Escala de Avaliação da Síndrome de Burnout na Segurança Pública: Parâmetros Psicométricos ^*

RESUMO

O Burnout tem sido uma variável estudada em diferentes profissões, embora com desafios em sua medida. O presente estudo apresenta evidências de validade baseada na estrutura interna da Escala de Avaliação da Síndrome de Burnout (EASB-SP) para a segurança pública, além de apresentar a estimativa dos parâmetros dos itens por meio da Teoria de Resposta ao Item (TRI). Participaram do estudo 10.885 agentes da segurança pública de todas as unidades federativas do Brasil. As análises indicaram uma estrutura tri-fatorial, com índices de fidedignidade e discriminação dos itens adequados. O fator de realização profissional indicou menor theta para ser endossado. O instrumento em questão apresenta-se como uma medida adequada e com evidências de validade para o contexto de segurança pública brasileira.

PALAVRAS-CHAVE:
Burnout ; Estresse Ocupacional; Validade do Teste; Teoria de Resposta ao Item

ABSTRACT

The burnout variable has been studied in different professions; however, it presents challenges in its measurement. The present study provides evidence of validity based on the internal structure of the Burnout Syndrome Assessment Scale in Public Security Workers (EASB-SP) and presents the estimation of item parameters through the Item Response Theory (IRT). A total of 10,885 public security agents from all states of Brazil participated in the study. The analyses indicated a three-factor structure, with adequate reliability indices and discrimination of the items. The Professional Fulfillment factor presented a lower theta value to be endorsed. The instrument was shown to be an adequate measure, with evidence of validity for the context of Brazilian public security.

KEYWORDS:
Burnout ; Occupational Stress; Test Validity; Item Response Theory

No Brasil, as instituições que compõem a segurança pública devem zelar pela manutenção da ordem pública (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988/2001), o que inclui o monitoramento de eventos mais simples (e.g. acompanhamento de uma manifestação cultural) até aqueles mais estressantes com risco de vida (e.g. sequestros e homicídios). Especificamente, as corporações que compõem a segurança pública no Brasil são as polícias federal, civil, militar, rodoviária federal e penitenciária federal e o corpo de bombeiros militar (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988/2001).

Nesse contexto, o estresse vivenciado pelos trabalhadores que compõe essas forças de segurança é um dos principais fatores de risco para o adoecimento físico e psicológico, elevando a probabilidade de absenteísmo (Bravo et al., 2016, Rodríguez, 2021) e suicídio entre esses profissionais, conforme os dados apresentados pelo Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio (IPPES, 2021). Nestes trabalhadores, o estresse pode resultar de fatores organizacionais, como a cultura do departamento, administrativa, baixa autonomia e conflitos interpessoais entre oficiais (Ascari et al., 2016; Chae & Boyle, 2013); e fatores operacionais, como a participação em eventos com desfechos imprevisíveis, exposição a traumas e medo em potencial (Ascari et al., 2016; Chae & Boyle, 2013), entre outros fatores.

Uma consequência da vivência dessas experiências é o desenvolvimento da síndrome de burnout, que pode ser definida como uma reação emocional, mental e física devido à vivência prolongada a estressores do trabalho (World Health Organization- WHO, 2019). De acordo com Maslach et al. (2001), essa síndrome é estruturada em três dimensões correlacionadas que representam exaustão emocional, despersonalização e baixa realização profissional. Especificamente, a exaustão emocional compreende o sentimento de cansaço e esgotamento, a despersonalização abrange o distanciamento emocional para com os outros e a baixa realização profissional envolve a ausência de satisfação em relação ao trabalho em conjunto com sentimentos de incompetência e infelicidade profissional (Maslach & Jackson, 1981).

