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Givón, T. (1995) Functionalism and Grammar

Functionalism; Grammar; Grammaticalization; Markedness; Iconicity

Funcionalismo; Gramática; Gramaticalização; Marcação; Iconicidade

RESENHA

GIVÓN, T. (1995) Functionalism and Grammar. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company.

Resenhado por: Sebastião Josué VOTRE (UFF/CNPq)

& Mariangela Rios de OLIVEIRA (UFF)

Palavras-chave: Funcionalismo; Gramática; Gramaticalização; Marcação; Iconicidade.

Key words: Functionalism, Grammar; Grammaticalization; Markedness; Iconicity.

"Funcionalismo e Gramática" representa uma versão modalizada e equilibrada do funcionalismo lingüístico na vertente givoniana. A obra oferece uma visão global desta corrente contemporânea, cobrindo praticamente todas as áreas de investigação no novo paradigma: história e autocrítica, marcação, tipologia, modalidade, estrutura do sintagma verbal e das relações gramaticais, gramática no texto, coerência no texto e na mente, e evolução da língua, da mente e do cérebro.

O capítulo inicial, Prospecto, algo esmaecido, apresenta-se como um manifesto político do funcionalismo norte-americano. Nele, estão lançadas as bases de uma teoria lingüística mais madura e reflexiva em relação à sua fase inicial. De movimento radical, no fim da década de 70, fundamentado em pressupostos rígidos que procuravam detectar, na estrutura discursiva, gramatical e semântica das formas da língua, motivação funcional, o funcionalismo nos anos 90 passa por refinamento, em que se redimensionam seu paradigma teórico e suas metas empíricas.

Givón traça em linhas gerais a história dessa corrente: os antecedentes, o legado estruturalista e, fundamentalmente, a semântica gerativista, que inspirou e originou sua vertente norte-americana, da qual o autor é um dos principais representantes. Ao relativizar alguns dos pressupostos básicos do funcionalismo, o autor faz sua própria autocrítica. Da corrente ingênua e idealista que postulava 100% de motivação icônica na estrutura gramatical, o funcionalismo norte-americano revê aqui a teoria. Leva a sério a estrutura formal naquilo que esta possui de fixo e arbitrário. Procura tratar de questões relativas à cognição e à neurociência, sem incorrer em tautologias e demais circularidades de significado, evitando a viciosa prática que tem caracterizado os estudos funcionalistas em geral. Relativiza a extensão e a generalização dos chamados universais lingüísticos, ao propor a diversidade tipológica na manifestação dos mesmos.

O autor critica a tendência dos estudos funcionalistas, que, via de regra, conduzem a resultados enganosos. Enfatiza a dicotomia reducionista indução x dedução, que polariza, limita e deturpa, e propõe um terceiro viés metodológico - a intuição, ou analogia abdutiva, como um componente a quebrar a dualidade referida. O autor comenta as falácias devidas à metodologia utilizada pelo funcionalismo, cuja tentativa de provar a relação fechada função-forma se faz por intermédio de um caminho também fechado. Tais falácias se inserem no conjunto da pesquisa científica em geral, que trabalha segundo a crença na perfeição do método e no rigor dos postulados teóricos. Como estratégia de equilíbrio dos estudos funcionalistas, Givón propõe a rejeição ao autoritarismo estrito das correntes lingüísticas e a adoção da diversidade teórica e metodológica.

No segundo capítulo, Givón apresenta Marcação (markedness) como meta-iconicidade. Com abundante exemplificação, mostra a relevância desse conceito para a análise das tendências de mudança e estabilização da língua em uso. Afirma que o conceito é dependente do contexto, no sentido de que uma construção pode manifestar-se como marcada num contexto e não-marcada noutro. Mostra como se entrelaçam e interatuam os três critérios para definir um item como marcado: complexidade estrutural, freqüência de distribuição e complexidade cognitiva. O item marcado é mais complexo em termos estruturais e cognitivos e menos freqüente que seus pares. Os argumentos do autor são particularmente interessantes na análise da correlação entre marcação e tipo de texto, em que examina as oposições oral-escrito, acadêmico-informal, narrativa-procedimento. A parte mais polêmica refere-se aos tipos de cláusulas, em que sua proposta desautoriza e inverte a tradição, no que se refere às cláusulas subordinadas. O texto contém uma síntese das idéias do funcionalismo no que se refere às marcas dos referentes nominais: topicalidade, definitude, status anafórico, individuação e papel de caso. O mesmo se diga quanto às modalidades verbais, em que se aprofunda na análise de categorias como: modalidade, perfectividade e relevância. O ponto alto do capítulo refere-se aos resultados do cruzamento de mudança diacrônica e reverso de marcação.

