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A Oração Condicional no Português Falado em Portugal e no Brasil

The hypothetical construction in spoken Portuguese

Resumos

Neste artigo apresenta-se um estudo sobre as construções hipotéticas da língua portuguesa, com o imperfeito do subjuntivo e o mais que perfeito do subjuntivo na prótase. Estes tipos de construção mostram a necessidade de fazer uma revisão das normas estabelecidas nas descrições tradicionais, tanto de O Corpus do Português Fundamental e dois volumes de A Linguagem falada culta na cidade de São Paulo, podemos compararo uso dos tempos verbais na linguagem corrente de portugal e do Brasil.

Construção hipotética; Uso dos tempos; linguagem corrente de Portugal e do Brasil


In this article we examine the portuguese hypothetical constructions in with the imperfeito do subjuntivo and the mais que perfeito do subjuntivo are used to revise the rules of the tradicional descriptions of conditional Português Fundamental and two volumes of A Linguagem falada culta na cidade de São Paulo, wich offers a good oportunity to compare the use of tenses in European and Brazilian Portuguese.

Hipothetical construction; use of tenses; spoken european and brazilian portuguese


A Oração Condicional no Português Falado em Portugal e no Brasil

(The hypothetical construction in spoken Portuguese)

Judit TAPAZDI & Giampaolo SALVI1 1 O grupo de investigação por mim dirigido e composto por alunos do Curso de Doutoramento em Linguística Românica (Tibor Berta, Ildikó Szijj, Márta Pálosi e Judit Tapazdi) começou, em 1996, um trabalho de pesquisa sobre a subordinação em português. O projecto, financiado pelo Fundo Nacional Húngaro para a Investigação Científica (OTKA, projecto TO19656), terá a duração de quatro anos e pretende oferecer uma descrição das principais estruturas de subordinação da língua portuguesa, com particular atenção ao uso da língua falada na sua variedade europeia. Os resultados da pesquisa serão publicados em volume, à conclusão do projeto, em 1999.

(Universidade L. Eötvös de Budapeste, Curso de Doutoramento em Filologia Românica)

ABSTRACT:In this article we examine the portuguese hypothetical constructions in with the imperfeito do subjuntivo and the mais que perfeito do subjuntivo are used to revise the rules of the tradicional descriptions of conditional Português Fundamental and two volumes of A Linguagem falada culta na cidade de São Paulo, wich offers a good oportunity to compare the use of tenses in European and Brazilian Portuguese.

RESUMO: Neste artigo apresenta-se um estudo sobre as construções hipotéticas da língua portuguesa, com o imperfeito do subjuntivo e o mais que perfeito do subjuntivo na prótase. Estes tipos de construção mostram a necessidade de fazer uma revisão das normas estabelecidas nas descrições tradicionais, tanto de O Corpus do Português Fundamental e dois volumes de A Linguagem falada culta na cidade de São Paulo, podemos compararo uso dos tempos verbais na linguagem corrente de portugal e do Brasil.

KEY WORDS: Hipothetical construction, use of tenses, spoken european and brazilian portuguese.

PALAVRAS-CHAVE: Construção hipotética,Uso dos tempos, linguagem corrente de Portugal e do Brasil.

0. Introdução

Este artigo constitui parte de um trabalho mais amplo sobre as construções hipotéticas da língua portuguesa em que, além dos usos da língua escrita, tomámos em consideração também os dados da língua falada.

Neste trabalho concentrar-nos-emos em construções condicionais da linguagem corrente em que na prótase encontramos o imperfeito do conjuntivo e o mais-que-perfeito do conjuntivo.

Entre as construções hipotéticas, estas são muito frequentes na linguagem corrente e são geralmente consideradas as formas "clássicas" das frases condicionais. Apesar disso, estes tipos de construção apresentam algumas divergências com respeito às normas estabelecidas nas descrições tradicionais, tanto no plano teórico como no plano prático. Além disso, estes períodos fornecem uma óptima oportunidade para compararmos o uso, na linguagem corrente de Portugal e do Brasil. Para este fim examinaremos o Corpus do Português Fundamental e dois volumes de A linguagem falada culta na cidade de São Paulo que são amostras de entrevistas gravadas e transcritas no quadro de projectos destinados a observar a língua falada.

