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MEISEL, J. M. (ed.) (1994) Bilingual First Language Acquisition: French and German grammatical development

RESENHA

MEISEL, J. M. (ed.) (1994) Bilingual First Language Acquisition: French and German grammatical development. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 282 p.

Resenhado por Ruth Elisabeth VASCONCELLOS LOPES* * Agradeço a Carlos Mioto a leitura atenta, bem como as valiosas sugestões.

(Universidade Federal de Santa Catarina)

Key words: Bilingualism; Language acquisition; Grammar; Principles and Parameters; Development.

Palavras-chave: Bilingüismo; Aquisição de linguagem; Gramática; Princípios e Parâmetros; Desenvolvimento.

Este livro trata da aquisição bilingüe simultânea de francês e alemão, apresentando extensiva análise de dados. São todos estudos longitudinais, circunscritos ao quadro de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1981 e obras posteriores). O principal elo de contato entre todos os artigos é a investigação acerca da aquisição de categorias funcionais, bem como as conseqüências de sua aquisição para o desenvolvimento das gramáticas em estudo.

Há uma hipótese central da qual partem quase todos os artigos do livro, a saber, a de que a gramática da criança pequena consiste inicialmente de categorias lexicais e, portanto, as funcionais são implementadas gradualmente. Como isso ocorre, é a questão que subjaz a esta hipótese e, por conseguinte, o problema a ser perseguido pelos autores, de modo geral.

O livro apresenta um brevíssimo prefácio assinado pelo editor - Jürgen Meisel, um artigo de apresentação geral, um artigo sobre o projeto DUFDE (Deutsch und Französisch - Doppelter Erstspracherwerb)1 1 Alemão e Francês - aquisição simultânea de duas primeiras línguas e sete artigos sobre questões lingüísticas específicas.

Em seu prefácio (p. 1 e 2), Meisel esclarece que este é o segundo volume publicado com trabalhos realizados no projeto DUFDE, e que, como tal, representa a maior parte dos resultados obtidos em três anos de pesquisa. Apresenta, ainda, os autores dos artigos, mencionando o fato de que todos estiveram, em algum ponto, afiliados ao DUFDE, com exceção de Peter Jordens (da Universidade Livre de Amsterdã), justamente por isso convidado a escrever a apresentação do livro.

A apresentação de Jordens (pp. 3-14), intitulada A aquisição de alemão e francês em um cenário bilingüe, relata: a) o projeto DUFDE, em linhas gerais, b) informações sobre as crianças, cujos dados foram utilizados nos artigos, e, c) comentários sobre cada um dos sete artigos.

Jordens assinala algumas questões gerais bastante interessantes. Por exemplo, ele levanta um ponto pouco explorado por estudos gerativistas, relativo ao papel que as duas línguas sendo adquiridas teriam a partir do momento em que as relações sociais da criança se estendessem para além das fronteiras familiares, conseqüentemente, passando a língua alemã a ter maior proeminência.

Um dos elogios que Jordens tece ao livro - e, certamente, qualquer leitor o faria - é a coerência teórica que perpassa os artigos. Como já se mencionou, a maioria deles trabalha com a hipótese maturacional que prevê que "a linguagem da criança, nesta fase, é uma forma de comunicação que pode envolver o módulo pragmático da linguagem, mas não o conhecimento gramatical" (Kato, 1995: 69), estando o desenvolvimento da gramática sujeito à aquisição das categorias funcionais.

Finalmente, Jordens louva o livro pela importância que tem para o campo de aquisição de linguagem e, conseqüentemente, para o da teoria da gramática; sobretudo, quanto ao lançamento de hipóteses sobre a hierarquia de aquisição das categorias sintáticas.