Em A base funcional da tipologia gramatical, terceiro capítulo, Givón propõe a aproximação da análise funcional e da tipologia translingüística. Tal aproximação deve se operar no plano sincrônico, através da análise dos estados de língua atualmente encontráveis, e também no plano diacrônico, na investigação da trajetória de gramaticalização de um domínio fonte a um domínio alvo, de que resultam os estados lingüísticos de hoje. A abordagem do ponto de vista diacrônico se orienta pela similaridade funcional entre origens e alvos potenciais.

O autor enfatiza que, em termos de tipologia translingüística, somente é possível o estabelecimento de certas tendências comuns, e não definições gerais e acabadas aplicáveis a todas as estruturas lingüísticas. A tipologia gramatical se define como o estudo da diversidade das formas que podem realizar o mesmo tipo de função. Nesse sentido, Givón critica a taxonomia tipológica tradicional, que, apenas na base da similaridade estrutural, agrupa membros de um mesmo meta-tipo, sem a preocupação em definir sequer o rótulo.

Givón se concentra na questão da inversão e em dois de seus domínios funcionais: a voz verbal e a marcação de ordem inversa. Nestes domínios, aborda, respectivamente, as estruturas detransitivas de voz inversa, passiva e antipassiva, e quatro das principais dimensões sintáticas de inversão: inversão pronominal e de ordem vocabular; SN marcado em cláusula inversa; inversão semântica e pragmática e ainda a inversão promocional e a não-promocional. Após a análise sincrônica, o autor aborda esses domínios da perspectiva diacrônica, demonstrando que, freqüentemente, as línguas apresentam similaridade funcional através de formulações lingüísticas não correspondentes. Assim, a análise da tipologia gramatical de base funcional deve levar em conta a interação de categorias funcionais desgastadas pelo processo de gramaticalização e de marcas estruturais que tornam opacas as relações que antes eram icônicas.

A preocupação de Givón em levar a estrutura a sério resulta numa abordagem franca, com mostra clara das dificuldades de análise, que valoriza a decisão de buscar novas alternativas de interpretação. Assim, é particularmente instigante a análise, que propõe, do nó SV em cláusulas multiverbais: encaixamento e serialização, em que, na evolução da morfologia de tempo, aspecto e modo (TAM), identifica-se um estágio intermediário de verbos auxiliares. Os mesmos verbos lexicais dão origem aos mesmos marcadores de TAM, em qualquer das estratégias de gramaticalização. Nas estruturas encaixadas, a configuração mais comum é verbo de modalidade + complemento.

Givón mantém a proposta do isomorfismo entre marcação sintática e semântica. Cláusulas que são mais complexas semanticamente também tendem a ser mais complexas sintaticamente. Mantêm-se questões em aberto, a exemplo de critérios para definir transparência, opacidade e iconicidade. Também ficam sem respostas algumas questões sobre a realidade da gramática e sobre possíveis marcas dos dois princípios na complementação verbal do português: a) na cláusula subordinada, além de ordem, presença de sujeito, presença de TAM, quais seriam outras marcas? b) na relação entre as cláusulas, além de conectivo e justaposição, quais seriam as demais marcas? c) na cláusula principal, como se concentra a morfologia da complementação?

No quarto capítulo, Protótipos modais de verdade e ação, Givón enfrenta a tradição de distinguir em termos discretos a região deôntica, mais pragmática, e a região epistêmica, mais semântica. Constata o caráter prototípico das duas classes e a associação dos epistêmicos com a interação comunicativa intencional. O autor apresenta alguns princípios que permitem prever os contextos gramaticais (associados a irrealis) em que o modo subjuntivo tem mais probabilidade de gramaticalizar-se. Logo, irrealis é apresentado simultaneamente como categoria cognitivo-funcional e tipológico-gramatical. A tradição associa a epistêmico: verdade, crença, probabilidade, certeza, evidência. Já a deôntico está associada a série seguinte: desiderabilidade, preferência, intento, habilidade, obrigação, manipulação. Ao garimpar essa tradição, Givón constata quatro modalidades proposicionais epistêmicas, que redefine em termos prototípicos, e a que associa o equivalente comunicativo: a) verdade necessária vs pressuposição; b) verdade factual vs asserção realis; c) verdade possível vs asserção irrealis; d) não-verdade vs NEG-asserção.