A síndrome de burnout é evidenciada na segurança pública por meio de estudos recentes que realizaram revisões sobre a presença desse quadro com diferentes níveis de gravidade (De Carvalho et al., 2020; Dias & Andrade, 2020). No entanto, uma das limitações existentes nesses estudos é a ausência de evidências de validade dos instrumentos utilizados para avaliação da síndrome de burnout no contexto da segurança pública ou mesmo medidas suficientes e disponíveis no Brasil, que deem conta desse construto. Esse aspecto foi explicitado por meio de uma revisão integrativa realizada nas bases de dados PsycINFO, PubMED e Google Scholar, até 04 de junho de 2020 (Esteves et al., No Prelo). Essa revisão evidenciou a utilização de cinco instrumentos para avaliação da síndrome de burnout em trabalhadores da segurança pública, a saber: (1) Maslach Burnout Inventory - General Survey (MBI-GS) (Maslach, Jackson & Leiter, 1996); (2) Human Services Survey (MBI-HSS) (Maslach, Jackson & Leiter, 1996); (3) Burnout Measure Short (BM-S) (Malach-Pines, 2005); (4) Inventário de Copenhagen (CBI) (Kristensen et al., 2005) e; (5) Cuestionario para la Evaluación del Síndrome de Quemarse por el Trabajo (CESQT) (Gil-Monte, 2011) (Esteves et al., No Prelo). Apesar disso, nenhum desses cinco instrumentos apresentam explicitamente evidências de validade para o contexto de segurança pública, especialmente para os trabalhadores brasileiros, além de limitações como o custo financeiro no uso de um dos instrumentos e ausência de estudos de adaptação para o Brasil.

A partir de características específicas das forças de Segurança Pública brasileira, não se observa na literatura a existência de estudos de evidência de validade de instrumentos de burnout. Neste sentido, o presente estudo objetivou reunir evidências de validade de construto e, baseado na estrutura interna, da Escala de Avaliação da Síndrome de Burnout para a segurança pública (EASB-SP). Esse é um instrumento recém-desenvolvido baseado na cultura e idioma brasileiros. Dessa forma, foram consideradas as especificidades culturais dos estressores relacionados ao trabalho dos agentes de segurança pública no Brasil. Esse é o primeiro estudo destinado a investigar a dimensionalidade do EASB-SP, que foi construído com base no modelo de três fatores de Maslach et al. (2001). A adequação dos itens dessa medida para a estimação dos traços também foi investigada por meio dos parâmetros da Teoria de Resposta ao Item (TRI).

Método

Participantes

Participaram desta pesquisa 10.885 agentes da segurança pública, de diferentes corporações entre polícia militar, polícia civil, polícia penal, polícia técnico-científica e corpo de bombeiros militar, de todas as unidades federativas do Brasil e de instituições federais como a polícia rodoviária federal e o departamento penitenciário nacional. Tratou-se de uma amostra não probabilística por conveniência, onde aqueles agentes que, convidados, aceitaram participar. Os participantes tinham idade média de 41,16 anos (DP =7.95), a maioria era do sexo masculino 81,6% (⨍ = 8.878), casados 74% (⨍ = 8.053), com renda familiar entre R$ 3.300,00 e R$ 5.500,00 (32,2%; ⨍ =3.517) e com tempo médio de trabalho na força de segurança pública de 14,41 anos (DP= 0,08).

Instrumentos

Escala de Avaliação da Síndrome de Burnout na Segurança Pública (EASB-SP): trata-se de um instrumento elaborado especificamente para o contexto de segurança pública, por Esteves et al. (no Prelo). A escala é composta por 26 itens respondidos em uma escala de 1 (Nunca) até 5 (Sempre), distribuídos entre três dimensões: (i) Exaustão emocional, composta por 10 itens; (ii) Despersonalização, composta por 10 itens e; (iii) Realização profissional, composta por seis itens. A pontuação dos fatores da escala é feita por meio da média aritmética dos escores dos itens por fator, sendo que os maiores valores nos fatores Exaustão Emocional e Despersonalização indicam maiores sinais de sofrimento psicológico e burnout. Para o fator Realização Profissional, valores mais baixos indicam maiores sinais de sofrimento psicológico e burnout.

