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Towards a social science of language. V.2: Social interaction and discourse structures

RESENHA/REVIEW

GUY, G., FEAGIN, C., SCHIFFRIN, D., BAUGH, J. (eds.) (1997) Towards a social science of language. V.2: Social interaction and discourse structures. Amsterdan/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 358 p. Current issues in linguistic theory, 128.

Resenhado por Maria da Conceição de PAIVA (Universidade Federal do Rio de Janeiro)

KEY WORDS: Sociolinguistics; Variation; Discourse Analysis.

PALAVRAS-CHAVE: Sociolingüística; Variação; Análise do Discurso.

O segundo volume de "Towards a social science of language", coletânea dedicada a William Labov, é um trabalho exemplar de exploração e exemplificação das diversas áreas de pesquisa que, de forma direta ou indireta, se inspiraram nas bases teóricas lançadas por este autor. Conforme está anunciado nas palavras iniciais do prefácio, de autoria de G. Guy, "this book is a survey and a synthesis of the field that may be called labovian linguistics. Um campo vasto que inclui diferentes áreas de pesquisa como o estudo da contextualização social da linguagem, a dinâmica interna da variação e da mudança lingüísticas, o estudo de variedades não-standard como o inglês afro-americano, a análise da estrutura do discurso e, ainda, da influência de fatores discursivos e interacionais sobre a comunicação humana. Essa multiplicidade, como bem ressaltado no prefácio do livro, converge para um denominador comum: o estudo da língua na sociedade sustentado em observações diretas das práticas discursivas cotidianas.

Ainda no prefácio, G. Guy procura delimitar as contribuições teóricas e metodológicas do trabalho de Labov para a lingüística contemporânea, destacando dentre elas a proposição de um paradigma dinâmico que vai distingui-lo de outros modelos vigentes no século XX e que abriu novas perspectivas para o estudo da linguagem como fenômeno social. Essa visão da língua como um sistema social dinâmico, que se traduz no próprio termo "towards" utilizado no título da coletânea, vai perpassar todos os trabalhos reunidos neste segundo volume, ainda que os artigos abordem questões e fenômenos bastante diferenciados entre si.

Segue o prefácio o testemunho de Kac que participou na coleta de dados para o trabalho que veio e a resultar em "The social stratification of English in New York City", tese de doutoramento de W. Labov. O depoimento mostra, com clareza, as dificuldades do trabalho de análise do uso da língua, que envolve, necessariamente, questões como a "caça" aos informantes e os tropeços na obtenção dos dados.

O objetivo principal da coletânea, alcançado com maestria, foi o de reunir trabalhos originais cuja existência seria improvável sem o trabalho pioneiro desenvolvido por Labov. O volume é organizado em duas sessões, concentrando na primeira os trabalhos que estendem e aprofundam questões relacionadas à organização do discurso, vinculados às perspectivas teóricas abertas com os estudos labovianos da narrativa, dos textos descritivos e do discurso terapêutico. A segunda seção concentra trabalhos com temas ligados às complexidades semânticas da comunicação humana e aos determinantes discursivos e interacionais do uso da língua. Essa diversidade vem contemplar diversos aspectos do estudo da língua em uso, interessando, portanto, não apenas àqueles que se dedicam a estudos de variação lingüística como também aos que se preocupam com a estrutura e organização do discurso.

A primeira seção do volume, intitulada "Social interaction and discourse structures", reúne textos bastante diversificados que exploram diferentes aspectos da organização dos textos narrativos ou da conversação espontânea. No seu conjunto, os artigos constituem um reconhecimento ao pioneirismo de Labov no sentido de transformar a análise do discurso em legítimo objeto de estudo lingüístico e de ter mostrado que variantes sintáticas e semânticas encontradas nas narrativas superpõem funções referencial, social e expressiva. A seção aberta com o artigo de Linde ("Discourse analysis, structuralism, and the description of social practice") que coloca no centro da discussão as ligações entre estrutura lingüística e prática social tanto no nível do discurso quanto no nível da sintaxe. Através da análise de trechos narrativos, a autora propõe novas perspectivas de análise do discurso, postulando a construção de um modelo que integra uma análise estruturalista do discurso e uma análise da prática social em que os discursos estão encaixados. Com base nos dados analisados, a autora fornece argumentos para a crença de que todo estudo lingüístico é necessariamente sociolingüístico.

