Evidências de Validade da Escala Conflito Trabalho-Família para Profissionais da Segurança Pública^*

Resumo

O artigo tem como objetivo geral apresentar evidências de validade da escala ‘conflito trabalho-família’ junto a uma amostra de 10.383 profissionais que atuam na segurança pública brasileira. Optou-se pela condução dos procedimentos de validação cruzada, por meio da definição de duas subamostras, foram realizadas análises fatoriais exploratórias e confirmatórias. Todos os procedimentos éticos foram adotados. Os resultados encontrados tanto na análise fatorial exploratória (Fator ‘Interferência do Trabalho na Família’, com cargas fatoriais entre 0,91 e 0,81 e alpha de 0,93 e Fator ‘Interferência da Família no Trabalho, com cargas entre 0,96 a 0,71 e alpha de 0,90) quanto confirmatória (χ2/gl < 5; CFI > 0,98; TLI > 0,98; RMSEA < 0,1) demonstram robustas evidências de validade, indicando o uso da escala em outros contextos organizacionais.

Palavras-chave:
Conflito Trabalho-Família; Conflito Família-Trabalho; Segurança Pública

Abstract

The aim of this article is to present evidence of validity for the ‘work-family conflict scale’ with a sample of 10,383 professionals working in Brazilian public security. Cross-validation procedures were applied through the definition of two subsamples, exploratory and confirmatory factor analyses were performed. All ethical procedures were followed. The results found in both the exploratory factor analysis (‘Work Interference with Family’ Factor, with factor loadings between .91 and .81 and alpha of .93, and ‘Family Interference with Work’ Factor, with factor loadings between .96 and .71 and alpha of .90) and the confirmatory analysis (χ²/df <5; CFI >.98; TLI >.98; RMSEA <.10) demonstrate robust evidence of validity, indicating the use of the scale in other organizational contexts.

Keywords:
Work-Family Conflict; Family-Work Conflict; Public security

O trabalho e a família exercem um papel central na vida cotidiana e na história das pessoas e por muito tempo esses dois domínios foram considerados independentes e não interferentes entre si na vida dos indivíduos (Aguiar & Bastos 2013; Andrade & Barbosa, 2015) no entanto, com o passar do tempo, essa postura de separar essas duas instâncias e tratá-las como independentes entre si, mudou após o desenvolvimento de estudos que demonstraram que essas duas áreas da vida estabelecem relações bastante proximais e dinâmicas, e uma vez que identificado essa interdependência, o desafio se baseia entre encontrar um equilíbrio entre as duas esferas (Chambel & Veríssimo, 2009; Chambel, et al, 2022; Gomez et al., 2021).

De modo geral existem duas principais perspectivas teóricas que dominam a pesquisa sobre as interfaces trabalho-família, de um lado, existe uma perspectiva recente que adveio da Psicologia Positiva, nos anos 2000, indicando construtos relacionados ao lado positivo dessa interface, como, por exemplo, o enriquecimento trabalho-família sugerindo que o envolvimento em um domínio pode ser capaz de influenciar positivamente o desempenho em um segundo domínio e vice-versa (Barnett & Hyde, 2001; Greenhaus & Powell, 2006). Há, ainda, a posição tradicional de pesquisa que tem como foco principal os efeitos negativos oriundos do acúmulo dos papéis familiares e ocupacionais (Greenhaus & Beutell, 1985).

Os estudos focados no conflito trabalho-família amplamente aceitam o conceito estabelecido por Greenhaus e Beutell (1985), que entendem o construto como um conflito de funções entre as dimensões trabalho e família, por serem estas, em alguma medida, reciprocamente inconciliáveis (Aguiar & Bastos, 2013; Min et al., 2021). Além dessa capacidade de prejuízo mútuo - ou seja, o trabalho pode prejudicar a família e vice-versa -, três tipos de atritos colaboram para a experiência do conflito trabalho-família: vinculados ao tempo, às pressões e aos aspectos comportamentais. Entretanto, todas reproduzem o entendimento de que maior tempo empenhado, maior pressão experienciada ou aspectos comportamentais do papel da família, por exemplo, impactam negativamente o trabalho, sendo a recíproca também verdadeira (Greenhaus & Beutell, 1985).