Questionário sociodemográfico: foi elaborado um questionário para levantamento de dados dos participantes da pesquisa, como idade, sexo, estado civil, renda e tempo de trabalho na força de segurança.

Procedimentos

Os participantes receberam o convite para participar do estudo por meio de um link para acesso aos instrumentos. Ao acessarem o link, havia um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Esta pesquisa faz parte do Projeto Capes PrInt "Refugees in the Americas: A comparison of refugees' settlement in the global north and global South" e está vinculada a pesquisa intitulada “Avaliação da Saúde e de Proposições de Intervenção na Área de Segurança Pública- Estudo Nacional”, aprovado pelo comitê de ética em pesquisa (nº 3.965.395), realizada em todo território brasileiro, por meio de um Termo de Execução Descentralizada (TED Nº 009/2019/CGPP/DPSP/SENASP) entre a Universidade de Brasília (UnB) e o Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública (MJ/SENASP). Por conta do sigilo, confidencialidade e sensibilidade das informações, a coleta de dados foi realizada por meio de uma plataforma on-line desenvolvida especificamente para a pesquisa, identificada como Sistema de Avaliação de Saúde da Segurança Pública (SASSP) e os dados foram tratados de forma global, sem a identificação das forças.

Análise de dados

Inicialmente foram utilizadas estatísticas descritivas (frequência, percentual, média e desvio padrão), por meio do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 24, para descrever o perfil amostral quanto aos dados demográficos. Posteriormente, por meio do software R, optou-se por dividir a amostra total em duas subamostras aleatórias. Nesse mesmo software, por meio do pacote psych (Revelle & Revelle, 2015) e com a primeira subamostra (n = 5.443), foi realizada uma Análise Fatorial Exploratória (AFE), utilizando-se a matriz de correlação policórica, com o método de estimação Weighted Least Squares (WLS) (Kiers, 1997). Para decisão sobre a quantidade de fatores a serem retidos foi realizada uma Análise Paralela (Horn, 1965) e a rotação utilizada foi a Promax. Após, com a segunda subamostra (n= 5.442), foram realizadas Análises Fatoriais Confirmatórias (AFC), buscando identificar a adequação do modelo por meio dos seguintes índices de ajuste: Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA), Comparative Fit Index (CFI) e Tucker Lewis Index (TLI), que apresentam como indicadores de ajuste valores inferiores a 0,08, para o RMSEA, e superiores a 0,95 para o CFI e o TLI (Bandalos & Gerstner, 2016; Hu & Bentler, 1999). Ainda com a amostra total, buscou-se avaliar os parâmetros dos itens por meio da Teoria de Resposta ao Item (TRI), por meio do software R (v. 4.0.2), utilizando o pacote mirt. Em específico, utilizou-se o Modelo de Resposta Graduada (Samejima, 1969). A Teoria de Resposta ao Item (TRI) foi utilizada para acessar os parâmetros de dificuldade e discriminação dos itens e avaliar em qual nível da síndrome de burnout a EASB-SP apresenta maior funcionalidade (Kamata & Bauer, 2008). Além dos claros avanços proporcionados pela TRI em relação à TCT (Hambleton et al., 1991), a TRI realiza uma estimativa item a item, o que pode ser útil para identificar a adequação do instrumento para um determinado uso (Baptista et al., 2018).Por fim, também com a amostra total (n = 10.885), foram realizadas análises para obter evidências de fidedignidade dos fatores da EASB-SP. Portanto, os coeficientes de consistência interna foram calculados por meio do alfa de Cronbach (α), Ômega de Mcdonald (ω) e o Lambda de Guttman (λ_Guttman ⁶).

Resultados

Para compreender em que medida a síndrome de burnout se apresenta na amostra estudada foram realizadas análises descritivas dos escores de cada um dos fatores. Os resultados sugerem um perfil caracterizado por uma Exaustão Emocional (EE), Despersonalização (DP) e Realização Profissional (RP) acima da média da escala de resposta, conforme apresentado na Tabela 1.

