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TEORIA SINTÁTICA: DE UMA PERSPECTIVA DE "-ISMOS" PARA UMA PERSPECTIVA DE "PROGRAMAS"

Syntactic theory: from an "ism" perspective to a "programme" perspective

Resumos

Este trabalho tenta mostrar que os desenvolvimentos nas ciências lingüísticas seriam mais bem compreendidos como estágios de um único programa de pesquisa do que como diferentes -ismos. A primeira parte contém uma retrospectiva das crenças estruturalistas sobre a universalidade e a equivalência das línguas humanas e sua busca por universais sintáticos. A parte referente ao programa gerativo, por seu turno, tenta responder porque a língua é uma faculdade universal na espécie humana e levanta questões sobre sua forma, seu desenvolvimento e seu uso. O artigo dá uma pequena idéia das respostas provisórias que o programa vem dando a cada uma dessas questões.

Sintaxe; Aquisição; Uso; Estruturalismo; Gerativismo


This paper tries to show that the developments in linguistic sciences are better viewed as stages in a single research program, rather than different ideological -isms. The first part contains an overview of the structuralistas' beliefs about the universality and equivalence of human languages, and their search for syntactic universals. In the second part, we will see that the generative program, in its turn, tries to answer why language is a universal faculty in the human species and addresses questions about its form, its development and its use. In the second part, we will see that the paper gives a brief glimpse of the tentative answers the program has been giving to each of these issues.

Syntax; Acquisition; Parsing; Structuralism; Generativism


RETROSPECTIVA

TEORIA SINTÁTICA: DE UMA PERSPECTIVA DE" -ISMOS" PARA UMA PERSPECTIVA DE "PROGRAMAS"* * Este trabalho é o texto de conferência na ABRALIN 1996 (Tendências na Teoria Lingüística) e é parte do Projeto de pesquisa que desenvolvo com bolsa pesquisa CNPQ (Proc.300814/96-97)

(Syntactic theory:from an "ism" perspective to a" programme" perspective)

Mary Aizawa KATO

(UNICAMP)

ABSTRACT: This paper tries to show that the developments in linguistic sciences are better viewed as stages in a single research program, rather than different ideological -isms. The first part contains an overview of the structuralistas' beliefs about the universality and equivalence of human languages, and their search for syntactic universals. In the second part, we will see that the generative program, in its turn, tries to answer why language is a universal faculty in the human species and addresses questions about its form, its development and its use. In the second part, we will see that the paper gives a brief glimpse of the tentative answers the program has been giving to each of these issues.

RESUMO: Este trabalho tenta mostrar que os desenvolvimentos nas ciências lingüísticas seriam mais bem compreendidos como estágios de um único programa de pesquisa do que como diferentes -ismos. A primeira parte contém uma retrospectiva das crenças estruturalistas sobre a universalidade e a equivalência das línguas humanas e sua busca por universais sintáticos. A parte referente ao programa gerativo, por seu turno, tenta responder porque a língua é uma faculdade universal na espécie humana e levanta questões sobre sua forma, seu desenvolvimento e seu uso. O artigo dá uma pequena idéia das respostas provisórias que o programa vem dando a cada uma dessas questões.

Key words: Syntax; Acquisition; Parsing; Structuralism; Generativism.

Palavras-chave: Sintaxe; Aquisição; Uso; Estruturalismo; Gerativismo.

0. Introdução

Quando falamos em tendências em nossa área, ocorre-nos logo falar de diferentes -ismos: estruturalismo, funcionalismo, gerativismo, minimalismo. Para o físico e psicolingüista Victor Yngve, a referência a -ismos é característica das ciências humanas e não das ciências em geral. Para ele, todo conhecimento atingido é parcial, temporário e programático.

[1] "Science is not an ism. It is a program." (Yngve, 1986)

O trabalho chomskiano, iniciado em 1957, é reformulado em várias ocasiões, sendo sua última versão batizada pelo autor como O Programa Minimalista. Na verdade este é um estágio do Programa de Princípios e Parâmetros, que, por sua vez, é um estágio do Programa Gerativista.