A visão mais contemporânea visa identificar a influência de outros fatores do trabalho, de natureza multinível, tais como estilos de liderança e desenho do trabalho, por exemplo, numa perspectiva mais dinâmica e adaptativa (Greenhaus & Powell, 2006). Esta perspectiva mais recente adota a lógica do enriquecimento trabalho-família mais sob a lógica dos seus antecedentes e preditores do que adota uma visão mais estática acerca da ocorrência deste fenômeno.

O presente estudo investigará a perspectiva conflituosa da interface trabalho-família no contexto da Segurança Pública. A perspectiva do conflito considera a existência de uma influência desarmônica entre estes domínios, a qual pode ter origem tanto no universo do trabalho quanto na família. Parte-se da premissa de que responsabilidades profissionais poderão interferir no cumprimento das obrigações familiares (conflito trabalho-família), influenciando o domínio da vida pessoal, ao mesmo tempo que obrigações, relacionadas à família, poderão prejudicar o desempenho no trabalho. Este conflito poderá fazer com que os indivíduos percebam que o investimento em um determinado contexto ou papel esgota recursos, como tempo, energia e atenção à outra esfera da vida, e o não cumprimento de obrigações ou a não satisfação de necessidades em uma das áreas acarretará em consequências diretas a outra área. Em virtude disto, considera-se que esta dinâmica entre papéis é interdependente e mutuamente recíproca (Barros, 2021; Bandeira, et al., 2021; Oliveira, et al., 2013).

A depender do contexto profissional, muitas são as implicações sobre essa disparidade - como é o caso da Segurança Pública. A segurança pública é a forma pela qual o Estado visa garantir à sociedade o direito à segurança (Brasil, 1988) formando um conjunto integrado e otimizado envolvendo instrumentos de coação, justiça, defesa dos direitos, saúde e social. O processo de segurança pública se inicia pela prevenção e finda na reparação do dano, no tratamento das causas e na reinclusão na sociedade do autor do ilícito, buscando preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio (Costa, 2010).

Este é um setor importante da sociedade, responsável pela manutenção da lei e da ordem, e serve como uma espécie de guardião da sociedade. No entanto, a manutenção da lei e da ordem exige um compromisso constante de vigilância ativa por parte desses trabalhadores e essa rotina agitada torna esta profissão muito exigente e estressante, da qual o público não está completamente ciente (Islam, et al., 2020).

Assim como todos os indivíduos que se dividem entre a vida profissional e familiar, os trabalhadores da segurança pública também estão sujeitos a lidar com as incompatibilidades entre exercer a sua função e ter uma família. Isso porque, importa salientar que estes servidores estão imersos em um contexto laboral que tem por características tensões significativas - que exigem, inclusive, um risco inerente às suas vidas e de seus colegas de profissão - longos turnos de serviço, entre outras características que, entre outros efeitos, podem incorrer em insatisfação no trabalho e burnout (Islam et al., 2020; Freitas, et al., 2018). O conflito entre vida pessoal e vida profissional tem recebido destaque, especialmente na literatura internacional (Gomez, et al., 2021; Oliveira, et. al. 2013) tornando-se necessário um estudo nacional a fim de averiguar o conflito trabalho-família nos profissionais de segurança pública no cenário do nosso país.

Diferentes instrumentos têm sido elaborados com a finalidade de avaliar o conflito trabalho-família e dentre algumas medidas apresentadas por Aguiar e Bastos (2013), uma que obteve bastante reconhecimento e foi amplamente utilizada em pesquisas posteriores foi a proposta por Netemeyer et al. (1996). Por esse motivo, esses autores realizaram a tradução e adaptação desta escala original para o cenário brasileiro e realizaram a mensuração do conflito trabalho-família, composta por duas dimensões: Interferência do trabalho na família e Interferência da família no trabalho, ambos contendo cinco itens cada.