1. A As construções condicionais com o imperfeito do conjuntivo na prótase

Em termos gerais pode verificar-se que numa construção condicional a presença do modo indicativo implica que os conteúdos proposicionais sejam possivelmente verdadeiros. Por outro lado, as construções condicionais com o imperfeito do conjuntivo na prótase podem expressar um certo nível de falsidade ou irrealidade dos conteúdos proposicionais da prótase e da apódose. Esta afirmação pode evidenciar-se com uma prova de compatibilidade semântica. Juntando ao período (1) uma oração de que pode inferir-se que o conteúdo proposicional da prótase é obviamente verdadeiro, o resultado será uma sequência semanticamente anómala (1.a):

(1) Se acendêssemos a lareira, a sala ficaria mais quente.

(1a)*Se acendêssemos a lareira, a sala ficaria mais quente, mas o João já a acendeu.

Tendo provado a falsidade possível dos conteúdos proposicionais da prótase e da apódose, devemos salientar que os conteúdos proposicionais só possivelmente são falsos na oração (1), porque no mundo real eles podem tornar-se verdadeiros, uma vez que não existe nenhum obstáculo que nos possa impedir de acender a lareira.

Mas alguns períodos hipotéticos que contêm formas verbais do conjuntivo e do condicional não expressam a "falsidade possível" dos conteúdos proposicionais da prótase e da apódose, mas conteúdos claramente falsos: chamamos estes períodos contrafactuais ou períodos hipotéticos de irrealidade:

(2) Se eu quisesse, compraria o Parlamento da Hungria.

A construção com "como se" é um dos tipos mais frequentes em que o imperfeito do conjuntivo da prótase exprime contrafactualidade:

(3) Ela conduz como se a rua fosse toda dela.

(3.a) Ela conduz como conduziria se a rua fosse toda dela. /mas a rua obviamente não é dela/

(M.H.Mira Mateus et alii, 1983, p.464)

Os períodos contrafactuais não constituem um tipo à parte, porque a contrafactualidade não é um significado rigidamente conexo a uma determinada concordância dos modos e tempos verbais, mas sim um efeito semântico complexo que deriva da interacção da morfosintaxe com o conteúdo proposicional da prótase e da apódose e com o contexto linguístico e extralinguístico.

A combinação imperfeito do conjuntivo - condicional simples neutraliza a oposição entre a mera hipoteticidade e a contrafactualidade porque pode apresentar quer este, quer aquele valor semântico. Comparem-se os seguintes exemplos:

(4) Se vocês lessem os jornais, saberiam o que se está a passar.

(5) Se a Paula fosse russa, não teria que aprender russo.

Pode constatar-se que os períodos hipotéticos de tipo imperfeito do conjuntivo - condicional simples pertencem às construções contrafactuais se, além das indicações morfosintácticas de "possível falsidade", neles se apresentam outras indicações de falsidade de origem extralinguística.

1B As construções condicionais com o mais-que-perfeito do conjuntivo na prótase

Se na construção hipotética houver uma forma do mais-que-perfeito do conjuntivo e/ou uma forma do condicional composto (ou as formas que podem ter o mesmo valor), o período pode expressar contrafactualidade, porque estas formas verbais podem indicar a falsidade dos conteúdos proposicionais. Distinguem-se três variantes:

(6) Se me tivessem convidado à festa, não estaria tão triste.

mais-que-perfeito do conjuntivo e condicional simples

(7) Se eu tivesse muito dinheiro, já te teria comprado um carro.

imperfeito do conjuntivo e condicional composto

(8) Se não tivesse havido tanto trânsito, teríamos chegado a horas.

mais-que-perfeito do conjuntivo e condicional composto

Mas uma forma do mais-que perfeito do conjuntivo na prótase não é uma condição suficiente para uma interpretação contrafactual. No exemplo (9), o contexto linguístico mostra que só se faz uma hipótese sobre o passado. Assim torna-se evidente que o contexto linguístico pode permitir uma interpretação diferente da do exemplo (6):

(9) Se a Ana tivesse comprado o livro de que precisas, emprestar-to-ia; se quiseres, telefono-lhe a perguntar.

Por outro lado, uma apódose com o condicional composto pode ser uma condicição suficiente para uma interpretação contrafactual, dependendo do contexto. Assim no caso do exemplo (7):

(7.a) Não tenho muito dinheiro e por isso não te comprei um carro.