Na verdade, vou propor que do estruturalismo às últimas versões da teoria gerativa, temos estágios de um mesmo Programa. Na segunda parte, farei um comentário geral sobre as principais mudanças no interior do Programa chomskiano no que diz respeito:

a) à forma do conhecimento lingüístico

b) às versões sobre a aquisição da gramática

c) ao conhecimento lingüístico no uso da língua

1. Do estruturalismo ao gerativismo: estágios de um mesmo Programa

1.1. Dando ênfase nas diferenças

Ao se confrontar o estrutural-ismo com o gerativ-ismo, tende-se a ressaltar as seguintes diferenças para postular um novo paradigma na ciência lingüística:

a. Perspectiva estruturalista

* Língua-E (externa, extensional, social)

* Língua adquirida indutivamente por estímulo e resposta, uso apenas de dados brutos, positivos; método de trabalho orientado por dados (indutivo, estatístico).

b. Perspectiva gerativista:

* Língua-I (interna, intensional, individual)

* capacidade lingüística bioprogramada (Gramática Universal GU), com aprendizagem restrita à morfologia e léxico, cuja variação já vem parcialmente prevista nos parâmetros abertos ( ± ) da gramática universal

* uso de dados positivos e negativos na investigação

* método de trabalho orientado por hipóteses (axiomático-dedutivo).

O objeto de estudo do estruturalismo é postulado como sendo a Língua-E, externa e extensional. É, portanto, o produto do desempenho. Tanto o desempenho lingüístico quanto a sua aquisição são vistos como comportamentos ou hábitos, altamente sensíveis à estimulação externa.

Para o gerativista, o objeto de estudo é postulado como o conhecimento inconsciente da língua. Esse conhecimento teria caráter intensional e não extensional como o conhecimento do léxico. O uso inconsciente da língua não é devido à internalização inconsciente de hábitos, mas sim porque nele se utiliza o conhecimento automático do sistema computacional da língua.

Em relação à aquisição, o estruturalismo é visto como a fase em que a criança é tida como extremamente dependente de dados externos enquanto, no gerativismo, a criança é vista como aprendiz eficiente a despeito da pobreza de estímulos.

As comparações feitas entre diferentes fases da lingüística são sempre no sentido de evidenciar as diferenças. Porém, verifica-se que nem sempre o que o lingüista se propõe a fazer e o que ele efetivamente faz são coerentes, havendo muitas vezes mais distância aí do que entre o que lingüistas de diferentes -ismos efetivamente fazem. Assim, embora, em teoria, os objetos e métodos de estudo dos diferentes -ismos sejam totalmente diferentes -- dados brutos externos de produção para os estruturalistas e forma do conhecimento lingüístico interno para os gerativistas -- a rigor, o que realmente ocorreu foi a assepsia de dados sintáticos pelos estruturalistas e a de descrições já feitas no estruturalismo pelos gerativistas. Ao fazer a assepsia dos dados brutos para levantar os padrões sintáticos do inglês, Fries, o lingüista estruturalista americano, projetou o seu conhecimento lingüístico inconsciente em cima dos dados ao propor os padrões clausais do inglês (Fries, 1952). Por outro lado, o trabalho da gerativista Travis (1984) sobre os padrões sentenciais no chinês acrescenta uma discussão teórico-formal ao estudo empírico e funcionalista de Li & Thompson (1975), havendo complementariedade e não incompatibilidade entre eles.

Em 1965, Chomsky já postulava três estágios na construção de uma teoria lingüística, cada qual com seu nível de adequação:

* adequação observacional (descrição empírica)

* adequação descritiva (descrição da competência do sistema interno)

* adequação explicativa (aquisição)

Pode-se dizer que a adequação observacional e, até certo ponto também a descritiva, já é atingida no estruturalismo, com a utilização do método indutivo aplicado a corpus de língua-E (externa e extensional). Através de generalizações indutivas, Greenberg (1963) chega mesmo a postular universais sintáticos -- correlações implicacionais de ordem sintática do tipo

[2] Se AB então CD

Assim, se tais correlações são estatisticamente válidas, pode-se presumir que elas têm algum papel na aquisição da linguagem. Uma criança exposta à ordem AB não precisará ser exposta a CD, uma vez que ela pode inferi-la da primeira.