Ao redefinir modalidade em termos de realis e irrealis, o autor muda a perspectiva de análise em dois aspectos importantes: a) cognitivamente (de verdade para certeza subjetiva); b) comunicativamente (de sentido voltado para o falante para sentido interativo, socialmente negociado). Aplica-se a nova tipologia, com ganho descritivo e interpretativo, aos contextos de tempo-aspecto, advérbios modais, complementos verbais, atos de fala não declarativos, cláusulas adverbiais e auxiliares modais, com conseqüências relevantes para a integração entre cláusulas e outros processos de gramaticalização.

Em Levando a estrutura a sério, I: constituição do sintagma verbal, quinto capítulo, Givón estuda a constituição do SV numa abordagem que mescla sintaxe e morfologia. Admitindo a complexidade da estrutura gramatical, que possui níveis de transparência e de opacidade na relação função-forma, o autor trabalha com o conflito iconicidade x gramaticalização. Dos pontos observáveis na estrutura gramatical, privilegia a hierarquia estrutural, com a afirmação de ser este o nível de maior abstração, já que não pode ser analisado apenas no plano superficial (sincrônico). A questão da organização funcional precisa levar em conta aspectos menos perceptíveis, tais como a intuição, a perspectiva diacrônica e a categorização prototípica.

A adjacência espaço-temporal é apontada como critério básico para a depreensão dos constituintes do SV. Através dela, são estudados os movimentos de extração e de referência anafórica, de incorporação do SV e a morfologia aí unificada. A hierarquia semântica e estrutural do SV varia de um nível mínimo (coordenação) a um nível máximo (subordinação) de dependência. Constituintes completos e adjacentes são os mais passíveis de supressão no SV. De acordo com a regra de incorporação, objetos, adjuntos adnominais e adverbiais podem constituir o SV.

A questão central é a constituição das cláusulas multiverbais, através da análise contrastiva de línguas de encaixamento e de serialização. Givón destaca o relacionamento sintático mais forte nas primeiras em oposição à sintaxe mais frouxa nas segundas. Para proceder ao estudo, o autor utiliza o critério TAM; através dele, é estabelecida a escalaridade da unificação morfológica nas duas modalidades lingüísticas, que resultam de caminhos diacrônicos distintos. Nas línguas de encaixamento, a complementação e a gramaticalização de auxiliares e clíticos representam as características básicas da estrutura do SV, demonstrando a maior integração aí ocorrida. Nas línguas seriais, cada constituinte verbal preserva suas marcas morfológicas, sem hierarquia entre si, com distribuição assimétrica da morfologia finita e redução de marcas TAM.

No sexto capítulo, Levando a estrutura a sério, II: relações gramaticais, o autor enfatiza o teste de dissociação semântica, o critério do aglomerado prototípico para definir categorias e relações e as propriedades de comportamento, de controle, de sujeitos e objetos. Através dos processos gramaticais básicos (promoção a objeto direto, detransitivização, complementação, causativização, nominalização, relativização, alçamento e vários tipos de referência), o teste de dissociação semântica verifica quantas são as funções desempenhadas por uma mesma estrutura gramatical, e fornece evidência para a hipótese segundo a qual sujeito e objeto são conceitos gramaticais e não semânticos. A abordagem prototípica favorece a visão de sujeito como um conceito derivado de um aglomerado de traços, entre os quais prevalecem: existência independente, indispensabilidade, referência absoluta, pressuposta ou persistente, definitude, topicalidade e agentividade. Desses traços, Givón privilegia topicalidade.

Um ponto fundamental da proposta do autor consiste em demonstrar que as relações gramaticais não formam categorias discretas, sendo antes caracterizadas por indeterminação e por gradação. Num certo sentido, as propriedades que se apresentam como universais são variáveis tanto no interior de uma língua como entre línguas. O autor oferece evidências preciosas sobre a variabilidade nas línguas ergativas e nas línguas seriais, que normalmente são pouco exploradas na literatura lingüística convencional, mais voltada para as línguas acusativas e de encaixamento. Também é preciosa a análise que oferece para a união de cláusulas, em que retoma e aprofunda aspectos da análise iniciada no capítulo anterior, sobre estruturas seriais e de complementação por encaixamento.

