Acessibilidade / Reportar erro

SEMELHANÇAS ENTRE UPTAKE E TRACE: CONSIDERAÇÕES SOBRE TRADUÇÃO

Similarities between uptake and trace: considerations about translation

Resumos

: Este texto é uma reflexão sobre as semelhanças entre uptake e trace e a tradução considerada como acontecimento, ao mesmo tempo possível e impossível, que deflagra e constitui o significado através do jogo da linguagem que se estabelece entre os interlocutores sujeitos: texto-tradutor. Austin e Derrida põem em cena, cada um a seu modo, o significado enquanto um acontecimento da linguagem humana. O uptake, nas reflexões de Austin, garante que a linguagem humana aconteça, assegurada pelo reconhecimento entre os interlocutores e que assim, através da produção de significado, se realize. Para Derrida, através do jogo na linguagem humana, o trace deflagra o arrombamento do significado, destruindo a possibilidade de se atingir a sua origem. Discuto, inicialmente, as reflexões de Derrida que estão centralizadas diretamente na questão da performatividade para, em seguida, aproximar o uptake do trace e vice-versa; a partir dessa aproximação procurarei desvendar um pouco mais a tradução enquanto um acontecimento que contamina as línguas e é contaminado por elas.

Uptake


This study is a reflection about the similarities between uptake and trace, and translation taken as an event - at once possible and impossible - which deflagrates and constitutes meaning through the language game played by the subjects of communication: text-translator. Both Austin and Derrida, each one on his own way, show that meaning is part of the human language process. The uptake, in Austin’s point of view, guarantees the existence of human language, assured by a process of recognition between the subjects of communication, process through which the production of meaning takes place. The trace, according to Derrida, deflagrates, through the human language, the crashing of meaning and destroys the possibility of someone reaching the origin. In this study, taking into consideration the similarities between uptake and trace, I try to disclose translation taken as an event which at once contaminates the languages and is contaminated by them.

Uptake; Trace; Tradução; Desconstrução; Double bind; Trace; Translation; Deconstruction; Double bind


QUESTÕES E PROBLEMAS

SEMELHANÇAS ENTRE UPTAKE E TRACE: CONSIDERAÇÕES SOBRE TRADUÇÃO* * Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada como comunicação no III Congresso Brasileiro de Lingüística Aplicada, na UNICAMP, no dia 3 de setembro de 1992 e no IX Encontro Nacional da ANPOLL, em Caxambu - MG - no dia 7 de junho de 1994. Parte das reflexões sobre a performatividade que discuto neste trabalho estão na minha tese de doutorado: " John Langshaw Austin e a Visão Performativa da Linguagem Humana" (1990 -IEL-UNICAMP).

(Similarities between uptake and trace: considerations about translation)

Paulo Roberto OTTONI

(UNICAMP)

ABSTRACT: This study is a reflection about the similarities between uptake and trace, and translation taken as an event - at once possible and impossible - which deflagrates and constitutes meaning through the language game played by the subjects of communication: text-translator. Both Austin and Derrida, each one on his own way, show that meaning is part of the human language process. The uptake, in Austin’s point of view, guarantees the existence of human language, assured by a process of recognition between the subjects of communication, process through which the production of meaning takes place. The trace, according to Derrida, deflagrates, through the human language, the crashing of meaning and destroys the possibility of someone reaching the origin. In this study, taking into consideration the similarities between uptake and trace, I try to disclose translation taken as an event which at once contaminates the languages and is contaminated by them.

RESUMO: Este texto é uma reflexão sobre as semelhanças entre uptake e trace e a tradução considerada como acontecimento, ao mesmo tempo possível e impossível, que deflagra e constitui o significado através do jogo da linguagem que se estabelece entre os interlocutores sujeitos: texto-tradutor. Austin e Derrida põem em cena, cada um a seu modo, o significado enquanto um acontecimento da linguagem humana. O uptake, nas reflexões de Austin, garante que a linguagem humana aconteça, assegurada pelo reconhecimento entre os interlocutores e que assim, através da produção de significado, se realize. Para Derrida, através do jogo na linguagem humana, o trace deflagra o arrombamento do significado, destruindo a possibilidade de se atingir a sua origem. Discuto, inicialmente, as reflexões de Derrida que estão centralizadas diretamente na questão da performatividade para, em seguida, aproximar o uptake do trace e vice-versa; a partir dessa aproximação procurarei desvendar um pouco mais a tradução enquanto um acontecimento que contamina as línguas e é contaminado por elas.

Palavras-chave : Uptake; Trace; Tradução; Desconstrução; Double bind.

Key words: Uptake; Trace; Translation; Deconstruction; Double bind.

"Like Austin, Derrida sees language as continuous transformation rather than permanent fixity. But Derrida attributes language’s transformations to its triumphant transcendence of context whereas Austin attributes them to its inevitable articulation with context. The result is that speech-act theory and deconstruction have many points of conflict as points of contact".

(Sandy Petrey: Locution, Illocution, and Deconstruction.)