Esses universais constituem, até hoje, uma fonte instigante e inesgotável de questões. Greenberg não procurou, porém, prover ele mesmo uma teoria da Gramática Universal que pudesse dar conta dessas correlações. É Chomsky quem resolve assumir essa empreitada. Porém, as primeiras tentativas mostram uma grande distância entre a proposta tecnológica de análise e representação sintática, refeita em inúmeras versões da teoria, e a epistemológica, bastante coerente do início até hoje.

Veremos na próxima seção os desenvolvimentos no interior da teoria gerativa.

No Modelo-padrão de 1965, Aspects of the Theory of Syntax, começa a se delinear um modelo de língua-I, descritivamente adequado, capaz de dar conta dos tipos de gramáticas possíveis. É uma gramática constituída de diversos tipos de regras e com diversos níveis de representação. Esse período se caracteriza pelo equívoco de identificar regras com processos mentais na aquisição e pelo gradativo descrédito das próprias regras. A teoria ainda estava longe de atingir o nível de adequação explicativa objetivada por Chomsky.

Um estudo que encara a ciência lingüística como um Programa pode, assim, revelar-nos cada fase como etapas necessárias para se atingir as etapas posteriores.

Em Chomsky (1986,1987), o programa de pesquisa gerativista aparece explicitamente definido. Através dele, pretendia-se responder às seguintes questões:

i. qual a forma do conhecimento lingüístico do falante de uma língua: Língua-I (adequação descritiva);

ii. qual a forma da Gramática Universal GU (estado inicial, invariante nas espécies) e como o falante chega a sua Língua-I (adequação explicativa);

iii. como a Língua-I entra no uso da linguagem, mais especificamente na percepção de sentenças;

iv. qual o correlato físico desse conhecimento.

A seguir, veremos, com exceção da questão iv, como a teoria chomskiana vem respondendo a essas questões.

3. A forma do saber lingüístico de um adulto falante de uma Língua-L

O saber lingüístico de um adulto falante de uma determinada língua é designado "competência" no Modelo-padrão e "Língua-I" no Modelo de Princípios e Parâmetros e no Modelo Minimalista.


Para a fase inicial da teoria (Modelo-padrão), esse conhecimento consistia de um conjunto de regras de diferentes naturezas, cada conjunto definindo níveis de representações distintos (E-P, E-S, FF, RS)

Já na fase da teoria padrão ampliada, em lugar de regras começam-se a propor filtros de boa-formação (Chomsky, 1981, 1973, 1976).

Metaforicamente, podemos entender esses filtros como seções especializadas de controle de produção numa fábrica. Em lugar de procurar derivar sentenças bem-formadas por regras, as construções que não obedecem aos filtros são barradas.

Na década de setenta, a tais filtros ou condições de saída é atribuído o estatuto de Princípios (Chomsky, 1981, Chomsky e Lasnik, 1993). A esses Princípios, a rigor invariantes translingüisticamente, são associadas certas propriedades subespecificadas (os Parâmetros de variação) que vêm a ser definidas em seu valor através da experiência. Na Teoria de Princípios e Parâmetros, em lugar de várias regras de transformação, passa-se a postular apenas uma operação "mova-a" . As regras são vistas como epifenômenos de Princípios universais e Parâmetros de variação, os quais também formam a base para uma teoria da aquisição. A forma da gramática (Língua-I) passa a ter a forma abaixo:


Definir língua como "conhecimento" abre duas perspectivas em relação à sua organização na mente. Ela pode ser considerada como um todo unitário, com uma estrutura multi-funcional, ou pode ser considerada como tendo, ao lado de um eventual sistema central com essas características, um número definido de módulos periféricos altamente especializados que, todavia, podem se comunicar com outros sistemas cognitivos, através de componentes com função de "interfaces" (cf. Garfield, 1989).

