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Sobre a Gramática das Orações Impessoais com Ter/Haver

On the Grammar of Impersonal Sentences with Ter/haver

Resumos

Este artigo mostra que sentenças existenciais integram uma classe maior de construções do Portugues do Brasil. Contrariamente ao que tem sido proposto na literatura, essas sentenças não são uma subclasse das sentenças construídas com verbos ergativos e sujeito proposto. Com base nas propriedades observadas na análise de um corpus de português brasileiro oral, sustentamos que as Sentenças Existenciais fazem parte de uma classe de construções que chamamos de construções impessoais.

Sentenças Existenciais


It is the claim of this article that Existential Sentences integrate a larger class of constructions of Brazilian Portuguese. Contrary to what has been proposed in the literature, Brazilian Portuguese Existential Sentences are not a subclass of sentences built with ergative verbs and a postposed subject. Based on the properties observed in the analysis of a corpus of spoken Brazilian Portuguese, we contend that Existential Sentences fall into a class of constructions that we call impersonal constructions.

Existential Sentence


Sobre a Gramática das Orações Impessoais com Ter/Haver.

(On the Grammar of Impersonal Sentences with Ter/haver)

Carlos FRANCHI (U. São Paulo-U. Estadual de Campinas)

Esmeralda Vailati NEGRÃO (Universidade de São Paulo)

Evani VIOTTI (Universidade de São Paulo)

ABSTRACT: It is the claim of this article that Existential Sentences integrate a larger class of constructions of Brazilian Portuguese. Contrary to what has been proposed in the literature, Brazilian Portuguese Existential Sentences are not a subclass of sentences built with ergative verbs and a postposed subject. Based on the properties observed in the analysis of a corpus of spoken Brazilian Portuguese, we contend that Existential Sentences fall into a class of constructions that we call impersonal constructions.

RESUMO: Este artigo mostra que sentenças existenciais integram uma classe maior de construções do Portugues do Brasil. Contrariamente ao que tem sido proposto na literatura, essas sentenças não são uma subclasse das sentenças construídas com verbos ergativos e sujeito proposto. Com base nas propriedades observadas na análise de um corpus de português brasileiro oral, sustentamos que as Sentenças Existenciais fazem parte de uma classe de construções que chamamos de construções impessoais.

PALAVRAS-CHAVE: Sentenças Existenciais

KEY WORDS: Existential Sentence

0. Introdução

As construções com os chamados verbos existenciais têm sido objeto de muitos estudos, dadas suas peculiaridades na configuração sintática, as questões de interpretação que desencadeiam e a função que desempenham no processo discursivo. Dadas as limitações de espaço, tivemos que impor alguns limites a nosso texto. Ocupar-nos-emos, aqui, da comparação de duas classes de construções no Português do Brasil (PB) que a literatura, em geral, aproxima - as construções de verbos ergativos com o sujeito posposto e as construções impessoais do PB, particularmente com o verbo ter.

Trata-se, na verdade, de uma introdução descritiva para um estudo mais aprofundado destas últimas que vimos levando a efeito. As construções existenciais com ter constituem uma singularidade do PB1 1 Construções com ter no sentido de haver/existir não são, porém, propriamente brasileirismos. Os gramáticos (como Silveira Bueno (1951)) registram exemplos pelo menos desde os quinhentos ( de J. de Barros, F.M. Pinto, D. de Couto, J. Freire, Vieira e Castilho). , pelo menos na extensão de seu emprego, em relação às construções existenciais com haver (predominante em outras línguas românicas) e com verbo copulativo, (possível no Português arcaico e predominante na maioria das línguas de que obtivemos descrições confiáveis). A distribuição dos verbos nas construções existenciais do PB mostra o privilégio às construções com ter sobre haver e existir, mesmo em um corpus datado e de falantes cultos como o do Projeto Nurc2 2 Os dados foram extraídos, sobretudo de diálogos entre dois informantes (D2), que julgamos mais espontâneos. Nesse caso, identificamos a fonte pela indicação da cidade em que se registrou o diálogo, seguido do número do registro: - São Paulo: SP 255, 343, 360, 62 [405.085 kb] - Porto Alegre: PA 120, 283, 37, 291 [278.726 kb] - Recife: PE 266, 279 [204.397 kb] - Salvador: BA 231, 283, 95, 98, 66 [155.775 kb] - Rio de Janeiro: RJ 158, 328 [143.377 kb] Na distribuição, levaram-se em conta somente impessoais com ter/haver com SN-complemento e construções com existir e sujeito posposto. Foram contadas como única ocorrência as reiterações de estruturas em um mesmo contexto imediato. , de que nos servimos de um modo geral. Os percentuais sobre 661 ocorrências são:

O ainda relativamente alto percentual de construções existenciais com haver não condiz com a observação de outros autores (por exemplo, Pontes, 1984) de que seu emprego é muito raro, se não inexistente, na língua oral coloquial. Lembre-se que o corpus do Nurc representa uma mescla lingüística em que a escolaridade e a norma escolar constituem, ainda, um fator social significativo na exclusão ou manutenção das formas gramaticais. Observe-se, porém, que ambos os verbos partilham os mesmos contextos nas situações relevantes para nosso estudo, o que nos leva a considerar as ocorrências de ambos os verbos, que chamaremos simplesmente CE's daqui em diante, salvo explícita distinção.

Um outro recorte é que nosso texto e as generalizações nele contidas têm um caráter exclusivamente descritivo e quase documental: visa, em parte, a contribuir para a elaboração de uma "gramática de referência" do português culto falado no Brasil, projeto coordenado por nosso homenageado. Indiretamente, quer chamar a atenção para o fato de que a prática científica pressupõe hoje uma divisão de trabalho: para uns, a exploração de linhas formais de explicação teórica, muitas vezes construídas sobre um côncavo de exemplos cruciais e, para outros o extenso mapeamento do campo - a observação, análise e interpretação cuidadosa dos fatos - que sustenta ou reorienta o esforço teórico. Nossa opção aqui não reduz, esperamos, o interesse do texto, uma vez que tratamos de fatos e propriedades gramaticais de que deve dar conta qualquer teoria que se pretenda explicativa3 3. Obviamente, a construção de uma teoria sintática explicativa das CE's não se confunde com uma lista de generalizações descritivas e de motivações semânticas ou discursivas. De qualquer modo, nestas notas, faremos indicações de possíveis vias teóricas de tratamento de tópicos específicos. Um dos autores vem desenvolvendo o estudo teórico sobre as CE's (Viotti, em preparação). .

Restringimo-nos, ainda, a aspectos gramaticais sintáticos, deixando para depois uma discussão mais cuidadosa dos aspectos semânticos e discursivos que aflorem no texto e o estudo de alguns aspectos específicos das CE's. Consideremos, inicialmente, algumas construções prototíticas, ou sejam, aquelas que predominam no corpus e normalmente servem de base à grande maioria dos estudos descritivos e teoricamente explicativos, como:

(1) Em São Paulo acho que tem um problema específico de ter-se tornado um centro industrial grande, essas coisas. (SP -343),

(2) Muitas vezes, tem lugares por aí que [os casebres] não tem [telha]. (RJ, 168)

(3) Tinha um gato preto perto dela, e ela olhou meio assim ... (SP, 343),

(4) Ali havia uns eucaliptos sendo plantados lá, não? Aonde mais ou menos? (BA, 95)

Ainda a título de introdução, vale colocar, sem discussão, um conjunto de questões específicas que a estrutura dessas orações levanta.

Primeiro, essas orações se caracterizam pela impessoalidade do verbo, colocando dois problemas de análise a resolver - o fato de que o constituinte deslocado à esquerda, quando se realiza, é normalmente um adjunto de lugar/tempo (em São Paulo/muitas vezes/ali) e o SN-argumento se realiza internamente ao sintagma verbal. Mais: entre o verbo e seu argumento interno não se pode falar em uma relação semântica de predicação, pelo menos no sentido de que aquele atribua a este um papel temático. Quais as propriedades lexicais do verbo nesse caso? qual a natureza da relação gramatical entre esses constituintes e o verbo? pode-se postular, no PB, um "sujeito" nulo, expletivo? 4 4. Não consideramos neste artigo CE's em que o verbo toma uma oração como argumento - relativas livres, infinitivas relativas, interrogativas indiretas e mesmo integrantes: (i) Não tem o que pague essa terra, não é? (BA, 95) (ii) Não teria por que o sujeito usar aquelas vestes longas, pretas. (PA, 120) (iii) Depois ainda (...) tem que cada um pegar sua lancheira. (SP, 341)

Segundo, a verdadeira predicação, no sentido semântico acima, se estabelece entre os constituintes do que Milsark (1974, 1977) e Reuland e ter Meulen (1987) chamam de "coda" das CE's: em (1) o SN-argumento um problema específico e a aposição de ter-se tornado um centro industrial grande; em (2) lugares por aí e a oração relativa que os casebres não tem telha; em (3), um gato preto e o sintagma preposicionado locativo perto dela; em (4), uns eucaliptos e a reduzida de gerúndio sendo plantados lá. É a coda predicativa um constituinte necessariamente integrante da estrutura dessas orações, conseqüência de uma propriedade lexical do verbo ou da própria "construção"?

Ainda, considere-se o fato de que essa predicação nas CE's prototípicas se ancora, de um modo generalíssimo, em um campo espaço-temporal. Nos exemplos acima a ancoragem se faz ou mediante as adjunções referidas acima ou mediante sua inserção nos constituintes da coda, seja no SN-argumento - lugares por aí -, seja no predicador - perto dela e sendo plantados lá. Questões semelhantes às anteriores se levantam aqui, tanto sobre a necessidade de postular essa ancoragem como parte integrante da construção, quanto sobre o que a licencia sintática e lexicalmente.

Enfim, inúmeros autores têm observado nessas orações a predominância dos SN's indefinidos5 5. Observe-se que, em 5, lugares por aí, embora um nome plural não quantificado, tem uma interpretação indefinida - alguns lugares por aí.] na posição interna ao SV, o que nos levaria à questão do chamado "efeito de definitude", que restringiria as CE's àquelas que corresponderiam a uma versão lingüística das intuições presentes no formalismo lógico das estruturas quantificadas existencialmente.

Em síntese, pode-se propor uma estrutura superficial como em:

(5) [ (Loc) [ X [SV V SNIndef Y ]]]

(S) S

como ponto de partida para a análise das ocorrências que permita uma descrição dos dados mais extensos do corpus.

Neste texto, entretanto, preocupar-nos-emos com as primeiras questões. Interessa-nos responder a uma questão mais geral: são as CE's do PB construções sintaticamente singulares ou devemos incluí-las em uma classe mais ampla de estruturas com semelhantes condições de interpretação e semelhante função discursiva?