A abordagem conceitual das dimensões do instrumento apoia-se na premissa de que conflito trabalho-família (CTF) e conflito família-trabalho (CFT) são formas distintas, porém relacionadas de conflito entre papéis (Aguiar & Bastos, 2013; Netemeyer et al., 1996). Ademais, a literatura, via de regra, vem apontando três grandes dimensões teóricas relacionadas a este construto, a saber: tempo de dedicação, tensão na interface trabalho-família e comportamentos associados (Chambel et al., 2022). A literatura sugere que o conflito trabalho-família existe quando: (a) o tempo dedicado aos requisitos de um papel torna difícil cumprir os requisitos de outro; (b) a tensão da participação em um papel torna difícil cumprir os requisitos de outro; e (c) comportamentos específicos exigidos por uma função dificultam o cumprimento dos requisitos de outro papel (Frone et al., 1992; Greenhaus & Beutell,1985; Gomez et al., 2021).

Com relação às evidências de validade do estudo original, de construção da escala, os resultados apresentaram correlações significativas entre variáveis típicas do trabalho e fora dele, com as escalas de conflito trabalho-família e conflito família-trabalho, bem como níveis adequados de consistência interna, dimensionalidade e validade discriminante nas três amostras utilizadas no estudo, a saber: a primeira amostra foi composta por 182 professores e coordenadores; o segundo segmento amostral abrangeu 162 microempresários; por fim, 186 vendedores fizeram parte da terceira amostra. (Netemeyer et al., 1996). A partir dos resultados obtidos pelos autores, utilizando a análise fatorial confirmatória, por modelagem de equações estruturais, atestou-se, também, a natureza bidimensional da medida, cujo modelo obteve indicadores de ajuste satisfatórios: χ2 = 76,24; 85,47; 70,03; GFI = 0,92; 0,90; 0,93; AGFI= 0,87; 0,84; 0,88; CFI= 0,96; 0,93; 0,97 para as três amostras, respectivamente.

As escalas CTF e CFT foram utilizadas em estudos que buscavam compreender os conflitos existentes entre as atividades laborais e as famílias, com diversas populações, como em contextos de docentes universitários (Bianchim et al., 2020), motoristas de transportes públicos (Silva & Silva, 2015) e médicos (Tameirão & Nunes, 2017). Andrade et al. (2020) fizeram um estudo utilizando as escalas com 470 trabalhadores de um hospital privado da região sudeste do Brasil, os achados indicaram que as variáveis relacionadas ao trabalho apresentam maior predição do conflito trabalho-família do que as variáveis relacionadas com questões familiares, mesmo que ambas estejam interligadas entre si.

Em um estudo conduzido por Techio et al. (2021) durante o início da pandemia de COVID-19, usando as escalas mencionadas, com 149 pessoas que desempenhavam atividades laborais, eram casadas e tinham, pelo menos, um filho, foi constatado que há maior interferência das demandas de trabalho na família do que o inverso; os autores supõem que este fato se deu ao fato de que é possível ter maior controle sobre as relações familiares, portanto, elas acabam suportando os maiores conflitos.

Trazendo um recorte para a segurança pública, especificamente para policiais e bombeiros, Cerqueira et al. (2017) evidenciam que a própria natureza da ocupação de policiais e bombeiros favorece que as demandas do âmbito do trabalho se interseccionam com as demandas da família, visto que, por exemplo, estas categorias profissionais podem receber chamados de emergência em diversas situações. Estes chamados, podem, inclusive, gerar preocupação nas famílias, que precisam passar, em geral, por um período de adaptação com estes imprevistos.