Ao refletir sobre as semelhanças entre uptake e trace farei algumas considerações sobre a tradução enquanto um acontecimento, ao mesmo tempo possível e impossível, que deflagra e constitui o significado através do jogo da linguagem que se estabelece entre os interlocutores sujeitos: texto-tradutor. Austin e Derrida põem em cena, cada um a seu modo, o significado enquanto um acontecimento da linguagem humana. O uptake, nas reflexões de Austin, garante que a linguagem humana aconteça, assegurada pelo reconhecimento entre os interlocutores e que assim, através da produção de significado, se realize. Para Derrida, através do jogo na linguagem humana, o trace deflagra o arrombamento do significado, destruindo a possibilidade de se atingir a sua origem. Discutirei, inicialmente, as reflexões de Derrida que estão centralizadas diretamente na questão da performatividade para, em seguida, aproximar o uptake do trace1 1 Manterei ao longo deste trabalho uptake e trace, apesar das traduções já propostas para o português. Para uptake, há traduções como: apreensão, compreensão, entendimento, garantia, asseguração; e para trace: rastro, marca, resto, traço, vestígio; termos encontrados nas diversas traduções para o português, dos textos de Derrida. e vice-versa; a partir dessa aproximação procurarei desvendar um pouco mais a tradução enquanto um acontecimento que contamina as línguas e é contaminado por elas. A linguagem em constante transformação ocorre, segundo Derrida e Austin (cf. epígrafe deste trabalho, Petrey, 1990), através da transcendência ou da articulação com o contexto. O contexto enquanto lugar do jogo da transformação e da produção da significação é um dos pontos de contato e de conflito entre os dois pensadores. Assim, concordo com Petrey quando afirma também que: confrontar Derrida e Austin é enriquecê-los ainda mais e tornar suas idéias mais gratificantes (p.144)2 2 As traduções desta e das outras citações são minhas, exceto as dos textos traduzidos indicados nas referências bibliográficas.

Em Assinatura Acontecimento Contexto, trabalho apresentado no Congrès International des Sociétés de philosophie de langue française (-Montréal, agosto, 1971) Derrida (1972a) elabora, na primeira parte, uma reflexão sobre a comunicação e, na segunda (Os Parasitas. Iter, da Escritura: talvez ela não exista), uma análise das questões da escritura e da comunicação no pensamento austiniano, através da problemática do performativo. Devo ressaltar que Derrida não discute diretamente o uptake na comunicação; no entanto, considero fundamental expor sua argumentação para possibilitar um contato com o pensamento austiniano, contato do qual o próprio Derrida (1991, p.155) tem consciência ao afirmar: sinto-me, em vários aspectos, muito próximo de Austin, interessado nele e devedor de sua problemática3 3 Esta afirmação está no posfácio: Em Direção a uma Ética do Discurso do livro Limited Inc. Neste posfácio, Derrida responde a uma série de perguntas propostas por Gerald Graff para elucidar algumas questões e para manter a discussão em aberto. Culler (1983), Felman (1980), Finlay (1988), Fish (1982), Norris (1982) e Petrey (1990), entre outros pensadores, concentram as mais representativas reflexões da discussão entre Derrida e Austin (a maioria dessas reflexões partem da polêmica entre Derrida e Searle) procurando mostrar conflitos e contatos entre eles. Somente Rajagopalan (1990) mostra, com extrema perspicácia e habilidade, mesmo não explicitando possíveis aproximações entre o pensamento de Austin e o de Derrida, a maneira como Austin, através do uptake, desconstrói a sua própria teoria (cf. nota 3). Explicitarei ao longo deste texto as idéias dos autores citados. .

Partindo da performatividade para melhor analisar a comunicação humana, Derrida (p.362-3) comenta quatro "pontos críticos" da proposta austiniana. No primeiro, afirma que Austin considera os atos de discurso apenas enquanto atos de comunicação; e assim, tanto a enunciação constativa quanto a performativa são atos de discursos produzidos na situação total em que se encontram os interlocutores, e por isso destinados a comunicar. No segundo, o que está em jogo é o fato de que tanto a ilocução quanto a perlocução, em Austin, são operações que produzem um efeito, e não o transporte ou a passagem de um conteúdo de sentido. Por isso, comunicar através de um enunciado performativo é comunicar uma força por impulsão de uma marca. Derrida, no terceiro ponto, afirma: o performativo não tem o seu referente (...) fora de si ou, em todo caso, antes de si e face a si. Não descreve qualquer coisa que existe fora da linguagem e antes de si (p.363). No quarto e último ponto, Derrida comenta que Austin retirou da análise do performativo a autoridade do valor de verdade, a oposição verdade/falsidade; e substituiu-lhe, por vezes, o valor de força, de diferença de força. Partindo destes quatro pontos, Derrida redefine o performativo e faz a seguinte afirmação: "O performativo é uma `comunicação’ que não se limita essencialmente a transportar um conteúdo semântico já construído e vigiado por um objeto de verdade". (p.363). Derrida critica a posição de Austin mesmo reconhecendo todas as dificuldades encontradas por ele, lembrando que:

"é pelo menos o que queria tentar indicar agora todas as dificuldades encontradas por Austin na sua análise paciente, aberta, aporética, em constante transformação, freqüentemente mais fecunda no reconhecimento dos seus impasses do que nas suas posições, parecem-me possuir uma raiz comum. Esta: Austin não tomou em conta o que, na estrutura do locução (portanto antes de qualquer determinação ilocutória ou perlocutória), comporta já este sistema de predicados que chamo grafemáticos em geral perturbando com isso todas as oposições anteriores de que Austin em vão procurou fixar a pertinência, a pureza, o rigor"

(p.363-4).

