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Retomando a Interrupção...

Getting Back to Interruption...

Resumos

Este trabalho é uma continuação de outros estudos sobre interrupção que vêm sendo desenvolvidos desde 1995 pelo grupo "Organização textual interativa" no âmbito do Projeto da Gramática do Português Falado. Nosso objetivo é explicitar o estatuto da interrupção: trata-se de um mecanismo de construção do texto falado ou, apenas, de um índice de ocorrência de alguns desses mecanismos (correção, paráfrase, repetição, parênteses)? Para responder a essa questão, analisamos seis inquéritos de natureza diferente (elocuções formais - EFs - , entrevistas - DIDs - e diálogos entre dois informantes - D2s), extraídos do Projeto NURC/SP, NURC/RJ e NURC/Recife. Do ponto de vista teórico, recorremos às pesquisas desenvolvidas pelo grupo acima mencionado, cujos artigos foram publicados na coleção: Gramática do Português Falado ( volumes IV, V e VI ) .

interrupção; fluência; linguagem falada; texto conversacional; interação


This work follows other studies on interruption that we have been developping since 1995 in a group engaged in the interactive textual organization within the Grammatical Project of the Spoken Portuguese. Our aim is to uncover the status of interruption: is it a mecanism of construction of the spoken text or only of a token of the occurrence of some of these mecanisms (correction, paraphrase, repetition, parentheses)? To answer this question, we analysed six inquiries of different nature (formal elocutions - Efs; interviews - DIDs - and dialogues between two informants - D2s) extracted from the NURC/SP, NURC/RJ and NURC/Recife Project. As to the theoretical point of view, we turned our attention to assumptions which supported the arguments put forward by the researchers belonging to the above mentioned group, whose articles were published in Grammatical Project of Spoken Portuguese (IV, V, VI)

interruption; fluency; spoken language; conversational text; interaction


Retomando a Interrupção...

(Getting Back to Interruption...)

Maria Cecília Pérez de SOUZA E SILVA (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)

Mercedes Fátima de Canha CRESCITELLI (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)

ABSTRACT: This work follows other studies on interruption that we have been developping since 1995 in a group engaged in the interactive textual organization within the Grammatical Project of the Spoken Portuguese. Our aim is to uncover the status of interruption: is it a mecanism of construction of the spoken text or only of a token of the occurrence of some of these mecanisms (correction, paraphrase, repetition, parentheses)? To answer this question, we analysed six inquiries of different nature (formal elocutions - Efs; interviews - DIDs - and dialogues between two informants - D2s) extracted from the NURC/SP, NURC/RJ and NURC/Recife Project. As to the theoretical point of view, we turned our attention to assumptions which supported the arguments put forward by the researchers belonging to the above mentioned group, whose articles were published in Grammatical Project of Spoken Portuguese (IV, V, VI)

RESUMO: Este trabalho é uma continuação de outros estudos sobre interrupção que vêm sendo desenvolvidos desde 1995 pelo grupo "Organização textual interativa" no âmbito do Projeto da Gramática do Português Falado. Nosso objetivo é explicitar o estatuto da interrupção: trata-se de um mecanismo de construção do texto falado ou, apenas, de um índice de ocorrência de alguns desses mecanismos (correção, paráfrase, repetição, parênteses)? Para responder a essa questão, analisamos seis inquéritos de natureza diferente (elocuções formais - EFs - , entrevistas - DIDs - e diálogos entre dois informantes - D2s), extraídos do Projeto NURC/SP, NURC/RJ e NURC/Recife. Do ponto de vista teórico, recorremos às pesquisas desenvolvidas pelo grupo acima mencionado, cujos artigos foram publicados na coleção: Gramática do Português Falado ( volumes IV, V e VI ) .

KEY WORDS: interruption, fluency, spoken language, conversational text, interaction.

PALAVRAS-CHAVE: interrupção, fluência, linguagem falada, texto conversacional, interação.

0. Introdução

Se entendermos como sinal de domínio da linguagem falada a fluidez e a continuidade, sem quaisquer interrupções ou desvios, como quer o senso comum, tudo que concerne a inacabamento ou quebra indicará inabilidade lingüística. Se, ao contrário, considerarmos que tais rupturas e inacabamentos são constitutivos da oralidade e manifestam um pensamento em elaboração, que, por isso mesmo, deixa-se ver em seus tateamentos, precisamos, necessariamente, questionar a representação do que seja ser fluente.