Isto posto, a presente pesquisa tem por objetivo buscar evidências de validade de um instrumento de conflito trabalho-família, já validado para o Brasil, no contexto específico de segurança pública, visto a importância de compreender como se dão estes conflitos, de forma que sejam traçadas estratégias para manejá-los, já que são ocupações cujas práticas são permeadas por riscos e responsabilidades, muitas vezes em contextos estressores e violentos. A convivência com estes eventos estressores no trabalho pode interferir na forma como estes profissionais estabelecem seus vínculos interpessoais, inclusive com a família (Gomez et al., 2021).

Método

Participantes

Participaram do estudo 10.383 profissionais que atuam na segurança pública. Os agentes de segurança pública eram advindos de diferentes corporações, distribuídos entre Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Penal, Polícia Técnico-Científica e Corpo de Bombeiros Militar, de todas as Unidades Federativas do Brasil. Além disso, houve a participação de instituições Federais como a Polícia Rodoviária Federal e o Departamento Penitenciário Nacional.

A amostra ficou composta majoritariamente por homens (80,1%) com média de idade de 41,41 anos (DP= 8,01). Além disso, a média de tempo de serviço foi de 14,54 anos (DP=8,48). Quanto ao Estado de moradia, 25,4% dos participantes relataram morar em Minas Gerais, 16,3% no Rio de Janeiro e o restante distribuídos entre os estados. Dos participantes, 73,3% são casados, 18,4% solteiros e 7,9 % divorciados, bem como 27,5% não têm filhos.

Quanto à questão salarial, 31,1% informaram que recebem de 3 a 5 salários mínimos, 24,2% 5 a 7 salários mínimos e 20,2% 7 a 10 salários mínimos. Com relação à COVID-19, 40,4% contraíram, mas apenas 7,9% precisou ser hospitalizado, 78,2% já estavam vacinados com as 2 doses contra o vírus.

Instrumento

Foi utilizado o instrumento de Conflito Trabalho-Família (ECTF). A escala, traduzida e adaptada por Aguiar e Bastos (2013) a partir da escala original de Netemeyer e cols. (1996), ficou composta por duas dimensões teóricas, com cinco itens cada: ‘Interferência do trabalho na família’ e ‘Interferência da família no trabalho’. Os participantes responderam uma escala tipo Likert, de seis pontos, devendo os respondentes indicarem o seu grau de concordância com o conteúdo explicitado, variando de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente).

Na validação para o Brasil, Aguiar e Bastos (2013) aplicaram a escala em 994 trabalhadores, com a maioria dos participantes localizadas nas regiões nordeste (51,2%) ou sudeste (47,8%) do país, e a partir dos resultados obtidos por meio de análise fatorial confirmatória por modelagem de equações estruturais, foram alcançados os seguintes índices de ajuste na amostra nacional: χ²/gl = 6,422 (o da amostra total, ficando o índice das subamostras em patamar < 5); CFI = 0,97; GFI = 0,959; AGFI = 0,931; RMSEA = 0,074 (p<0,001).

Procedimentos

O instrumento foi enviado de forma online para os e-mails dos integrantes da área de segurança pública, bem como foram disponibilizados links de acesso para a resposta em páginas institucionais. Ressalta-se que no início da pesquisa foi apresentado um termo de consentimento livre e esclarecido - TCLE com o intuito de apresentar os objetivos da pesquisa e questões éticas pertinentes, além de viabilizar o consentimento informado dos participantes, os quais tinham acesso ao instrumento somente após concordarem com a participação na pesquisa.

Análise de dados

Para o estudo da validade de constructo da medida, optou-se por utilizar procedimentos de validação cruzada, que consistiu na separação do banco de dados em duas subamostras aleatoriamente selecionadas, de 5.191 e 5.192 casos, de um total de 10.383, com as proporções do instrumento sendo mantidas.