Com esta afirmação, Derrida detecta o ponto crucial, o momento da" crise" do pensamento austiniano, o lugar de "tensão" de seu raciocínio4 4 Culler (1983) afirma: o projeto de Austin é, desse modo, uma tentativa de explanação estrutural que oferece uma crítica pertinente das premissas logocêntricas, mas, em sua discussão, reintroduz precisamente essas suposições que seu projeto questiona. Derrida esboça seu movimento de auto-desconstrução numa parte do Assinatura Acontecimento Contexto (p.111). Discordo de Culler quando afirma que: Austin reintroduz precisamente essas suposições que seu projeto questiona. Penso que este" suposto movimento circular" do qual pode estar falando Culler deve-se, não a uma irreflexão de Austin, mas à própria necessidade dessa auto-reflexão (discutirei esta questão mais à frente). . Entretanto, a continuação dessa afirmação parece indicar que há pontos conflitantes com as reflexões de Austin, uma vez que os "atos de fala" requerem permanentemente um valor de contexto, um contexto tal que determina a "presença consciente da intenção do sujeito falante" perante a totalidade do seu ato ilocucionário; deste modo, segundo Derrida, a comunicação performativa torna-se comunicação de um sentido intencional, mesmo se esse sentido não possui referente na forma de uma coisa ou de um estado de coisas anterior ou exterior.

Ora é justamente nesse momento da argumentação de Austin que aparece o uptake provocando um arrombamento na sua própria "teoria", segundo Rajagopalan (1990):

"que torna o conceito de "uptake" fascinante, ou no mínimo curioso, é o fato de que ele no fundo subverte a própria teoria (se assim se pode chamá-la) que vem se construindo até o momento. Pois, pela primeira vez, Austin está admitindo que não basta o falante ter suas intenções, por mais sinceras e sérias que elas sejam; é necessário que seja produzido um certo efeito sobre o ouvinte para que se possa dizer que o ato ilocucionário se deu de fato (Austin, 1962: 116-7 [ed. bras. p.99-100] ). Ou seja, o conceito de "uptake" começa a atuar como um certo contrapeso na teoria austiniana, desprovendo-a da importância excessiva inicialmente proporcionada ao sujeito-falante, e consertando assim, um certo desequilíbrio de que sofria a princípio a concepção austiniana de linguagem." (p.574)5 5 Rajagopalan (cf. p.578-9) termina seu texto da seguinte maneira: O único problema que vai sobrar é o de que, o conceito de "uptake", longe de dar sustentação à distinção "sério/lúcido" vai contribuir para sua queda definitiva. Isso porque, à medida que se procura identificar tão-somente na própria fala e nas intenções do sujeito-falante a seriedade ou não do discurso, e, o que é pior, ao tentar construir uma teoria da linguagem centrada na intencionalidade do sujeito-falante, o conceito de "uptake" começa a se rebelar contra a teoria, iniciando um ato de sabotagem, lembrando ao filósofo inglês que a própria noção de seriedade não passa de uma interpretação facultativa, ela mesma um possível "uptake". Daí, o caráter subversivo do conceito. Esta afirmação nos mostra uma maneira de encarar a questão da transformação do significado a partir da articulação com o contexto. .

A posição de Derrida torna esse conflito mais evidente, quando ele afirma que:

Esta presença consciente dos locutores ou receptores participando na efetuação de um performativo, a sua presença consciente e intencional na totalidade da operação implica teleologicamente que nenhum resto escape à totalização presente. Nenhum resto, nem na definição das convenções requeridas, nem no contexto interno e lingüístico, nem na forma gramatical, nem na determinação semântica das palavras empregadas; nenhuma polissemia irredutível, quer dizer, nenhuma "disseminação" que escape ao horizonte da unidade do sentido (p.364).

Assim, Derrida precisa ainda mais o "ponto crítico" de conflito com o pensamento austiniano, a partir do instante em que deixa de questionar ou assumir a flexibilidade que ele próprio admite neste pensamento. O aparecimento do uptake, que está dissimulado em Austin, é justamente o empreendimento que Derrida parece não contemplar. Ele quer detectar a contradição inerente e necessária a todo pensamento humano, mas parece não querer compartilhar dela. No nosso caso, a contradição fundamental do How to do Things with Words está, como vimos, no fato de Austin não ter levado em conta que a estrutura do locucionário comporta já esse sistema de predicados que Derrida chama de grafemáticos em geral, perturbando com isso todas as oposições anteriores de que Austin em vão procurou fixar a pertinência, a pureza e o rigor, o que leva Derrida a concluir que na efetuação de um performativo, a sua presença consciente e intencional na totalidade da operação implica teleologicamente que nenhum resto escape à totalização presente. O pensamento de Austin sintetiza e reflete, ao mesmo tempo, os procedimentos de análise da linguagem humana e as "técnicas" da filosofia analítica. O aparecimento do uptake constitui, para este trabalho, o ponto de escape à totalização que torna as reflexões de Austin mais próximas àquelas desenvolvidas por Derrida6 6 Fish (1982), ao comentar a "postura filosófica" de Derrida afirma: ao dizer isto: estou sugerindo que Derrida e Austin podem não estar tão longe um do outro como alguns pensam (p.712) e no final do texto afirma: É por isso que a leitura que Derrida faz de Austin é, em última instância, não uma crítica mas um tributo à atitude radical provisória de um texto que vem sendo muito freqüentemente domesticado, e é uma leitura mais confiável que muitas das leituras que têm sido feitas pelos discípulos do mestre (p.721). .