A fluência/disfluência tem sido objeto de pesquisa de alguns estudiosos, entre os quais Butler-Wall (1986), Delomier & Morel (1986), Bange (1986), Riggenbach (1991), Scarpa (1993), Koch & Souza e Silva (1996), Crescitelli (1997).

Em trabalho anterior, no âmbito do Projeto da Gramática do Português Falado (daqui por diante PGPF), Souza e Silva & Crescitelli (1996), também motivadas pelas noções de inacabamento ou descontinuidade, debruçaram-se sobre o assunto e, restringindo-o à interrupção, concluíram que esta se relaciona, formalmente, a dois fatores: a existência de corte (sintático ou lexical) e a existência/inexistência de retomada.

Estabelecido esse parâmetro formal, outras questões emergem: qual o estatuto da interrupção? Trata-se de um mecanismo de construção de texto falado ou é apenas indício da ocorrência de algum desses mecanismos? Em outras palavras, qual a relação da interrupção com as estratégias1 1 Estamos usando neste artigo as designações mecanismo e estratégia como sinônimas. de correção, paráfrase, repetição, parênteses? E com a hesitação?

Para responder a essas questões, retomamos aproximadamente oitenta minutos de gravação, de seis inquéritos2 1 Estamos usando neste artigo as designações mecanismo e estratégia como sinônimas. de natureza diferente do Projeto NURC (D2. 333/SP, D2.05/RE, DID. 161/SP, DID 328/RJ, EF. 377/SP e EF. 405/SP). Optamos por analisar a interrupção na sua inter-relação com outros fenômenos, tendo sempre como preocupação fazê-lo levando em conta a interrupção com retomada e sem retomada.

Recuperamos aqui a formulação de uma hipótese anterior, ainda não explorada, configurada, agora, como ponto de partida para este artigo:

"o `alarme falso' de interrupção é um sinalizador de estratégias de construção do texto falado como o parênteses3 1 Estamos usando neste artigo as designações mecanismo e estratégia como sinônimas. , correções etc., enquanto a interrupção independe da co-ocorrência com tais fenômenos" (Souza e Silva & Crescitelli, 1996:156).

A oposição alarme falso de interrupção x interrupção surgiu com a necessidade de:

a) distinguir a interrupção dos demais mecanismos de construção do texto falado, objetos de análise dos membros de nosso sub-grupo (que trata da organização textual-interativa) no PGPF;

b) distinguir as diferentes características da interrupção.

Nossa preocupação de transformar uma categoria do senso comum em tema de reflexão levou-nos a constatar que a retomada, feita pelo falante, de um enunciado que ele havia deixado em suspenso4 1 Estamos usando neste artigo as designações mecanismo e estratégia como sinônimas. , é fundamental para a análise interpretativa da interrupção e para a sua caracterização adequada enquanto elemento constante e sistemático na língua falada.

Marcado aquele momento de delimitação, no qual a rubrica alarme falso foi fundamental para indicar as duas faces de um mesmo fenômeno, continuamos a manter a oposição indicada, contudo, passamos, de agora em diante, às designações interrupção com retomada x interrupção sem retomada, respectivamente.

1. Interrupção com retomada

Entendemos por interrupção com retomada o fenômeno assim caracterizado: o enunciado suspenso durante algum tempo (depois da ocorrência de um corte de natureza sintática ou lexical) é retomado, de maneira imediata ou não.

Analisando o corpus, encontramos quase 90% de interrupções com retomada (Quadro I), um índice, sem dúvida, muito significativo5 1 Estamos usando neste artigo as designações mecanismo e estratégia como sinônimas. para a caracterização do fenômeno e para a determinação de seu estatuto face aos demais.


Em relação à marca formal da retomada, observa-se uma simetria: independentemente de o corte ser lexical ou sintático, temos basicamente as mesmas marcas formais, exceto a do tipo de frase, que ocorre apenas após corte sintático. Em ambos os casos, como se pode notar nos índices percentuais do Quadro I, cuja soma ultrapassa 100%, a manifestação lingüística da retomada se dá por meio de mais de uma marca.

