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Convite à Psicologia Matemática: Modelos e Benefícios da Teorização Formal

RESUMO

Na maior parte das áreas os fenômenos psicológicos tendem a ser explicados apenas por meio de construções textuais. Diversos autores, no entanto, apontam para a necessidade de teorias que tenham uma natureza mais formal, baseada em raciocínio matemático. A fim de incentivar acesso mais amplo às suas aplicações, apresentamos os modelos e vantagens da abordagem da psicologia matemática para o estudo do comportamento. Revisamos as limitações da teorização verbal, apresentando em seguida uma taxonomia, comum na psicologia matemática, que classifica os modelos de dados como descritivos, explicativos e de caracterização. Como casos bem sucedidos, examinamos a psicologia matemática da tomada de decisão, do comportamento de ajuda, da memória e dos relacionamentos românticos. Por fim, discutimos os benefícios e usos potenciais da abordagem. Bem-vindo(a) à psicologia matemática.

PALAVRAS-CHAVE:
psicologia matemática; teorização formal; modelagem quantitativa

ABSTRACT

In most areas, psychological phenomena tend to be explained only through textual constructions. Several authors, however, point to the need for theories that have a more formal nature, based on mathematical reasoning. In order to encourage broader access to its applications, we present the models and advantages of a mathematical psychology approach to the study of behavior. We review the limitations of verbal theorizing, then a common taxonomy in mathematical psychology follows, that classifies formal models as descriptive, process characterization, and explanatory. As well succeeded cases, we examine the mathematical psychology of decision making, of helping behavior, of memory, and of romantic relationships. Finally, we discuss the potential benefits and uses of this approach. Welcome to mathematical psychology.

Keywords:
mathematical psychology; formal theorizing; quantitative modeling

Das definições clássicas de William James e de Wilhelm Wundt, até suas adaptações contemporâneas, a psicologia é tomada de maneira abrangente como a ciência do comportamento e dos processos mentais. Portanto, além de se buscar descrever e predizer o comportamento humano e dos demais animais, também se busca explicá-lo. Isso é similar a como na física se consegue predizer o “comportamento” de um objeto arremessado no ar, além de se identificar quais variáveis podem influenciar a sua trajetória. Na psicologia, no entanto, muitas vezes não se avaliam propriedades físicas bem determinadas.

Tradicionalmente nas diversas subáreas da psicologia, quando se faz alguma pergunta teórica de pesquisa, a resposta é desenvolvida por meio de teorização verbal, ou seja, o fenômeno é explicado utilizando-se apenas de construções textuais (Adner et al., 2009Adner, R., Polos, L., Ryall, M., & Sorenson, O. (2009). The case for formal theory. Academy of Management Review, 34(2), 201-208. https://doi.org/10.5465/amr.2009.36982613
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). Apesar desse método ser dominante e eficiente para que qualquer pessoa possa interpretar e entender quais as relações esperadas entre as variáveis relevantes de um modelo, ao menos dois problemas podem ser derivados (McGrath, 2011McGrath, R. E. (2011). Quantitative models in psychology. American Psychological Association.). Primeiro, com frequência, as predições não são claramente definidas, tanto em relação à direção quanto à magnitude do fenômeno. Em segundo lugar, certos comportamentos que podem ser esperados a partir de certas variáveis, ou por relações entre variáveis, não são facilmente descritos por meio da teorização verbal. Por outro lado, a psicologia passa nos últimos anos por uma crise de replicabilidade e de críticas a suas práticas metodológicas e analíticas (Nelson et al., 2018Nelson, L. D., Simmons, J., & Simonsohn, U. (2018). Psychology’s renaissance. Annual Review of Psychology, 69, 511-534. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-122216-011836
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) que exigem maior investimento nos processos subjacentes de teorização.

O objetivo principal do presente trabalho é fornecer uma introdução à abordagem da chamada psicologia matemática, descrevendo os tipos de modelos matemáticos que podem ser utilizados nas diversas áreas da psicologia. Também se pretende sumarizar as principais vantagens e benefícios da teorização formal, como convite alternativo à tradicional teorização verbal, sem que haja necessidade de compreensão exaustiva dos modelos e técnicas matemáticas em si (vide, e.g., Coombs et al., 1970Coombs, C. H., Dawes, R. M., & Tversky, A. (1970). Mathematical psychology: An elementary introduction. Prentice Hall.; Hunt, 2006Hunt, E. (2006). The mathematics of behavior. Cambridge University Press.). Assim, busca-se também demonstrar que a descrição matemática de fenômenos psicológicos não é tão complexa e pode ser facilmente aprendida por qualquer estudante ou pesquisador em psicologia sem treinamento avançado em aritmética, álgebra ou geometria.