1. Uma nota sobre as propriedades lexicais dos verbos existenciais.

Em seu emprego original, o verbo ter (teer) mantinha o sentido transitivo-ativo aproximado do latino tenere - manter/suster/reter, mesmo quando já co-ocorre com o verbo haver (aver) em estruturas possessivas na linguagem arcaica, com fortes indicações de estarem ambos em uma distribuição complementar: este é o que se prefere quando a relação de posse se estende à expressão de estados inerentes ao sujeito e de qualidades intrínsecas ao "possuidor"; aquele se especializa na expressão da posse de objetos exteriores ao possuidor, sobretudo quando esta implica traços de agentividade ou causa. Em outros termos, ter se contrapunha a haver por manter a especificidade de sua rede temática. Ao contrário haver, na medida em que se emprega em extensões predicativas mais abstratas (expressando outras qualificações), é um item lexical de maior generalidade e simplicidade semântica. Nas construções impessoais existenciais, em concorrência com o verbo ser, que subsiste ainda, embora raramente, nos textos quinhentistas e, depois, predominantemente, haver se especializa como núcleo funcional das orações existenciais, deixando de empregar-se em outros sentidos6 6. Mattos e Silva (1989) descreve um momento dessa história dos verbos ser/haver/ter. Para um estudo histórico mais detalhado ver Foltran (1988); Ribeiro (1993); Viotti (a sair). Quanto ao verbo haver, observe-se que orações como a seguinte são excepcionais e refletem aquisição letrada: (i) Já comprei [o material] com o dinheiro que houve de outros... que recebi, entende? (Nurc.PE, 266) .

No curso da história, estende-se o emprego de ter7 7. Por isso, a predominância das construções impessoais com o verbo ter nas CE's do Português do Brasil resulta de uma expansão relativamente recente. que se torna um verbo predominantemente estativo. Em um dicionário que considera a valência verbal e a relação semântico-gramatical estabelecida entre os argumentos do verbo, como o de Borba e outros (1990), o verbete TER se estende por várias páginas, contemplando relações, tradutíveis em diferentes paráfrases:

(6) a posse inerente, a posse transitória:

- Ela não tinha as duas pernas, (PA, 37)

- Alguém tem dinheiro, dá dinheiro para esse outro para ele construir a ponte; (SP - 343)

(7) a constatação de um estado psicológico:

- O homem tem medo do outro homem; (PA, 120)

(8) a concomitância na situação:

- O indivíduo enganado tem uma sorte medonha porque a mulher encontra tudo, (PE, 266)

- O pessoal do Rio... eles tem o clima deles; (SP, 62)

(9) a atribuição de qualidade ou de um valor ou medida:

- O progresso histórico (é) que tem importância. (PA, 120)

- O trem não tem a mobilidade do ônibus; (SP, 255)

- O Brasileiro não tem assim bons hábitos à mesa (RJ, 328)

- O maior caminhão do mundo tem oito metros de largura (BA, 98)

(10) a relação de parte/todo ou a de inclusão:

- É um carro assim de Fittipaldi que tem umas hastes [que] fazem o balizamento, (BA, 98)

- O Correio da Unesco tem assim um número excepcional sobre o problema da fome no Mundo, (SP, 255)

- Que é o que a gente tem numa escola? (BA, 231)

(11) a disponibilidade:

- Hoje o homem não tem aquele tempo necessário para fazer esta ordenação (PA, 120)

(12) a obrigação: Esse pessoal não tem marcação de ponto. (RJ, 158) e, ainda, com ter como verbo-suporte:

(13) Paciente:

- O cara tem um ataque ali na sua frente. (SP - 343)

Experienciador:

- Sou um indivíduo que tenho por São Paulo aquela admiração natural daquele que aqui nasceu. (SP, 255)

Causa

- O clima tem uma influência direta no comportamento da pessoa. (SP, 62)

Mais relevante para nossos propósitos, é que, com sujeito "locativo" ou "temporal", pode-se encontrar tanto a expressão da locação persistente ("inalienably possessed theme" em Freeze, 1992), em uma relação todo/parte e a locação eventual, circunstancial:

(14) Agora, é uma estrada que tem muita curva muita subida muita descida porque atravessa a serra do mar (BA, 98)

(15) Salvador tem um cheiro insuportável. (RJ, 158)

(16) [À noite] a cidade só tem preto, só tem preto e bicha, né? (SP - 343)

(17) E' um azar. Nossas férias sempre tem pelo menos três dias de chuva.

Valham o que valham esses termos descritivos, o que se torna evidente é que as relações semânticas estabelecidas não estão inscritas como propriedade temática do verbo ter (inclusive pela ausência de quaisquer restrições seletivas), ou seja, por ele lexicalmente acarretadas: a interpretação depende componencialmente, do sentido dos sintagmas nominais e preposicionados que formam as expressões8 8. Com respeito à organização do léxico, não é nosso propósito decidir aqui entre expressar esses diferentes sentidos em vários itens lexicais ou optar por uma representação mais abstrata - uma questão que envolve uma argumentação intra-modelo. Cançado e Franchi (ver Cançado (1995)) têm defendido que as relações semânticas ou "propriedades temáticas", embora associadas a itens lexicais, não podem ser projetadas diretamente sobre estruturas sintáticas; resultam muitas vezes de um processo componencial, dependendo crucialmente da composição dessas propriedades com propriedades semânticas dos argumentos mais internos que constituem os "predicadores" dos argumentos mais externos. De modo similar, mas em outro quadro teórico, poder-se-ia propor uma volta à noção de "sentido gramatical" (cf. Lyons (1968)) com o conceito de "construção" da "Construction Grammar", tal como a desenvolvem Fillmore e Kay (1993), Goldberg (1995). Outro modo de enfrentar a questão da polissemia seria pensar o léxico com uma estruturação mais rica, servindo-nos de processos gerativos, como propõe Pustejovsky (1995). , entre as quais o verbo ter expressa uma relação muito abstrata e inespecífica. Como no caso de haver, isto favorece o seu emprego como núcleo das orações existenciais. De fato, nesse contexto, ambos os verbos seriam mais apropriadamente tratados não como predicadores, mas como instanciação de operadores funcionais 9 9. É nesse sentido que se deve entender a afirmação de Grimshaw (1991) e Aissen (1994) de que os verbos funcionais não possuem uma estrutura argumental, ou seja, enquanto projeção de suas propriedades semântico-temáticas. : entram em uma classe fechada de "verbos funcionais". A predicação mesma se estabelece entre os dois elementos da "coda" das orações existenciais.

"Verbos funcionais" se usa acima em um sentido próximo ao de Grimshaw e Mester (1988) e Grimshaw (1991). Trata-se de verbos que, esvaziados historicamente de seus sentidos específicos (como haver) ou mantendo em determinados contextos um sentido lexical (como ter), "gramaticalizam", em outros contextos, categorias funcionais, incluindo-se entre estas, sobretudo, as que expressam modalização, quantificação e dêixis, como ocorre com os chamados verbos auxiliares. O processo ocorre a partir de verbos predicativos com sentido mais geral, menos específico 10 10. Termos como "gramaticalizar/ gramaticalização" (com o processo semântico correlato de "bleaching"), usados aqui descritivamente e de um ponto de vista diacrônico, possuem um estatuto teórico no funcionalismo, correspondendo ao uso de um item lexical para expressar operações gramático-funcionais (ver, por exemplo, Hopper e Traugott (1993)). No PB (como aliás em outras línguas) o processo se estende a verbos de movimento que expressam uma simples trajetória ( ir, vir, chegar), a verbos resultativos ( fazer, dar) e a estativos ( ser, estar, ficar) e não a verbos como correr, saltar, voar, transportar; construir, realizar, edificar; pousar, parar; etc. São exemplos: - A gente estava conversando sobre o quê? sobre família, não? Sobre família é o tal negócio: vai derivando o assunto mesmo (PE, 266) - Na psicologia se você só elimina o efeito não elimina a causa. Você chega dizer que você pode mudar. (SP, 343) - Cachorro eu nunca vi miando ou latindo. Eu também não ando ... eu não sou grande criador não. (PE, 266) - Você está no alto de um prédio ... e dá uma zebra lá na luz. (SP - 343) - Nessas viagens de trem, então não dá para observar muita coisa (RJ, 158) .

Nas construções existenciais, portanto, a extensão do conteúdo semântico das relações expressas pelo verbo ter favorece o uso como verbo funcional: ele é o portador da dêixis temporal e da quantificação aspectual da oração e, como observa Reuland (1987), sua força no enunciado, enquanto operador, consiste em alterar o domínio conversacional corrente, introduzindo nele uma nova entidade11 11. Se se fala em "entidades", deve-se considerá-las como constituindo um conjunto estruturado de diferentes tipos categoriais semânticos - objetos, tipos, estágios, estados, processos, acões, propriedades, etc. - estratégia que, obviamente, não é consensual nem a única para construir a interpretação dessas estruturas. . Nesse sentido, as CE's se incluiriam na classe mais ampla das orações com uma estrutura apresentativa que consideraremos a seguir.

2. Uma nota sobre a função discursiva das CE's.

As orações existenciais constituem um dos recursos expressivos para ampliar o universo do discurso, ou mais restritivamente, ampliar o modelo de interpretação delimitado em um texto ou dada situação de discurso (entidades, propriedades a elas atribuídas, relações que contratam). É obvio que cada expressão ou período de um discurso, inclusive pelos acarretamentos e pressuposições que contêm, altera trivialmente esse universo em relação ao discurso subseqüente: traz ao discurso elementos novos relevantes, novos tópicos - expressam a "existência" deles na situação discursiva a ser levada em conta na interpretação e entendimento da seqüência do discurso. De um ponto de vista estritamente semântico, pois, dizer que as CE's "significam a existência" tem um caráter tautológico, pouco informativo e, pois, irrelevante na linguagem corrente, salvo casos raros de seu emprego para levar o leitor a implicaturas conversacionais12 12. Desse ponto de vista, os operadores "existenciais" se assemelham a outros operadores sentenciais que não alteram as condições de verdade da sentença, como: (i) Ela não conseguiu passar no concurso. Mas é verdade que ela não estudou nem um pouquinho, A crer-se em Frege (1892), expressões desse tipo não possuem um valor "predicativo" (uma relação entre "pensamento" e a verdade desse pensamento): "a afirmação da verdade" já está - enquanto compromisso epistêmico do enunciador - na própria expressão afirmativa de (i) . Isto é pouco compatível com o largo emprego das CE's.

Mostra-se facilmente a trivialidade e inutilidade, do ponto de vista da análise gramatical, da "definição" nocional corrente - as construções existenciais como expressando a "existência" do argumento do verbo. Comparem-se os exemplos (1)-(4) às versões em:

(18)Um problema específico de São Paulo foi ter-se tornado um centro industrial grande,

(19) Muitas vezes, em lugares por aí, os casebres não têm telhas,

(20) Ela olhou meio assim um gato preto perto dela e, no dia seguinte beltrano morreu,

(21) Uns eucaliptos estavam sendo plantados lá, não? Aonde mais ou menos?

Mesmo com SN indefinido, as orações (18)-(21) pressupõem todas (e, na sua forma afirmativa, acarretam) a existência de um problema específico em São Paulo, de certos lugares por aí, do gato preto perto dela, dos eucaliptos sendo plantados. Mais do que uma "predicação de existência", suscetível de avaliação em uma semântica de valores de verdade, as CE's contêm uma "instrução" sobre o que compreender no universo do discurso e como compreendê-lo.