A hierarquia implicativa proposta por Givón estende a de Keenan (1975), com a seguinte ordem: marca de caso nominal > concordância verbal > ordenação vocabular > traços de comportamento e controle. O autor define encaixamento como o processo pelo qual duas (ou mais) séries de argumentos, cada um deles contendo relações gramaticais em sua própria cláusula, fundem-se para formar uma única cláusula, no interior da qual os argumentos de ambas as séries passam a conter relações gramaticais na cláusula unificada. Afirma também que as línguas de encaixamento encaminham-se para a união de cláusulas através da complementação verbal. Já as línguas de serialização chegam à união de cláusulas através do encadeamento de cláusulas.

Em A distribuição da gramática no texto: interpretando associações condicionais, sétimo capítulo, Givón propõe a investigação do uso gramatical em seu habitat natural: as situações comunicativas. Mais uma vez, chama a atenção para dois desvios metodológicos comuns nesta análise: o intuicionismo funcional e a iconicidade ingênua. O autor enfatiza a necessidade de uma definição heurística de função comunicativa, a aglutinar o nível social, cognitivo e neurocientífico da linguagem, que se desvincule de questões de intuição e de estrutura.

A demonstração do tratamento da associação função-forma neste capítulo é feita através da associação condicional. Trata-se da correlação de duas entidades ditas associadas: condicionais (A É B) e bicondicionais (A = B). O autor aponta a tendência de fechamento dessas associações na lógica dedutiva; propõe a direção indutiva como esfera importante para o tratamento cognitivo das questões de gramática de texto. De acordo com a perspectiva proposta, a mesma forma poderá mapear distintas funções, não o contrário. O processo cognitivo pode ocorrer da forma para a função, em direção inversa à proposta funcionalista clássica.

Para exemplificar os equívocos na análise função-forma estrita, Givón cita estudos de ordenação vocabular no Mandarim e no Tagalog. Em ambas as línguas, mostra o autor que a ordem seqüencial do nível micro (cláusula) encontra-se diretamente condicionada às relações funcionais do nível macro (texto). Ou seja, a ordem vocabular depende de questões mais amplas, tais como: topicalização, anáfora (memória), catáfora (atenção) e coerência temática. Assim, sugere que a análise funcional do uso gramatical no texto deve ser resultante de uma complexa associação de um para vários: a mesma forma (elemento visível na continuidade textual) a desempenhar múltiplas funções (entidades teórico-cognitivas invisíveis).

Givón propõe a utilização da DR (distância referencial) como medida anafórica de continuidade tópica para o estudo translingüístico da condução tópica. Embora a considere não totalmente confiável, a DR é apontada como saída para que se evite o reducionismo distribucional e cognitivo característicos dos estudos funcionalistas na esfera textual.

No oitavo capítulo, Chegando a um acordo sobre cognição: coerência no texto x coerência na mente, o autor aborda a complexidade metodológica e teórica do estudo empírico da coerência textual. Propõe o estabelecimento da relação entre as estruturas textuais (visíveis) e seus processos cognitivos motivadores (invisíveis). Parte do nível do texto para chegar ao nível da mente, postulando, mais uma vez, a perspectiva funcionalista orientada na direção forma-função, contrariando a ortodoxia inicial.

Das questões centrais da coerência textual, privilegia três abordagens: sua complexidade componencial, a relação conhecimento x gramática e os aspectos local e global de sua articulação. Na primeira abordagem, trata da coerência como memória episódica, do texto como epifenômeno, composto por estruturas hierárquicas e seqüenciais, contínuas e descontínuas, anafóricas e catafóricas. Na segunda abordagem, faz um paralelo entre dois canais simultaneamente ativados durante a compreensão textual, com suas propriedades estruturais, funcionais e cognitivas específicas: a informação lexical (nível bruto) e a informação gramatical (nível fino); naquele se encontram os modelos pré-gramaticais infantis, pidgins e afasias agramaticais e neste as estruturas convencionais sintáticas, morfológicas e os padrões entonacionais. Na terceira abordagem, analisa questões de natureza discursiva, gramatical e vocabular no nível global e local de análise.

Givón propõe o modelo híbrido léxico-gramática. No estudo dos mecanismos espaciais, temporais e temáticos de coerência, examina o nível vocabular e gramatical, em seus aspectos micro e macro estruturais. Trata ainda da coerência como mecanismo mental, através da observação dos referentes nominais, das cláusulas tópicas e dos processos anafóricos e catafóricos na construção e na condução das estratégias perceptíveis (formais) e imperceptíveis (funcionais) de coerência textual.