Psicologia Matemática: Modelagem e Teorização Formal

A matemática, como um campo de conhecimento geral, é voltada ao estudo das estruturas e dos padrões consequentes de uma série de axiomas ou pressupostos (Devlin, 2012Devlin, K. J. (2012). Introduction to mathematical thinking. Keith Devlin.). A matemática pode também ser considerada uma forma de linguagem, responsável por comunicar a dinâmica e, inequivocamente, magnitude, direção e sentido de variáveis, assim como relações entre variáveis (Pasquali, 2001Pasquali, L. (2001). Técnicas de exame psicológico - TEP: Manual [Psychological exam techniques: Guide]. Casa do Psicólogo.). Psicólogos que usam a matemática como principal ferramenta para descrever seus fenômenos de interesse são conhecidos como psicólogos matemáticos (Townsend, 2008Townsend, J. T. (2008). Mathematical psychology: Prospects for the 21st century: a guest editorial. Journal of Mathematical Psychology, 52(5), 269-280. https://doi.org/10.1016/j.jmp.2008.05.001
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).

A abordagem da psicologia matemática é ao menos tão antiga quanto a própria psicologia científica (Van Zandt & Townsend, 2012Van Zandt, T., & Townsend, J. T. (2012). Mathematical psychology. In H. Cooper, P. M. Camic, D. L. Long, A. T. Panter, D. Rindskopf, & K. J. Sher (Eds.), APA handbook of research methods in psychology, Vol. 2. Research designs: Quantitative, qualitative, neuropsychological, and biological (pp. 369-386). American Psychological Association.https://doi.org/10.1037/13620-020
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). Entre os primeiros psicólogos matemáticos, muitos sendo reconhecidos como os criadores da psicofísica, é possível identificar Ersnt Weber (1795-1878), Gustav Fechner (1801-1887), Hermann von Helmholtz (1821-1894), Franciscus Donders (1818-1889), entre outros. No entanto, a sistematização da abordagem se deu apenas na década de 1950, após o desenvolvimento inicial de três contribuições específicas: (i) a teoria de detecção de sinal; (ii) a teoria da informação e suas aplicações na psicologia cognitiva; e (iii) a teoria matemática de aprendizagem. Na década seguinte, duas das séries de livros mais influentes da área (Luce et al., 1963-1965aLuce, R. D., R. R. Bush, & E. Galanter (Eds.). (1963-1965a). Handbook of mathematical psychology (Vols. 1-2) . Wiley., 1963-1963bLuce, R. D., R. R. Bush, & E. Galanter (Eds.). (1963-1965b). Readings in mathematical psychology (Vols. 1-2). Wiley) e o periódico mais influente da área (Journal of Mathematical Psychology) foram publicados, consolidando a abordagem. Como revelam manuais da área (e.g., Batchelder et al., 2016Batchelder, W. H., Colonius, H., Dzhafarov, E. N., & Myung, J. (Eds.). (2016). New handbook of mathematical psychology: Volume 1, Foundations and Methodology. Cambridge University Press.), na psicologia matemática moderna os temas mais diversos são estudados, desde processos psicológicos mais básicos, até dinâmicas complexas entre grupos, bem como o desenvolvimento de Inteligências Artificiais que simulam emoções.

Em termos práticos, um dos principais fundamentos da psicologia matemática é o uso da teorização formal. A teorização formal, feita por meio do uso da lógica formal e da matemática, contrasta-se substancialmente com a teorização verbal (Doignon & Falmagne, 1991Doignon, J. P., & Falmagne, J. C. (1991). Mathematical psychology: Current developments. Springer-Verlag.). Enquanto a teorização verbal permite flexibilizar a compreensão de um fenômeno pela própria diversidade das línguas naturais (e.g., o português), a teorização formal envolve uma descrição matemática e lógica dos fenômenos de interesse (Devlin, 2012Devlin, K. J. (2012). Introduction to mathematical thinking. Keith Devlin.). Dessa forma, para aqueles fenômenos que podem ser claramente mensurados, a teorização formal tende a ser mais objetiva (ou seja, menos dependente de diferentes percepções e julgamentos) e fornecer possibilidades de testes de hipótese mais robustos para se avaliar o poder preditivo de um modelo. Por outro lado, cabe ressaltar que apesar de, a princípio, qualquer área de estudo em psicologia poder ser estudada utilizando a abordagem da psicologia matemática, alguns temas serão mais propícios do que outros. Além disso, a qualidade das teorias envolve questões além da teoria em si, como por exemplo, a forma mais adequada de se operacionalizar uma variável de interesse. Dessa forma, as teorizações verbal e formal são compreendidas como formas complementares de se entender, definir e estudar um fenômeno.

Como um exemplo de possível aplicação da psicologia matemática, imagine que desenvolvemos uma teoria sobre comportamento de ajuda que propõe, verbalmente, que pessoas em situações de incerteza tendem a ajudar menos as outras. Uma teorização formal sobre o mesmo fenômeno, no entanto, precisaria propor um modelo matemático sobre qual percentual se espera observar em cada nível possível de incerteza. Hipoteticamente, algum pesquisador da área poderia dizer que a probabilidade da emissão de um comportamento de ajuda diminui de acordo com uma função logística da incerteza na situação, sendo dependente de dois fatores psicológicos (ou parâmetros): (i) α (alfa), definido como a tendência fundamental a não ajudar; e (ii) 𝜓 (psi), definido como a importância da incerteza. Tal teorização pode ser descrita pela seguinte equação:

P r o b a b i l i d a d e d e a j u d a = 1 1 + e x p α + ψ I n c e r t e z a (11)