O artigo de Regina Köppe (p. 15-27) tem a função de apresentar o projeto DUFDE aos leitores, descrevendo-o com riqueza de detalhes: sua constituição; metodologia de coleta, transcrição e análise de dados; informações sobre as crianças e famílias envolvidas etc. Seria interessante ressaltar que, como estudos longitudinais, abrangem desde o início do desenvolvimento lingüístico da criança (1;0 - 1;6) até a idade aproximada de 5 anos, com gravações realizadas a cada duas semanas. O projeto baseou sua metodologia de escolha das famílias no "princípio de ‘uma pessoa-uma língua’", julgando-se que seria satisfatório para o desenvolvimento de um bilingüismo equilibrado. Assim, todas as crianças são filhas de mães francesas - que com elas só se comunicam em francês - e de pais alemães - que com elas só se comunicam em alemão. Foram gravadas 13 crianças inicialmente; porém, algumas foram abandonadas por não estarem desenvolvendo um bilingüismo balanceado como se esperava para a análise. Seus dados foram utilizados como comparação, no entanto. Destas, sete crianças foram acompanhadas até a idade prevista, sendo cinco as estudadas neste livro. Vale, finalmente, lembrar que o projeto foi desenvolvido entre os anos de 1986 e 1992, sempre sob a coordenação de Jürgen Meisel, na Universidade de Hamburgo.

Passamos, assim, aos artigos propriamente.

O primeiro trata da "Aquisição de morfologia de gênero e número no NP" (Caroline Koehn, p. 29-51). O interesse da autora diz respeito à aquisição e representação de formas morfologicamente complexas. Sua hipótese é que a aquisição de marcas morfológicas possa ser explicada pelo "modelo de esquemas" ("schema model") passando a criança por algumas tarefas como: a) o desenvolvimento do conceito semântico subjacente para número (um ou mais que um); b) o reconhecimento de que gênero e número são sistematicamente codificados em categorias sintáticas específicas; c) a aquisição das realizações morfológicas apropriadas desses traços (e de fenômenos de concordância a eles relacionados). A autora apresenta, então, duas abordagens que poderiam dar conta deste fenômeno, a saber, "Item e Processo" e o "modelo de esquemas". De acordo com a primeira abordagem, os afixos estão separados da raiz e há um processo que une ambos. Desta forma, a aquisição das marcas morfológicas é entendida como o aprendizado de formas (alomorfes) e regras. A segunda abordagem prevê que não existam apenas relações entre formas básicas e derivadas em termos de regras de afixação, mas que se possam formular generalizações em relação às propriedades fonológicas entre elas. Acredita-se, assim, que os afixos não sejam armazenados independentemente das raízes com as quais ocorrem e que a estrutura interna de formas morfologicamente complexas seja reconhecida por comparação com outras formas, através da conexão lexical.

A autora apresenta algumas evidências contra o modelo de "Item e Processo", argumentando que, pelo menos inicialmente, a criança lida com a palavra como um todo, conforme prevê o "modelo de esquemas". Portanto, a aquisição dar-se-ia através de indução por comparação e analogia, servindo o esquema como base para novas formações. Haveria, entretanto, duas fases no processo de aquisição: na primeira (até em torno de 2;4 anos), não há marcação sistemática de gênero ou número tanto em alemão, quanto em francês, muito embora, as crianças já apresentem os respectivos conceitos semânticos; na segunda (2;7 a 5;0), as noções gramaticais de número e gênero já estão disponíveis para a criança em ambas as línguas e os erros que ainda se verificam são explicáveis, segundo a autora, pela aplicação inadequada dos esquemas.

Sua conclusão, infelizmente não muito explorada, é que os dados" indicam que os esquemas têm um papel decisivo na organização e acesso do léxico mental" (p. 48).

Embora a autora se circunscreva à hipótese maturacional, seu estudo é de teor mais descritivo. Poder-se-ia dizer que foge um pouco das características dos demais trabalhos apresentados no volume, pois lança mão de modelos de processamento e de conceitos funcionais, como o da iconicidade.