Segundo Derrida (p.364), deve-se considerar permanentemente um contexto, e mesmo de contexto exaustivamente determinável: o performativo necessita sempre de um contexto total. Continuando, Derrida diz então que a comunicação performativa torna-se comunicação de um sentido intencional e que deve, portanto, ser iterável. Seguindo o raciocínio de Derrida, o contexto deve ser um todo, deve ser controlado e finito; entretanto, se não houver nada de essencial no ato de fala, nem a marca lingüística, nem mesmo a intenção do sujeito falante, como então identificá-lo? Como assegurar a comunicação? Austin, segundo Derrida, vai então à fonte da enunciação e faz a seguinte diferenciação: na oralidade, o enunciado está na primeira pessoa do presente do indicativo, na voz ativa; e na escrita, o autor (enunciador) põe sua assinatura (equivalente a "pelo presente" dos protocolos oficiais). Derrida faz o seguinte comentário sobre a assinatura: Para funcionar, quer dizer, para ser legível, uma assinatura deve ter uma forma repetível, iterável, imitável, deve poder separar-se da intenção presente e singular da sua produção (p.371). O reconhecimento ou as dificuldades de reconhecimento de uma mesma assinatura por diferentes indivíduos não seria uma das maneiras de manifestação do uptake?

Derrida apresenta, frente às idéias austinianas sobre a performatividade, certos conflitos, mas frente aos procedimentos de reflexão sobre a linguagem humana, apesar das diferenças, há mais contato que divergências o que possibilita uma aproximação entre eles7 7 Ao comentar Assinatura Acontecimento Contexto, Norris (1982) afirma: o próprio Derrida -deve-se dizer - dá pequenos sinais de aceitar essa abordagem" performativa" do jogo livre da desconstrução (p.108). . Vejamos duas passagens em que Derrida define sua posição, sua estratégia frente aos textos em geral, e, em particular, ao texto de Austin que está analisando. Tais passagens contribuem, para minha argumentação, na tentativa de aproximação dos dois pensadores, através do uptake e do trace, que concentram grande parte as reflexões sobre a não fixação de um significado estável em cada um deles.

A desconstrução não pode limitar-se ou passar imediatamente para uma neutralização: deve, através de um gesto duplo, uma dupla ciência, uma dupla escrita, praticar uma reviravolta da oposição clássica e um deslocamento geral do sistema. É só nesta condição que a desconstrução terá os meios de intervir no campo das oposições que critica e que é também um campo de forças não-discursivas (p.372).

E mais à frente continua: A desconstrução não consiste em passar de um conceito para outro, mas em modificar e em deslocar uma ordem conceitual assim como a ordem não-conceitual à qual se articula (p.372). Todo o empreendimento que coloca a visão logocêntrica em xeque, isto é, a racionalidade da fala, do discurso enquanto universal, como faz Derrida, tem relações bastante estreitas com o que fez Austin através do uptake: ele possibilitou uma reviravolta, um deslocamento inegável no interior da filosofia e da lingüística, reconhecidos pelo próprio Derrida8 8 Finlay (1988) "desconstrói" a argumentação austiniana demonstrando em algumas afirmações a dificuldade em situar Austin numa só perspectiva filosófica à medida que há um descompasso entre sua "clássica postura científica" e a linguagem ordinária, seu objeto de análise. No final do seu texto, afirma: Austin nunca publicou um livro, exceto a sua tradução de Frege [ Os Fundamentos da Aritmética], somente ensaios nos quais estava incessantemente criticando e renovando suas próprias observações e redefinindo e classificando seu próprio objeto de estudo. Constantemente colocava seu próprio modelo crítico em dúvida: Uma forma de semiose infinita (p.28). Ora, sua "inquieta reflexão" é justamente o que possibilita este espaço de contatos e conflitos com Derrida (cf. as notas anteriores). . Entretanto, a posição, o momento histórico no qual se insere Austin, pode-se dizer, de "transição", permite uma aproximação com a proposta desconstrutivista, uma vez que o próprio Derrida (p.363) admite que: é o que, neste pensamento [de Austin] que não é nada menos que nietzschiano, me parece fazer sinal para Nietzsche; este freqüentemente reconheceu uma certa afinidade com uma certa veia do pensamento inglês. Ora, é através desta veia do pensamento que, sem dúvida, Derrida reconhece em Austin os pontos de contato com suas próprias reflexões.

A questão da presença e da intenção em Austin modifica-se com o aparecimento do uptake, colocando em xeque algumas conclusões a que chega Derrida. Segundo Austin, comenta Derrida, a comunicação performativa torna-se comunicação de um sentido intencional, onde há a presença consciente e intencional, ou seja, onde a intenção permanece o centro organizador. Ora, essas conclusões a que chega Derrida podem ser abaladas, se levarmos em conta o aparecimento do uptake, que Derrida (1972) não discute. A reviravolta definitiva no pensamento austiniano, a partir do uptake, dificulta muito precisar em Austin uma argumentação conclusiva e fixa até reconhecida pelo próprio Derrida. As divergências levantadas por Derrida com relação à intenção do ato de fala através da problemática do performativo podem ser revistas e rediscutidas a partir do uptake. O que me parece fundamental é perceber como Austin levou às últimas conseqüências essa questão da intenção, com sua atitude: paciente, aberta, aporética, em constante transformação, como bem aponta Derrida, possibilitando, ao mesmo tempo, neste ponto de conflito e de contato fazer uma aproximação entre o uptake e trace para mostrar como os dois pensadores expõem as contínuas transformações da linguagem humana.