A Figura 1 apresenta uma representação gráfica de tal modelo, revelando sua simplicidade. Para a linha desenhada na Figura 1, α é igual a -3 e 𝜓 é igual a 6. Esses valores nos permitem concluir, por exemplo, que quando a incerteza for igual a 0, a probabilidade de ajudar será próxima a 95%. Esse valor é facilmente calculado aplicando a fórmula da teoria:

P r o b a b i l i d a d e d e a j u d a = 1 1 + e x p α + ψ I n c e r t e z a = 1 1 + e x p - 3 + 6 × 0 = 1 1 + e x p - 3 = 0,95

Veja que, além de definir empiricamente dois construtos (tendência fundamental a não ajudar e a importância da incerteza) fundamentais à teoria, a teorização verbal faz uma predição específica sobre o que observar em determinado contexto (ou seja, qual o comportamento esperado na presença ou ausência de incerteza).

Figura 1.
Quadrantes de valores de predições possíveis por modelos verbal e formal de comportamento de ajuda.

Pode-se observar ainda, na Figura 1, que os quadrantes 1 e 3 apresentam o não-suporte para a teoria, seja ela proposta de forma verbal ou formal. Pragmaticamente os valores observados nesses quadrantes indicariam os casos em que a incerteza é baixa (ou alta) e há uma baixa (ou alta) probabilidade de ajuda. Nesse exemplo a maior diferença está, justamente, em quais observações constituem evidência a favor da teoria. Levando em conta a teorização verbal, qualquer valor observado nos quadrantes 3 e 4 indicaria evidências favoráveis à teoria. Para a teorização formal, no entanto, apenas valores acima ou muito próximos à linha em formato de “S” invertido indicariam evidências sobre a validade da teoria. Ou seja, no caso em que α é igual a -3 e 𝜓 é igual a 6, se a incerteza for igual a 0 mas a probabilidade de ajuda for muito diferente de 95%, podemos rejeitar a teoria. Tal exemplo permite identificar que um entendimento intuitivo das fórmulas já pode ser útil e suficiente para aplicação de técnicas da psicologia matemática na teorização.

Na psicologia, quando tomada pelo todo, parece existir uma preferência por se utilizar métodos quantitativos de análise de dados (Mertens, 2014Mertens, D. M. (2014). Research and evaluation in education and psychology: Integrating diversity with quantitative, qualitative, and mixed methods. Sage Publications.). Mas ironicamente a teorização formal ainda é utilizada em pequena escala (Townsend, 2008Townsend, J. T. (2008). Mathematical psychology: Prospects for the 21st century: a guest editorial. Journal of Mathematical Psychology, 52(5), 269-280. https://doi.org/10.1016/j.jmp.2008.05.001
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). Aqui, é necessário distinguir o “psicólogo quantitativo” do “psicólogo matemático”. O psicólogo quantitativo é aquele que utiliza ferramentas estatísticas e matemáticas para testar suas hipóteses, mas tais ferramentas não apresentam uma interpretação psicológica específica. Por exemplo, análises como o teste t de Student, ANOVAs, a análise de regressão e, mais recentemente, ferramentas de machine learning (Yarkoni & Westfall, 2017Yarkoni, T., & Westfall, J. (2017). Choosing prediction over explanation in psychology: Lessons from machine learning. Perspectives on Psychological Science, 12(6), 1100-1122. https://doi.org/10.1177/1745691617693393
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), podem ser utilizados para testar uma mesma hipótese sobre qualquer teoria científica. Já o psicólogo matemático é aquele que desenvolve modelos formais que, muitas vezes, são específicos ao seu problema de pesquisa. Por exemplo, no modelo representado na Figura 1, mudar o procedimento estatístico ou matemático para testar o problema teria como consequência o teste de uma teoria distinta daquela proposta e, portanto, a falta de adequação do procedimento escolhido. No entanto, cabe salientar que muitos modelos, sejam estatísticos ou desenvolvidos por psicólogos matemáticos, podem ser considerados como extensão da análise de regressão (e.g., Busemeyer et al., 2015Busemeyer, J. R., Wang, Z., Eidels, A., & Townsend, J. T. (2015). Review of basic mathematical concepts used in computational and mathematical psychology. In J.R. Busemeyer, Z. Wang, A. Eidels & J.T. Townsend (Eds.), The Oxford handbook of computational and mathematical psychology (pp. 1-10). Oxford University Press.). Dessa forma, o que caracteriza um modelo como “estatístico” ou “psicológico” está mais relacionado à interpretabilidade dos parâmetros como processos, construtos ou eventos psicológicos, do que à forma matemática dos modelos em si.