O artigo de Natascha Müller (p. 53-88), "Concordância de gênero e número no DP", discute a emergência dos traços gramaticais de gênero e número na gramática de duas crianças, visando especialmente a verificar as conseqüências sintáticas das escolhas feitas a partir das especificações lexicais dos núcleos. A autora parte do pressuposto de que as gramáticas adultas, do alemão e do francês, possuem pelo menos uma projeção funcional acima do NP, que seria a posição dos traços flexionais dos nominais. Sua hipótese, seguindo outros autores, é a de que esses traços não estão disponíveis na gramática da criança pequena. Tem por objetivo, assim, delinear seu processo de integração na gramática da criança e como ela chega a uma representação do NP próxima da gramática alvo. Para tanto, investiga principalmente os artigos definidos e indefinidos.

Já que a criança não apresenta marcas de gênero, número e caso, a autora argumenta que isso seria evidência para estipular que a criança não tenha DP ou que sua gramática contenha a categoria funcional subespecificada durante algumas fases do desenvolvimento. Como se vê, ela segue fortemente a hipótese maturacional, tentando mostrar que DET sofre desenvolvimento.

Segundo Müller, gênero e número só aparecem em torno de 2;0 para um dos sujeitos e 2;4 para o outro. Até que isso aconteça, as crianças usam o artigo indefinido como numeral. A autora afirma que a ausência de DET pode ser atribuída à indisponibilidade dos traços gramaticais acima, tendo como conseqüência a não projeção da categoria funcional.

Ela propõe a seguinte estrutura para o NP das crianças ((33) p.62 no original) (1 ) :

em que os elementos em XP são mutuamente excludentes. Quanto aos" elementos pré-sintáticos", dizem respeito a propriedades do objeto em referência, mas não a propriedades da categoria sintática N, não havendo concordância.

A integração de DET na gramática dar-se-ia aos poucos, acionada pela distinção no uso da categoria de artigos indefinidos como distinto dos numerais. Evidencia-se seu surgimento através do uso gramatical de gênero e número nos artigos definidos, indefinidos e possessivos, bem como pela distinção de número em nomes e NPs complexos (DET ADJ N).

O artigo mostra um exaustivo trabalho com dados, na busca de uma regularidade que parece não ocorrer. Seu trabalho mostra, porém, um total paralelismo no processo entre o francês e o alemão, inclusive em termos das fases de desenvolvimento.

O artigo de Jürgen Meisel (p. 89-129) contrapõe-se aos demais, por ter uma preocupação em discutir questões teóricas como: a hipótese maturacional em contraposição à continuista2 2 Segundo Kato (1995), os continuístas advogam que "a linguagem primitiva da criança já é constrangida por princípios da GU e pelo valor não-marcado dos parâmetros" (p. 69). , parâmetros, dados acionadores etc. Em "A aquisição de finitude, concordância e tempo nas gramáticas infantis", Meisel assume que não há categorias funcionais na gramática da criança e que elas emergem com o tempo. Seu principal foco são as categorias gramaticais associadas a INFL (AGR, tempo e finitude), discutindo se finitude é dependente de tempo ou AGR, e se AGR se realiza ou não como núcleo de uma categoria. Sua hipótese é a de que a ordem de desenvolvimento das categorias reflete a ordem hierárquica de tais sintagmas na estrutura oracional de uma língua.

Segundo o autor, a categoria central a ser depreendida é o VERBO, uma vez que a criança ainda não possui categorias funcionais, sua "sentença" cincunscreve-se ao VP. A ordenação entre os elementos que aparecem em VP ainda não é dependente da forma morfológica e também não é regulada por princípios gramaticais. Antes, a seqüência deriva da relação tema-rema, embora, ele admita que já se observem padrões específicos para cada língua, o que se explicaria pela influência do input.

Como maturacionista, Meisel prevê que a aquisição respeite determinadas fases. Assim, de início a criança não teria acesso à gramática, utilizando-se de princípios semântico-pragmáticos para organizar sua fala. A partir de 2;0 anos, aproximadamente, a maturação neurológica disponibiliza a GU para a criança. Seria como se a criança passasse a operar dentro da hipótese continuista; em outras palavras, Meisel não crê que haja qualquer tipo de dependência entre o processo que ocorria anteriormente e o que passa a ocorrer a partir da maturação - não há gramatização de princípios semântico-pragmáticos.