Austin explicita o uptake na IX conferência de How to do Things with Words da seguinte maneira: Em geral o efeito eqüivale a tornar compreensível o significado e a força da locução. Assim, a realização de um ato ilocucionário envolve assegurar sua apreensão [securing of uptake] (p.100). Com o uptake, fica mais claro que a referência que vai estar ligada ao momento da enunciação não se dá mais ao nível constativo da linguagem, mas numa concepção performativa, ou seja, no momento em que entre os interlocutores há o reconhecimento de que "algo está assegurado", algo que pode não ter um sentido constativo, isto é, verdadeiro, original, intencional e único, anterior ao ato da fala. O uptake se dá entre interlocutores, através da articulação de um contexto construído pela linguagem, que está muito próxima a um jogo no qual não há regras nem critérios formais definitivos que possam descrevê-lo. Já não é mais possível falar de uma única intenção do sujeito (falante); a intenção de um só dos interlocutores está comprometida, uma vez que o uptake subverte qualquer idéia de colocar um sujeito falante centralizador de sua intenção. Ou seja, para Austin em nenhuma situação de fala pode haver um controle do sujeito (falante) sobre sua intenção; o uptake é condição necessária do próprio ato de fala e é ele que produz esse acontecimento. Através do uptake, há um descentramento do sujeito (falante). Podemos dizer que o uptake, numa versão mais branda, é o lugar onde se complementam o eu e o tu, onde se assegura a fala. Numa versão mais forte, o uptake é o lugar do desmantelamento da intenção (do sujeito centralizador), o caminho próprio da desconstrução. Derrida diz: sinto-me, em vários aspectos, muito próximo de Austin, interessado nele e devedor da sua problemática. Acho importante trazer novamente essa afirmação em que Derrida faz uma aproximação com os procedimentos de reflexão sobre a linguagem humana de Austin, como afirmei anteriormente, e com a linguagem humana enquanto um acontecimento, num jogo que ela própria constrói.

A subversão que se opera no pensamento austiniano a partir do conceito de uptake é um momento para se questionar a possibilidade de um contexto único. Torna-se pertinente aproximar essa questão ao argumento de Felman (1980, p.108), ou seja, de que não há, em Austin, uma simetria perfeita entre sentido e referência, e nem entre enunciado e enunciação, mas, ao contrário, é da assimetria que procede o pensamento de Austin do excesso da enunciação em relação ao enunciado, da "força da enunciação" como um resto - referencial - do enunciado e do sentido; e conclui: um excesso [da linguagem] a partir do qual o real produz trace no sentido. O que significa, em última instância, que essa assimetria rompe com a intenção, com a presença consciente e intencional de um sujeito enquanto centro organizador. Essa assimetria é o lugar das situações inesperadas, indispensáveis para que o falante se constitua como "eu-sujeito". Não há uma lógica, no sentido transcendental do termo, que possa identificar um sujeito, a não ser através da sua fala, da sua performatividade. Em Derrida, como vimos acima: Esta presença consciente dos locutores ou receptores participando na efetuação de um performativo, a sua presença consciente e intencional na totalidade da operação implica teleologicamente que nenhum resto escape à totalização presente. Ora, através do caráter corrosivo do uptake, podemos dizer que um resto escapa na produção da significação. O uptake é o lugar da assimetria na enunciação. Como afirma Culler (1983, p. 127): O inconsciente é o excesso do que se diz sobre o que se sabe, ou o excesso do que se diz sobre o que se quer dizer. Com o uptake, Austin está dizendo que não há um lugar de origem, um lugar simétrico no qual se possa dizer que houve uma" compreensão total", uma presença consciente, intencional, sem resto; e é só através do resto, do excesso de linguagem, que podemos pensar num sujeito do inconsciente.

Para Derrida (1967b, p.61), o trace vem questionar e abalar a onto-teologia e a metafísica da presença, que são posturas logocêntricas frente ao significado, e estabelecer com o jogo essa forma de conceber a linguagem: para pensar radicalmente o jogo, é, pois, preciso primeiramente esgotar seriamente a problemática ontológica e transcendental, atravessar paciente e rigorosamente a questão do sentido do ser, do ser do ente e da a origem transcendental do mundo. É preciso agora, segundo ele (p.56), pensar a escritura como ao mesmo tempo mais exterior à fala, não sendo sua "imagem" ou seu "símbolo" e, mais interior à fala que já é em si mesma escritura. Derrida afirma também que: um trace indelével [ineffaçable] não é um trace (1967a, p.390). Em outro texto comenta: uma vez que o rastro [trace] não é presença, mas o simulacro de uma presença que se desloca, se transfere, se reenvia, ele não tem propriamente lugar, o apagamento pertence à sua estrutura (1972b, p.62). Vincula a vida ao trace: é certo que a vida se protege pela repetição, o traço [trace], a diferência [différance] (...). É preciso pensar a vida como traço [trace] antes de determinar o ser como presença (1967c, p.188). E associa a desconstrução ao trace ao afirmar que: esta desconstrução da presença passa pela consciência, logo, pela noção irredutível de rastro [trace] (Spur), tal como aparece no discurso nietzschiano assim como no discurso freudiano (1967b, p.86). O trace é marcado, deste modo, pelo espaçamento que se abre no interior do signo. É uma espécie de arrombamento no interior da linguagem, que nos possibilita perceber as redes, os jogos de intervalos que se atam e desatam na produção de significados. Não seria o uptake, ao revelar a assimetria, o excesso, uma espécie de trace que produz o jogo da significação? O uptake ata e desata, desmantela a suposta intenção de um sujeito falante e mostra, nesse momento, que a construção da significação se dá através da articulação com o contexto, resultado de uma interlocução construída pela linguagem. O uptake expressa o trace, este arrombamento do significado, o uptake é um acontecimento como o trace, já que ambos não podem ser tomados, reproduzidos, sedimentados e nem identificados fora de um contexto. Não há sentido prévio que o uptake carregue, como não há também sentido anterior ao trace. O uptake e o trace deflagram e fazem do jogo algo constitutivo da linguagem humana, ao desmantelar a intencionalidade de um sujeito e de um significado transcendental. Através do uptake e do trace podemos reafirmar que há assimetria na enunciação e que há sempre um excesso, um resto que sustenta um sujeito do inconsciente. O uptake e o trace são eles próprios resultados do excesso, do resto da enunciação - da significação.

