaa”, “Bem vindos a mais um vídeo”, “Do nosso canal”, “Do vosso canal” ao final do trecho abaixo.

U- Tá, deixa eu começar.

B- Nossa, Unicórnio. Para de ser egoísta, véi. Então grava do seu, então. Meu Deus.

P- Vocês já organizaram?

B- Não..vai ser..vai ser o canal da Unicórnio.

U- Já. cada um vai perguntar uma coisa e aí eles vão responder.

S- Não...

B- Faz assim ó..[...] que faz..cada um o seu e aí a gente vai fazendo participações.

U- Nãaaao.

S- Fala, galeraaa.

M- Não, vamo fazer..todo mundo junto.

U- É. Vai ser muito trabalho.

S- Bem vindos a mais um vídeoooo.

U- Do nosso canal.

S- Do vosso canal.

*Superman se dirige à câmera apontando com o dedo indicador.

Podemos perceber que, enquanto Bela e Unicórnio discutem sobre quem vai começar o vídeo e sobre o que cada um vai falar, Superman toma a fala (Volóchinov, 2017Volóchinov, V. (2017). Marxismo e filosofia da linguagem. Editora 34.) ao se dirigir à câmera saudando o público do canal, o que desconcerta as duas participantes e altera as relações de poder, com Unicórnio validando o posicionamento de Superman (Harré & Van Langenhove, 2003Harré, R., & Van Langenhove, L. (2003). Positioning theory. Blackwell Publishers.). Isso só acontece pela forma que Superman se expressa condizente com a forma de comunicar-se dos youtubers (Hidalgo-Marí & Segarra-Saavedra, 2017Hidalgo-Marí, T., & Segarra-Saavedra, J. (2017) El fenómeno youtuber y su expansión transmedia. Análisis del empoderamiento juvenil en redes sociales. Fonseca, Journal of Communication, 15, 43-56. https://doi.org/10.14201/fjc2017154356
https://doi.org/10.14201/fjc2017154356...
).

A interação que espontaneamente vai se desenrolando entre Superman e Unicórnio ao final do trecho de fala acima indica uma familiaridade dessas crianças com o formato desse tipo de narrativa audiovisual (Orozco-Gómez, 2006Orozco-Gómez, G. (2006). Os meios de comunicação de massa na era da internet. Comunicação & Sociedade, 3, 373-378. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9125.v11i3p373-378
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9125....
). As falas se complementam e dialogam de forma natural. Além disso, as crianças decidem “fingir” que as perguntas que elas estão fazendo no vídeo eram mandadas pelo seu público na seção de comentários complementando sua experiência imaginativa de ter o vídeo em um canal de Youtube com a possibilidade de interação síncrona nesse espaço. Para isso, elas utilizaram um aparelho smartphone com o qual elas “fingiam” ler as perguntas.

Considerações Finais

A utilização de recursos audiovisuais em pesquisas com crianças não pode ser entendida somente a partir de sua funcionalidade como instrumento de videogravação. A presença das câmeras traz para o processo da pesquisa e, portanto, para as informações produzidas nesse contexto, características específicas que se tornam aparentes nas interações entre os participantes. No caso da pesquisa apresentada neste artigo, as crianças interagiram ativamente com os aparelhos de filmagem, transpondo significados pertencentes ao contexto de produções audiovisuais para o momento da pesquisa e direcionando-se à câmera como um outro que precisa ser posicionado e que entra no jogo interlocucional. Além disso, a produção de vídeos pelas crianças funcionou como forma de expressão do que se mostra importante para elas e de sua compreensão sobre a produção de narrativas audiovisuais.

Ao longo desses processos, as funções imaginativas estiveram fortemente presentes operando um deslocamento do aqui e agora, transitando por diferentes níveis de realidade, com a intenção de materializar suas narrativas nas lógicas características do audiovisual. Ressalta-se a importância dos elementos culturais audiovisuais com os quais as crianças tiveram contato anteriormente em suas vidas como possibilitadores desses movimentos imaginativos. Foram solicitados também processos de negociação entre as crianças que tiveram que tomar decisões em conjunto.

Nesse sentido, o uso dos aparelhos digitais para a produção das informações nessa pesquisa exigiu reflexões acerca da presença das câmeras e dos vídeos produzidos pelas crianças. Consideramos que o manejo desses aparelhos para expressão de suas ideias as coloca em um lugar privilegiado pela própria história de interação que essas crianças têm com eles. Ressaltamos que, ao longo da pesquisa, as crianças deram pistas sobre como pensavam os procedimentos metodológicos propostos, sendo necessário um processo de reflexão contínua e de adequação desses procedimentos a partir das reações dos participantes.

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  • Zittoun, T., & Gillespie, A. (2016). Imagination in a human and cultural development: Cultural dynamics of social representation Routlegde.
  • **
    Pesquisadora em formação pela Escola Internacional de Doutorado da Universidad de Educación a Distancia - UNED, no Programa de Doutorado Diversidad, Subjetividad y Socialización. Estudios en Antropología Social, Historia de la Psicologia y de la Educación.
  • 1
    O Diário de Tati é um filme de comédia brasileiro lançado em 2012 pela Globo Filmes Foi dirigido por Mauro Farias, com roteiro baseado no livro O Diário de Tati, de Heloísa Périssé, a qual protagoniza o longa-metragem.
  • 2
    Maísa da Silva Andrade (22 de maio de 2002) é uma apresentadora, youtuber, atriz e cantora brasileira. Foi descoberta aos três anos, quando participou de um quadro de calouros do Programa Raul Gil, na Record e na Band.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2021
  • Aceito
    13 Jan 2022
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