A interpretação contrafactual nem sempre é possível mesmo nos períodos com a combinação do mais-que-perfeito do conjuntivo e do condicional composto:

(10) Se a Maria tivesse comprado o televisor "Samsung" no armazém "Skála", teria pago 50,000 Fts, se ela tivesse ido a um "Keravill", teria pago 56,000 Fts pelo mesmo modelo. Não sei onde ela comprou, mas o importante é que hoje já podemos ver "Os Vizinhos".

O exemplo apresenta só hipóteses sobre o passado, como em (9), e não há nenhuma certeza sobre a falsidade dos conteúdos proposicionais da apódose e da prótase. Isto pode demonstrar-se com a substituição do mais-que-perfeito do conjuntivo com o pretérito perfeito do indicativo:

(11) Se a Maria comprou o televisor "Samsung" no armazém "Skála", pagou 50,000 Fts, se ela foi a um "Keravill", pagou 56,000 Fts pelo mesmo modelo. Não sei onde ela comprou, mas o importante é que hoje já podemos ver "Os Vizinhos".

Em resumo, é possível constatar que os períodos hipotéticos compostos do imperfeito do conjuntivo e do condicional simples podem ser interpretados como:

- períodos de possibilidade, ou seja, de possível falsidade ou

- contrafactuais.

As construções do mais-que-perfeito do conjuntivo e / ou do condicional composto podem exprimir:

- possível falsidade ou

- contrafactualidade.

A existência de períodos contrafactuais entre as construções imperfeito do conjuntivo - condicional simples e o facto de haver períodos de possível falsidade entre as frases com o mais-que-perfeito do conjuntivo apontam para a necessidade de fazer uma revisão da classificação tradicional dos períodos condicionais, que era inspirada pela tripartição latina entre casus realis, casus possibilis e casus irrealis. Segundo esta classificação distinguem-se períodos hipotéticos da realidade, da possibilidade e da irrealidade e a todos os tipos dos períodos hipotéticos pertence uma concordância especial de modos e tempos.

Assim a gramática tradicional não pode correctamente interpretar nem a construção contrafactual composta de imperfeito do conjuntivo - condicional simples (exemplos 2 e 5), nem a construção de possível falsidade de mais-que-perfeito do conjuntivo - condicional simples (exemplo 9) ou mais-que-perfeito do conjuntivo - condicional composto (exemplo 10).

2. Os períodos condicionais com o imperfeito do conjuntivo na prótase no português europeu

Entre os exemplos há 27 períodos com o imperfeito do conjuntivo na prótase.

2.1 O imperfeito do indicativo na apódose

Pode constatar-se que na maioria dos casos na apódose se utiliza o imperfeito do indicativo (25 exemplos).

nós, se não fosse a emigração aqui, nós não, comíamos uns aos outros (A 107)

2.1.a A combinação imperfeito do conjuntivo/imperfeito do indicativo em vez do mais-que-perfeito do conjuntivo/ condicional composto

Há 7 exemplos em que a combinação do imperfeito do conjuntivo / imperfeito do indicativo tem o valor da combinação do mais-que-perfeito do conjuntivo/condicional composto. Nestes períodos exprimem-se hipóteses sobre o passado, ou seja, trata-se de construções contrafactuais:

fui de avião, mas quando me meti no avião, meu senhor, não calcula...! se eu soube(sse)... quando fui de avião, quando cheguei a, às escadas do avião se me metessem uma seringa eu não deitava sangue nenhum (A 221)

2.2. O condicional simples na apódose

Só três vezes apareceu uma forma do condicional simples na apódose (com os verbos ser, ficar e comentar).

Duas vezes nestes três exemplos o tema da entrevista não era de tipo quotidiano. Por isso talvez o falante tenha preferido a forma do condicional simples em vez do imperfeito do indicativo que é mais frequentemente usado na linguagem quotidiana.

seria egoísmo se nós realmente tivéssemos possibilidades de os consultar e não o fizéssemos (A 119)

2.3. O condicional composto na apódose

O condicional composto aparece só uma vez durante as entrevistas publicadas num período composto e, neste caso, o imperfeito do conjuntivo na prótase tem o valor do mais-que-perfeito do conjuntivo:

tavam na parte mais alta, não é, e até digo mais, se as inundações fosse, fosse durante o dia, teria morrido mais gente porque a malta ia-se metendo nas lojas, tava a chover (A 233)