Deve-se, assim, expressar a função dessas construções, especificamente a operação expressa pelos verbos existenciais, em termos de uma semântica instrucional ou discursiva, ou seja, como mecanismos explícitos na sintaxe das orações que se devem interpretar não como objetos e processos integrados à representação da eventualidade ou situação que se descreve (suscetível de uma semântica em termos de valores de verdade), mas como instruções sobre o modo de organização do discurso, ou sobre o modo pelo qual os interlocutores compreendem e, eventualmente (re)constróem, as condições de produção e interpretação do discurso. No caso das CE's, uma instrução relativa ao universo de discurso ou ao modelo a ser levado em conta na interpretação13 13. Reuland (1987) explora a idéia de que as CE's exigem um diferente procedimento de avaliação das condições de verdade. No caso de orações como: (i) a. Uma estrela é branca, b. Estrela existe, pode-se ter acesso (ou percorrer) o conjunto das estrelas que se considera completo em uma dada situação e verificar se pelo menos uma delas possui a propriedade de ser branca ou percorrer as entidades do mundo até encontrar uma que corresponda à propriedade de ser uma estrela. Assim, podem-se avaliar (i) a. e b. em relação a um dado domínio discursivamente delimitado. Ao contrário: (ii) Olhe, tem uma estrela ali que é branca, já não pode ser avaliada da mesma maneira. Suponha-se que não se vê qualquer estrela no céu escuro. Subitamente, uma nuvem se abre e alguém diz (ii). Obviamente, não faz sentido tentar avaliar (ii) com respeito a um domínio discursivo corrente: (ii) corresponde a uma instrução para substituir o modelo de interpretação, em que não há nenhuma estrela, por outro em que existe uma estrela branca. Obviamente, a predicação que relaciona os dois constituintes da coda das CE's, esta sim pode avaliar-se em termos veritativos com base no modelo ou universo de discurso estendido pela operação expressa pelo verbo existencial. Contrapor uma semântica em termos de valores de verdade a processos instrucionais discursivos (sintaticamente explícitos na oração) - já mostra como, de um ponto de vista estritamente gramatical, consideramos redutor e inadequado o tratamento das construções existenciais como a versão lingüística das intuições subjacentes à noção e formulação da quantificação existencial da lógica clássica dos predicados (Milsark (1974), (1977), e tantos outros), mesmo quando se estenda pelo instrumental mais preciso da quantificação generalizada (Barwise e Cooper (1981), Keenan (1989), entre outros). O tema merece uma longa discussão que não podemos fazer aqui. .

Em outros termos, a oração pode ser estruturada de modo a destacar um constituinte na memória imediata que, ou vai dominar o discurso subseqüente para que o interlocutor leve em conta um universo mais amplo na reconstrução temática do discurso situando o tema em outra perspectiva, ou vai introduzir um novo elemento no discurso precedente que o explica, justifica, exemplifica, reorienta, como recurso argumentativo que situe o interlocutor na mesma perspectiva do locutor. À motivação discursiva da estruturação sintática das CE's ou "construções apresentativas" podemos dar o nome de "função apresentativa" e ao processo sintático que coloca em proeminência um de seus constituintes, de "foco apresentativo". São termos que tomamos emprestados a Bolinger (1971), Hetzron (1975), que os associam ao papel no discurso de construções com inversão locativa em inglês e em várias línguas, que se acompanha da posposição do sujeito14 14. Perlmutter (1976), (1978) fala em perda do sentido de tema ("lack of thematic meaning") em oposição ao caráter temático e de topicalidade do sujeito anteposto; Guéron (1980) e Nascimento (1984) se servem, para o contraponto, da oposição apresentação vs. predicação. .

Dois exemplos esclarecem melhor essa vaga descrição das condições de seu emprego, em relação aos discursos subseqüente e precedente:

(22) a.[Fala-se de parto e parturientes, das dores do parto, dos novos métodos de parto sem dor que modificam o trabalho das mulheres. Em seguida, amplia-se o universo do discurso:]

Tinha uma gatinha em casa que eu acordei um dia ela tinha tido três gatos ou quatro, num sei quantos, e tinha um atravessado

como chama? - atravessado: ele veio de de nádegas, não sei como é... — É, de perna, de dorso. — Ela estava lá deitada, não estava gemendo, não estava fazendo nada. Porque ela podia estar miando, não é? como uma cachorra podia. — Dá... às vezes dão um miadinho; um miadinho longe mas dão, uá, uá... Puxei pela perna...etc. (PE, 266)

[E no discurso subseqüente se introduzem os temas do doente chorão e do parto por cesariana.]

b. [Explicando o papel de um "head-hunter", mediando as difíceis relações entre a pessoa comum e a administração das empresas]

— Então eles [as pessoas comuns] têm que telefonar de um modo que não seja identificado (...) e conversar com a pessoa diretamente. Agora, normalmente também, para chegar nessas pessoas, tem uma série de barreiras, porque não são pessoas que direto "eu quero falar com o Zé da Silva" e o Zé da Silva atende do outro lado, né? Tem... — O secretário da secretária. — Tem secretária que querem saber o porquê, o motivo que quer falar com aquela pessoa e tudo isso. (SP, 360)

Embora isso nos ajude a compreender um aspecto relevante para a análise e explicação das CE's, não as distingue precisamente de outras construções sintaticamente incomparáveis. A introdução de um novo elemento no domínio do discurso (com suas conseqüências semânticas), pode fazer-se mediante outros recursos expressivos de mudança de tópico e operadores conversacionais, como se observa, por exemplo, nas passagens destacadas de:

(23) [Nas grandes cidades] é um geral de insatisfação. Por exemplo poluição. Agora todo mundo fala [de] poluição. O controle, não dá para haver controle de poluição. Só os mais gritantes é que são publicados em jornal et cetera e se controla, mas os pequenos não. Essas companhias de ônibus desses ônibus fumacentos, né? não há controle. Os americanos já estão bem mais à frente, né? Para você ver, a moto aí, ela não faz barulho, por quê? Tem uma linha americana que impõe setenta e cinco decibéis de barulho; passou disso, não pode fabricar o veículo, né? (SP, 343)

Inversamente, CE's prototípicas com ter ou haver na forma impessoal, podem empregar-se com uma interpretação predicativa de "existência" (como em uma sentença com existir com sujeito anteposto). Basta, para tanto, deslocar o foco do SN para o verbo:

(24) a. Aí [nessa questão] eu não entrei: se TEM algum sistema de hierarquia, (SP, 343)

b. ... se algum sistema de hierarquia existe;

(25) a. Cem anos atrás não TInha [essa] histeria, (SP, 343)

b. Cem anos atrás essa histeria não existia,

(26) a. No caso do Rotary Club, obrigações, né?, o que não existe no caso da associação de classe profissional (BA, 283),

b. No caso do Rotary Club, as obrigações existem...

O que se tenta deixar evidente é que as CE's que estudamos se devem explicar pelas propriedades estruturantes lexicais e sintáticas que as distinguem e caracterizam para uma determinada função discursiva e não inversamente15 15. Os textos que privilegiam aspectos pragmático-discursivos trazem, entretanto, importante advertência contra a tentativa de dar conta da interpretação das CE's exclusivamente mediante um enriquecimento excessivo da base sintática. Assim, vale confrontar hipóteses como as de Safir (1985), Belletti (1988), Lasnik (1993) e outras por eles referidas, a textos como os de Hetzron e Bolinger, já citados, ou os de Bresnan e Kanerva (1989), Bresnan (1994), Abbot (1993), entre outros. .

3. Uma classe de construções apresentativas.

Na linha da reflexão intermediária do item anterior, uma primeira aproximação comparativa se deve fazer com outras construções apresentativas do PB. Trata-se de orações com verbos ergativos - como acontecer, aparecer, chegar, existir, faltar, ir, ocorrer, sobrar, surgir, vir, e similares - em que o "sujeito" vem posposto ao verbo, cuja estrutura, no PB, vários autores assimilam à das CE's, não inteiramente sem razão16 16. Usamos "ergativo" para designar uma classe de verbos mono-argumentais (Perlmutter (1976), (1978); Burzio (1981); e daí em diante), que se distinguem de outros intransitivos por propriedades sintáticas que seu argumento compartilha com o objeto direto dos transitivos. Embora essa distinção não seja tão claramente visível no PB, "ergativo" continua uma etiqueta cômoda para a classe de verbos a que nos referimos. Por outro lado, expressões como "posposto/anteposto", "posposição/ anteposição" ou como "inversão", "movimento" "deslocamento" e similares, não significam nenhum compromisso com processos ou operações sintáticas, tal como se empregam em vários quadros teóricos. Sobre a inclusão desses verbos entre as existenciais (ou vice-versa) ver, particularmente, Nascimento (1984), que continua uma referência obrigatória. Citando Perlmutter (1976) (que cita Thomas (1969)), o autor lembra que, na maioria, se trata de verbos que expressam a afirmação ou a denegação da "existência", presença ou ausência em uma determinada situação. Ver, ainda, Zubizarreta (1982); Nascimento e Kato (1990); Negrão (1992); Silva (1996). . De fato, a maioria das construções com esses verbos entram em contextos similares aos que vimos para os verbos ter/haver e são mesmo muitas vezes substituíveis uns pelos outros com pequenas diferenças de nuances de sentido. Além das construções com existir, observem-se:

(27) Ultimamente apareceu [/tem tido] um programa que estava num nível razoável, no domingo, que é o `Fantástico' né? (SP, 255)

(28) Antes de Dom Pedro era uma ponte de madeira. Lá um dia veio [/teve] uma cheia e levou tudo. (PE, 266)

(29) Daqui a pouco o pessoal vai começar a perder prazo, porque chega [/tem] um ponto que o acúmulo [de serviço] é muito que o acúmulo é tão grande que não dá tempo da gente [fazer] (SP, 360)

o que leva, às vezes, os entrevistados do Projeto NURC a uma dúvida sobre o item lexical a escolher:

(30) Não tinha nem lugar no hospital, né? Não tinha. E quando viram que era particular, então apareceu apartamento com ar condicionado, com telefone, com isso e com aquilo. Aí apareceu... aí tinha lugar. (PA, 283)

(31) Como eu disse, eu calculo. Tem... vem um montão de coisa diante de mim, passa por mim e continua. (SP, 343)

Mais relevantes são várias propriedades lexicais e distribucionais comuns. Em certos casos, o verbo deixa de expressar uma relação de predicação ou relação temática com o argumento interno (o "sujeito" posposto), como em (29), (30) e:

(32) [Falando da busca de mão de obra] Então chega uma outra firma e diz assim: "Preciso um gerente de produção. (SP, 360)

(33) Sinceramente, eu não entendo o porquê da pergunta. Aí vai só uma questão de opinião. (PA, 120)

(34) Cooperativa é a melhor solução para enfrentar de uma maneira mais eficiente uma série de problemas, porque aí vem a parábola das varas, aquela que um grupo associado tem muito mais resistência. ( PA, 235)

(35) Depois acabaram os bondes, ainda veio os ônibus, ein?, que é pior ainda, eu acho. (SP, 396)

Essas construções recolocam questões similares às que fizemos na introdução, visto que realizam internamente ao sintagma verbal o seu único argumento SN e nem sempre apresentam concordância verbal, embora raramente no corpus do Nurc17 17. Ver abaixo o quadro comparativo destas construções e das CE's com ter/haver no que diz respeito à concordância. , como em (35) e:

