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Couto, H. H. do (1996) Introdução ao Estudo das Línguas Crioulas e Pidgins

RESENHA

COUTO, H. H. do (1996) Introdução ao Estudo das Línguas Crioulas e Pidgins. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 341 p.

Resenhado por Dercir Pedro de OLIVEIRA

(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)

Key Words: pidgin; Creole; Relexification; Nativization; Grammaticalization.

Palavras-Chave: Pidgin; Crioulo; Relexificação; Nativização; Gramaticalização.

A publicação de Couto, professor de Fonologia e Línguas Crioulas, em curso de pós-graduação da UNB, é uma boa contribuição para os estudiosos de Lingüística, principalmente porque pouca atenção tem sido dada à Crioulística no Brasil.

É forçoso dizer, como bem realça o autor, que no "no caso dos estudos crioulísticos, é bem verdade que já dispomos do livrinho1 1 Essa palavra não cabe no livro em qualquer que seja sua acepção. de F. Tarallo e T. Alkmin (1987) Falares crioulos - línguas em contato. Eles têm o grande mérito de pioneirismo." (p.9). Por outro lado, ressaltamos, de igual modo que, em suas aulas de sociolingüística, no início da década de 80, na PUC-SP e na UNICAMP, Tarallo (desaparecido muito cedo) já se dedicava a discussões sobre pidgins e crioulos.

O livro de Couto é dividido em seis partes: I - Conceitos iniciais; II - Breve histórico da crioulística; III - Hipóteses sobre a gênese dos pidgins e crioulos; IV - A crioulística moderna; V - Inventário de crioulos, pidgins e assemelhados; e VI - Textos; subdivididas em capítulos, em itens.

Na primeira parte, após a apresentação de um desfile de estudiosos a respeito do assunto, o autor nos mostra o quão problemático é conceituar pidgin e crioulo. Assim é que discorre sobre a origem da palavra, do seu significado, dos estádios de desenvolvimento, da transformação de pidgin em crioulo e da situação lingüística nas regiões crioulófonas.

A caracterização do pidgin feita por Couto, que nos pareceu mais produtiva e definida, tem por sustentação os estudos de Bollée (1977), que apresenta dois critérios: (i) lingüístico, também chamado estrutural, possui poucos fonemas, preferência pelo tipo de sílaba CV, ausência de flexão e derivação, função sintática indicada pela ordenação e léxico reduzido; e (ii) sociolingüístico, caracterizado por situação de multilingüismo, superioridade econômica e política de um povo, meio desfavorável à intercompreensão, ausência de gramática aceita pela comunidade e falta de fidelidade ao pidgin, pelo usuário.

O conceito de crioulo - bastante complexo - corresponde, segundo o autor, para a maioria dos estudiosos, a um pidgin "que se transformou em língua nativa para uma comunidade de falantes" (p.32). Também para a definição de crioulo, consideram-se os fatores: (i) lingüístico, "número de fonemas menor do que os das línguas que entraram em sua formação, pela preferência pela estrutura silábica CV, em geral em vocábulos dissílabos, ausência quase total de morfologia derivacional ou flexional, as funções sintáticas são indicadas preferencialmente pela ordem, em geral SVO e léxico menos numeroso do que o das línguas de superstrato e substrato."; e (ii) sócio-histórico, semelhante ao do pidgin. (p.34).

No que respeita às regiões crioulófonas, Couto faz uma exposição exaustiva sobre a situação lingüística, que vai desde as questões políticas concernentes à escolha da língua oficial até os problemas da ideologia do colonizador, com explicações sobre línguas pidginizadas e/ou crioulizadas como tok pisin, Hiri motu, Unserdeutsh, papiamentu, crioulo guineense, cabo-verdiano etc. Em diferentes regiões, Papua-Nova Guiné, Guiné-Bissau, Guiana Francesa, por exemplo, pode haver mais de um crioulo, línguas nativas, língua de superstrato e de uma segunda língua estrangeira. Apoiando-se em Chaudenson (1989), Couto informa que os crioulos se originaram no contexto de colonização da América, Ásia e África.

Na segunda seção do livro, o autor traça a cronologia dos estudos crioulos, valendo-se de Holm (1988), ao dizer que "O registro mais antigo de um pidgin é um curto texto de um árabe reestruturado que provavelmente era usado nas rotas comerciais na Mauritânia durante o século XI." (p.120).

Pela exposição de Couto, observa-se, de certo modo, que, por muito tempo, dinamarqueses, holandeses, alemães, ingleses e franceses se dedicaram ao estudo da crioulística. Em língua portuguesa, as pesquisas começaram, praticamente, no final do século XIX. Nessa época, surgem os estudos do filólogo português Francisco Adolfo Coelho (1880), referência obrigatória nas investigações sobre pidgins/crioulos. Diz Couto que Coelho associou "o surgimento dos crioulos à questão aprendizagem da segunda língua (...) e que ele antecipou em quase cem anos a moderna hipótese do bioprograma lingüístico, de Derek Bickerton."(p. 126) O autor faz, ainda, referência a vários nomes e trabalhos voltados para crioulística em diferentes regiões. Aliás, essa é uma seção constituída por citações e referências, num verdadeiro desafio à memória de qualquer vivente. E mais, diz ele que "alguma informação é melhor que nenhuma" (p. 138).

Na terceira parte, o autor trata da formação e transformação dos pidgins e crioulos, apresentando várias hipóteses, com breves comentários sobre elas, embasando-se em alguns estudiosos, não deixando, porém, de fazer rápidas explicações com base nas idéias de Bickerton (1984), Holm (1986), Decamp (1971), além de umas tintas sobre Chomsky (1981), sem questionamentos e reflexões.