2.4. O presente do indicativo na apódose

Na apódose pode aparecer o presente do indicativo em vez do condicional simples / imperfeito do indicativo, formando assim um tipo misto - com uma prótase de possível falsidade, enquanto a apódose tem um valor de possível verdade:

até se eu ouvisse pedir a uma pessoa qualquer assim (...) nós desplicamos como é, pessoas que não sabem, não é (A 129)

2.5. O imperfeito do conjuntivo com orações clivadas

Há um período com uma oração clivada em que o condicional e o imperfeito do indicativo aparecem juntos:

se você fosse, const(...) fizesse parte desse governo, qual era a preocupação maior que teria? (A 217)

2.6. A construção com "como se"

No Corpus do Português Fundamental há 8 exemplos com esta construção. Como já vimos anteriormente, o uso do imperfeito do conjuntivo na construção "como se" expressa contrafactualidade:

e nós estávamos a viver aquilo como se estivéssemos também nós a janela (A 297)

3. Os períodos condicionais com o mais-que-perfeito do conjuntivo na prótase no português europeu

O mais-que-perfeito do conjuntivo encontra-se em três exemplos mas, curiosamente, nunca se combina com o condicional composto ou com o mais-que-perfeito do indicativo que seriam exemplos "clássicos" de períodos de irrealidade.

3.1. O imperfeito do indicativo na apódose

A combinação mais-que-perfeito do conjuntivo / imperfeito do indicativo só uma vez se encontra nas entrevistas e aqui expressa possível falsidade:

porque me parecia ... uma coisa detestável, um problema grande de consciência, se amanhã como magistrado viesse a verificar que tinha errado ou que tinha julgado mal, sobretudo, se tivesse julgado mal em prejuízo de alguém. (A 97)

3.2. Locuções verbais na apódose

Há dois exemplos em que se utilizam locuções verbais na apódose. No exemplo seguinte a locução "podia ter sabido" exprime contrafactualidade e substitui a combinação "teria / tinha podido saber" que não se usa:

vivia tudo na esperança, mas eu não sabia nada que era aquele dia. e, por acaso até podia ter sabido se o, se o filho da minha irmã mais velha /.../ me tivesse dito porque ele é que ... (A 254)

3.3. O presente do indicativo com o valor do mais-que-perfeito do conjuntivo na prótase

Num dos exemplos mais surpreendentes, a forma do presente do indicativo tem o valor do mais-que-perfeito do conjuntivo e, ao mesmo tempo, o imperfeito do indicativo utiliza-se em vez do condicional composto:

e depois cheguei lá ao cinema e obriguei aquela gente toda a sair. se eu não os obrigo a sair certamente morriam lá. (A 232)

4. Orações condicionais com o imperfeito do conjuntivo na prótase no português falado no brasil

Entre os exemplos brasileiros há 48 períodos com o imperfeito do conjuntivo na prótase.

4.1. O condicional simples na apódose

É de salientar que na maioria dos exemplos na apódose se utiliza o condicional simples /33 exemplos/, o que mostra uma tendência contrária em relação ao uso mais frequente no português europeu.

se você construísse seu carro você pensaria em poluição? (B 24/)

4.2. O imperfeito do indicativo na apódose

Ao contrário da linguagem falada de Portugal, o português do Brasil prefere não utilizar formas do imperfeito do indicativo na apódose, pois há só quatro exemplos com esta forma verbal, dois dos quais expressam possível falsidade. Temos que mencionar que ambos os exemplos são do mesmo informador.

se fosse um porco era fácil... ele virar salsicha (B 51)

Os outros dois exemplos também merecem a nossa atenção, porque neles a combinação imperfeito do conjuntivo - imperfeito do indicativo tem o valor da combinação mais-que-perfeito do conjuntivo - condicional composto e assim expressam contrafactualidade:

mas não era co/ como a correção monetária de hoje ... se fosse o negócio ia longe (137)

porque digamos que você começasse fazer ... metro em mil novecentos e trinta ... então ia aproveitar a linha do bonde (B 27)

É de destacar o facto de em ambas as apódoses se encontrar o verbo ir no imperfeito do indicativo, uma vez que se revela a tendência já descrita por Alba Maria Cavalcante Bezerra, segundo a qual o verbo "ir" é um dos poucos que se utiliza na forma do imperfeito do indicativo em vez do condicional simples.