(36) Se eles não quisessem que levantassem tanto os preços, eles não precisavam. Existe muitos outros meios de transporte que não são explorados. (PA - 283)

(37) Aí então começou a aparecer os vestidos feitos, mas muito pouco e pouca gente usava vestidos (...) E também aparecia o canudo de pito. Canudo de pito era bem apertadinha, bem apertada na manga. (SP, 396)

(38) Eu vou de moto, eu choro. Sai lágrimas. Bom é que estou andando sem óculos .... Então sai água (SP - 343),

(39) Foi uma sorte que foi localizado [o estoura das bombas]. Então, todo mundo ficou assustado. Morreu cem mil de uma vez, blá, blá, blá (SP, 343)

A maioria delas, como no caso das CE's, possui uma predicação secundária associada ao sujeito posposto, constituída por um sintagma em aposição como em (34), por uma oração relativa como em (29), (35) e (36), por um sintagma preposicionado locativo como em (31) ou, ainda, por uma reduzida de gerúndio ou particípio:

(40) [Na estrada] de vez em quando aparecem as riscas no chão marcando o início de pista. (BA, 98)

(41) É, o pato é assim. Ele vem o pato cozido, feito uma espécie de canja. (PE, 151)

Nelas se repete, ainda, o mesmo fenômeno de uma ancoragem espaço-temporal explícita, como se pode facilmente observar em todos os exemplos acima, e a predominância dos SN's indefinidos, embora não tão acentuada como no caso das CE's que estudamos18 18. Deve-se considerar que, no corpus, o SN-posposto aparece em três formas: a) com um determinante indefinido (ou quantificador fraco, no sentido de Milsark (1977) ou de Barwise e Cooper (1981)): o artigo indefinido e quantificadores como algum, muito, vários, etc; b) com um determinante definido (ou quantificador forte) como o artigo definido, demonstrativos, possessivos, todo, etc.; e c) sem determinantes, os chamados "bare-NP", no plural e no singular. Quanto a estes últimos, deve-se observar que, em determinados contextos, parte deles apresenta uma clara interpretaçõo indefinida: (i) Existe(m) gente/pessoas/carros por aí que... Outros, ao contrário, possuem uma leitura de tipo ou de classe: (ii) a. Eu percebi que existe(m) político(s) honesto(s) quando fui político. b. Ali chega de tudo: chega(m) pobre(s), chega(m) rico(s), chega(m) remediado(s). Estes, em qualquer quadro teórico, difícilmente se interpretariam como SN's indefinidos. Levadas em conta essas observações, a distribuição dos SN's-pospostos com respeito à (in)definitude, em CE's com existir e em construções com outros verbos ergativos, é a seguinte: .

Todas essas correspondências estruturais permitem naturalmente pensar-se em um tratamento uniforme das CE's do PB e construções com verbos ergativos e sujeito posposto. Mas isso pode levar a falsas generalizações. Convém, pois, deslocar a atenção para as diferenças.

Comecemos pelo fato de que, tanto nas CE's quanto nas construções aqui consideradas, o SN-argumento se realiza internamente a SV, posposto a V. Guéron (1980), por exemplo, na formulação e notação da versão contemporânea da gramática gerativa, contrapõe as estruturas sintáticas resultantes com sujeito anteposto e com sujeito posposto a duas distintas formas lógicas, uma predicativa, outra apresentativa:

(42) a - Predicação: [S SN SV ],

b - Apresentação: [S Vi [S SN ... vi...]]

a primeira correspondendo termo a termo a sua estrutura superficial, a segunda derivada por movimento (adjunção à esquerda do núcleo verbal) de que resulta sua focalização. Nesta estrutura, altera-se a relação de escopo entre o argumento e o verbo: na predicação, o sintagma verbal está no domínio de c-comando do sujeito; na apresentação, o sujeito está no escopo do verbo. No fundo, trata-se de formalizar a noção intuitiva de "sujeito posposto" 19 19. Como observa Nascimento (1984), uma tal operação produz o mesmo efeito que uma regra de posposição do SN-sujeito, como propõe Perlmutter (1976), (1978). Ou o mesmo efeito que qualquer operação que reordene essas relações de escopo/c-comando como diferentes movimentos a posições funcionais ou ainda a não promoção do argumento tematizado no interior do sintagma verbal para uma posição externa, seja por motivos sintáticos baseados em uma teoria dos Casos, seja para manifestar a relação discursiva específica de "sujeito" (sua "topicalidade"). . As regras de interpretação dessas duas estruturas dariam sentido à distinção entre predicação e apresentação (agora, nomes descritivos de duas estruturas sintáticas). No primeiro caso, o sujeito se interpreta como referindo-se a um indivíduo cuja existência é pressuposta no universo do discurso; o sintagma verbal expressa uma propriedade do sujeito, que é, pois, um sujeito temático. No segundo caso, o sintagma verbal denota, essencialmente, a introdução do sujeito no modelo do discurso.

Essa estrita compartimentação das interpretações predicativa e apresentativa, com base na posição sintática do argumento, incluindo-se na segunda às CE's não tem, porém, sustentação empírica e deriva de uma confusão entre "predicação" como uma estrutura sintática (Rothstein, 1983; Williams, 1980; entre outros) e "predicação" como relação semântica cujo conteúdo se pode expressar em termos de relações temáticas (Jo Napoli, 1989; Williams, 1995; Franchi, 1997). Comparem-se, inicialmente, orações com existir que se constróem com argumento externo ou interno; é difícil precisar, por algum critério semântico conveniente, a diferença de interpretação suposta em:

(43) a - Os deveres do associado não existem propriamente assim; é obrigações, né? (BA, 283)

b - Não existem propriamente assim os deveres do associado; é só obrigações, né?

(44) a - [Falando do valor social atribuído às ciências humanas]: Eu acho que não existe esse valor. (PA, 120)

b - Eu acho que esse valor não existe.

Com outros verbos ergativos, é maior a dificuldade de contrapor uma interpretação temático-predicativa a uma interpretação apresentativa, não temática, com base na propriedade sintática da posição do argumento. Embora, em exemplos como (29), (30) e (32) a (35) acima o verbo deixe de expressar uma relação de predicação ou relação temática com o argumento interno, ou seja, deixe de acarretar lexicalmente traços semânticos que o caracterizem como um tema - objeto movido ou locado no sentido de Gruber e Jackendoff - estes casos, que poderiam ser incluídos entre as CE's, são excepcionais. Mais habitualmente, o deslocamento do sujeito para uma posição de foco apresentativo, não exclui a interpretação temático-predicativa20 20. Das 76 ocorrências analisadas no corpus, somente 18 delas se interpretam exclusivamente como apresentativas, excluindo uma interpretação temática, ou seja 23.68% contra 76.31%. A inadequação da análise fica mais evidente quando se sabe que verbos intransitivos de atividade (não-ergativos), construções passivas e construções com verbos copulativos, em que não se pode falar de uma interpretação não temático-predicativa, se constroem também comumente com sujeitos pospostos. Ver, porém, Nascimento (1984), Silva (1996) que sugerem que, por essa razão, esses intransitivos devem ser tratados como "ergativos" no PB, não sem uma certa circularidade. , como se pode ver em (27), (28), (38), (39) e em:

(45) Chegou lá no escritório dele [do meu pai] um camarada pedindo lá contribuições em dinheiro. (PA.37),

(46) Ficaram de mandar um outro par de asas. E num me chegou até hoje esse par de asas. (PE, 266)

(47) Eu vi, numa estrada, um carro especial que passava no meio da pista (...) e saía pintando [as faixas]. Quilômetros atrás vinha um outro carro com uma plataforma e um sujeito sentado nessa plataforma. Na medida que o da frente pintava, ele ia soltando uma bandeirinha pra mostrar que a pista estava pintada. O tempo bastante pra que a pista tivesse secado, vinha um outro carrozinho com um sujeito sentado numa plataforma baixa e recolhendo as bandeirinhas, né? (BA, 98)

Esses dados nos mostram que predicação e apresentação não são, na verdade, noções mutuamente exclusivas, nem se incluem em uma mesma classe homogênea de relações semânticas que a sintaxe explicita. O caráter focal, mesmo apresentativo, do argumento interno não exclui a relação de predicação nestas construções, o que as distingue claramente das CE's com ter/haver cuja interpretação, como observamos em 1.1, é estritamente apresentativa, sem atribuição de qualquer papel temático, estabelecendo-se a predicação, quando é o caso, somente entre os dois elementos da "coda".

Essa distinção está correlacionada a outras. Já observamos de passagem que, no caso das ergativas com sujeito posposto, a não concordância do verbo com o argumento interno é rara, mesmo que significativa; ao contrário, é quase a regra no caso das CE's, como se verá em 5. Também não se pode falar que predominem as construções com SN-indefinido nas ergativas. Das 76 ocorrências analisadas no corpus, em 39 casos (51.31%) o sujeito posposto é definido; em 37 casos (48.68%), o sujeito é indefinido.21 21. - Esses dados mostram que se deve colocar sob suspeita a extensão do "efeito de (in)definitude" a essas construções no PB (Nascimento (1984); Silva (1997)), embora observado em construções similares em outras línguas.

Esses fatos apontam para uma clara diferença estrutural que convém examinar com mais cuidado.

4. Uma classe de construções impessoais no PB.

Bresnan e Kanerva (1989) e Bresnan (1994), com base em dados de diferentes línguas, como no inglês:

(48) a. The tax collector came back to the village

b. Back to the village came the tax collector,

(49) a. Some people arrived on the scene

b. ?There arrived some people on the scene,

mostra que essas estruturas, similares às que vimos em 3, estão restritas a verbos intransitivo-ergativos (be, sit, come) e passivas construídas sem o sintagma agentivo (by-phrase): ocorrem sob duas condições, relativa uma à estrutura argumental temática dos verbos, outra, à expressão da relação discursiva de foco/pressuposição:

(50) a. a estrutura argumental é

V: <Tema, Locação>, sendo o tema a relação proeminente em uma hierarquia temática e, pois, selecionado como argumento externo (exemplos a. em (48)-(49)), salvo quando:

b. o tema é deslocado para (engendrado na base em) uma posição interna ao SV (exemplos b.) para marcar-se sintaticamente a função discursiva de foco apresentativo.