Diante dessas considerações é importante definir claramente o que é um modelo matemático e como ele pode ser utilizado. Para isso é necessário reconhecer que modelos são, intencionalmente, mais parcimoniosos e mais abstratos do que o sistema real que eles buscam explicar (Fum et al., 2007Fum, D., Del Missier, F., & Stocco, A. (2007). The cognitive modeling of human behavior: Why a model is (sometimes) better than 10,000 words. Cognitive Systems Research, 8, 135-142. https://doi.org/10.1016/j.jmp.2005.06.007
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). Como no famoso aforisma popularizado por Box e Draper (1987Box, G. E. P., & Draper, N. R. (1987). Empirical model-building and response surfaces. John Wiley & Sons., p. 74), “todos os modelos estão errados, mas alguns são úteis”. Assim, por definição, modelos sempre serão mais simples do que a realidade e nunca devem ser complexos demais, dada a incoerência de substituir algo que não se compreende totalmente (a realidade) por outra coisa que também não se pode compreender (Norris, 2005Norris, D. (2005). How do computational models help us build better theories? In A. Cutler (Ed.), Twenty-first century psycholinguistics: Four cornerstones (pp. 331-346). Lawrence Erlbaum.). Isso gera, evidentemente, o problema de definir quais detalhes são necessários e quais são menores para o problema estudado. Embora não exista uma resposta única, algumas sugestões podem ser feitas a depender da finalidade do modelo proposto. Lewandowsky e Farrell (2010Lewandowsky, S., & Farrell, S. (2010). Computational modeling in cognition: Principles and practice. Sage.) reconheceram a existência de diversas tipologias para denominar a finalidade do modelo. Ao mesmo tempo, propõem uma tipologia específica que divide o processo de acordo com o objetivo do modelo: descrever, caracterizar ou explicar um dado fenômeno.

Os Tipos de Modelos e seus Objetivos

Descritivos

Modelos descritivos são aqueles explicitamente desprovidos de conteúdo psicológico. Serem “desprovidos de conteúdo psicológico” significa que, apesar de modelos assim poderem predizer e descrever os dados observados, assim como estabelecer algumas limitações para os processos psicológicos subjacentes, não especificam como tais processos contribuem para o resultado observado. O nosso exemplo apresentado na Figura 1 é um caso de modelo descritivo. Apesar dos parâmetros poderem ser interpretados como construtos psicológicos, o modelo não nos diz quais processos psicológicos ocorrem enquanto os indivíduos se decidem por ajudar ou não. Por exemplo, o modelo utilizado na Figura 1 não define como se dá a relação entre a tendência fundamental a não ajudar e o comportamento efetivo. Assim, modelos descritivos tampouco conseguem definir quais outras variáveis inerentes a ele mesmo podem influenciar o resultado observado.

De forma a discutir mais profundamente os modelos descritivos, pode-se utilizar um exemplo bastante comum na literatura de aprendizagem: qual a melhor forma para descrever a aquisição de conhecimento com o passar do tempo (Heathcote et al., 2000Heathcote, A., Brown, S., & Mewhort, D. J. (2000). The power law repealed: The case for an exponential law of practice. Psychonomic Bulletin & Review, 7, 185-207. https://doi.org/10.3758/BF03212979
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)? No topo da Figura 2 tem-se, no eixo x, a quantidade de tentativas e, no eixo y, o tempo de reação para a resposta de já se conhecer ou não um estímulo. Pode-se observar que, conforme aumenta o número de tentativas, diminui o tempo de reação para a resposta. Os pontos representam as respostas em si, enquanto as linhas, inteiriça e pontilhada, representam predições feitas por duas teorias distintas. Apesar da diferença entre as linhas ser sutil visualmente, elas têm implicações teóricas praticamente opostas. O modelo representado pela linha inteiriça diz que a taxa de aprendizagem é constante, mas que há cada vez menos informações para se aprender. Já o modelo representado pela linha pontilhada diz que a taxa de aprendizagem é variável, mas que a quantidade de informação para se aprender é constante. Nesse exemplo, ambos os modelos “descrevem” igualmente bem os dados. No entanto, eles são desprovidos de conteúdo psicológico: não há informações disponíveis que permitam concluir qual modelo concorrente é o mais adequado ou mais plausível para se descrever o processo de aprendizagem. É necessário, portanto, reunir outras evidências para se concluir qual modelo melhor descreve os processos subjacentes.

Figura 2.
Dois tipos de modelos. Na parte superior, dados plotados de acordo com dois modelos descritivos concorrentes sobre aprendizagem. Na parte inferior, modelo de caracterização sobre recuperação de memória de curto prazo.

De Caracterização

O segundo tipo de modelo inclui aqueles que categorizam um processo psicológico e alguns aspectos principais se destacam. Eles definem quais são os processos não-observáveis relevantes, ou então as relações entre variáveis observáveis e não-observáveis, procedendo, em seguida, com as medidas necessárias. Outro aspecto é que esse tipo de modelo não tenta explicar como ocorrem os processos subjacentes que influenciam a maneira como os construtos mentais hipotéticos geram certos resultados, mas apenas a ordem em que ocorrem.

Como exemplo de modelo de caracterização, pode-se citar o modelo multinominal de processamento em árvores para a recuperação de memória de curto prazo, proposto por Schweickert (1993Schweickert, R. (1993). A multinomial processing tree model for degradation and redintegration in immediate recall. Memory & Cognition, 21, 168-175. https://doi.org/10.3758/BF03202729
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). Na parte de baixo da Figura 2 verifica-se a caracterização do processo de recuperação da memória de curto prazo, que pode ser recuperada em dois casos: como consequência da armazenagem completa da informação ou como consequência da reconstrução de uma memória parcialmente armazenada. Nesse caso a probabilidade de se recuperar a memória armazenada completamente é igual a C. Já a probabilidade da memória ser recuperada, dado que ela foi apenas parcialmente armazenada, é igual a (1 - C) × R. Além disso, o modelo propõe que existe também a possibilidade da memória não ser recuperada. Isso ocorre apenas quando, após a memória ter sido apenas parcialmente armazenada, ela também não é reconstruída. A probabilidade disso acontecer é igual a (1 - R) × (1 - C). Mas o modelo não identifica quais processos influenciam a probabilidade da informação ser corretamente armazenada, tampouco aqueles que influenciam a reconstrução da memória parcial.