Pelo que nos diz Couto, dada a importância que se deve dar à crioulística para a compreensão da linguagem humana, todas as hipóteses, teorias, metáforas, têm lá suas procedências para justificar o aparecimento do pidgin/crioulo, havendo entre elas até algumas aproximações. A seu ver, por falta de base empírica, duas devem ser descartadas: a monogenética e a linguagem de reconhecimento.

A obra em questão, em sua quarta parte, volta-se para as áreas lingüísticas que se preocupam, de certa maneira, com os estudos crioulos. Maiores considerações, segundo Couto, ficarão restritas à sociolingüística, à aquisição da linguagem e à lingüística histórica.

No que concerne à sociolingüística, apesar de uma ou outra restrição descabida de Bickerton (1973), sem tentar aqui realçar os clássicos problemas da academia como ciúme, prepotência, vaidade, desequilíbrio emocional, nem muito menos querendo ligar sabedoria com humildade, e, igualmente, levar em conta algum comentário estéril de Couto, que perpassa pelo livro, por desconhecimento, talvez, dos objetivos da metodologia da sociolingüística, Rickford (1988) "alinha três áreas em que houve contribuição mútua entre crioulística e sociolingüística (...) a história social (...) modelos de análise sociolingüística foram forjados no seio da crioulística (...) e a questão dos atos de identidade." (p.208).

A aquisição da linguagem, por outro lado, conforme Couto, tem-se constituído numa disciplina, cujo objeto de perscrutação aproxima-se da crioulística. O autor verificou que crioulistas (Bickerton, 1981) e (Chaudenson, 1978) e psicolingüistas (Tabouret-Keller, 1979 e Slobin, 1977) têm observado que há semelhanças entre pidginização/crioulização e aquisição de língua com base na gramática e no léxico. Afirma o autor que "... não só as crianças filhas de falantes de pidgins mas também as filhas de falantes de línguas européias iniciam a formação de sua gramática da mesmo jeito cometendo o mesmo tipo de "erros" selecionando o mesmo tipo de traços em determinada fase.". (p. 217).

Fica por conta da lingüística histórica a informação de que, para muitos pesquisadores, as línguas pidgins e crioulas são originárias de línguas européias. "A crioulista alemã Annegret Bollée afirma explicitamente que é partidária do que chama "Evolutions theorie", ou seja, de que os crioulos são continuadores diretos das línguas dominantes européias." (p.221).

Por fim, nas duas últimas partes, Couto apresenta algumas rápidas informações sobre pidgins, crioulos e assemelhados e uma amostra de textos de vários crioulos do mundo, seguindo, de certa forma, uma orientação que perpassa em toda obra que é a de apenas, como o próprio autor diz, dar notícias.

Como é de boa geometria, em qualquer trabalho de cunho acadêmico, haver entre os intentos e a possível conclusão pessoal (?) um forte amarrio, Couto cumpriu o seu objetivo que foi o de "ajudar um pouco nossa carência generalizada de material de consulta (sobre crioulística)." Não há, por conseguinte, no livro, nenhuma tomada de posição em relação a propostas divergentes, discussões sobre hipóteses, enfim são raras algumas argumentações e, raríssimas, as justificativas. De qualquer modo, tem o estudioso de lingüística um manual com muitas informações sobre o estudo da crioulística.

(Recebido em 03/02/97. Aprovado em 17/06/97)

Referências Bibliográficas

BICKERTON, D. (1973) The structure of polytectal grammars. In: R. SHUY (org.) Report of Twenty - Third Annual Round - Table Meeting on Linguistics and Language Studies. Washington: Georgetown University Press, P. 17-42.

________________ (1981) Roots of language. Ann Arbor: Karona.

________________ (1984) The language bioprogram hypothesis. The Brain and Behavioral Sciences 7, 2, p. 173-221.

BOLLÉE, A. (1977) Pidgins und kreolish Sprachen. Studium Linguistik 3, p. 48-76.

CHAUDENSON, R. (1978) Créole et langage enfantin: phylogenese et ontogenèse. Langue Française 37, p. 76-90.

_______________ (1989) Créolisation linguistique et créolisation culturelle. Etudes Créoles XII, 1, p. 53-73.

CHOMSKY, N. (1981) Principles and parameters in sytactic theory. In: N. Hornstein & D. Lighfoot (orgs.) Explanation linguistics. Londres: Longman, p. 32-75.

COELHO, F. A. (1880) Os dialetos românticos ou neolatinos na África, Ásia e América. Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa. 2a série, 3, p. 129-96. Reimpresso em Morais Barbosa (1967: p. 109-52).

DECAMP, D. (1971) Introduction: The study of pidgin and creole languages. In: D. HYMES (org.) Pidginization and creolization of languages. Cambridge: Cambridge Universty Press, p. 13-39.

HOLM, J. (1986) Dialect diffusion. In: P. MUYSKEN & N. SMITH (orgs.) (1986) Substract versus Universals in Creole Genesis. Amsterdã: John Benjamins, p. 259-78.

__________ (1988) Pidgins and Creoles. Cambridge: Cambridge University Press, vol. I.

RICKFORD, J. R. (1988) Connections between sociolinguistics and pidgin-creole studies. International Journal of the Sociology of Language, 71: 151-57.

SLOBIN, Dan I. (1977) Language change in childhood and in history. In: J.T. MACNAMARA (org.) Language learning and thought. New York: Academic Press, :185-214.

TABOURET-KELLER, A. (1979) Origine et simplicité: des langues créoles and langage des enfants. Enfance 34, p. 269-92.

TARALLO, F. & ALKMIN, T. (1987) Falares crioulos. Línguas em contato. São Paulo: Editora Ática.

  • 1
    Essa palavra não cabe no livro em qualquer que seja sua acepção.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Dez 1998
    • Data do Fascículo
      Fev 1998
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