No modelo anterior, não havia extremidades com asteriscos, isto é, o sistema era visto como um órgão fechado, enquanto na Fig.2, o próprio modelo da gramática já é modular na concepção.

A teoria lingüística chomskiana foi sempre adepta à tese da autonomia da sintaxe, mas é a partir de Princípios e Parâmetros que a perspectiva modular de Língua-I é explicitamente formulada, mais especificamente na forma como esse módulo do conhecimento interage com outros. O conceito de Faculdade da Linguagem, antes usado apenas para a competência lingüística, passa a designar o conjunto de módulos, ou sistemas, como ela envolvidos na Linguagem, ou o conjunto de conhecimentos que dão conta da produção e da compreensão. Isso é possível porque a Língua-I é o sistema computacional dessa faculdade (Chomsky, 1993), aquele que, a partir de uma coleção de itens lexicais constrói, entre outras, um par de representações estruturais interpretáveis nas interfaces. Uma das interfaces é a Forma Fonética (FF) e a outra a Forma Lógica (FL). Falando simplesmente, temos aí a relação som-significado. A FF faz a interface com os sistemas articulatórios e perceptuais e a FL o faz com os sistemas conceituais e intensionais.

Na Teoria Minimalista, ascende-se a mais um degrau na abstração teórica. Os próprios princípios são vistos como epifenômenos de uma Lei mais geral de economia, ou ainda como condições de interface (Princípio da Interpretação Plena) e não como condições sintáticas stricto sensu. Eliminam-se as estruturas-P e Estrutura-S, tornando a derivação uniforme, partindo de uma coleção de palavras para o nível de Forma Lógica (FL), através de regras de combinação ("merge") e de movimento, com uma saída para a Forma Fonética (FF) em algum ponto da derivação (Chomsky, 1995). As diversas línguas podem ter pontos diferentes de "spell-out".


3. O desenvolvimento do saber lingüístico

Embora o termo Gramática Universal seja sempre associado a Chomsky, o estruturalismo já encerra uma visão de língua como uma propriedade universal da espécie humana.

* Universalidade: Todos as sociedades falam uma língua e todas as línguas têm gramática, o que permite uma sistematização de seus fatos;

* Igualdade: todas as gramáticas e dialetos são iguais em seu poder expressivo.

Apesar desses pressupostos, a aquisição da linguagem é vista principalmente como resultado da estimulação ambiental, e por uma predisposição interna, um mecanismo central multifuncional da aprendizagem, que não distingue desenvolvimento natural da língua com aprendizagem de habilidades.

Já na visão gerativista, acredita-se desde o início na especificidade da aquisição lingüística e a universalidade lingüística é vista como resultado de um atributo biológico específico da espécie. Para responder à questão

* Por que toda sociedade tem uma língua e toda língua tem uma gramática?

Pinker (1994) diz que o ser humano vem dotado de um" instinto" para a língua. Os pais não ensinam a gramática de sua língua para seus filhos; com sua fala, eles apenas dão pistas para a criança descobrir a gramática a ser atingida. Contudo, o que vem bio-programado é concebido de formas diferentes nas várias fases da teoria (cf. discussão em Kato, 1995).

No Modelo-padrão, a aquisição da língua era vista como a aprendizagem de um conjunto de regras, cujo número e natureza não eram constrangidos pela teoria. Assim como a forma da GU era bastante imprecisa, a construção de hipóteses sobre aquisição passou por equívocos e problemas. Lembre-se, por exemplo, a hipótese da complexidade derivacional, que identificou regras a processos mentais.

A criança era vista como uma pequena lingüista que, diante do" input" de sua língua, construía a gramática correta de sua língua.


* Como é concebida a aquisição no Modelo de Princípios e Parâmetros?

Derrubada a concepção de Língua-I como conjunto de regras, a aquisição deixa de ser vista como um processo de aprendizagem de regras.