4.3. O condicional composto na apódose

Temos dois períodos com o condicional composto na apódose. Em ambos o imperfeito do conjuntivo da prótase tem o valor do mais-que perfeito do conjuntivo:

O Teatro Municipal estava completamente lotado ... e não é pelo fato de ter sido grátis... para todo aquele público... que a peça faria sucesso... porque se o público não gostasse teria saído antes de terminar (...) ou então não teria batido palma no fim (C 51)

4.4. O mais-que-perfeito composto do indicativo na apódose

Entre as frases condicionais encontram-se dois exemplos com o mais-que-perfeito composto do indicativo na apódose. É de notar que o imperfeito do conjuntivo se usa com o valor do mais-que-perfeito do conjuntivo:

naquele tempo não havia correção monetária... se houvesse a Escola Paulista tinha levado uma bordoada daquele tamanho— mas como não havia... (C 137)

4.5. O imperfeito do conjuntivo na apódose

As formas do imperfeito do conjuntivo com o advérbio "talvez" aparecem duas vezes na apódose:

se fizesse uma caixa desse tamanho talvez funcionasse (B 57)

4.6. Um caso especial

O condicional simples e o imperfeito do indicativo usam-se, um ao lado do outro, no exemplo seguinte. É de notar que o verbo que aparece na forma do imperfeito do indicativo é outra vez o verbo "ir":

se não houvesse acordo... a demanda seguiria o seu trâmite até final — em geral as causas iam terminar no Supremo Tribunal do Trabalho (C 136)

4.7. O presente do indicativo na apódose

Encontrámos um exemplo com o presente do indicativo na apódose, em que a prótase exprime possível falsidade, enquanto a apódose tem um valor factual:

este meu sítio:: representa para mim ... se outras coisas não houvessem ... uma razão a mais para viver ... para existir (B 107)

4.8. Outras conjunções ou a omissão de qualquer conjunção

4.8.1. Períodos com a conjunção "caso" e com a locução "supondo que" a introduzir a prótase

A conjunção "caso" utiliza-se em 3 exemplos, sempre ao lado do condicional simples na apódose:

vamos supor caso você tivesse um cachorro... e ele apresentasse (alguém) assim alguns sintomas de doença... éh você mesmo procuraria... curá-lo... ou você recorreria a alguém? (C 71)

A prótase introduz-se com a locução "supondo que" só numa frase condicional:

supondo que tivesse... carne né? faria... bife... com batatas (C 128)

4.8.2 A omissão da conjunção

No "Corpus" brasileiro encontra-se um período condicional sem conjunção condicional e com a inversão necessária do verbo e do sujeito na prótase:

como sendo um dos empecilhos maiores ... tivesse eu o dia TOdo no meu dispor ... talvez aquela ligação que não saia naquele momento pudesse sair em OUtros momentos ( B 120)

4.9 A construção "como se"

Entre os exemplos encontram-se seis com a construção "como se". Na apódose pode usar-se tanto o presente como o imperfeito do indicativo.

a cassa não tinha goma... a cassa era como se fosse uma chita mais fina (B 199)

É curioso ver o único exemplo em que a conjunção "se" não aparece:

e faz um movimento assim como estivesse caval/ cavalgando (B 33)

5. Orações condicionais com o mais-que-perfeito do conjuntivo na prótase no português falado no brasil

No "Corpus" brasileiro há só dois exemplos com o mais-que-perfeito do conjuntivo na prótase.

5.1. O condicional composto na apódose

Há só um exemplo com o condicional composto na apódose, que seria um exemplo clássico das construções contrafactuais com o mais-que-perfeito do conjuntivo na prótase:

se eu tivesse ... éh contratado uma companhia de turismo eu já teria feito reservas (C 78)

5.2 O imperfeito do conjuntivo na apódose

A forma do imperfeito do conjuntivo, tendo o valor do mais-que-perfeito do conjuntivo, aparece na apódose só uma vez, ao lado do advérbio "talvez":

então eu andava muito a pé... circunstância que talvez não ocorresse se eu tivesse ido no verão (C 77)

6. Conclusão

Como vimos, há diferenças e semelhanças entre os usos português e brasileiro nas orações hipotéticas com o imperfeito do conjuntivo na prótase.