As interrupções com retomada, como se observa também no quadro I, podem co-ocorrer com outros fenômenos de construção do texto falado, em relação aos quais fazemos breves considerações, remetendo o leitor às obras dos especialistas mencionados a seguir:

ð Correção:

L 2 ela não comunica futebol? ela não comunica esportes?

ela não comunica cultura? por que é que eu não ligo?

eu não ligo porque ( )

L 1 ½ na minha opinião é o teatro...

vem cá eu eu impugno... acho que ela não comunica

cultura ela comunica // a podia comunicar //

L 2 ½ comunica subcultura incultura

e falsa cultura podia não / não só podia como devia

L 1 se comunicar não tem público

L 2 tem público... ela teria que preparar o público pra

receber essa boa comunicação

(D2.05 - l. 374)6 1 Estamos usando neste artigo as designações mecanismo e estratégia como sinônimas.

As correções indicam, entre outras funções, ajustamento de trajetória a fim de obter maior precisão do enunciado (Fávero, Andrade e Aquino, 1996).

ð Repetição:

Loc. - de comer pão... sabe... quando eu como... porque eu sei que

estou engordando... então ((risos)) eu/ //então... eh...eu acho

que a alimentação também é uma coisa...// é uma questão de

hábito... e eu acho que o brasileiro não tem assim bons

hábitos à mesa... principalmente nesses lugares que a gente

visita mais pra cima... (DID 328 - l. 343)

As repetições atuam freqüentemente com função de coesividade (Marcuschi, 1996).

ð Parênteses:

L 1 - olha I... eu... como você sabe... u::ma pessoa um diretor lá da Folha...

certa feita me chamou... e me incumbiu de escrever sobre televisão...

o que me parece é que na ocasião... quando ele me incumbiu disso...

ele pensou... que ele ia::... ficar em face de uma recusa... e que eu ia...

esnoBAR ((ri))// - agora vamos usar um termo... que eu uso bastante

que todo mundo usa muito - eu iria esnobar a televisão... como todo

intelectual realmente esnoba... mas acontece... que eu já tinha visto

(D 2. 333 - l. 03)

Os parênteses podem ser entendidos como elementos de valorização e de controle do enunciado. Em geral, têm valor metadiscursivo (Jubran, 1996), o que significa que o locutor pode comentar sua própria enunciação ou a de seu co-enunciador, no interior dessa mesma enunciação. Trata-se, pois, de uma manifestação da heterogeneidade enunciativa.

ð Paráfrase:

Inf. - ordem determinada... certo?... então o que nós

estamos verificando aí?... qual... a distân::cia // vamos

dizer qual a posiçãodo resultado desses testes.. em

relação... a um:: padrão... de exatidão... certo?...

(EF. 377 - l. 90)

As paráfrases atuam, principalmente, com a finalidade de garantir ao interlocutor a compreensão dos enunciados (Hilgert, 1996).

ð Hesitação:

L 1 (...) ao passo que aqui no Brasil eh eh não há um:: nada

conceitual — vamos dizer—... a respeito do:: da

Fonética não é? ... e:: e não havendo uma codificação

não//... eh ehum uma... nada normativo ... ah

L 2 ( )

L 1 fica ao sabor:: do do popular

(D 2. 333 - l. 132)

Finalmente, a hesitação explicita, segundo Marcuschi (1995), os fenômenos de processamento da fala. Se, por um lado, pode indicar falhas de memória ou domínio insuficiente do tópico conversacional, pode, por outro lado, servir para o falante ganhar tempo (Preti, 1992).

Do total de interrupções com retomada, todos os casos, exceto um, apresentam co-ocorrência de outros fenômenos:

Os dados parecem confirmar, portanto, a primeira parte de nossa hipótese: a interrupção com retomada sinaliza a ocorrência de fenômenos de construção do texto falado.

Por outro lado, a maior ocorrência da correção entre os mecanismos parece ser justificada pelo fato de que ela possibilita o ajustamento de trajetória. Associar, na seqüência do discurso, os enunciados e suas correções contribui para construir uma imagem dos locutores como pessoas "cultas", que dominam a norma lingüística de prestígio. Explica-se, assim, a ocorrência desse fenômeno em um corpus como o utilizado por nós.

Nos casos de correção, parênteses, repetição e paráfrase, parece que a ocorrência de interrupção se dá com uma finalidade (interromper para quê?) e nos casos de hesitação se dá por uma razão (interromper em decorrência de quê?).