Mas se crianças de diferentes povos aprendem línguas diferentes, por que não se pode dizer que a criança aprende sua língua dependendo exclusivamente do" input" do ambiente?

Para Chomsky, sem uma estrutura interna, um organismo não interage com o ambiente. A estrutura interna na espécie humana é invariante e é responsável não só pelas propriedades invariantes das línguas, mas também pelas variações possíveis. As línguas variam, mas a variação é restrita, porque dependem de um número limitado de Parâmetros já programados geneticamente, com valores [+] ou [-], definidos através dos dados positivos do ambiente a que a criança está exposta. Após fixado o valor do parâmetro a partir do "input" ambiental cada Língua-I tem um componente comum, invariante (os Princípios Pr1, Pr2....Prn) e os valores dos parâmetros fixados em [+] ou [-]. A criança é vista como uma acionadora de botões [+] ou [-] diante das pistas ambientais. Assim tomando uma criança aprendendo uma L1 qualquer, a forma de sua Língua-I poderá ser L1-I:


No Modelo Minimalista, o modelo de aquisição é essencialmente o mesmo da GB, no sentido da criança ser uma seletora do valor dos parâmetros. A diferença é vista na mudança que se operou na questão dos princípios, hoje vistos como epifenômenos de uma Lei mais geral de Economia. Pode-se dizer, então, que a criança é guiada por princípios de Economia, procrastinando ou preferindo movimentos mais curtos.

4. Como o saber lingüístico entra no uso da língua?

Na época do Modelo-Padrão, conhecimento para Chomsky era um problema científico, mas uso era um mistério (Chomsky, 1975). Apesar disso, já se iniciam os estudos de processamento sintático na psicolingüística, como, por exemplo, os de Yngve (1960), de Bever (1970) e de Kimball (1973), que procuram introduzir o conceito de" estratégias" de processamento1 1 Veja uma cobertura dessa fase em Kato (1985) e (1986). distinto do de regras.

Já no Modelo de Princípios e Parâmetros, uso é definido como o ]modelo, a FF e a FL são definidas como os únicos níveis conceitualmente necessários e como aqueles que alimentam, com instruções, o sistema de desempenho. Isso, a meu ver, faz com que a Teoria do conhecimento e a Teoria do uso se constranjam mutuamente ou caminhem passo a passo. Vejam, por exemplo, o trabalho de Marcus (1980), que propõe um" parser", usando teoria dos vestígios e o de Berwick and Weinberg (1984), que mostra a importância da "localidade" na sintaxe e no "parser".

Já dentro de uma concepção minimalista, Gorrell (1995) propõe a importância da restrição da Estrutura Mínima, revendo propostas anteriores sobre" Minimal Attachment", e interpretando esse princípio do "parser" como sendo uma aplicação do Princípio Geral de Economia.

Se o uso é um objeto intermodular, ele foge, na verdade, ao domínio estrito da pesquisa em L-I. Seu estudo depende de um aprofundamento do fenômeno da interação intermodular, que, por sua vez, depende de uma descrição explícita das características das interfaces do próprio módulo responsável pela Língua-I.

Além dos estudos de processamento ("parsing"), que, em geral, estudam a sentença descontextualizada, os estudos variacionistas podem ser um caminho, indiretamente através do produto, para desvendar como se dá a interação dos módulos. É com uma seleção rigorosa de fatores baseados em teorias explícitas gramaticais, semânticas, pragmáticas e fonológicas que podemos obter, nos resultados, pistas para a forma dessa interação.

Uma frente mais recente, a Teoria da Optimalidade na sintaxe (Prince & Smolensky, no prelo), cuja visão é modular por excelência, pode trazer grandes subsídios a uma Teoria do Uso, se é que ela em si não é uma Teoria do Uso, mais do que do conhecimento. De acordo com essa teoria, a gramática de uma língua particular é vista, não como a fixação de parâmetros, mas da hierarquização de um conjunto de restrições universais "violáveis". As restrições podem ser de caráter: a) informacional (novo/velho), ou sintático <Suj > Objeto > Dativo> Oblíquo> Adjunto). Faltam-me elementos para discutir essa teoria, que na fonologia tem-se mostrado promissora.