A maior diferença observa-se em relação ao imperfeito do indicativo e ao condicional simples. O português europeu dá preferência às formas do imperfeito do indicativo. Por outro lado, no português do Brasil, as formas do condicional simples são muito mais frequentes do que as do imperfeito do indicativo. No português europeu, a escolha do condicional simples caracteriza textos mais sofisticados, enquanto no português do Brasil se observa uma tendência para utilizar certos verbos /p.ex. "ir"/ no imperfeito do indicativo. /ver o artigo de A.M.C.Bezerra/. Além disso, é de notar que entre os exemplos brasileiros, aparecem também períodos pronunciados pelos documentadores que, para serem mais corteses, deram talvez preferência às formas do condicional simples.

Uma das semelhanças mais importantes, raramente notada nas descrições tradicionais, é o facto de o imperfeito do conjuntivo poder ter o valor do mais-que-perfeito do conjuntivo e o condicional simples / imperfeito do indicativo poder ter o valor do condicional composto.

Como modelo para a nossa descrição tomámos a Grande Grammatica Italiana di Consultazione (3 vol., Bologna: il Mulino, 1988-95), concebida e dirigida pelo meu mestre Lorenzo Renzi, obra na qual colaborei desde os inícios e que constitui uma das gramáticas mais completas de uma língua românica. Para a língua falada utilizamos o corpus de textos publicados no segundo volume do Português Fundamental (v.Bibliografia) integrado, se necessário, com outros materiais.

Na ocasião desta Festschrift pensámos que a maneira melhor de expressar a nossa afeição e a nossa apreciação a Ataliba e à sua obra era apresentar-lhe um excerto da nossa descrição; a ele em especial, que tanto está a fazer pela descrição do português falado no Brasil, oferecemos uma pequena comparação dos dados do português falado em Portugal com os dados do português falado no Brasil. O texto que publicamos é parte do capítulo sobre as orações hipotéticas, escrito por Judit Tapazdi, que também recolheu e elaborou os dados do português brasileiro.

Giampaolo Salvi

  • Grande Grammatica Italiana di Consultazione /a cura di Lorenzo Renzi e Giampaolo Salvi/ Volume II, I sintagmi verbale, aggettivale, avverbiale. La subordinazione. Le frasi ipotetiche, XIII.2.3 (Marco Mazzoleni), pp. 751-784, 1991, il Mulino, Bologna
  • MARTINS, M. T. H. S. (1982) Portugiesische Grammatik Tübingen:Max Niemeyer Verlag
  • MATEUS, M. H. M. et.alli (1983) Gramática da Língua Portuguesa. Elementos para a descriçăo da estrutura, funcionamento e uso do portuguęs actual Coimbra: Livraria Almedina.
  • BEZERRA, A. M. C. (1993) A forma em "-ria" na língua culta falada na cidade de Săo Paulo. Cadernos de Estudos Linguísticos 24: 179-230
  • NASCIMENTO, M. F. B.et alli (1987) Portuguęs Fundamental, Volume Segundo, Métodos e Documentos, Tomo Primeiro, Inquérito de Frequęncia Documentos I. Entrevistas: 77-309. Lisboa: Instituto Nacional de Investigaçăo Científica, Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (no texto: como A)
  • A linguagem falada culta na cidade de São Paulo, Vol. II, 1987, FAPESP, São Paulo /no texto: como B/
  • A linguagem falada culta na cidade de São Paulo, Vol. III, 1988, FAPESP, São Paulo /no texto: como C/
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    O grupo de investigação por mim dirigido e composto por alunos do Curso de Doutoramento em Linguística Românica (Tibor Berta, Ildikó Szijj, Márta Pálosi e Judit Tapazdi) começou, em 1996, um trabalho de pesquisa sobre a subordinação em português. O projecto, financiado pelo Fundo Nacional Húngaro para a Investigação Científica (OTKA, projecto TO19656), terá a duração de quatro anos e pretende oferecer uma descrição das principais estruturas de subordinação da língua portuguesa, com particular atenção ao uso da língua falada na sua variedade europeia. Os resultados da pesquisa serão publicados em volume, à conclusão do projeto, em 1999.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Dez 2001
    • Data do Fascículo
      1998
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