Excluem-se, em princípio, dessas estruturas, os verbos transitivos. Entretanto, alguns verbos não ergativos, que se constróem em outros contextos como transitivos, podem, no PB, sofrer um processo de detematização do agente ou de impessoalização, com resultados temáticos e discursivos semelhantes22 22 . - Fatos semelhantes ocorrem no chinês, como observa Fan (1996). . Referimo-nos, inicialmente, a construções com o verbo dar quando empregado com um sentido "resultativo", ou seja, acarretando lexicalmente para o argumento interno (objeto direto) a afirmação ou a denegação de aparecimento/presença ou não-aparecimento /ausência em uma determinada situação, como no caso dos ergativos estudados (ver nota 16) 23 23 . - Os exemplos marcados com um asterisco fazem parte da anotação informal de ocorrências por um dos autores. :

(51) a. A minha chácara dá umas nanicas enormes,

b. Dá umas nanicas enormes na minha chácara. (*)

No corpus analisado existem inúmeras ocorrências dessas estruturas:

(52) — Você está no alto de um prédio e uma zebra lá na luz. — Cinqüenta andares! — Não tem mais escada, porque os elevadores já são perfeitos, né? (SP, 343)

(53) Mas se usar essa pimenta, chamada pimenta da terra, então ela ao ponto, essa pimenta frita com as cebolas, é exatamente que quebra o tom de excesso de cebola e ao mesmo tempo da pimenta, e um aroma! (PA, 291)

(54) [Falando da necessidade de poupança] Imagina se um aperto, ou acontece qualquer coisa, a gente não tem dinheiro pra pagar as prestações agora. Aí é que complicação. (PA, 283)

(55) Aí Deus chegou, criou a Rússia, então deu aquelas estepes magníficas, mas deu a Sibéria, aqueles gelos eternos, etc., e assim foi. (PA - 120)

Mas o fenômeno se estende, pelo menos na linguagem coloquial, a outros verbos transitivos24 24. Registremos somente o possível emprego transitivo-causativo desses verbos: (i) a. Você está gravando direito aí nesse gravador? b. Esse gravador está gravando direito aí o que você está falando? (SP, 343) (ii) a. A gasolina que você usa tá fazendo aquele barulhinho esquisito no motor, b. O motor tá fazendo um barulhinho esquisito; (iii)a. O pessoal só enche o saco nessas reuniões do departamento, b. Essas reuniões do departamento só enchem o saco; (iv)a. A tempestade de ontem molhou tudo os quartos em casa, b. Os quartos em casa molharam tudo na tempestade de ontem; (v) a. Eu não consigo escrever nada nessa lousa, b. ? Essa lousa num tá escrevendo nada. , mesmo quando se mantém a relação temático-predicativa do verbo com o argumento interno subsistente:

(56) Você viu se está gravando direito aí [nesse gravador]? (SP, 343)

(57) Tá fazendo aquele barulhinho esquisito no motor que você disse que ouviu ontem? (*)

(58) Foi bom que você não foi. Só enche o saco nessas reuniões do departamento pra discutir currículo, (*)

(59) Molhou tudo os quartos em casa na tempestade de ontem. O beiral estava entupido (*),

(60) Tá cheirando queimado na cozinha! (*)

(61) — Num tá escrevendo nada nessa lousa. — Ela tá úmida. (*)

É fácil observar como as orações impessoais correspondem estruturalmente às CE's com ter: ausência do argumento externo, argumento interno focalizado, não concordância com esse argumento, predominância do SN-indefinido, função discursiva apresentativa. Não se trata de um fenômeno restrito que, no PB, se atribua exclusivamente a propriedades semânticas ou discursivas das CE's. Ele se estende mesmo a verbos transitivo-causativos em que o SN designativo de lugar ocuparia a posição interna de objeto direto do verbo transitivo, e admitem intransitivação ergativa, como:

(62) a. Encheram as estantes de livros que a gente não lê,

b. As estantes (se) encheram de livros que a gente não lê,

c. Já encheu de livro nas estantes que a gente não lê, (*)

(63) a. Cuidado que as formigas estão cobrindo essa grama,

b. Cuidado que essa grama está coberta de formigas,

c. Cuidado que tá coberto de formiga nessa grama; (*)

e, mesmo, a construções predicativo-estativas:

(64) Se você cava sem Schield, desaba tudo, que está cheio de prédio em cima, né? (SP, 343)

(65) Você também percebe: em São Paulo, é muito mais cultivado do que em Minas. (RJ, 158)

(66) No interior, está mais próximo de passado do que de futuro. (SP, 343)

(67) Na hora que eles aparecem em comunidade, fica tudo ótimo: Todo mundo muito em simbiose, muito dependendo um dos trabalhos dos outros. (SP, 343)

e se reencontra com SN's-sujeito designativos de tempo, como em (67) e em construções impessoais com o verbo chegar, freqüentes no corpus:

(68) Eu saldo meus compromissos. Quando chega na hora de comprar mais roupa ela não pagou ainda aquela, aí nasce o problema. (PE, 266)

(69) Chegava na hora do almoço, eu ia ali, tinha uma lanchonete ali perto que era ótima, que tinha salada, tinha coisas assim, entende?. (PA, 37)

Diferentemente do que prevê a generalização descritiva de (50) as propriedades comuns dessas construções e estrutura argumental associada aos verbos que nelas entram, podem ser resumidas:

(70) a. trata-se de verbos que podem selecionar um argumento externo não-animado, designativo de lugar/tempo (ver Freeze, 1992), seja porque sua diátese lexical o autoriza, seja porque sua diátese transitivo-causativa se reduz por um processo de ergativização:

V: <Locação, Tema>

b. o Locativo (não o tema!) é deslocado para (engendrado na base em) uma posição periférica como um sintagma preposicionado (aparentemente incidindo sobre ambos, tema e locação, o foco apresentativo):

[SNlugar [ V SN]] Ö[ 0 [[V SN] Sprep locativo]]25 25. Matoso Câmara (1972) já observava a tendência a fazer do "locativo" um "sujeito psicológico", ou seja, a tendência de construir-se como complemento de lugar preposicionado o "lugar", que deveria ser o "sujeito gramatical".

A explicação das estruturas impessoais consideradas deve estar, pois, ligada a dois fenômenos mais gerais. O primeiro se refere ao fato de ser a posição de "sujeito" o alvo imediato das operações que alteram a diátese verbal - passivação pessoal e impessoal, causativização, ergativização (Burzio, 1981; Roberts, 1987), o que se expressa bem no Princípio do Argumento Externo de Borer e Wexler (1987), a que damos aqui uma versão informal mais abrangente:

(71) Salvo especificação em contrário, são externos todos os argumentos ou papéis-q que são apagados (ou acrescentados) por uma operação.26 26. O fato decorre de várias propriedades associadas (ou não associadas) a essa posição: ela não é propriamente uma posição subcategorizada nem tematizada pelo núcleo verbal (Chomsky (1981), (1986)), podendo ser preenchida por um expletivo lexical em inúmeras línguas, eventualmente nulo em outras como o português, sem valor para a interpretação; seu papel na determinação componencial do sentido do verbo é reduzido, senão inexistente, ao contrário do objeto direto (Marantz(1984)). Zubizarreta (1987) e Hale e Keyser (1991) assumem explicitamente que o sujeito (o argumento externo) não está presente na representação lexical ("Lexical Relational Structure" -LRS) pelo menos enquanto um ponto na projeção dessa representação e, pois, não recebe do verbo o seu papel temático e sim o recebe por um processo construtivo ("constructional"), ou seja, efetivado em uma configuração sintática de predicação.

Por outro lado, no PB, deve-se considerar a possibilidade de reinterpretação do SN-sujeito designativo de lugar/tempo como um locativo que, por ser a função menos proeminente na hierarquia temática ou de topicalidade, se realiza perifericamente como um sintagma preposicionado adjunto.

Do ponto de vista sintático, é nesta classe de construções que se devem incluir as CE's do PB. Já falamos em 1, ao apresentar os exemplos (14) a (17), que o emprego locacional do verbo ter (e de haver, em um dado período histórico) favoreceu a extensão da seleção categorial do "sujeito" a entidades inanimadas, abstratas, inclusive locativos27 27. Como já se observou (Lyons (1967); Hoekstra e Mulder (1990); Freeze (1992); entre outros), posse e locação, em determinados contextos, são noções proximamente correlatas; por outro lado, se uma entidade se situa ou se mostra em uma determinada locação isso implica que ela "exista" nessa circunstância: (i) a. Campina Grande tinha uma feira na frente de minha casa, b. A feira, em Campina grande, era na frente de minha casa, c. Em Campina Grande, em frente de minha casa, tinha uma feira; (PE, 279) (ii) a. Eu gosto de Salvador. Tem um cheiro insuportável a cidade às vezes, (RJ, 168) b. Eu gosto de Salvador. Tá um cheiro insuportável na cidade às vezes, c. Eu gosto de Salvador. Tem um cheiro insuportável na cidade às vezes; (iii)a. Eles jogam o que tiverem nas mãos, b. Eles jogam o que estiver nas mãos, c. Eles jogam o que tiver nas mãos. (RJ, 158) Este último exemplo notado no corpus permite, aliás, sem perda de sentido no contexto, tanto uma leitura como (iii-a), em que tiverem por tiver é um caso de não concordância, quanto uma leitura como (iii-b), em que tiver é forma aferética de estiver. Não estamos assumindo que essas alternativas se derivem sincronicamente umas das outras, como sugere Lyons. Vejam-se outros autores citados por Lyons e a refutação dessa hipótese em Breivick (1981). . Não é sem razão que se aproximam as orações em (a) das orações existenciais em (b):

(72) a. A zona de Ituberá, Valença, por aí, tem muitas plantações,

b. Tem muitas plantações na zona de Ituberá, Valença, por aí; (BA, 95)

(73) a. A cidade pequena não tem esses problemas, não é?, (SP, 343)

b. Na cidade pequena, não tem esses problemas, não é?;

(74) a. O verão tem tudo que é fruta,

b. No verão tem tudo que é fruta. (PA, 37)

Nesse sentido, a hipótese implica que as CE's do PB devem ser analisadas como estruturas específicas, sem parentesco sintático com as CE's com o verbo existir e das CE's com verbo copulativo, comum em outras línguas e presente no português arcaico. Nestas, a alternância "anteposição/posposição do sujeito" se comporta no paradigma generalizado em (50) dos verbos ergativos que estudamos em 3, e não na generalização (70):

(75) a. [As cartas de recomendação] Isso existe em todo local, né?: precisa realmente ter aquela recomendação mandado por fulano de tal. (SP, 62)

b. Existe isso em todo local, né?

(76) a. Raciocínio, o aluno não tem, né? Essa palavra não existe pro aluno.

b. Raciocínio, o aluno não tem, né? Não existe essa palavra pro aluno. (PA, 283)

(77) a. Gram santidade era no homem (Mattos e Silva, 1989)

a. Era gram santidade no homem;

(78) a. Two books are on the table.

b. There are two books on the table,

Tendo em mente essa hipótese geral, podemos agora considerar problemas específicos que se colocam para nossa análise e descrição.

5. O SN-argumento das CE's: um complemento.

A hipótese geral que formulamos acima pressupõe que o SN-argumento nas CE's é sempre um argumento interno, um objeto direto do verbo existencial de que recebe o Caso acusativo. A hipótese não é tranqüila28 28. A hipótese contraria, desde logo, a generalização de Búrzio que suporta inúmeras análises no quadro da Teoria Gerativa: - "Se um verbo não atribui papel temático ao sujeito, então não atribui Caso à posição do complemento" valendo para verbos na passiva, verbos de raising e verbos ergativos, entre os quais se pode incluir be/ser. Entretanto, inúmeros fatos, em várias línguas, tornam essa generalização insustentável. Vejam-se, entre outros, Everett (1986); Whitaker-Franchi (1989), Cançado (1995) sobre o português (e o latim); Rothstein (1983), sobre o russo e o islandês; Dubinsky e Nzwanga (1994), sobre o Bantu; Borer (1986), sobre o Hebreu. Não cabe aqui discutir as conseqüências dessas diferentes hipóteses no quadro da Teoria Gerativa. . Há, por exemplo, os que defendem, como Pontes (1984), que o SN nas CE's é "sujeito" posposto, como no caso das orações com existir.