A emergência das formas finitas constituem-se nos dados cruciais, evidenciando as afirmações acima. Segundo o autor, AGR seria o primeiro elemento a emergir, de acordo com sua análise, por ser o primeiro elemento que domina VP na hierarquia estrutural. Essa análise encontra suporte também teórico em Pollock (1989) e Kuroda (1988) (apud Meisel). A partir desse ponto, em um período de seis meses, a gramática infantil passa a apresentar o paradigma verbal do alemão. Poder-se-ia perguntar se essas formas representam efetivamente marcas de concordância, o que o autor diz ocorrer quando começa a haver concordância pessoal com o sujeito. Para o francês, o dado crucial é o uso de sujeitos clíticos, considerados realizações fonéticas de AGR, já que os sufixos verbais são fonologicamente indistintos. No alemão, já por volta dos 2 anos, a criança produz a ordem SVO ou SOV, aparecendo o verbo, no segundo caso, sempre na forma não-finita, o que indiretamente poderia constituir evidência de que ela tenha passado a ter um conhecimento da gramática do alemão, em que o verbo flexionado está em I e não em V.

Dado que a concordância é a primeira categoria gramatical que distingue formas verbais finitas de infinitivas na gramática infantil, a segunda pergunta que Meisel coloca é quando TEMPO entra em ação, já que também é um componente relacionado à finitude. Seus resultados mostram que as marcas de tempo surgem só depois que a criança já apresenta todas as marcas de concordância pessoal e a maioria das de concordância de número. Mostram, ainda, que em alemão a aquisição de tempo relaciona-se à emergência de construções perfectivas. Assim como concordância, é mais difícil de detectar o surgimento de TEMPO em francês por conta da falta de flexões; no entanto, o autor sugere que, também nessa língua, a distinção +/- tempo se dê após a aquisição de concordância sujeito-verbo.

Finalmente, Meisel se coloca a questão teórica sobre a natureza da categoria funcional que se projeta sobre VP, quer na gramática infantil, quer na adulta. Suas conclusões sugerem que AGR não seja uma categoria sintática projetando-se maximamente. O autor fica com o nódulo tradicional IP e explica que o processo de maturação se deve à instanciação de traços: a finitude é definida primeiramente em termos de concordância e posteriormente em tempo - esse desenvolvimento aciona a implementação da categoria IP sobre VP. CP é implementado posteriormente.

O quarto artigo, de Georg Kaiser (p. 131-59), trata também de INFL e concordância, através do estudo da aquisição de pronomes clíticos em francês. Sua hipótese é a de que esses elementos sejam marcadores de concordância. O autor assume que os clíticos de sujeito são gerados em INFL, conseqüentemente, sua aquisição está relacionada à emergência dessa categoria funcional. Uma observação interessante em seu trabalho é que o uso produtivo de clíticos de sujeito se dá quando a criança começa a distinguir morfologicamente formas verbais finitas de não-finitas, nunca os utilizando com as formas não-finitas. Além disso, ele mostra que as crianças adquirem os clíticos de sujeito em francês de uma forma muito semelhante à aquisição de marcas flexionais em outras línguas. Os dados que examina parecem suportar sua hipótese.

Quanto aos clíticos de objeto, Kaiser trabalha com a hipótese de que sejam gerados na base sob V0. Já que categorias lexicais aparecem muito cedo na gramática infantil, seria de esperar que clíticos de objeto também estivessem presentes logo cedo e que sua aquisição não dependesse de uma categoria funcional. Entretanto, os dados mostram que aparecem depois dos clíticos de sujeito, porque, como estes, os clíticos de objeto também carregam concordância, talvez um fato que as crianças pareçam perceber desde logo, pois são empregados produtivamente em construções com objeto lexical correferencial. A explicação que o autor dá, então, para os dados implica a relação desses clíticos com a emergência de uma categoria funcional, no caso COMP3 3 O autor não apresenta a análise, mas remete o leitor a outros trabalhos. . Como essa categoria, segundo vários estudos em aquisição, parece desenvolver-se tardiamente, isso explicaria o fato de clíticos de objeto surgirem depois dos de sujeito.