Tabela 1.
Média, Desvio Padrão, Mínimo e Máximo, Erro Padrão e Intervalo de Confiança de 95% dos Fatores da EASB-SP

Fator	Média	Desvio-Padrão	Mínimo-Máximo	Erro-Padrão	IC95%
Exaustão emocional	2,69	0,72	1-5	0,07	2,68 - 2,70
Despersonalização	2,69	0,69	1-5	0,06	2,95 - 2,97
Realização Profissional	3,29	0,46	1-5	0,04	3,28 - 3,30

Posteriormente, constatou-se a fatorabilidade da matriz por meio do teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), que se demonstrou aceitável (0,97), e do teste de esfericidade de Bartlett (χ2(351) = 94402,19; p < 0,00). Para identificar o número de fatores na matriz de correlações, foi utilizada a Análise Paralela (AP) de Horn, que indicou um modelo de cinco fatores, diferente da estrutura teórica composta por três fatores no modelo. Diante desse resultado, optou-se por seguir a estrutura indicada no modelo teórico e fixar o número de fatores a serem extraídos em três.

Tabela 2.
Cargas Fatoriais dos Itens da EASB-SP

Itens	Fator
	EE	RP	DP
18	0,90
17	0,89
12	0,88
04	0,87
03	0,74
14	0,67
21	0,64
09	0,62
15	0,54
13	0,45
10		0,86
26		0,80
08		0,80
23		0,72
25		0,72
20		0,68
07		0,67
05		0,60
11		0,55
19	- 0,31	0,41
06			0,86
24			0,80
01			0,75
02			0,73
22			0,61
16			0,47
% total de variância explicada	0,26%	0,21%	0,14%

A AFE, reportada na Tabela 2, indicou que o primeiro fator é composto por um total de 10 itens (18, 17, 12, 04, 03, 14, 21, 09, 15, 13) com cargas fatoriais variando entre 0,90 (item 18) até 0,45 (Item 13). Os itens que compõem esse fator são aqueles elaborados para representar um sentimento de cansaço e esgotamento, referindo-se à Exaustão Emocional (EE). Já no segundo fator outros 10 itens foram agrupados (10, 26, 08, 23, 25, 20, 07, 05, 11, 19) com cargas fatoriais variando entre 0,86 (item 10) até 0,41 (item 19). Neste fator, os itens agrupados descrevem uma falta de prazer em relação ao trabalho, acompanhada de sentimentos de incompetência e insucesso profissionais, característico da baixa Realização Profissional (RP). O terceiro fator, que agrupa itens referentes a despersonalização, indicando um distanciamento e baixa empatia para com os outro, agrupa seis itens (06, 24, 01, 02, 22, 16) com cargas fatoriais variando de 0,86 (item 06) até 0,47 (item 16).

Com o objetivo de verificar a adequação da estrutura fatorial da EASB-SP foi realizada uma AFC em outra subamostra utilizando o método de estimação Weighted Least Squares adjusted for Mean and Variance (WLSMV). O modelo de três dimensões relacionadas apresentou indicadores de ajuste do modelo com evidências de adequação psicométrica: CFI = 0,99; TLI = 0,99 e RMSEA (IC90%) = 0,08 (0,07 - 0,08). As cargas fatoriais apresentaram uma variação de 0,93 (Itens 17 e 18) a 0,63 (Item 14) (Ver Figura 1).