De Explicação

O terceiro e último tipo de modelo é nomeado dessa forma porque possibilita, ao se levar em conta as técnicas atuais, a melhor forma de fazer inferências sobre construtos psicológicos. Assim como modelos de caracterização, trata de construtos psicológicos, mas vai um passo além, ao fornecer explicações detalhadas sobre eles. Como se viu, o modelo multinominal de processamento em árvores de Schweickert (1993Schweickert, R. (1993). A multinomial processing tree model for degradation and redintegration in immediate recall. Memory & Cognition, 21, 168-175. https://doi.org/10.3758/BF03202729
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) identifica o estágio de reconstrução de memória, mas não dá qualquer indicação de como exatamente esse processo pode acontecer. Um modelo explicativo, no entanto, foi proposto por Lewandowsky e Farrell (2000Lewandowsky, S., & Farrell, S. (2000). A redintegration account of the effects of speech rate, lexicality, and word frequency in immediate serial recall. Psychological Research, 63, 163-173. https://doi.org/10.1007/PL00008175
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), em que o processo de reconstrução ocorre por um fluxo constante de trocas entre um sistema de resposta e um de armazenagem, até que a memória seja completamente restaurada. Pela complexidade do modelo matemático, ele não será apresentado aqui (para uma descrição mais detalhada, veja Kahana, 2020Kahana, M. J. (2020). Computational models of memory search. Annual Review of Psychology, 71, 107-138. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-010418-103358
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). No entanto, resta evidente que a proposta dos autores sobre como o processo de reconstrução ocorre foi todo descrito por meio de um modelo matemático.

Pode-se perguntar, diante dos modelos revisados: já que é possível especificá-los no nível de complexidade, por que não são todos elaborados como o tipo de explicação? Em primeiro lugar, nem sempre é possível especificar um processo nos mínimos detalhes que um modelo explicativo requer. Dessa forma, modelos menos complexos são uma alternativa valiosa para que as pesquisas numa certa área continuem se desenvolvendo. Não por acaso, modelos descritivos são muito mais populares em psicologia. Além disso, existem casos em que um modelo de caracterização mais simples pode ser preferido a um de explicação muito detalhado.

Utilizar um teste t tradicional para se comparar a diferença média do desempenho em uma prova entre uma condição controle e uma condição experimental é geralmente mais prático do que desenvolver um modelo explicativo com estimativas individuais. Porém no caso de políticas públicas sobre educação, por exemplo, usar um modelo mais simples, mas baseado em dados coletados a partir de um bom delineamento de pesquisa, pode ser mais eficiente. Afinal é melhor um resultado simples e robusto do que usar um modelo explicativo que seja mais suscetível a ameaças à validade dos resultados. De qualquer forma a modelagem no nível descritivo em psicologia já tem permitido aos pesquisadores identificar muitos princípios para a área como um todo (e.g., Brown et al., 2007Brown, G. D. A., Neath, I., & Chater, N. (2007). A temporal ratio model of memory. Psychological Review, 114, 539-576.).

Benefícios da Teorização Formal

Lewandowsky e Farrell (2010Lewandowsky, S., & Farrell, S. (2010). Computational modeling in cognition: Principles and practice. Sage.) apontaram ao menos seis distintos benefícios da teorização formal sobre a teorização verbal. Os dois primeiros benefícios estão relacionados à interpretabilidade dos dados em pesquisa. Já que os dados nunca “falam por si mesmos”, é necessário utilizar modelos para interpretá-los. Quanto mais preciso é o modelo, melhor pode se interpretar os dados. Além disso, teorização verbal, por si só, não permite que se estabeleçam parâmetros adequados para análises quantitativas. Assim, caso se deseje seguir por uma abordagem mais quantitativa em psicologia, tratar o problema desde o princípio como um problema matemático será mais benéfico do que mudar os dados para se ajustar ao método de análise.

Outro par de benefícios envolve a comparação de modelos alternativos. Sempre existem inúmeros modelos alternativos que explicam igualmente bem os dados levantados (como exposto na Figura 2). Quando se utiliza a teorização verbal, a falta de precisão pode dificultar, e muito, a identificação de modelos e de explicações concorrentes para um fenômeno. Ao mesmo tempo, a teorização formal também permite estabelecer os melhores critérios para avaliação quantitativa de comparação de modelos, podendo ser complementada, assim como na teorização verbal, pelo julgamento de especialistas.