O artigo de Achim Stenzel (p. 160-208) investiga a marcação de caso em duas crianças, relacionando-a ao desenvolvimento das categorias funcionais envolvidas nesse processo. A questão central do artigo é se haveria uma seqüência fixa na ordem de distinção dos casos a que todas as crianças obedeceriam. Aparentemente, há variação até entre as duas crianças estudadas. Uma delas empregaria uma estratégia do tipo "tudo ou nada", ou seja, esperaria estar com toda a gramática no lugar - todas as categorias funcionais necessárias - para, então, proceder à atribuição de Caso. A outra criança seria uma "construtora", apresentando um desenvolvimento gramatical implementado aos poucos. Assim, tendo desenvolvido DET, e a marcação de caso como reflexo morfológico de um componente da GU, passaria a fazer a distinção básica Nominativo-Acusativo, só posteriormente fazendo a distinção Acusativo-Dativo.

Stenzel faz uma longa revisão sobre a literatura teórica em atribuição de Caso e também uma discussão sobre o que representaria, para o seu estudo, assumir uma hipótese continuista ou maturacional - muito por conta de seus próprios resultados. Seu trabalho com os dados é extremamente minucioso, apresentando muitas particularidades de cada uma das crianças. Suas tabelas, contudo, nem sempre são eficientes, além de a autora pecar pelo excesso de exemplos.

Regina Köppe (p. 209-34) apresenta um estudo sobre movimento de NP e alçamento de sujeito, concentrando-se na ordenação de palavras em um estágio bastante precoce do desenvolvimento da gramática infantil, tanto em alemão, quanto em francês, além de considerar, também, várias classes de verbos de acordo com a posição em que seus sujeitos são gerados. A questão que se coloca diz respeito à fase em que a criança tem acesso ao movimento de NP e se isto está sujeito à maturação ou se, como um princípio da GU, está pronto desde cedo, embora sua aplicação possa depender da emergência de determinadas categorias funcionais.

Seu critério para escolha do período observado baseou-se no MLU (Mean Length of Utterance- Comprimento médio do enunciado), aproximadamente a partir do momento em que a criança passa a combinar verbos com NPs. Seus dados mostram que o movimento de NP se dá quando a categoria funcional INFL emerge na gramática, disponibilizando a posição de Spec-IP como local de pouso, em ambas as línguas. Segundo a autora, não há evidências empíricas que sustentem a hipótese maturacional, mas sim que os princípios da GU estejam presentes desde sempre, passando a operar à medida que as categorias funcionais emergem. Ela mostra, ainda, que as crianças parecem conseguir analisar as propriedades lexicais de diferentes tipos de verbos desde muito cedo, projetando as diferenças estruturais no nível do VP, o que serviria de dado acionador para o desenvolvimento de IP. Evidência, sem dúvida, interessante.

O último artigo, de Natascha Müller (p. 235-69), intitula-se" Parâmetros não podem ser reacionados: a evidência através do desenvolvimento de COMP". Sua questão baseia-se no fato de que os dados a que a criança é exposta são, por vezes, contraditórios e isso poderia levá-la a acionar o valor de um mesmo parâmetro diferentemente inúmeras vezes, nunca chegando ao valor correto. Segundo a autora, além de se constituir em um problema teórico, há evidências empíricas de que isto não ocorra. Assim, propõe que a GU contenha uma restrição para o acionamento paramétrico; em seus termos, que os valores dos parâmetros fixados não sejam reacionados durante o desenvolvimento lingüístico. Para evidenciar sua hipótese, Müller analisa os padrões de ordenação em orações encaixadas em alemão e francês.