2. Interrupção sem retomada

Trata-se do fenômeno caracterizado pela interrupção (por meio de um corte lexical ou sintático) de um enunciado que não foi retomado. É uma atividade muito menos freqüente do que a interrupção com retomada, conforme atestam as únicas 13 ocorrências no corpus (10,1%). Esse índice, além de não ser estatisticamente significativo, compreende, entre outras, situações como a apresentada a seguir:

L 2 válido

[

L 1 muito válido foi o mobral talvez que conscientizou

politicamente o povo pra que ele viesse a se manifestar

nas urnas... essa mani//

[

L 2 você acha que foi problema de conscientização ou foi

falta de comunicação do governo com o povo também

[

L 1 não:: não:: não:: foi não...

foi conscientização::... você vai vê/ agora

conscientização que serviu para advertir o governo

em fazer com que na próxima o governo apresente

candidatos melhores... melhor: melhor: ... mensagem...

(D 2. 05 - l. 328)

Nesse trecho, L 2 interrompeu L 1 (interrupção essa marcada por um corte lexical), mas o diálogo continuou em seu fluxo habitual possivelmente pela atitude cooperativa de L 1, que, imediatamente, partilhou, embora se opondo, da idéia proposta por L 2. Podemos reafirmar, portanto, que o inacabamento formalmente marcado não implica quebra do ponto de vista interacional.

Também é menor (46,2%) a co-ocorrência desse tipo de interrupção com os fenômenos de língua falada já citados, o que parece confirmar a segunda parte de nossa hipótese: "a interrupção sem retomada independe da co-ocorrência com outros fenômenos". Assim, a interrupção não seguida de retomada tem sua existência manifestada enquanto fenômeno em si, como se pode verificar no exemplo a seguir:

será?... pede// que idade ela tem? ((risos))... normalmente quando a gente pede para uma criança de// por volta de quatro a cinco anos desenhar uma mesa... ela põe o TAMPO:: que ela sabe que existe... ela põe as PERnas para todos os lados... por quê? ora... se ela olhar de um determinado// ela vê duas pernas se ela... andar meio metro ela vê outras duas pernas para todos os lados... por quê? porque ela Sabe que a mesa tem um tampo que é onde ela põe as coisas... e que a mesa está apoiada em cima de pernas... agora isso aqui... ela jamais vai poder... VER essa imagem... da mesa...

(EF. 405 - l. 435)

No entanto, ela não deixa de exercer, em alguns casos, a função que lhe é mais peculiar, isto é, a de sinalizadora de outros fenômenos. Quando há essa função, os dados de nossa pesquisa revelam a seguinte hierarquia de co-ocorrência7 1 Estamos usando neste artigo as designações mecanismo e estratégia como sinônimas. : hesitação Ø parênteses Ø paráfrase Ø repetição/correção, apresentada no Quadro III, a seguir.


Duas hipóteses podem explicar a maior incidência de hesitação: a) a inter-relação entre esse fenômeno e uma de suas manifestações habituais, qual seja a quebra de palavra, por nós designada corte lexical; b) a relação entre interrupção e hesitação em que esta implica sempre uma interrupção, embora a recíproca não seja verdadeira.

Quanto à não ocorrência de repetição e de correção, percebe-se a tendência que tem o falante de fazer a retomada todas as vezes em que se interrompe ao lançar mão dessas estratégias.

3. A interrupção e as tentativas de tomada de turno

O fenômeno da interrupção, mais do que uma análise meramente formal, necessita ser observado também sob o ponto de vista interacional. Assim, o que aparentemente se mostra na superfície lingüística como inacabamento pode revelar completude, se considerarmos o entorno situacional. Vejamos um excerto em que há disputa por parte dos interlocutores pela ocupação do espaço discursivo, não resultando, contudo, em inacabamento:

L 1 que nos mata sobretudo é a pressa é a pressa de cada dia

L 2 isso não/ a pressa de cada dia éh éh éh éh::://

é a pressa de cada dia

L 1 dessa dessa você não se livra mais

L 2 ½ ah: isso não

L 1 essa é uma conseqüência da civilização/ mas a gente

deve parar um pouco então aliás

L 2 você passa ter pressa //

L 1 quando eu disse ainda há pouco

de que o homem o o//

L 2você pode ter pressa sem ser apressado

L 1homemprecisava // que o homem precisava de solidão

era justamente isso era parar pra meditar::... para

conhecer-se... pra decifrar-se quanto mais a gente

L 2mas você //

L 1precisa de decifração menos tempo a gente tem para

essa auto-análise

L 2 não ED mas pode // não precisa essa auto-análise

você pode fazer tudo sem ter pressa... ou melhor você

pode ter pressa sem ser apressado...