Figura 1.
Estrutura e Cargas Fatoriais da EASB-SP

Parâmetro dos Itens via TRI

Em consonância com as evidências que apontaram uma estrutura de três fatores, os parâmetros dos itens da EASB-SP foram estimados separadamente para cada fator, por meio do Modelo de Resposta Gradual (Samejima, 1969). Assim, os itens do fator exaustão emocional (Ver Tabela 3), a média de discriminação foi de 2,81 (DP = 1,27), apresentando apenas o item 14 com discriminação moderada e o restante com uma descriminação muito alta, ou seja, superior 1,70 (Baker, 2001). No geral, esse fator apresentou 89,46 de informação, sendo o item 18 o que proporcionou maior quantidade de informação [I (θ; -3/+3) = 19,25]. Com relação ao parâmetro de dificuldade, os itens da dimensão exaustão emocional apresentaram uma quantidade média de theta (θ) de 1,67 (DP = 0,58) para serem respondidos no ponto mais elevado da escala de resposta (Ver Tabela 3). Nesse fator, o item 14 foi o que exigiu uma maior quantidade de theta para ser respondido no ponto mais elevado da escala de resposta (b ₄ = 3,10). Já o item 19 foi o que exigiu menor quantidade de theta para ser respondido no ponto mais elevado da escala de resposta (b ₄ = 1,11).

Tabela 3.
Parâmetros e Quantidade de Informação dos Itens de EE, RP e DP.

	a	b 1	b 2	b 3	b 4	I (θ; -3/+3)
Exaustão Emocional						89,46
Item 3	2,13	-0,86	-0,18	0,73	1,47	5,39
Item 4	3,14	-1,41	-0,64	0,44	1,27	10,11
Item 9	1,90	-1,70	-0,52	0,83	1,80	5,54
Item 13	3,13	-1,55	-0,68	0,46	1,33	10,40
Item 14	1,26	-0,47	0,86	2,16	3,10	3,04
Item 15	2,28	-0,76	0,15	1,20	1,95	6,40
Item 16	1,98	-1,15	-0,06	0,97	1,67	5,29
Item 18	5,26	-1,15	-0,38	0,50	1,17	19,25
Item 19	4,71	-1,23	-0,47	0,41	1,11	16,81
Item 22	2,40	-1,16	-0,11	0,99	1,83	7,23
Realização Profissional						65,28
Item 5	2,09	-2,55	-1,66	-0,60	0,58	6,01
Item 7	2,40	-1,94	-0,96	0,10	1,17	7,35
Item 8	2,09	-2,53	-1,65	-0,73	0,04	5,47
Item 10	2,20	-2,26	-1,46	-0,42	0,55	6,19
Item 11	1,82	-3,04	-2,05	-0,52	1,14	5,57
Item 20	1,40	-1,39	-0,16	1,04	2,22	3,56
Item 21	2,78	-1,75	-0,85	0,11	1,06	8,72
Item 24	1,84	-2,98	-2,17	-1,01	0,37	5,12
Item 26	3,39	-1,72	-0,88	0,04	0,98	11,38
Item 27	2,21	-2,13	-1,36	-0,47	0,37	5,91
Despersonalização						45,21
Item 1	2,64	-1,27	-0,59	0,42	1,22	7,64
Item 2	1,92	-1,02	0,00	1,11	2,04	5,26
Item 6	2,87	-1,07	-0,32	0,61	1,40	8,59
Item 17	2,39	-0,96	-0,04	0,87	1,65	6,77
Item 23	2,15	-0,35	0,48	1,39	2,14	5,63
Item 25	3,48	-0,98	-0,24	0,72	1,48	11,32

• Nota. λ - lambda; a - discriminação; b_1-4 - dificuldade; I (θ; -3/+3) - informação no intervalo de -3 a +3.

Com relação aos itens do fator realização profissional, a média de discriminação foi de 2,22 (DP = 0,55), sendo o item 20 com discriminação alta e o restante com uma descriminação muito alta (Baker, 2001) (Ver Tabela 3). No geral, esse fator apresentou 65,28 de informação, sendo o item 26 o que proporcionou maior quantidade de informação [I (θ; -3/+3) = 3,39] (Ver Tabela 3). Além disso, os itens da dimensão realização profissional apresentaram uma dificuldade média de θ de 0,84 (DP = 0,61), para serem respondidos no ponto mais elevado da escala de resposta (Ver Tabela 3). A maior quantidade de theta necessária para o item ser respondido no ponto mais elevado da escala de resposta foi apresentada pelo item 20 (b ₄ = 2,22). De modo oposto, o item 8 foi o que exigiu menor quantidade de theta (b ₄ = 0,04).