Por fim, o último par de benefícios propostos por Lewandowsky e Farrell (2010Lewandowsky, S., & Farrell, S. (2010). Computational modeling in cognition: Principles and practice. Sage.) envolvem as limitações da teorização verbal. Até mesmo teorias verbais bastante intuitivas podem ser incoerentes e especificar pobremente suas consequências. Isso ocorre em razão daquilo que justamente torna a linguagem natural tão rica: a subjetividade nas interpretações de seus significados. Assim, ao se utilizar modelos desenvolvidos por teorização verbal, muitas vezes não é possível garantir que todos os pressupostos de uma teoria foram identificados e testados.

A Influência da Formalização sobre a Psicologia

O campo de estudo dos processos de tomada de decisão é provavelmente o melhor exemplo de sucesso e aplicação das abordagens de psicologia matemática (Baron, 2007Baron, J. (2007). Thinking and deciding. Cambridge University Press.). Esse campo tem uma natureza multidisciplinar, mas com contribuições oriundas principalmente da psicologia e da economia (Fischhoff & Broomell, 2020Fischhoff, B., & Broomell, S. B. (2020). Judgment and decision making. Annual Review of Psychology, 71, 331-355. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-010419-050747
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). Os modelos que explicam tais processos decisórios são geralmente divididos em dois tipos: normativos e descritivos (Baron, 2007Baron, J. (2007). Thinking and deciding. Cambridge University Press.). Modelos normativos são aqueles preocupados em identificar a melhor decisão a ser tomada, assumindo que quem toma as decisões está plenamente informado, é capaz de calcular com precisão perfeita e deseja maximizar a utilidade. Esses modelos partem de uma tradição econométrica e são fortemente baseados na teorização formal proveniente da teoria da utilidade (Simon, 1959Simon, H. A. (1959). Theories of decision-making in economics and behavioral science. The American Economic Review, 49(3), 253-283.). Nessa tradição, a “maximização da utilidade” por indivíduos é considerada como a definição de comportamento racional. Já os modelos descritivos são aqueles que descrevem comportamentos observados, tendo como pressuposto geral que os agentes de tomada de decisão se comportam de acordo com algumas regras consistentes. Eles são mais influenciados por teorias psicológicas e geralmente provenientes de teorização verbal (Janis & Mann, 1977Janis, I. L., & Mann, L. (1977). Decision making: A psychological analysis of conflict, choice, and commitment. Free Press.). Nesses casos, o comportamento racional é definido como a maximização da utilidade, dado que existem vieses psicológicos e a influência do meio durante o processo de decisão. Um tipo especial de modelo descritivo é aquele que envolve variáveis sociais e situacionais no processo de decisão, recebendo o nome, portanto, de processos de tomada de decisão social (e.g., Edwards, 1977Edwards, W. (1977). How to use multiattribute utility measurement for social decisionmaking. IEEE Transactions on Systems, Man, and Cybernetics, 7(5), 326-340. https://doi.org/10.1109/TSMC.1977.4309720
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).

A maior contribuição para entender os processos de tomada de decisão social veio da teoria dos prospectos de Kahneman e Tversky (1979Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect theory: An analysis of decision under risk. Econometrica: Journal of the Econometric Society, 47, 263-291. https://doi.org/10.1142/9789814417358_0006
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). Essa teoria, que rendeu a Kahneman um prêmio Nobel em economia (Altman, 2004Altman, M. (2004). The Nobel Prize in behavioral and experimental economics: A contextual and critical appraisal of the contributions of Daniel Kahneman and Cernon Smith. Review of Political Economy, 16(1), 3-41. https://doi.org/10.1080/0953825032000145445
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), partiu das teorias de utilidade, mas dando menor ênfase aos pressupostos de racionalidade. Isso se deu pelo fato de que os autores pretendiam criar um modelo descritivo de tomada de decisão, enquanto os dados mostravam que nem sempre as pessoas maximizavam a utilidade conforme o esperado (Stanovich, 2015Stanovich, K. E. (2015). Rational and irrational thought: The thinking that IQ tests miss. Scientific American Mind Special Collector’s Edition, 23(4), 12-17.).

Kahneman e Tversky encontraram, a partir de uma série de estudos misturando paradigmas metodológicos tanto de psicologia social quanto de psicologia matemática, três regularidades no processo de tomada de decisão social: (i) as pessoas percebem as perdas que são proporcionais aos ganhos como de maior magnitude relativa; (ii) as pessoas se atentam mais às mudanças de seus estados de utilidade (ou seja, quão bom é certo objeto em dado momento) ao invés de valores absolutos de utilidade; e (iii) as estimativas de probabilidades subjetivas são influenciadas por vieses cognitivos. O impacto dessa teoria abriu portas para a investigação de heurísticas nos processos de tomada de decisão social e para a criação da área de economia comportamental (Kahneman, 2003Kahneman, D. (2003). Maps of bounded rationality: Psychology for behavioral economics. American Economic Review, 1449-1475.). Além disso, de forma mais modesta como um todo, mas muito forte para a área de psicologia matemática, configurou um resgate dos métodos de teorização formal e de sua importância para a psicologia.