Foram realizadas análises fatoriais exploratórias, com o objetivo de identificar uma solução fatorial convergente com a proposta teórica e para conhecer as propriedades psicométricas da medida. A rotação utilizada foi a oblíqua promax, com base nas correlações policóricas. Esta técnica visa simplificar a compreensão dos fatores retidos, e na sua forma oblíqua, pressupõe a correlação entre os fatores (Damásio, 2012) utilizando como método de estimação os mínimos quadrados ponderados (wls - weighted least squares). A opção pelo método promax se deve ao fato de que apesar dos fatores do estudo serem vinculados, eles têm suas particularidades (Ribeiro et al., 2016). Ademais, a aferição da confiabilidade dos fatores foi realizada pelo índice alfa de Cronbach (α). Ainda, adotaram-se todos os procedimentos estatísticos recomendados por Hair et al. (2009),

Utilizou-se, para a análise dos dados, o software estatístico R e o IBM SPSS versão 23. A partir das análises exploratórias, foi utilizada a modelagem de equações estruturais como técnica de análise fatorial confirmatória (AFC). Essa análise foi feita utilizando o método de estimação de mínimos quadrados ponderados WLSMV (Weighted Least Squares Mean and Variance-adjusted) e os índices de ajuste considerados para a avaliação do modelo proposto foram: χ2/graus de liberdade (gl); Comparative Fit Index (CFI); Tucker Lewis Index (TLI); e Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA).

Resultados e discussão

As evidências de validade obtidas, via de regra, sugerem precisão e confiabilidade do instrumento. Os resultados empíricos aqui encontrados reforçaram o modelo original de Netemeyer et al.(1996) e suas validações, alcançando índices de ajuste adequados em ambas as amostras de validação cruzada (χ2/gl < 5; CFI > 0,98; TLI > 0,98; RMSEA < 0,1).

Por meio da análise fatorial exploratória encontrou-se uma estrutura final que também contou com 10 itens, divididos em dois fatores empíricos: Fator ‘Interferência do Trabalho na Família’ e Fator ‘Interferência da Família no Trabalho’. As cargas fatoriais oscilaram entre 0,91 e 0,81, no Fator de Interferência do Trabalho na Família (alpha = 93), e 0,96 a 0,71 (alpha = 0,90) no Fator de Interferência da Família no Trabalho. As comunalidades, também, foram bem elevadas. Os resultados podem ser visualizados na Tabela 1.

Tabela 1
Indicadores psicométricos da análise fatorial exploratória da Escala de Conflito Trabalho-Família

Item	F1 (Demandas do trabalho)	F2 (Demandas da família)	Comunalidade
Conflito 4. As pressões do meu trabalho restringem a liberdade de planejar as minhas atividades familiares.	0,91		0,8
Conflito 2. Devido à quantidade de tempo que dedico ao trabalho, tenho dificuldade em cumprir minhas responsabilidades familiares.	0,90		0,83
Conflito 5. Os meus deveres no trabalho me levam a mudar meus planos para as atividades familiares.	0,89		0,74
Conflito 3. Por causa das demandas no meu trabalho, não consigo fazer as coisas que quero fazer em casa.	0,89		0,82
Conflito 1.As demandas do meu trabalho interferem na minha vida familiar.	0,81		0,65
Conflito 8. Por causa das demandas da minha família, não consigo fazer as coisas que preciso no trabalho.		0,96	0,87
Conflito 7. Eu preciso adiar atividades de trabalho por causa de demandas que surgem quando eu estou em casa.		0,88	0,75
Conflito 9. Minha vida doméstica interfere nas minhas responsabilidades no trabalho (como chegar no horário, cumprir as tarefas e a jornada de trabalho		0,87	0,72
Conflito 10. As pressões geradas pela minha família interferem no meu desempenho no trabalho.		0,78	0,66
Conflito 6. As demandas da minha família interferem nas minhas atividades de trabalho.		0,71	0,63

Os indicadores psicométricos obtidos nesta pesquisa são similares aos obtidos por Greenhaus e Beutell (1988), Frone et al. (1992) e Aguiar e Bastos (2003). Os fatores empíricos obtidos neste artigo reforçam o comportamento da medida em relação às percepções sobre o conflito trabalho-família, permitindo-se efetuar o levantamento deste tema tão relevante à vida dos trabalhadores e familiares.