A favor de uma análise desse SN como um "sujeito", pode-se lembrar a observação de casos em que o verbo existencial concorda com ele. Mas exemplos como esses são excepcionais, quando não resultado de superurbanismo na fala pública e em programas de TV. Nos contextos em que o fenômeno pode ser observado, o corpus mostra a seguinte distribuição29 29. A desproporção dos contextos em que a concordância verbo-arg.interno pode ser observada no caso das CE's (39/490) e no caso das ergativas com "sujeito" posposto (30/76) decorre de predominar largamente, no corpus, a forma do presente do indicativo que, no caso do verbo ter não oferece condições de avaliação da concordância por não se distinguir, na 3a. pessoa, o plural do singular. :

Além dos fatos de concordância, lembre-se que, contra a identificação funcional do sujeito posposto de construções com verbos ergativos ao SN-argumento das CE's, militam os fatos de toda análise feita em 3 e 4. Pontes objetaria que também nas CE's o SN-argumento pode ocorrer anteposto ou posposto, como o sujeito das construções com existir nos exemplos (79) e (80) abaixo. Note-se, porém, que se trata dos únicos exemplos em 490 ocorrências (0.40%) e, também no caso de todas as outras que pudemos notar pessoalmente, ocorrem em um claro contexto de construção a tópico e não de "sujeito":

(79) - Antes de chegar Recife (...), já é arrabalde de Recife (...), ainda na estrada você vê: tem um monte de complexos por ali, se não me engano de plástico, parece que já estão fabricando matérias primas... — Muito material químico, né? — É, indústrias químicas tinha bastante lá. (RJ, 168),

(80) — As tensões existem, mas a crise, mas vê bem, a crise que eu digo é o seguinte: a crise sempre existiu, sempre houve a crise... — Através da história. — Sempre. A crise sempre houve, a crise sempre apareceu, sempre se explicitou, mas nunca permanentemente, nunca de forma continuada, não é? (PA - 120)

Uma outra conseqüência da hipótese geral que esboçamos é a de que, nas CE's, não somente o SN-argumento é complemento dos verbos existenciais, mas ainda se realiza em uma posição sintática a que se atribui o Caso acusativo. Não é fácil encontrar argumentos exclusivamente fatuais, empíricos, a favor dessa hipótese no PB, dado que a distinção morfológica de Caso somente se mantém em português no sistema de pronomes clíticos, cujo emprego, sobretudo no caso da 3a. pessoa é fortemente desfavorecido no PB. Entretanto, pode-se recorrer a um argumento indireto buscado seja na modalidade culta do português em que as CE's com haver se constróem com um clítico acusativo:

(81) Não há grandes montanhas em Portugal, embora as haja no norte da Espanha,

(82) Cerimônias religiosas, houve-as e muito concorridas,

seja em espanhol:

(83) — Hay estaciones de metro en esa zona de la ciudad?

— No las hay en esa zona, pero las hay muy cerca;

(83) — Hay montañas en Sudamerica?

— Montañas bonitas, las hay en Sudamerica;

ou em alemão, justamente quando a CE se constrói com um verbo correspondente a nosso dar, da classe dos impessoais em que incluímos ter, ao invés das CE's com o verbo copulativo:

(84) a. Es gibt einen Hund im Garten

b. Es ist ein Hund im Garten

[Explet.] dá/é um cachorro no jardim

`Tem um cachorro no jardim' 30 30. Ver Nascimento (1984), de quem tomamos emprestados os exemplos; Borer (1986), e autores por eles citados. Uma objeçõo pode ser feita com base em exemplos do PB coloquial: (i) — Quem pode me ajudar? — Tem eu (*me) aqui (ii)— Só tem nós pra fazê isso. Observe-se, porém, que tais orações se constroem em uma modalidade em que as formas pronominais tônicas aparecem em lugar dos clíticos na posição de objeto: (iii) João pode ajudá eu/ele/nós, suscetíveis de receber um acento focal. Obviamente, propriedades sintáticas e morfológicas discutidas no texto, como a relativa à concordância, passam por um processo de mudança e exigiriam a análise de um corpus representativo.

O argumento, porém, não parece satisfatório a Pontes (1984), nem a Nascimento e Kato (1994). Objetam que tais exemplos não podem ser tomados como argumento a favor da hipótese do Caso acusativo, visto que um clítico lo/o pode ter como antecedente uma sentença, ou mesmo um predicativo.

(86) a. Fernanda disse que Maria viajou. Fernanda disse-o.

b. Esta tese é clara. As hipóteses também o são.

Nascimento e Kato assumem proposta de Higginbotham (1987) no sentido de estender a função de "predicado" que se associa a SN's indefinidos como em (87a.) a contextos em que o mesmo efeito de (in)definitude exibido por esses SN's se manifeste, ou seja um homem em (87b.) se trataria como predicado o que o dispensaria de receber um Caso abstrato31 31 . Não podemos discutir aqui, como merece, a proposta dos autores que oferecem uma alternativa formal a nossa análise. Ela se insere no quadro da Teoria Gerativa. Nesta se propõe uma sub-teoria de Casos abstratos em que se generalizam as diferentes condições morfológicas, lexicais e estruturais em que as relações temáticas, associadas a diferentes relações gramaticais, se explicitam (se tornam visíveis) na sintaxe para a interpretação. Nesse módulo da gramática, opera o "filtro de Caso" que exige que todo SN/lexical receba um Caso (Chomsky (1981)). Sobre o princípio de visibilidade, em que se reformula o filtro de Caso, ver Chomsky (1986). :

(87) a. Joãozinho já é um homem,

b. Tem um homem lá no quarto

Deve-se observar, porém, que o clítico que retoma sentenças e predicados jamais apresenta traços de gênero e número (como aliás observam os autores), tanto em português quanto em espanhol:

(88) Esta tese é clara. As hipóteses o/*a/*as são também.

Isso ocorre mesmo quando se trata de um SN-predicativo, um problema para a análise de Nascimento e Kato:

(89) a. — Gostaria de ser (uma) rainha

— Mas você já o/*a é desde que nasceu,

b - Essas laranjas são frutas da melhor qualidade e o são pelo cuidado que tivemos desde a seleção das mudas.

A diferença estrutural entre as impessoais com ter/haver e as construções ergativas com sujeito posposto também se evidencia por outras propriedades sintáticas que nelas se contrastam. Comecemos por observar que a detematização da posição de argumento externo não exclui, no caso das CE's do PB, outras estratégias de indeterminação do "sujeito". De fato, no corpus, existem inúmeras construções cuja interpretação corresponde ponto por ponto à das CE's, mas em que um relativo "esvaziamento" da posição posição de "sujeito" se faz mediante outro mecanismo sintático: a presença de um "sujeito" indeterminado - como você, a gente - em contextos bem claros que excluem uma interpretação predicativa:

(90) Me preocupo com o humano se embananando ele sozinho com as coisas que ele cria, sabe? Porque você tinha civilizações antigas, mas o que ela criava, o que ela produzia era muito menos do que uma de hoje em dia cria, certo? (SP, 343)

(91) Se você pensar em termos de Idade Média, você tinha honrarias que eram concedidas porque fulano era duque, outro era bem definido, né? (SP, 343)

(92) — A menina, L. é uma graça. Ela é doentinha mesmo, viu? Teve um início de vida muito sofrido, teve um mês um mês de vida assim, ah! entregue, a mãe que ninguém sabe quem é. — Esse problema de saúde de criança, ainda mais abandonada, eu acho que é o problema mais sério que a gente tem dentro do Brasil. (PE, 279)

O sentido indeterminado é evidente, particularmente (90) e (91), em que tinha não pode ser interpretado como "possessivo", nem você como "possuidor", já que não se possuem civilizações antigas e as honrarias (que se tinham) eram concedidas a outrem.

Um segundo conjunto de exemplos nos mostra o paralelismo sintático e interpretativo de "existenciais" com um clítico se que marca justamente a supressão, na diátese do verbo, de seu argumento externo, com indeterminação do sujeito 32 32. Na explicação de construções como essas e como: (i) a. Não se está sendo claro na descrição do fenômeno, b. O que estou percebendo é que, nesses casos, se é levado ao desespero. o se é o traço morfológico da supressão de um argumento externo. Ver, por exemplo, Burzio (1981), Bueno (1976). :

(93) Padre e freira são homens e mulheres como qualquer um, deviam de casar (...) Todo mundo trabalha. Se poderia ter uma religião que trabalhasse oito horas por dia e pronto, o resto desse tempo podiam dedicar a uma família. (PA, 283)

(94) — Eu acho que qualquer lugar é diferente daqui do Rio, do ponto de vista clima. Qualquer ponto onde você andar por aí é diferente. — Aqui não se tem definição de coisa nenhuma. (RJ, 168)

Enfim, observem-se alguns exemplos que se assemelham às construções com expressões adjetivas complexas (orações com "Tough-movement" como - Esse livro é difícil de ler [ele]), em que o elemento na posição de "sujeito" identifica a referência de uma posição vazia ou de um pronome resumptivo complemento do sintagma que expressa a predicação na coda - infinitos preposicionados, gerúndios, locuções prepositivas e preposições pesadas:

(95) a. [Falando do computador] Se isso não tem alguma coisa para controlar, ele está se desenvolvendo automaticamente. (SP, 343)

b. Se o computador não tem alguma coisa para controlar [ele]...

c. Se não tem alguma coisa para controlar isso/o computador;

(96) a. Isso dá para sentir que tinha muita política, com muita força, por trás, né? (SP, 343)

b. Dá para sentir que tinha muita política com muita força, por trás disso, né?

(97) a. Pagamentos de médicos, de remédio, de hospital, essas coisas, no Brasil, não tem nenhum órgão federal assumindo elas, (*)

b. No Brasil, não tem nenhum órgão federal assumindo essas coisas...

Ora, exemplos como esses são completamente agramaticais com os verbos ergativos que atribuem o Caso nominativo, via concordância ou outro mecanismo, a um único argumento em posição pós-verbal:

(98) * Você existia honrarias que eram concedidas porque fulano era duque, outro era bem definido, né?

(99) *Se poderia existir uma religião que trabalhasse oito horas por dia e pronto, o resto desse tempo podiam dedicar a uma família.

(100) * A decisão existia muita política, com muita força, por trás [dela], né?

Esses fatos e contrastes estão a mostrar que, falando um tanto metaforicamente, o verbo existencial ter, apesar de seu emprego funcional, como um verbo operador "guarda a memória" da estrutura sintática histórica de que deriva: uma posição de sujeito se manifesta em todos os exemplos de (90) a (97), paralelas na interpretação às CE's. Embora as evidências não sejam diretas, todo esse conjunto de indícios leva-nos a preferir manter a hipótese do SN-argumento como um complemento que recebe do verbo seu Caso acusativo. Quanto à posição de sujeito, não se pode objetar à postulação, em um determinado quadro teórico, da presença de um expletivo nulo nas CE's, como parte da representação de uma estrutura sintática subsistente. Entretanto, não parece adequado nem confundi-lo com um locativo (Freeze, 1992), nem identificá-lo, mediante coindexação a qualquer título, com o SN-argumento.