Quais seriam então as semelhanças de uptake e trace com a tradução enquanto acontecimento?

Comentando a questão do contexto em Austin, tal como é discutido por Derrida, Fish (1982) afirma:

"A questão aqui é entre duas noções de contexto: tradicionalmente, um contexto tem sido definido como um conjunto de características e, portanto, como alguma coisa que pode ser identificada por algum observador neutro, mas Derrida concebe um contexto como uma estrutura de suposições, e é somente por isso que quem possui essas suposições ou é por elas possuído pode primeiro separar as características em questão e, então, identificá-las como pertencendo a um contexto. Essa é a diferença entre conceber um contexto como algo no mundo e conceber um contexto como uma construção do mundo, uma construção ela mesma realizada sob condições contextualizadas" (p.708).

Não seria essa distinção entre a concepção de um contexto no mundo e um contexto como uma construção do mundo o lugar mais preciso de contato entre Derrida e Austin? Ambos estão certamente atribuindo à transformação da linguagem e à produção da significação um contexto. Nesta segunda concepção, proposta por Fish, a tradução pode ser encarada como um acontecimento que, ao operar o uptake e o trace enquanto um contexto como uma construção do mundo, produz e transforma significados. Se partirmos do fato de que o uptake e o trace são maneiras da tradução operar no interior da linguagem humana, assim como Derrida podemos considerar a tradução como escritura.

Em sua leitura de A Tarefa do Tradutor de Walter Benjamin, Derrida (1982) comenta a relação original-tradução: A tradução é uma escritura, não é simplesmente uma tradução no sentido de transcrição, é uma escritura produtiva que está predestinada pelo original (p.202). McDonald (cf. Derrida, 1982, p.158) afirma que o double bind é a realização [mise en scène] da possibilidade e impossibilidade da escritura como leitura tradutora [traduisante]. Podemos, então, considerar, a partir desta afirmação, a tradução como escritura.

Ao discutir a questão da expressão verbal tal como está circunscrita nos sonhos, Derrida afirma: Ora, um corpo verbal não se deixa traduzir ou transportar para uma outra língua. É aquilo mesmo que a tradução deixa de lado. Deixar de lado o corpo é mesmo a energia essencial da tradução (1967c, p.198). Um corpo verbal que não se deixa traduzir não seria uma forma de o real produzir trace no sentido? Neste corpo verbal, que não se deixa traduzir, há língua que a tradução não traduz. A tradução então produz trace - resto. Ora, este resto é constitutivo das línguas, são as impurezas; segundo Derrida (1982): há num sistema lingüístico, talvez várias línguas, algumas vezes diria mesmo sempre, várias línguas, e há impureza em cada língua (p.104). Esta impureza, a energia essencial da tradução, faz a tradução ser ao mesmo tempo possível e impossível. Derrida associa o double bind à tradução como uma espécie de promessa: A promessa de uma tradução é o que nos anuncia o ser-língua da língua; uma boa tradução nos diz simplesmente isto: há língua, é por isso que se pode traduzir e que não se pode traduzir porque há alguma coisa como língua (p.164). Diria, então, em concordância com McDonald, que a tradução enquanto double bind é realização [mise en scène] da possibilidade e impossibilidade da escritura como leitura tradutora [traduisante].

A tradução como escritura não é somente uma transformação ou produção de significados de uma língua para outra, a tradução-escritura deflagra a existência de diferentes línguas numa só língua. Esta concepção de tradução vincula o uptake e o trace no seu processo de significação; já que é através do uptake e do trace que é possível pensar nas várias línguas que compõem uma língua. A tradução enquanto uptake e trace é uma manifestação da distinção entre as diferentes línguas e as diferenças de línguas numa mesma língua.

Deste modo o uptake e o trace são, como vimos, a leitura tradutora [traduisante] constitutiva desse momento da intervenção dos interlocutores - tradutores - na construção do significado. É através dessa tradução - double bind - que se dá o arrombamento do significado e o desmantelamento da intenção de um sujeito que se supõe centralizador de um sentido, de um conteúdo plasmado, de uma origem num texto-fala original. O uptake e o trace, ao revelar a assimetria, o excesso e o resto da enunciação, transformam-se numa espécie de tradução-escritura, num contexto como uma construção do mundo, que deflagra a tradução como acontecimento da linguagem. Assim, a tradução, o uptake e o trace, enquanto manifestações do excesso de linguagem e dos efeitos do inconsciente não seriam como contar-traduzir um sonho: possível e impossível?

(Recebido em 01/10/96. Aprovado em 23/04/97)

Referências Bibliográficas

AUSTIN, J. L. (1962) How to do Things with Words. Harvard University Press. (Tradução de Danilo Marcondes de Souza Filho - Quando Dizer é Fazer - Palavras e Ação. Porto Alegre: Artes Médicas - 1990).

CULLER, J. (1983) Meaning and Interability. In: On Deconstruction - Theory and Criticism after Structuralism. Londres: Routledge & Kegan Paul.

DERRIDA, J. (1967a) L’Économie Générale. In: L’écriture et la différence. Paris. Editions du Seuil.

____________ (1967b) De La Gramatologia. Paris, Les Éditions de Minuit. (Tradução de Miriam Schnaiderman e Renato Janini Ribeiro - Gramatologia, São Paulo, Editora Perspectiva e Editora Universidade de São Paulo, 1973).