Ressalta-se que as demandas de trabalho representam importante fonte originadora de conflitos com a família caso não haja um planejamento adequado das rotinas, bem como se o trabalhador não consegue desligar-se do trabalho (Frone et al., 1992). A atuação gerencial e das lideranças informais são de suma importância à análise das fontes originadoras de conflito no trabalho (Islam et al., 2020).

Compreender as bases da dinâmica do conflito trabalho-família ajudará a entender possíveis fontes de insatisfação (Chambel & Veríssimo, 2009) junto ao trabalhador, bem como a reações afetivas e comportamentais (Andrade et al., 2020) influenciadas pelas vivências conflituosas. A origem do conflito, segundo Chambel et al. (2022), pode estar em uma dificuldade em se interpretar e diferenciar os papéis pessoais (maternidade ou paternidade, por exemplo, exigindo maior tempo de dedicação) em relação à sua integração às demandas profissionais (jornada de trabalho dupla ou tripla, por exemplo).

A busca pela conciliação harmônica e equilibrada, entre interesses pessoais e profissionais (Gomez et al., 2021), está no cerne das vivências de conflito entre estas duas entidades sociais (Bianchim et al. 2020; Cerqueira et al., 2017) de tamanha relevância à vida das pessoas (trabalho e família). No que tange aos indicadores psicométricos de precisão obtidos com a análise fatorial confirmatória, verifica-se, na Tabela 2, que estes se encontram com valores bem representativos, indicando consistência interna nos dois fatores empíricos levantados. Os resultados encontram-se apresentados a seguir.

Tabela 2
Indicadores Psicométricos através da Analise Fatorial Confirmatória

Dimensões	Definições	Itens	Índices de confiabilidade
Interferência Trabalho - Família	Forma de conflito na qual as demandas do ambiente de trabalho interferem no desempenho das atividades e responsabilidades familiares;	1,2,3,4 e 5	α = 0,93
			Ω = 0,95
			λ-6 =0,93
Interferência Família - Trabalho	Forma de conflito na qual as demandas do ambiente familiar interferem no desempenho das atividades e responsabilidades laborais	6,7,8,9 e 10	α = 0,90
			Ω = 0,92
			λ-6 = 0,88

• Nota: α , alfa de Cronbach; ?, ômega de McDonald; λ-6, lambda 6 de Guttman.

Os coeficientes (alfa, ômega e lambda) obtidos estão excelentes, e convergem com os coeficientes obtidos na validação inicial da medida. O comportamento psicométrico da escala sugere que a mesma pode ser aplicada a organizações de segurança pública, pois evidencia, comportamentalmente, traços latentes observáveis decorrentes das vivências de conflito trabalho-família sob a ótica de profissionais que atuam na segurança pública. O tipo de lócus organizacional (organizações da segurança pública) não influenciou no comportamento da medida, demonstrando estabilidade psicométrica.

Esses achados são importantes na medida em que possibilitam ações governamentais voltadas aos profissionais de segurança pública, seja no sentido de considerar a importância do construto na rotina laboral e pessoal dos servidores, com seus antecedentes e impactos, seja na prática de ações preventivas e de resposta que auxiliem o indivíduo na tentativa constante de harmonização entre as dificuldades laborais e seu contexto familiar.

Considerações finais

O presente artigo teve como objetivo geral apresentar evidências de validade da escala de ‘Conflito Trabalho-Família’ (Aguiar & Bastos, 2013), aplicada a uma amostra de 10.383 profissionais de segurança pública, que atuam pelo Brasil. Esta amostra foi subdividida em duas subamostras, permitindo comparar-se resultados obtidos a partir dos procedimentos de análise fatorial exploratória e confirmatória.