Por fim, os itens do fator despersonalização apresentaram média de discriminação de 2,57 (DP = 0,55), com todos os itens apresentando uma descriminação muito alta (Baker, 2001) (Ver Tabela 3). O fator apresentou um total de 45,21 de informação, com o item 6 proporcionando maior quantidade de informação [I (θ; -3/+3) = 8,59] (Ver Tabela 3). Ademais, a dificuldade média de θ, dos itens que compõem o fator despersonalização, foi de 1,65 (DP = 0,76) quando respondidos no ponto mais elevado da escala de resposta (Ver Tabela 3). O item que apresentou a maior quantidade de theta para ser respondido no ponto mais elevado da escala de resposta foi o item 23 (b ₄ = 2,14) e o que exigiu menor quantidade de theta foi o item 1 (b ₄ = 1,22).

Evidências de Fidedignidade

As evidências de fidedignidade foram obtidas por meio dos métodos de alfa de Cronbach (α), o lambda de Guttman’s (λ) e o ômega de McDonald’s (ꞷ). Na Tabela 4, pode-se visualizar que os alfas de Cronbach variaram de 0,92 até 0,95, os lambdas de Guttman’s (λ_Guttman ⁶) variaram de 0,91 até 0,95, os ômegas de McDonald’s (ꞷ) variaram de 0,95 até 0,96 e os Índices de Confiabilidade Composta (ICC) variaram de 0,91 até 0,94.

Tabela 4.
Coeficientes de Consistência Interna dos Fatores da EASB-SP.

Fatores	α	λGuttman 6	ꞷ	ICC
Exaustão Emocional	0,95	0,95	0,96	0,94
Realização Profissional	0,93	0,94	0,95	0,93
Despersonalização	0,92	0,91	0,95	0,91

Discussão

A presente pesquisa teve como objetivo reunir evidências de validade de construto, baseado na estrutura interna, da Escala de Avaliação da Síndrome de Burnout (EASB-SP) para a segurança pública brasileira. Além disso, também buscou-se estimar os parâmetros dos itens por meio da Teoria de Resposta ao Item (TRI), em específico utilizando o Modelo de Resposta Graduada. Estima-se que esse objetivo tenha sido alcançado e que evidências de validade e características dos itens tenham sido apresentadas.

Portanto, a EFA indicou que a EASB-SP avalia a síndrome de burnout, que pode ser definida como uma reação emocional, mental e física devido à exposição prolongada a estressores do trabalho (WHO, 2019), por um modelo composto por três fatores, sendo exaustão emocional (dez itens), despersonalização (dez itens) e realização profissional (seis itens), em consonância com a estrutura teoricamente prevista para a EASB-SP (Esteves et al., no Prelo). A AFE também indicou que o item 12 não apresentou carga fatorial satisfatória (>0,30) em nenhum dos fatores e, consequentemente, foi retirado do instrumento. Em uma análise mais detalhada do item 12 (“Não desejo interagir com ninguém no meu trabalho”) postula-se que, no contexto de um ambiente de trabalho adoecedor o comportamento de se afastar das pessoas do trabalho (ou dos disparadores de sofrimento psíquico) de fato poderia ser mais característico de recursos de proteção psicológica do que de exaustão emocional, como hipotetizado no início. Desta forma, reavaliou-se a adequação teórica e metodológica do item na escala e o mesmo foi retirado.

No geral, as propriedades psicométricas da EASB-SP encontradas nesta pesquisa podem ser consideradas satisfatórias, com bons índices de fidedignidade para todos os fatores (Hair et al., 2019). Além das evidências encontradas na AFE, mais evidências sobre a estrutura interna foram encontradas por meio da realização de uma AFC que apresentou índices de ajuste adequados (Bandalos & Gerstner, 2016; Hu & Bentler, 1999).