____________ (1967c) Freud et la scène de l’écriture. In: L’écriture et la différence. Paris, Editours du Seuil (Tradução de Maria Beatriz Marques Nizza da Silva - Freud e a Cena da Escritura. In: A Escritura e a Diferença. São Paulo, Editora Perspectiva, 1971).

____________ (1972a) Signature Evènement Contexte. In: Marges de la Philosophie. Paris, Les Editions de Minuit (Tradução de Joaquim Torres Costa e António M. Magalhães - Assinatura Acontecimento Contexto. In: Margens da Filosofia. Campinas, São Paulo, Papirus Editora, 1991).

_____________ (1972b) La Différance. In: Marges de la Philosophie. Paris, Les Éditions de Minuit (Tradução de Joaquim T. Costa e Antonio M. Magalhães. A Diferença. In: Margens da Filosofia. Lisboa, Editora Rés).

______________ (1977) Limited Inc. a b a .... In: Glyph. Johns Hopkins Textual Studies 2, p. 162-254 (Tradução de Constança Marcondes Cesar - Limited Inc. Campinas, São Paulo, Papirus Editora - 1991).

_______________ (1982) L’Oreille de L’Autre. Montréal, VLB Éditeur.

_______________ (1991) Em Direção a uma Ética da Discussão. In: Limited INC (Tradução de Constança Marcondes Cesar. Campinas - SP, Papirus).

FELMAN, S. (1980a) Le Scandale du Corps Parlant - Don Juan avec Austin: ou la séduction en deux langues. Paris: Editions du Seuil.

FINLAY, M. (1988) Deconstructing Austin's pragmatics: 'An idle teatable amusement' (Russell) or an epistemological solution to the crisis of representation? In: Semiotica 68, p. 7-31.

FISH, S. E. (1982) With the Compliments of the Author: Reflections on Austin and Derrida. In: Critical Inquiry 8, p. 693-721.

NORRIS, C. (1982) 'Ordinary language`: the challenge from Austin. In: Deconstruction: Theory and Practice. Methuen London e New York, p. 108-15.

OTTONI, P.R. (1990) John Langshaw Austin e a Visão Performativa da Linguagem Humana (Tese de Doutorado, IEL/UNICAMP).

PETREY, S. (1990) Locution, Illocution, and Deconstruction. In: Speech Acts and Literary Theory. New York - London: Routledge.

RAJAGOPALAN, K. (1990) UPTAKE. In: Estudos Lingüísticos, XIX, Bauru-SP, p.573-79.