(D 2.05 - l. 210)

Nesse trecho, L 2 retoma o fragmento "você pode ter pressa", após a tentativa de tomada de turno de L 1, acrescentando a seqüência "sem ser apressado". O mesmo movimento é feito por L 1, que, interrompido por L 2 ("de que o homem o o//"), retoma o enunciado não só repetindo "homem", mas também completando o segmento da seqüência, após uma auto-interrupção ("o homem precisava// que o homem precisava de solidão"). Parte desse enunciado é posteriormente reformulado ("o homem/a gente") e o verbo ("precisa") é retomado após outra tentativa de interrupção por parte de L 2, o qual, por sua vez, retoma, também reformulando, o fragmento "mas cê pode// você pode..."

As tentativas de interrupção e a resistência em manter os turnos costuram os enunciados, evitando a ruptura do tecido dialógico e garantindo a progressão temática. Esses procedimentos explicitam o esforço dos interlocutores em colocar e/ou manter em circulação, na interação, o seu ponto de vista.

O mecanismo de manutenção do turno também foi observado no exemplo seguinte, no qual L 1 e L 2 se atribuem, através da repetição de sintagmas e de orações, direitos de complementação dos enunciados interrompidos pelo outro:

L 1 NÃO NÃO

L 2 no dia que o povo for conduzido pelos

L 1 a cultura // a cultura do povo... //

a cultura do povo //

L 2 meios de comunicação por forças dos meios de comunicação //

L 1 ½ a cultura do povo está numa exata

medida de Flávio Cavalcanti...

L 2 mas porque... porque a televisão está promovendo //

L 1 noventa por cento do Brasil acha que

Flávio Cavalcanti é um homem culto

L 2 mas Ed porque a tele // a televisão está promovendo Flávio

Cavalcanti

(D 2.05 - l. 210)

As tentativas de interrupção e os esforços para manter o turno podem ser explicados pela especificidade do texto conversacional.

4. Considerações Finais

Este artigo mostra a importância do fenômeno da interrupção, que, para nós, é constitutivo da natureza do oral. Em outras palavras, os enunciados interrompidos não se caracterizam como sendo próprios a tais e tais indivíduos ou a determinadas situações; pelo contrário, podem ser considerados uma marca de elaboração da própria oralidade. Resultam do modo de inscrição da linguagem falada no eixo temporal, isto é, indicam a simultaneidade da elaboração/produção do processo.

Nossa pesquisa revela que, no texto falado, a interrupção é muito freqüente, co-ocorrendo, em geral, com os outros fenômenos que compõem o próprio processo de elaboração da fala (correção, parênteses, paráfrase, repetição e hesitação). Além disso, os enunciados interrompidos e retomados são mais freqüentes do que os não-retomados.

Retornando às perguntas apresentadas na introdução deste trabalho, concluímos que a maior parte das interrupções sem retomada existe enquanto fenômeno em si e indica inacabamento formal do enunciado. As interrupções com retomada e algumas das sem retomada sinalizam as estratégias do texto falado. Como fenômeno sinalizador, elas apontam, ainda, para o caráter reflexivo da linguagem, isto é, para a possibilidade que a linguagem tem de poder olhar para si mesma, de se voltar sobre aquilo que acabou de ser dito ou de antecipar aquilo que ainda vai ser proferido.

2

3 "Parênteses" é denominação usualmente utilizada, no âmbito do Projeto da Gramática do Português Falado, para caracterizar um dos fenômenos de construção do texto falado.

4 As marcas de retomada estão explicitadas no Quadro I.

5 Conforme apresentamos em Souza e Silva & Crescitelli (1996).

6

Nos exemplos, indicamos apenas o número da primeira linha do inquérito.

7 Nessa hierarquia, o sinal Ø indica "maior ocorrência de um fenômeno em relação ao que o segue".

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  • 1
    Estamos usando neste artigo as designações
    mecanismo e
    estratégia como sinônimas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Dez 2001
    • Data do Fascículo
      1998
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