Seus resultados mostram que há duas fases de desenvolvimento, uma anterior ao surgimento de COMP, em que não aparecem complementizadores e nem subordinação. Quando os elementos QU- surgem, em interrogativas simples, não são lexicalmente selecionados e ocorrem em INFL - grosso modo, são adjuntos. Na segunda fase, quando COMP emerge, as gramáticas infantis passam a apresentar, em francês, a inversão em interrogativas raiz, simultaneamente ao uso de complementizadores em encaixadas. Em alemão, assim que as gramáticas começam a apresentar o complementizador, as orações encaixadas passam a ter a ordem V-final. Uma das crianças investigadas, no entanto, apresenta um padrão bastante diferenciado. Ela não analisa, em um primeiro momento, os complementizadores como categorias funcionais e sim como lexicais. Aos poucos, essa criança passa a analisar cada elemento em C, separadamente, integrando-os à gramática e, conseqüentemente, demonstrando a ordenação de palavras desejada para aquela língua. Müller interpreta esse fato como evidência para sua hipótese de que uma vez acionado o parâmetro, não haverá reação. Segundo a autora, o reconhecimento de traços gramaticais é determinado por uma cronologia invariante que não depende do input, mas é dada por um inventário universal. A conseqüência óbvia dessa hipótese é que haveria uma cronologia de acionamento paramétrico. Infelizmente, porém, suas evidências não são claras quanto a isso.

Para finalizar, seria importante ressaltar a importância deste livro para a área de aquisição de linguagem e especialmente de bilingüismo. Há pouco material que discuta esta questão de uma perspectiva estrutural. Destarte, esta coletânea tem um papel singular por esclarecer alguns aspectos da aquisição simultânea de duas línguas, na perspectiva sintática. Há que se elogiar, também, o minucioso trabalho com os dados, inclusive através da busca de evidências indiretas em relação a algumas hipóteses teóricas.

Sente-se, infelizmente, a falta de uma discussão teórica mais aprofundada acerca da noção de parâmetro e de dado acionador. Há, no entanto, uma preocupação que perpassa todos os artigos em apontar evidências de que uma determinada categoria funcional tenha sido adquirida - uma conseqüência, aparentemente, da hipótese de aprendizagem assumida. Nesse sentido, caberia também uma discussão sobre os" efeitos colaterais" da hipótese maturacional: no fundo, maturação neurológica e de conhecimento tornam-se um único objeto.

(Recebido em 10/06/ 1996. Aprovado em 05/08/ 1996)

Referências Bibliográficas

CHOMSKY, N. (1981) Lectures on Government and Binding: the Pisa lectures. Dordrecht:Foris

_____________(1986a) Knowledge of Language: its Nature, Orign and Use. New York: Praeger.

_____________(1986b) Barries. Cambridge, Mass: MIT Press

_____________(1989) Some notes on Economy of Derivation and Representation. MIT Working Papers in Linguistics, 10: 43-74

KATO, M. (1995) Sintaxe e aquisição na teoria de Princípios e Parâmetros. Letras de Hoje, 30 (4): 57-73.

KURODA, s. (1988) Whether we agree or not: a comparative syntax of English and Japanese. Linguisticae Investigationes, 12: 1-47

POLLOCK, J (1989) Verb Movement, Universal Grammar, and the Structure of IP. Linguistic Inquiry, 20:365-424

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    Agradeço a Carlos Mioto a leitura atenta, bem como as valiosas sugestões.
  • 1
    Alemão e Francês - aquisição simultânea de duas primeiras línguas
  • 2
    Segundo Kato (1995), os continuístas advogam que "a linguagem primitiva da criança já é constrangida por princípios da GU e pelo valor não-marcado dos parâmetros" (p. 69).
  • 3
    O autor não apresenta a análise, mas remete o leitor a outros trabalhos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Dez 1998
    • Data do Fascículo
      Fev 1997
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