5. Conclusões

Se a geração que hoje forma mestres e doutores em sintaxe gerativa passou por uma mudança drástica, do estruturalismo para o gerativismo, ou da teoria padrão (ST) e teoria padrão ampliada (EST) para a teoria da Regência e Ligação (GB), a geração que hoje, como alunos, desenvolve a pesquisa de pós-graduação, na área da sintaxe, enfrenta, igualmente, um período de transição: do modelo da GB para o modelo Minimalista, ainda em sua forma programática.

A guinada que a geração de formadores estruturalistas teve que passar com o advento do programa gerativo, foi de passar de uma lingüística de Língua-E para uma lingüística de Língua-I, de uma análise de dados para uma descrição dos mecanismos subjacentes responsáveis por esses dados. A geração que passou do modelo padrão e suas extensões para o modelo da Regência e Ligação (GB) precisou sofrer um ajuste conceitual: a) de passar de uma gramática de regras subjacentes para uma gramática de princípios, b) de aceitar que a estrutura superficial não é apenas a interface com a Forma Fonética, mas também com a Forma Lógica (que por sua vez faz interface com a Interpretação Semântica). Estudar os parâmetros, ou as propriedades sub-especificadas na Gramática Universal (GU), levou essa geração e seus alunos a não se limitarem a questões descritivas de línguas particulares, mas também a pensarem e a pesquisarem o problema da aquisição (como um processo de fixação dos valores do parâmetro) e da mudança lingüística (como uma mudança do valor de um ou mais parâmetros). Além disso, a descrição de uma língua assumiu invariavelmente o caráter de uma lingüística comparativa.

O ajuste conceitual exigido hoje pelo Programa Minimalista (PM) exige a aceitação de um papel minimizado da sintaxe, não mais definida em dois níveis de representação (estrutura-D e estrutura-S). Assim como as regras do Modelo-Padrão foram consideradas como epifenômenos dos princípios, os próprios princípios parecem hoje reduzir-se a conseqüências das leis da economia e da convergência, que regem as derivações. Além disso, temos que aceitar que, embora o algoritmo sintático seja descritivamente útil, os únicos níveis conceitualmente necessários são os de interface: a FF e a FL, e que conceitos fundamentais como regência, no modelo anterior, deixam de existir.

A verificação da adequação empírica desse novo aparato teórico, e conseqüentemente o avanço do conhecimento na área da gramática, está essencialmente nas mãos dessa nova geração. Contudo, lingüistas que passaram por tantos ajustes conceituais como eu, que comecei no estruturalismo, também podem embarcar na nova aventura e exercer um papel importante no esclarecimento de velhas idéias que são recuperadas (como o conceito de transformação generalizada, enterrada na GB e recuperada no Minimalismo) ou ainda para evitar que pistas ou direções falsas sejam retomadas. Meu depoimento pessoal sobre todo esse desenvolvimento é que, por ter passado por todos esses ajustes conceituais, minha compreensão de língua e de sintaxe hoje é muito mais rica e muito menos ingênua do que no passado, e minha mente muito mais aberta aos diferentes -ismos com que me deparo.

(Recebido em 23/04/97. Aprovado em 06/05/97.)

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    Este trabalho é o texto de conferência na ABRALIN 1996 (Tendências na Teoria Lingüística) e é parte do Projeto de pesquisa que desenvolvo com bolsa pesquisa CNPQ (Proc.300814/96-97)
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    Veja uma cobertura dessa fase em Kato (1985) e (1986).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Dez 1998
    • Data do Fascículo
      Ago 1997

    Histórico

    • Recebido
      23 Abr 1997
    • Aceito
      06 Maio 1997
    Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP PUC-SP - LAEL, Rua Monte Alegre 984, 4B-02, São Paulo, SP 05014-001, Brasil, Tel.: +55 11 3670-8374 - São Paulo - SP - Brazil
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