Uma última observação para evitar questiúnculas terminológicas. Vimos falando, em todo este item, do SN-complemento como um SN-argumento, apesar de termos observado antes (ver nota 10) que os verbos funcionais, ao contrário das categorias lexicais, são operadores que não possuem uma estrutura argumental. E' necessário, pois, qualificar tal afirmação. De fato, enquanto se entende "estrutura argumental" como correspondendo à rede temática (a diátese) dos verbos predicadores, não há por que falar-se em SN-argumento. A noção funcional de argumento, porém, não se pode restringir, salvo por definição, às relações temático-predicativas. Certamente, do conjunto dos argumentos que recebem os papéis temáticos associados ao item lexical, muitos se perdem no processo de gramaticalização: as categorias funcionais, enquanto operadores, tomam sempre um único "complemento" - o operando sob o escopo da operação; o termo argumento lhe cabe, porém, em um sentido lato e dependendo da metalinguagem utilizada. Por outro lado, a natureza da operação e o caráter do operando também devem tornar-se de alguma forma "visíveis" na sintaxe das línguas naturais para a interpretação semântica, o que justifica falar-se em Caso acusativo33 33. No que diz respeito à extensão da exigência de visibilidade, no quadro teórico da Gramática Gerativa, veja-se a teoria dos traços funcionais ("Function Features") de Fukui (1986). .

6. Conclusão.

Neste artigo, argumentamos no sentido de mostrar que as CE's integram uma classe maior de estruturas do português. Contrariamente ao que vem sendo proposto por vários autores, as CE's do PB não se assemelham às sentenças com verbos ergativos e sujeito posposto. Para nós, elas integram sim a classe de construções que chamamos de impessoais. Tais construções caracterizam-se por:

a) apresentarem verbos que podem selecionar um argumento externo não-animado, expressando lugar ou tempo, ou porque essa possibilidade está prevista em sua diátese, ou porque sua estrutura argumental tenha sofrido um processo de detematização; e

b) o argumento locativo pode ser realizado como um sintagma preposicionado em posição periférica.

O que esse grupo de construções impessoais tem em comum com as construções ergativas de sujeito posposto é a função de realizar foco apresentativo.

Este artigo deixa apontadas para futuras investigações várias questões relevantes para um entendimento mais completo das propriedades dessas construções. Entre elas, mencionamos a elucidação dos fenômenos de ancoragem dessas sentenças no espaço e no tempo, e a natureza categorial e estruturação hierárquica da coda e seus constituintes.