No que se refere aos parâmetros dos itens, apenas o item 14 apresentou uma descriminação moderada, enquanto todos os outros apresentaram descriminação alta e muito alta (Baker, 2001), indicando que todos os itens conseguem diferenciar apropriadamente trabalhadores da segurança pública em função da quantidade de síndrome de burnout. Já o parâmetro de dificuldade indica que os itens de exaustão emocional foram os que exigiram maior quantidade de traço latente para que o respondente marque o ponto mais alto da escala de resposta (“Sempre”), seguido pelo fator de realização profissional e depois pelo fator de despersonalização. Com relação à informação fornecida pelos fatores a EASB-SP, estes apresentam uma avaliação apropriada de níveis baixos, moderados e elevados dos três fatores que compõem o instrumento. De modo geral, o instrumento parece não necessitar de um nível elevado de theta para concordância total do conteúdo. Além disso, por ser um estudo inicial sobre as evidências de validade da EASB-SP, entende-se que a estrutura apresentada e que sua confiabilidade é adequada, mas outros estudos podem agregar maiores contribuições na análise de sua estrutura interna.

Ademais, pode-se concluir que as evidências aqui reportadas indicam que os escores da EASB-SP conseguem realizar uma avaliação psicometricamente adequada da síndrome de burnout em profissionais da segurança pública. Dessa forma, a EASB-SP se torna uma alternativa para a avaliação do adoecimento psicológico desses profissionais que, em comparação com os demais instrumentos disponíveis, foi elaborada especificamente para o contexto da segurança pública.

Contudo, cabe ressaltar o efeito do delineamento de coleta de dados sobre a amostra que se seleciona. Primeiramente, foi utilizada a coleta de dados mediada por computador, de forma remota e assíncrona. Estudos recentes apontam o efeito desse delineamento na seleção de amostras WEIRD (Western, Educated, Industrialized, Rich, and Democratic), ou seja, com características sociais compatíveis com culturas ocidentais, industrializadas e democráticas e indivíduos com bom nível educacional e recursos financeiros (Ghai, 2021). Isso é especialmente relevante em um país com desigualdades sociais tão marcantes como é o caso do Brasil.

Outro aspecto que cabe mencionar refere-se ao perfil dos agentes de segurança pública que compõem essa amostra. Em sua maioria são pessoas que se identificam com o gênero masculino, com idade média de aproximadamente 40 anos, casados e com filhos, ou seja, revela um perfil de adultos jovens, masculino e tradicional dos trabalhadores desse setor. Neste sentido, cabe ressaltar a influência desse perfil nas respostas obtidas e mesmo na construção das tabelas normativas advindas desse grupo. Isso é especialmente relevante e coloca em destaque a necessidade de construção de medidas para contextos específicos. Neste sentido, estudos como o que se apresenta agora, com proposta de construção de um instrumento para um contexto específico e que reconheça e represente características específicas desse contexto são bem-vindos e contribuem para a realização de processos avaliativos mais fidedignos da realidade, portanto, resultados mais confiáveis.

Por fim, como principal contribuição deste estudo, apresenta-se uma escala com parâmetros psicométricos adequados para avaliar a síndrome de burnout na segurança pública. Ademais, entende-seque os resultados aqui reportados devem ser interpretados com parcimônia, sendo importante a obtenção de evidências de validade por meio de outras estratégias, como o relacionamento da EASB-SP com outros instrumentos consolidados na literatura. Além disso, estudos futuros poderão estabelecer normas para uma melhor interpretação dos resultados.

References

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  Este artigo é parte do Projeto Refugiados nas Américas: uma comparação dos assentamentos de refugiados no norte global e no sul global, desenvolvido no Programa PrInt-CAPES, Edital 41/2017.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Ago 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  30 Abr 2022
• Aceito
  28 Ago 2022