Apesar do sucesso da teoria dos prospectos, pesquisas mais recentes mostram que, muitas vezes, ela pode não descrever tão bem o comportamento das pessoas (Yukalov & Sornette, 2008Yukalov, V. I., & Sornette, D. (2008). Quantum decision theory as quantum theory of measurement. Physics Letters A, 372(46), 6867-6871. https://doi.org/10.1016/j.physleta.2008.09.053
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). Trata-se de argumento amplamente desenvolvido, por exemplo, por Gigerenzer e Murray (2015Gigerenzer, G., & Murray, D. J. (2015). Cognition as intuitive statistics. Psychology Press.), além de autores da abordagem Minskyiana e da resource-rational, além de outros menos populares (vide Lieder & Griffiths, 2020Lieder, F., & Griffiths, T. L. (2020). Resource-rational analysis: Understanding human cognition as the optimal use of limited computational resources. Behavioral and Brain Sciences, 43, 1-85. https://doi.org/10.1017/S0140525X1900061X
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ou Millroth & Collsiöö, 2020Millroth, P., & Collsiöö, A. (2020). Strictly Minskyian: Advancing theories of decision making under risk by carefully mapping current states of individuals. Unpublished manuscript. http://dx.doi.org/10.13140/RG.2.2.17034.49602
http://dx.doi.org/10.13140/RG.2.2.17034....
para discussões mais aprofundadas). Entre essas alternativas à teoria dos prospectos estão como mais inovadores e contemporâneos os modelos quânticos de processamento da informação (Bruza et al., 2015Bruza, P. D., Wang, Z., & Busemeyer, J. R. (2015). Quantum cognition: A new theoretical approach to psychology. Trends in Cognitive Sciences, 19(7), 383-393. https://doi.org/10.1016/j.tics.2015.05.001
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). Tais modelos são caracterizados por utilizar a linguagem matemática desenvolvida na física quântica para se adereçar as questões teóricas da psicologia. No entanto, os modelos não necessitam supor a existência de processos quânticos no cérebro ou na mente. Os autores que defendem tais modelos propõem, apenas, que as consequências observadas de processos cognitivos são, matematicamente, melhor descritas e explicadas pelo mesmo tipo de matemática utilizado para descrever e explicar os fenômenos quânticos na física (para mais detalhes, Busemeyer & Bruza, 2012Busemeyer, J. R., & Bruza, P. D. (2012). Quantum models of cognition and decision. Cambridge University Press.).

Uma característica básica da teoria dos prospectos que pode ser resolvida pelos modelos quânticos está relacionada com o pressuposto de transitividade de preferências (Regenwetter et al., 2011Regenwetter, M., Dana, J., & Davis-Stober, C. P. (2011). Transitivity of preferences. Psychological review, 118(1), 42-56. https://doi.org/10.1037/a0021150
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). Tal pressuposto diz, por exemplo, que se um indivíduo prefere beber água ao invés de beber cerveja e também prefere beber cerveja ao invés de beber suco, ele deveria preferir beber água ao invés de beber suco. No entanto, a quebra desse pressuposto é constantemente identificada em pesquisas sobre preferência e tomada de decisão (e.g., Kocher & Sutter, 2005Kocher, M. G., & Sutter, M. (2005). The decision maker matters: Individual versus group behaviour in experimental beauty‐contest games. The Economic Journal, 115(500), 200-223. https://doi.org/10.1111/j.1468-0297.2004.00966.x
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; Smaldino & Epstein, 2015Smaldino, P. E., & Epstein, J. M. (2015). Social conformity despite individual preferences for distinctiveness. Royal Society Open Science, 2(3), 140437. https://doi.org/10.1098/rsos.140437
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). O pressuposto de transitividade é fundamental para a teoria dos prospectos, dado que ela depende da lógica clássica que compõe os modelos tradicionais de escolha racional. Já na teoria matemática que fundamenta os modelos quânticos, tem-se como consequência esperada que as preferências das pessoas não sejam fixas e que dependam, por exemplo, da ordem com que certos fatos acontecem (Bruza et al., 2015Bruza, P. D., Wang, Z., & Busemeyer, J. R. (2015). Quantum cognition: A new theoretical approach to psychology. Trends in Cognitive Sciences, 19(7), 383-393. https://doi.org/10.1016/j.tics.2015.05.001
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). Assim, os modelos quânticos fazem predições extras, quando comparados aos modelos da teoria dos prospectos, a depender de quais limitações o desenho de pesquisa impõe ao processo de decisão.