Por meio da aplicação de um survey, no contexto nacional brasileiro, junto a profissionais que atuam em organizações de segurança pública, aplicaram-se técnicas de análise que demonstraram que a medida aqui utilizada possui substantivos indicadores de precisão, validade e fidedignidade. Acredita-se, assim, que o objetivo geral deste estudo foi plenamente atingido.

Os indicadores psicométricos obtidos foram similares às versões original e adaptada da medida. A escala poderá ser utilizada por lideranças interessadas no desenho de políticas, ou práticas, organizacionais, orientadas à identificação de conflitos entre trabalho e família, visando propor planos de ação para minimizar tais conflitos. Diagnósticos poderão ser feitos à luz das crenças e percepções dos trabalhadores.

O conflito se evidencia a partir da desarmonia percebida entre os graus de influência de uma entidade sobre a outra. Quando o indivíduo não consegue desenvolver estratégias adaptativas, ou auto-regulatórias, orientadas à minimização do conflito, o mesmo poderá ser impactado por isso. Impactos em sua saúde mental, física, e emocional, bem como em sua performance, poderão ser evidenciados. Sua qualidade de vida pessoal e profissional também poderá sofrer efeitos da vivência conflituosa entre trabalho e família.

Quanto às limitações desta pesquisa, destaca-se o desconhecimento da realidade laboral e familiar dos profissionais de segurança pública que participaram deste trabalho. Aspectos relacionados ao dia a dia no trabalho (sensação de insegurança nas ruas, por exemplo) poderiam ter enriquecido, até do ponto de vista qualitativo, as interpretações das análises estatísticas presentemente realizadas. O desenho do trabalho e alguns de seus componentes (como o número de operações policiais em que participa, se atua numa área meio ou área finalística na organização em que trabalha, aspectos da dinâmica da equipe de trabalho e outras variáveis de contexto) poderia ter fornecido novas possibilidades empíricas de análise e interpretação teórica dos fatores.

Logicamente, inúmeras outras variáveis, individuais, sociais ou organizacionais, poderão influenciar na geração, ou manutenção, do conflito. Novas pesquisas são recomendadas visando-se identificar, por exemplo, o efeito exercido por práticas organizacionais culturalmente instituídas que possam impactar na percepção de conflito. Até que ponto, por exemplo, uma pressão pelo alcance de metas no trabalho poderá fazer com que o indivíduo vivencie situações de conflito familiar? Que aspectos do desenho do trabalho podem gerar insatisfações humanas, e isto impactar na dinâmica familiar? Uma liderança mais autoritária, por exemplo, pode acabar tornando-se fonte de conflito e vivências negativas tanto no trabalho quanto na família? A falta do suporte dos colegas também poderá influenciar, de alguma forma, na gênese de conflitos familiares?

Da mesma forma, recomendam-se mais pesquisas acerca da atuação da família atuando na geração do conflito sob a ótica do trabalhador. Até que ponto uma preocupação em casa, como um filho ou um idoso adoecido, poderá repercutir na vida mental do trabalhador, gerando vivências de conflito no trabalho? Em que medida a dinâmica familiar (número de pessoas com renda mensal, por exemplo, número de filhos ou idosos sob a própria responsabilidade) influencia na gênese dos conflitos no trabalho? Que outras variáveis (endividamento, falta de estrutura em casa ou vivências emocionais relacionadas a transtornos bipolares, por exemplo) poderão ser fonte originadora de conflitos? O que se espera da atuação das lideranças, neste sentido? Esta e outras perguntas de pesquisa poderão fazer parte de novos estudos, contribuindo para o estudo da relação trabalho-família e seus impactos sob a ótica tanto do trabalhador quanto da dinâmica familiar.

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  Este artigo é parte do projeto Refugees in the Americas: A comparison of refugees' settlement in the global north and global South apoiado pelo programa CAPES PrInt.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Maio 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  30 Abr 2022
• Aceito
  28 Out 2022