  • AUSTIN, J. L. (1962) How to do Things with Words Harvard University Press. (Traduçăo de Danilo Marcondes de Souza Filho - Quando Dizer é Fazer - Palavras e Açăo Porto Alegre: Artes Médicas - 1990).
  • DERRIDA, J. (1967a) LÉconomie Générale. In: Lécriture et la différence Paris. Editions du Seuil.
  • ____________ (1967b) De La Gramatologia Paris, Les Éditions de Minuit. (Traduçăo de Miriam Schnaiderman e Renato Janini Ribeiro - Gramatologia, Săo Paulo, Editora Perspectiva e Editora Universidade de Săo Paulo, 1973).
  • ____________ (1967c) Freud et la scčne de lécriture. In: Lécriture et la différence Paris, Editours du Seuil (Traduçăo de Maria Beatriz Marques Nizza da Silva - Freud e a Cena da Escritura In: A Escritura e a Diferença Săo Paulo, Editora Perspectiva, 1971).
  • ____________ (1972a) Signature Evčnement Contexte. In: Marges de la Philosophie Paris, Les Editions de Minuit (Traduçăo de Joaquim Torres Costa e António M. Magalhăes - Assinatura Acontecimento Contexto. In: Margens da Filosofia Campinas, Săo Paulo, Papirus Editora, 1991).
  • _____________ (1972b) La Différance. In: Marges de la Philosophie Paris, Les Éditions de Minuit (Traduçăo de Joaquim T. Costa e Antonio M. Magalhăes. A Diferença. In: Margens da Filosofia Lisboa, Editora Rés).
  • ______________ (1977) Limited Inc. a b a .... In: Glyph. Johns Hopkins Textual Studies 2, p. 162-254 (Tradução de Constança Marcondes Cesar - Limited Inc Campinas, São Paulo, Papirus Editora - 1991).
  • _______________ (1982) L’Oreille de L’Autre. Montréal, VLB Éditeur.
  • _______________ (1991) Em Direçăo a uma Ética da Discussăo. In: Limited INC (Traduçăo de Constança Marcondes Cesar. Campinas - SP, Papirus).
  • FELMAN, S. (1980a) Le Scandale du Corps Parlant - Don Juan avec Austin: ou la séduction en deux langues Paris: Editions du Seuil.
  • FINLAY, M. (1988) Deconstructing Austin's pragmatics: 'An idle teatable amusement' (Russell) or an epistemological solution to the crisis of representation? In: Semiotica 68, p. 7-31.
  • FISH, S. E. (1982) With the Compliments of the Author: Reflections on Austin and Derrida. In: Critical Inquiry 8, p. 693-721.
  • NORRIS, C. (1982) 'Ordinary language`: the challenge from Austin. In: Deconstruction: Theory and Practice. Methuen London e New York, p. 108-15.
  • OTTONI, P.R. (1990) John Langshaw Austin e a Visăo Performativa da Linguagem Humana (Tese de Doutorado, IEL/UNICAMP).
  • PETREY, S. (1990) Locution, Illocution, and Deconstruction. In: Speech Acts and Literary Theory New York - London: Routledge.
  • RAJAGOPALAN, K. (1990) UPTAKE In: Estudos Lingüísticos, XIX, Bauru-SP, p.573-79.
  • *
    Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada como comunicação no III Congresso Brasileiro de Lingüística Aplicada, na UNICAMP, no dia 3 de setembro de 1992 e no IX Encontro Nacional da ANPOLL, em Caxambu - MG - no dia 7 de junho de 1994. Parte das reflexões sobre a performatividade que discuto neste trabalho estão na minha tese de doutorado: "
    John Langshaw Austin e a Visão Performativa da Linguagem Humana" (1990 -IEL-UNICAMP).
  • 1
    Manterei ao longo deste trabalho
    uptake e
    trace, apesar das traduções já propostas para o português. Para
    uptake, há traduções como:
    apreensão,
    compreensão,
    entendimento,
    garantia,
    asseguração; e para
    trace:
    rastro,
    marca,
    resto,
    traço,
    vestígio; termos encontrados nas diversas traduções para o português, dos textos de Derrida.
  • 2
    As traduções desta e das outras citações são minhas, exceto as dos textos traduzidos indicados nas referências bibliográficas.
  • 3
    Esta afirmação está no posfácio:
    Em Direção a uma Ética do Discurso do livro
    Limited Inc. Neste posfácio, Derrida responde a uma série de perguntas propostas por Gerald Graff para elucidar algumas questões e para manter a discussão em aberto. Culler (1983), Felman (1980), Finlay (1988), Fish (1982), Norris (1982) e Petrey (1990), entre outros pensadores, concentram as mais representativas reflexões da discussão entre Derrida e Austin (a maioria dessas reflexões partem da polêmica entre Derrida e Searle) procurando mostrar
    conflitos e
    contatos entre eles. Somente Rajagopalan (1990) mostra, com extrema perspicácia e habilidade, mesmo não explicitando possíveis aproximações entre o pensamento de Austin e o de Derrida, a maneira como Austin, através do
    uptake, desconstrói a sua própria teoria (cf. nota 3). Explicitarei ao longo deste texto as idéias dos autores citados.
  • 4
    Culler (1983) afirma:
    o projeto de Austin é, desse modo, uma tentativa de explanação estrutural que oferece uma crítica pertinente das premissas logocêntricas, mas, em sua discussão, reintroduz precisamente essas suposições que seu projeto questiona. Derrida esboça seu movimento de auto-desconstrução numa parte do Assinatura Acontecimento Contexto (p.111). Discordo de Culler quando afirma que:
    Austin reintroduz precisamente essas suposições que seu projeto questiona. Penso que este" suposto movimento circular" do qual pode estar falando Culler deve-se, não a uma irreflexão de Austin, mas à própria necessidade dessa auto-reflexão (discutirei esta questão mais à frente).
  • 5
    Rajagopalan (cf. p.578-9) termina seu texto da seguinte maneira:
    O único problema que vai sobrar é o de que, o conceito de "uptake", longe de dar sustentação à distinção "sério/lúcido" vai contribuir para sua queda definitiva. Isso porque, à medida que se procura identificar tão-somente na própria fala e nas intenções do sujeito-falante a seriedade ou não do discurso, e, o que é pior, ao tentar construir uma teoria da linguagem centrada na intencionalidade do sujeito-falante, o conceito de "uptake" começa a se rebelar contra a teoria, iniciando um ato de sabotagem, lembrando ao filósofo inglês que a própria noção de seriedade não passa de uma interpretação facultativa, ela mesma um possível "uptake". Daí, o caráter subversivo do conceito. Esta afirmação nos mostra uma maneira de encarar a questão da transformação do significado a partir da
    articulação com o contexto.
  • 6
    Fish (1982), ao comentar a "postura filosófica" de Derrida afirma:
    ao dizer isto: estou sugerindo que Derrida e Austin podem não estar tão longe um do outro como alguns pensam (p.712) e no final do texto afirma:
    É por isso que a leitura que Derrida faz de Austin é, em última instância, não uma crítica mas um tributo à atitude radical provisória de um texto que vem sendo muito freqüentemente domesticado, e é uma leitura mais confiável que muitas das leituras que têm sido feitas pelos discípulos do mestre (p.721).
  • 7
    Ao comentar
    Assinatura Acontecimento Contexto, Norris (1982) afirma:
    o próprio Derrida -deve-se dizer - dá pequenos sinais de aceitar essa abordagem" performativa" do jogo livre da desconstrução (p.108).
  • 8
    Finlay (1988) "desconstrói" a argumentação austiniana demonstrando em algumas afirmações a dificuldade em situar Austin numa só perspectiva filosófica à medida que há um descompasso entre sua "clássica postura científica" e a linguagem ordinária, seu objeto de análise. No final do seu texto, afirma:
    Austin nunca publicou um livro, exceto a sua tradução de Frege [
    Os Fundamentos da Aritmética],
    somente ensaios nos quais estava incessantemente criticando e renovando suas próprias observações e redefinindo e classificando seu próprio objeto de estudo. Constantemente colocava seu próprio modelo crítico em dúvida: Uma forma de semiose infinita (p.28). Ora, sua "inquieta reflexão" é justamente o que possibilita este espaço de
    contatos e
    conflitos com Derrida (cf. as notas anteriores).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Dez 1998
    • Data do Fascículo
      Ago 1997

    Histórico

    • Aceito
      23 Abr 1997
    • Recebido
      01 Out 1996
    Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP PUC-SP - LAEL, Rua Monte Alegre 984, 4B-02, São Paulo, SP 05014-001, Brasil, Tel.: +55 11 3670-8374 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: delta@pucsp.br