No nono capítulo, sobre a Co-evolução da linguagem, da mente e do cérebro, Givón envolve-se com questões interdisciplinares, que mesclam lingüística, psicologia e neurociência. Analisa os componentes funcionais da comunicação humana: o sistema de representação cognitiva e os sistemas de codificação. No primeiro, concentra-se no léxico conceptual, na informação proposicional e no discurso multiproposicional. No segundo, aborda o sistema periférico de codificação sensório-motor e o sistema de codificação gramatical, com detalhamento para os mecanismos de codificação do sinal gramatical primário: morfologia, entonação, ritmo e ordenação seqüencial.

Concebe a pré-gramática como protogramática, com as conseqüências daí resultantes: as regras da protogramática são encontradas intactas na língua gramaticalizada. Competição e compromisso estão sempre presentes: na gramaticalização, na aquisição, no processamento discursivo e no balanço dinâmico entre homogeneidade e diversidade. Na gramaticalização, a elaboração expressiva e a transparência de código são esmagadas contra a velocidade de processamento. A evolução da língua humana deve ter sido um processo interativo e multifatorado. Na biologia, a interação entre mutação randômica, comportamento adaptativo e seleção natural vem sendo amplamente aceitos. Givón sustenta a tese segundo a qual o aparato neurológico específico para o processamento da linguagem humana é um desenvolvimento evolucionário do sistema de processamento de informação visual. O processo, em cada instância, supõe a passagem de um sistema mais natural, icônico, para um sistema mais arbitrário, simbólico. Assim, o código gramatical é a última adição evolucionária ao arsenal de comunicação humana. Oferece argumentos de pré-adaptação, das línguas de sinais, das línguas escritas, do desenvolvimento da gramática e da diacronia. Como parte da proposta, a pré-gramática é concebida como protogramática: com regras extremamente icônicas, cognitivamente transparentes, não-arbitrárias, expressas nos vários princípios e subprincípios da iconicidade, enquanto a gramática resultante é consideravelmente mais arbitrária, simbólica.

Uma parte especializada em neurociência descreve o funcionamento do cérebro, com atenção para o funcionamento da visão, e de suas interrelações com o desenvolvimento da gramática. Hipotetiza-se aqui que a evolução da gramática certamente envolveu uma interação complexa entre fatores sócio-culturais, comunicativos e neurológicos. Do ponto de vista ontogenético, tal desenvolvimento é parte de uma seqüência complexa de mudanças: monovocabular > dois vocábulos > multiproposicional, com níveis crescentes de arbitrariedade.

Algumas questões podem ser levantadas como pontos críticos da obra: 1. A densidade da teoria, que compromete a compreensão. Esse excesso teórico torna o texto um tanto circular, não explícito, girando em torno de eixos que não se clarificam na obra; por exemplo, as definições de função e tipo; a aplicação do critério TAM (morfologia tempo-aspecto-modo), no quinto capítulo, e da medida DR (distância referencial), no sétimo. 2. A exemplificação sem dados da língua em uso. Apesar do autor demonstrar os fenômenos lingüísticos através de diversas línguas, essa demonstração não ocorre através de dados reais. Se a perspectiva funcionalista é, acima de tudo, a análise de usos, parece haver contradição entre teoria e prática. 3. Por fim, existe contradição aparente no estudo comparativo de línguas de encaixamento e de serialização. Se tais línguas possuem trajetórias distintas, e caminhos diacrônicos tão independentes, como considerar os auxiliares, próprios de SV encaixados, como resultado final de gramaticalização de verbos plenos, originários de estruturas seriais? Se a origem de auxiliares realmente for esta, como sustentar que línguas de encaixamento e de serialização são tão distintas diacronicamente?

Apesar das questões supracitadas, ressaltam em "Funcionalismo e Gramática" seus aspectos positivos, fruto do amadurecimento teórico e da revisão das metas empíricas do funcionalismo norte-americano. A obra de Talmy Givón corajosa e ambiciosamente desafia os funcionalistas a admitirem as pressões estruturais, a buscarem definições não-circulares e a levarem em conta os avanços das disciplinas mais estreitamente associadas à lingüística, sobretudo a psicologia cognitiva e a neurociência. Destacam-se como pontos altos do livro a amplitude, a profundidade e a reflexão com que são tratadas as abordagens teóricas, empíricas, metodológicas e interdisciplinares desse ainda recente paradigma dos estudos lingüísticos.

(Recebido em 05/08/96. Aprovado em 10/09/96)

  • KEENAN, E. O. (1975) Envolving discourse: The next step LosAngeles: University of Southern California.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 1998
  • Data do Fascículo
    Ago 1997
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