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  • 1
    Construções com
    ter no sentido de
    haver/existir não são, porém, propriamente brasileirismos. Os gramáticos (como Silveira Bueno (1951)) registram exemplos pelo menos desde os quinhentos ( de J. de Barros, F.M. Pinto, D. de Couto, J. Freire, Vieira e Castilho).
  • 2
    Os dados foram extraídos, sobretudo de diálogos entre dois informantes (D2), que julgamos mais espontâneos. Nesse caso, identificamos a fonte pela indicação da cidade em que se registrou o diálogo, seguido do número do registro:
    - São Paulo: SP 255, 343, 360, 62 [405.085 kb]
    - Porto Alegre: PA 120, 283, 37, 291 [278.726 kb]
    - Recife: PE 266, 279 [204.397 kb]
    - Salvador: BA 231, 283, 95, 98, 66 [155.775 kb]
    - Rio de Janeiro: RJ 158, 328 [143.377 kb]
    Na distribuição, levaram-se em conta somente impessoais com
    ter/haver com SN-complemento e construções com
    existir e sujeito posposto. Foram contadas como única ocorrência as reiterações de estruturas em um mesmo contexto imediato.
  • 3.
    Obviamente, a construção de uma teoria sintática explicativa das CE's não se confunde com uma lista de generalizações descritivas e de motivações semânticas ou discursivas. De qualquer modo, nestas notas, faremos indicações de possíveis vias teóricas de tratamento de tópicos específicos. Um dos autores vem desenvolvendo o estudo teórico sobre as CE's (Viotti, em preparação).
  • 4.
    Não consideramos neste artigo CE's em que o verbo toma uma oração como argumento - relativas livres, infinitivas relativas, interrogativas indiretas e mesmo integrantes:
    (i) Não
    tem o que pague essa terra, não é? (BA, 95)
    (ii) Não
    teria por que o sujeito usar aquelas vestes longas, pretas. (PA, 120)
    (iii) Depois ainda (...)
    tem que cada um pegar sua lancheira. (SP, 341)
  • 5.
    Observe-se que, em 5,
    lugares por aí, embora um nome plural não quantificado, tem uma interpretação indefinida -
    alguns lugares por aí.]
  • 6.
    Mattos e Silva (1989) descreve um momento dessa história dos verbos
    ser/haver/ter. Para um estudo histórico mais detalhado ver Foltran (1988); Ribeiro (1993); Viotti (a sair). Quanto ao verbo
    haver, observe-se que orações como a seguinte são excepcionais e refletem aquisição letrada:
    (i) Já comprei [o material] com o dinheiro que houve de outros... que recebi, entende? (Nurc.PE, 266)
  • 7.
    Por isso, a predominância das construções impessoais com o verbo
    ter nas CE's do Português do Brasil resulta de uma expansão relativamente recente.
  • 8.
    Com respeito à organização do léxico, não é nosso propósito decidir aqui entre expressar esses diferentes sentidos em vários itens lexicais ou optar por uma representação mais abstrata - uma questão que envolve uma argumentação intra-modelo. Cançado e Franchi (ver Cançado (1995)) têm defendido que as relações semânticas ou "propriedades temáticas", embora associadas a itens lexicais, não podem ser projetadas diretamente sobre estruturas sintáticas; resultam muitas vezes de um processo componencial, dependendo crucialmente da composição dessas propriedades com propriedades semânticas dos argumentos mais internos que constituem os "predicadores" dos argumentos mais externos. De modo similar, mas em outro quadro teórico, poder-se-ia propor uma volta à noção de "sentido gramatical" (cf. Lyons (1968)) com o conceito de "construção" da "Construction Grammar", tal como a desenvolvem Fillmore e Kay (1993), Goldberg (1995). Outro modo de enfrentar a questão da polissemia seria pensar o léxico com uma estruturação mais rica, servindo-nos de processos gerativos, como propõe Pustejovsky (1995).
  • 9.
    É nesse sentido que se deve entender a afirmação de Grimshaw (1991) e Aissen (1994) de que os verbos funcionais não possuem uma estrutura argumental, ou seja, enquanto projeção de suas propriedades semântico-temáticas.
  • 10.
    Termos como "gramaticalizar/ gramaticalização" (com o processo semântico correlato de "bleaching"), usados aqui descritivamente e de um ponto de vista diacrônico, possuem um estatuto teórico no funcionalismo, correspondendo ao uso de um item lexical para expressar operações gramático-funcionais (ver, por exemplo, Hopper e Traugott (1993)).
    No PB (como aliás em outras línguas) o processo se estende a verbos de movimento que expressam uma simples trajetória (
    ir, vir, chegar), a verbos resultativos (
    fazer, dar) e a estativos (
    ser, estar, ficar) e não a verbos como
    correr, saltar, voar, transportar; construir, realizar, edificar; pousar, parar; etc. São exemplos:
    - A gente
    estava conversando sobre o quê? sobre família, não? Sobre família
    é o tal negócio:
    vai derivando o assunto mesmo (PE, 266)
    - Na psicologia se você só elimina o efeito não elimina a causa. Você
    chega dizer que você pode mudar. (SP, 343)
    - Cachorro eu nunca vi miando ou latindo. Eu também não
    ando ... eu não
    sou grande criador não. (PE, 266)
    - Você está no alto de um prédio ... e
    uma zebra lá na luz. (SP - 343)
    - Nessas viagens de trem, então não
    para observar muita coisa (RJ, 158)
  • 11.
    Se se fala em "entidades", deve-se considerá-las como constituindo um conjunto estruturado de diferentes tipos categoriais semânticos - objetos, tipos, estágios, estados, processos, acões, propriedades, etc. - estratégia que, obviamente, não é consensual nem a única para construir a interpretação dessas estruturas.
  • 12.
    Desse ponto de vista, os operadores "existenciais" se assemelham a outros operadores sentenciais que não alteram as condições de verdade da sentença, como:
    (i) Ela não conseguiu passar no concurso. Mas
    é verdade que ela não estudou nem um pouquinho,
    A crer-se em Frege (1892), expressões desse tipo não possuem um valor "predicativo" (uma relação entre "pensamento" e a verdade desse pensamento): "a afirmação da verdade" já está - enquanto compromisso epistêmico do enunciador - na própria expressão afirmativa de (i)
  • 13.
    Reuland (1987) explora a idéia de que as CE's exigem um diferente procedimento de avaliação das condições de verdade. No caso de orações como:
    (i) a. Uma estrela é branca,
    b. Estrela existe,
    pode-se ter acesso (ou percorrer) o conjunto das estrelas que se considera completo em uma dada situação e verificar se pelo menos uma delas possui a propriedade de ser branca ou percorrer as entidades do mundo até encontrar uma que corresponda à propriedade de ser uma estrela. Assim, podem-se avaliar (i) a. e b. em relação a um dado domínio discursivamente delimitado. Ao contrário:
    (ii) Olhe, tem uma estrela ali que é branca,
    já não pode ser avaliada da mesma maneira. Suponha-se que não se vê qualquer estrela no céu escuro. Subitamente, uma nuvem se abre e alguém diz (ii). Obviamente, não faz sentido tentar avaliar (ii) com respeito a um domínio discursivo corrente: (ii) corresponde a uma instrução para substituir o modelo de interpretação, em que não há nenhuma estrela, por outro em que existe uma estrela branca.
    Obviamente, a predicação que relaciona os dois constituintes da coda das CE's, esta sim pode avaliar-se em termos veritativos com base no modelo ou universo de discurso estendido pela operação expressa pelo verbo existencial.
    Contrapor uma semântica em termos de valores de verdade a processos instrucionais discursivos (sintaticamente explícitos na oração) - já mostra como, de um ponto de vista estritamente gramatical, consideramos redutor e inadequado o tratamento das construções existenciais como a versão lingüística das intuições subjacentes à noção e formulação da quantificação existencial da lógica clássica dos predicados (Milsark (1974), (1977), e tantos outros), mesmo quando se estenda pelo instrumental mais preciso da quantificação generalizada (Barwise e Cooper (1981), Keenan (1989), entre outros). O tema merece uma longa discussão que não podemos fazer aqui.
  • 14.
    Perlmutter (1976), (1978) fala em perda do sentido de tema ("lack of thematic meaning") em oposição ao caráter temático e de topicalidade do sujeito anteposto; Guéron (1980) e Nascimento (1984) se servem, para o contraponto, da oposição apresentação vs. predicação.
  • 15.
    Os textos que privilegiam aspectos pragmático-discursivos trazem, entretanto, importante advertência contra a tentativa de dar conta da interpretação das CE's exclusivamente mediante um enriquecimento excessivo da base sintática. Assim, vale confrontar hipóteses como as de Safir (1985), Belletti (1988), Lasnik (1993) e outras por eles referidas, a textos como os de Hetzron e Bolinger, já citados, ou os de Bresnan e Kanerva (1989), Bresnan (1994), Abbot (1993), entre outros.
  • 16.
    Usamos "ergativo" para designar uma classe de verbos mono-argumentais (Perlmutter (1976), (1978); Burzio (1981); e daí em diante), que se distinguem de outros intransitivos por propriedades sintáticas que seu argumento compartilha com o objeto direto dos transitivos. Embora essa distinção não seja tão claramente visível no PB, "ergativo" continua uma etiqueta cômoda para a classe de verbos a que nos referimos. Por outro lado, expressões como "posposto/anteposto", "posposição/ anteposição" ou como "inversão", "movimento" "deslocamento" e similares, não significam nenhum compromisso com processos ou operações sintáticas, tal como se empregam em vários quadros teóricos.
    Sobre a inclusão desses verbos entre as existenciais (ou vice-versa) ver, particularmente, Nascimento (1984), que continua uma referência obrigatória. Citando Perlmutter (1976) (que cita Thomas (1969)), o autor lembra que, na maioria, se trata de verbos que expressam a afirmação ou a denegação da "existência", presença ou ausência em uma determinada situação. Ver, ainda, Zubizarreta (1982); Nascimento e Kato (1990); Negrão (1992); Silva (1996).
  • 17.
    Ver abaixo o quadro comparativo destas construções e das CE's com
    ter/haver no que diz respeito à concordância.
  • 18.
    Deve-se considerar que, no corpus, o SN-posposto aparece em três formas: a) com um determinante indefinido (ou quantificador fraco, no sentido de Milsark (1977) ou de Barwise e Cooper (1981)): o artigo indefinido e quantificadores como
    algum, muito, vários, etc; b) com um determinante definido (ou quantificador forte) como o artigo definido, demonstrativos, possessivos, todo, etc.; e c) sem determinantes, os chamados "bare-NP", no plural e no singular. Quanto a estes últimos, deve-se observar que, em determinados contextos, parte deles apresenta uma clara interpretaçõo indefinida:
    (i) Existe(m) gente/pessoas/carros por aí que...
    Outros, ao contrário, possuem uma leitura de tipo ou de classe:
    (ii) a. Eu percebi que existe(m) político(s) honesto(s) quando fui político.
    b. Ali chega de tudo: chega(m) pobre(s), chega(m) rico(s), chega(m) remediado(s).
    Estes, em qualquer quadro teórico, difícilmente se interpretariam como SN's indefinidos.
    Levadas em conta essas observações, a distribuição dos SN's-pospostos com respeito à (in)definitude, em CE's com
    existir e em construções com outros verbos ergativos, é a seguinte:
  • 19.
    Como observa Nascimento (1984), uma tal operação produz o mesmo efeito que uma regra de posposição do SN-sujeito, como propõe Perlmutter (1976), (1978). Ou o mesmo efeito que qualquer operação que reordene essas relações de escopo/c-comando como diferentes movimentos a posições funcionais ou ainda a não promoção do argumento tematizado no interior do sintagma verbal para uma posição externa, seja por motivos sintáticos baseados em uma teoria dos Casos, seja para manifestar a relação discursiva específica de "sujeito" (sua "topicalidade").
  • 20.
    Das 76 ocorrências analisadas no corpus, somente 18 delas se interpretam exclusivamente como apresentativas, excluindo uma interpretação temática, ou seja 23.68% contra 76.31%. A inadequação da análise fica mais evidente quando se sabe que verbos intransitivos de atividade (não-ergativos), construções passivas e construções com verbos copulativos, em que não se pode falar de uma interpretação não temático-predicativa, se constroem também comumente com sujeitos pospostos. Ver, porém, Nascimento (1984), Silva (1996) que sugerem que, por essa razão, esses intransitivos devem ser tratados como "ergativos" no PB, não sem uma certa circularidade.
  • 21.
    - Esses dados mostram que se deve colocar sob suspeita a extensão do "efeito de (in)definitude" a essas construções no PB (Nascimento (1984); Silva (1997)), embora observado em construções similares em outras línguas.
  • 22
    . - Fatos semelhantes ocorrem no chinês, como observa Fan (1996).
  • 23
    . - Os exemplos marcados com um asterisco fazem parte da anotação informal de ocorrências por um dos autores.
  • 24.
    Registremos somente o possível emprego transitivo-causativo desses verbos:
    (i) a. Você está gravando direito aí nesse gravador?
    b. Esse gravador está gravando direito aí o que você está falando? (SP, 343)
    (ii) a. A gasolina que você usa tá fazendo aquele barulhinho esquisito no motor,
    b. O motor tá fazendo um barulhinho esquisito;
    (iii)a. O pessoal só enche o saco nessas reuniões do departamento,
    b. Essas reuniões do departamento só enchem o saco;
    (iv)a. A tempestade de ontem molhou tudo os quartos em casa,
    b. Os quartos em casa molharam tudo na tempestade de ontem;
    (v) a. Eu não consigo escrever nada nessa lousa,
    b. ? Essa lousa num tá escrevendo nada.
  • 25.
    Matoso Câmara (1972) já observava a tendência a fazer do "locativo" um "sujeito psicológico", ou seja, a tendência de construir-se como complemento de lugar preposicionado o "lugar", que deveria ser o "sujeito gramatical".
  • 26.
    O fato decorre de várias propriedades associadas (ou não associadas) a essa posição: ela não é propriamente uma posição subcategorizada nem tematizada pelo núcleo verbal (Chomsky (1981), (1986)), podendo ser preenchida por um expletivo lexical em inúmeras línguas, eventualmente nulo em outras como o português, sem valor para a interpretação; seu papel na determinação componencial do sentido do verbo é reduzido, senão inexistente, ao contrário do objeto direto (Marantz(1984)). Zubizarreta (1987) e Hale e Keyser (1991) assumem explicitamente que o sujeito (o argumento externo) não está presente na representação lexical ("Lexical Relational Structure" -LRS) pelo menos enquanto um ponto na projeção dessa representação e, pois, não recebe do verbo o seu papel temático e sim o recebe por um processo construtivo ("constructional"), ou seja, efetivado em uma configuração sintática de predicação.
  • 27.
    Como já se observou (Lyons (1967); Hoekstra e Mulder (1990); Freeze (1992); entre outros), posse e locação, em determinados contextos, são noções proximamente correlatas; por outro lado, se uma entidade se situa ou se mostra em uma determinada locação isso implica que ela "exista" nessa circunstância:
    (i) a. Campina Grande tinha uma feira na frente de minha casa,
    b. A feira, em Campina grande, era na frente de minha casa,
    c. Em Campina Grande, em frente de minha casa, tinha uma feira; (PE, 279)
    (ii) a. Eu gosto de Salvador. Tem um cheiro insuportável a cidade às vezes, (RJ, 168)
    b. Eu gosto de Salvador. Tá um cheiro insuportável na cidade às vezes,
    c. Eu gosto de Salvador. Tem um cheiro insuportável na cidade às vezes;
    (iii)a. Eles jogam o que tiverem nas mãos,
    b. Eles jogam o que estiver nas mãos,
    c. Eles jogam o que tiver nas mãos. (RJ, 158)
    Este último exemplo notado no corpus permite, aliás, sem perda de sentido no contexto, tanto uma leitura como (iii-a), em que
    tiverem por
    tiver é um caso de não concordância, quanto uma leitura como (iii-b), em que
    tiver é forma aferética de
    estiver.
    Não estamos assumindo que essas alternativas se derivem sincronicamente umas das outras, como sugere Lyons. Vejam-se outros autores citados por Lyons e a refutação dessa hipótese em Breivick (1981).
  • 28.
    A hipótese contraria, desde logo, a generalização de Búrzio que suporta inúmeras análises no quadro da Teoria Gerativa:
    - "Se um verbo não atribui papel temático ao sujeito, então não atribui Caso à posição do complemento" valendo para verbos na passiva, verbos de
    raising e verbos ergativos, entre os quais se pode incluir
    be/ser. Entretanto, inúmeros fatos, em várias línguas, tornam essa generalização insustentável. Vejam-se, entre outros, Everett (1986); Whitaker-Franchi (1989), Cançado (1995) sobre o português (e o latim); Rothstein (1983), sobre o russo e o islandês; Dubinsky e Nzwanga (1994), sobre o Bantu; Borer (1986), sobre o Hebreu. Não cabe aqui discutir as conseqüências dessas diferentes hipóteses no quadro da Teoria Gerativa.
  • 29.
    A desproporção dos contextos em que a concordância verbo-arg.interno pode ser observada no caso das CE's (39/490) e no caso das ergativas com "sujeito" posposto (30/76) decorre de predominar largamente, no corpus, a forma do presente do indicativo que, no caso do verbo
    ter não oferece condições de avaliação da concordância por não se distinguir, na 3a. pessoa, o plural do singular.
  • 30.
    Ver Nascimento (1984), de quem tomamos emprestados os exemplos; Borer (1986), e autores por eles citados. Uma objeçõo pode ser feita com base em exemplos do PB coloquial:
    (i) — Quem pode me ajudar? — Tem eu (*me) aqui
    (ii)— Só tem nós pra fazê isso.
    Observe-se, porém, que tais orações se constroem em uma modalidade em que as formas pronominais tônicas aparecem em lugar dos clíticos na posição de objeto:
    (iii) João pode ajudá eu/ele/nós,
    suscetíveis de receber um acento focal. Obviamente, propriedades sintáticas e morfológicas discutidas no texto, como a relativa à concordância, passam por um processo de mudança e exigiriam a análise de um corpus representativo.
  • 31
    . Não podemos discutir aqui, como merece, a proposta dos autores que oferecem uma alternativa formal a nossa análise. Ela se insere no quadro da Teoria Gerativa. Nesta se propõe uma sub-teoria de Casos abstratos em que se generalizam as diferentes condições morfológicas, lexicais e estruturais em que as relações temáticas, associadas a diferentes relações gramaticais, se explicitam (se tornam visíveis) na sintaxe para a interpretação. Nesse módulo da gramática, opera o "filtro de Caso" que exige que todo SN/lexical receba um Caso (Chomsky (1981)). Sobre o princípio de visibilidade, em que se reformula o filtro de Caso, ver Chomsky (1986).
  • 32.
    Na explicação de construções como essas e como:
    (i) a. Não se está sendo claro na descrição do fenômeno,
    b. O que estou percebendo é que, nesses casos, se é levado ao desespero.
    o
    se é o traço morfológico da supressão de um argumento externo. Ver, por exemplo, Burzio (1981), Bueno (1976).
  • 33.
    No que diz respeito à extensão da exigência de visibilidade, no quadro teórico da Gramática Gerativa, veja-se a teoria dos traços funcionais ("Function Features") de Fukui (1986).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Dez 2001
    • Data do Fascículo
      1998
    Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP PUC-SP - LAEL, Rua Monte Alegre 984, 4B-02, São Paulo, SP 05014-001, Brasil, Tel.: +55 11 3670-8374 - São Paulo - SP - Brazil
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