Considerações Finais

Apesar das vantagens, benefícios e sucesso apresentado em relação ao uso da abordagem da psicologia matemática, obviamente sua utilização em psicologia, de forma geral, é ainda bastante tímida. Falmagne (2005Falmagne, J. C. (2005). Mathematical psychology: a perspective. Journal of Mathematical Psychology, 49(6), 436-439. https://doi.org/10.1016/j.jmp.2005.06.007
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) apontou como um dos principais motivos para isso o declínio da educação matemática e também, em alguns casos, a precária formação efetivamente científica em muitos cursos de psicologia. Apesar do autor dizer que tais motivos sejam baseados majoritariamente em evidências anedóticas, a favor de sua argumentação ele apontou o fato de que livros-texto de estatística para psicólogos apresentam cada vez menos matemática (e.g., “Estatística sem matemática”, de Dancey & Reidy, 2006Dancey, C., & J. Reidy (2006). Estatística sem matemática para psicologia [Statistics without Maths for Psychology]. Bookman/Artmed.). Além disso, muitas universidades extinguiram programas de ensino e pesquisa voltados especificamente para a psicologia matemática, fundindo-as com outros. Townsend (2008Townsend, J. T. (2008). Mathematical psychology: Prospects for the 21st century: a guest editorial. Journal of Mathematical Psychology, 52(5), 269-280. https://doi.org/10.1016/j.jmp.2008.05.001
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) concordou com tais questionamentos ao examinar o passado e estimar o futuro da abordagem. De qualquer forma, pesquisadores que trabalham com modelagem matemática e teorização formal como um todo ainda têm feito contribuições significativas para a psicologia (Hunt, 2006Hunt, E. (2006). The mathematics of behavior. Cambridge University Press.; Townsend, 2008Townsend, J. T. (2008). Mathematical psychology: Prospects for the 21st century: a guest editorial. Journal of Mathematical Psychology, 52(5), 269-280. https://doi.org/10.1016/j.jmp.2008.05.001
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).

Como exemplo de uso que tem um interesse mais generalizado, pode-se citar o modelo das interações de parceiros românticos de Gottman et al. (2002Gottman, J. M., Murray, J. D., Swanson, C. C., Tyson, R., & Swanson, K. R. (2002). The mathematics of marriage: Dynamic nonlinear models. MIT Press.), inspirado na teoria do sistema geral de famílias sugerido por Von Bertalanffy (1968Von Bertalanffy, L. (1968). Organismic psychology and systems theory. Clark University Press.). Nesse modelo supõe-se que cada pessoa tem certos traços de personalidade que influenciam a probabilidade de ocorrência de características positivas em sua fala. Por sua vez, a qualidade afetiva da fala também é influenciada pela afetividade expressa na troca social anterior com a pessoa com quem se comunica. Além disso, supõe-se também que mensagens que expressam afetos negativos têm maiores influências sobre a interação do que mensagens que expressam afetos positivos. O modelo tem diversas implicações teóricas e aplicadas, na clínica, por exemplo, embora sua influência pareça ainda pequena (Amato, 2007Amato, P. R. (2007). Alone together: How marriage in America is changing. Harvard University Press.).

Assim como apontou Luce (1995Luce, R. D. (1995). Four tensions concerning mathematical modeling in psychology. Annual Review of Psychology, 46(1), 1-27. https://doi.org/10.1146/annurev.ps.46.020195.000245
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, 1997Luce, R. D. (1997). Several unresolved conceptual problems of mathematical psychology. Journal of Mathematical Psychology, 41(1), 79-87. https://doi.org/10.1006/jmps.1997.1150
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), existem pelo menos seis grandes barreiras que precisam ser vencidas para que abordagens matemáticas e de teorização formal sejam mais bem reconhecidas em psicologia. Primeiro, tais abordagens precisam ser ensinadas em mais departamentos de psicologia. Em segundo lugar, deve haver um empenho maior no desenvolvimento de métodos que facilitem o uso de técnicas mais complexas, como o uso de modelos quânticos. Em terceiro, deve-se focar mais no desenvolvimento de medidas de maior qualidade e de métodos estatísticos mais adequados para a avaliação de tais medidas. Além disso, deve-se diminuir o uso excessivo de variáveis baseadas em teorias que já foram refutadas previamente. Em seguida, as contribuições já existentes devem servir como base para a construção de modelos mais fidedignos. A última barreira está relacionada ao fato de que, muitas vezes, os modelos são testados sem se levar em conta o melhor nível de medida das variáveis que o compõe (nominal, ordinal, intervalar ou de razão).

Por fim, tais problemas podem fazer a teorização formal, e mais especificamente, a modelagem matemática, parecerem ainda mais difíceis, senão impossíveis. Entretanto, tais problemas, na verdade, tornam o processo de modelagem mais importante do que nunca. Sistemas (cada vez mais) elaborados são um fato no mundo e aqueles envolvidos com o cérebro e o comportamento humano estão provavelmente entre os mais complexos de todos (Srivastava, 2009Srivastava, S. (2009, May 14). Making progress in the hardest science. https://thehardestscience.com/2009/03/14/making-progress-in-the-hardest-science/
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). Por exemplo, técnicas de modelagem permitem unir e restringir modelos neurais e cognitivo-comportamentais simultaneamente, gerando inferências mais plausíveis teórica e empiricamente (Turner et al., 2013Turner, B. M., Forstmann, B. U., Wagenmakers, E. J., Brown, S. D., Sederberg, P. B., & Steyvers, M. (2013). A Bayesian framework for simultaneously modeling neural and behavioral data. NeuroImage, 72, 193-206. https://doi.org/10.1016/j.neuroimage.2013.01.048
https://doi.org/10.1016/j.neuroimage.201...
). Como se procurou promover neste trabalho, apesar das dificuldades práticas, a relação custo-benefício pode ser muito vantajosa para a pesquisa em psicologia e sobretudo no Brasil, em que se produzem poucas teorias originais e a maior parte dos modelos são francamente importados da literatura estrangeira.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2020
  • Aceito
    04 Dez 2021
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