A incorporação de aspectos sociais na estrutura do texto narrativo é focalizada também no artigo de Schiffrin ("The transformation of experiences, identity and context"). A autora defende a tese de que o texto narrativo não se restringe à transformação da experiência. Nos textos narrativos os falantes constróem um "self portrait", criando e recriando sua identidade, de forma dinâmica, durante o ato de discurso. Enquanto unidades lingüísticas veiculadoras de uma identidade e de um contexto social as narrativas possuem um papel central para a Sociolingüística, provendo um materal valioso para o estudo da variação e da mudança..

O artigo de Bower ("Deliberative action constructs: reference and evaluation in narrative") focaliza as construções lingüísticas que ocorrem nas seções de complicação dos textos narrativos, mostrando que, nesses trechos de discurso se superpõem as funções referencial e avaliativa. Além de transmitirem informação e fazerem avançar a ação narrativa, essas unidades revelam um estado interno, subjetivo do falante, refletindo sua orientação quanto à ação narrada.

Concentrado também na estrutura das narrativas, o artigo de Goodwin ("Byplay: negotiating evaluation in storytlleing") explora as seções de avaliação, defendendo que a dinâmica interacional entre falante e ouvinte pode determinar a forma de desenvolvimento do texto narrativo. Analisando situações de conversação espontânea, a autora mostra como a participação do ouvinte intervém no desenvolvimento de uma narrativa. A participação e reações do ouvinte em relação ao que está sendo narrado pode se manifestar de diferentes formas, demonstrando recusa ao que está sendo dito ou co-participação no processo de criação do discurso.

Os mecanismos de reparo, quando surge algum distúrbio na conversação espontânea, é a tônica do artigo de Schegloff ("Third turn repair"). O autor procura descrever as circunstâncias em que os reparos aparecem e as formas com que se manifestam, mostrando que essas unidades possuem diferentes funções interacionais e constituem estratégias que podem elucidar aspectos importantes da relação forma e função nas línguas humanas.

Ainda na área da análise da conversação, o texto de Shuy ("Discourse clues to coded language in an impeachment hearing") se volta para uma questão mais específica: a forma como os falantes de uma língua podem usar o código lingüístico para disfarçar o significado, ou seja, passar mensagens cifradas. Na análise de conversações telefônicas entre pessoas suspeitas de envolvimento em um processo de corrupção, o autor se vale de índices lingüísticos e discursivos para determinar a natureza cifrada da mensagem. A organização do discurso, muito mais do que as palavras utilizadas pelos envolvidos na conversação apontam a anti-naturalidade do evento de fala, levando a crer que se trata de um discurso codificado.

Dois dos artigos contidos no volume estão mais direcionados para os processos envolvidos na interpretação do discurso. O artigo de Weiner (" The incongruity of jokes, riddles and humorous situations") concentra sua atenção na incongruência que resulta da violação de regras pragmáticas. Essas regras derivam, segundo a autora, de um sistema de conhecimento compartilhado pela comunidade e fundamental para a comunicação humana. A infração a regras pragmáticas pode ser intencionalmente utilizada pelo falante com o objetivo de gerar surpresa ou um efeito humorístico.

A questão da inferência é recolocada no texto de Gumperz (On the interactional bases of speech membership community) com o objetivo de sugerir uma perspectiva de interpretação do conhecimento social e lingüístico requerido na interpretação do discurso. Através da análise de situações de comunicação que envolve falantes pertencentes a grupos étnicos distintos, o autor demonstra que muitas das estratégias de interpretação empregadas estão relacionadas a experiências comunicativas compartilhadas pelos interlocutores. As inferências se baseiam em conhecimento adquirido como parte de uma história social e econômica comum.

Um problema crucial na formulação de uma análise sociolingüística do discurso é a aplicabilidade de métodos quantitativos, como o proposto para análise da regra variável, a fenômenos do discurso, devido à dificuldade de se definir a variável, ou o que Schegloff denominou de problema do denominador. Esse problema é retomado em dois artigos que propõem soluções alternativas, que garantam, no entanto, o princípio de "accountability" proposto por Labov, ou seja, a exigência de que as afirmações acerca de um fenômeno lingüístico sejam verificadas de forma exata. O primeiro, da autoria de Horvarth ("An empirical study of textual structure: horse call races") apresenta uma tentativa de abordagem empírica e quantitativa para o estudo de textos. A autora toma como exemplo a análise da estrutura de narrações de corridas de cavalo e, valendo-se de um método estatístico, procura confirmar a correspondência entre unidades lingüísticas e funcionais nos textos em questão. O estudo experimental abre novas perspectivas para a análise das diferenças lingüísticas e funcionais entre textos assim como das diferenças que possam ser atribuídas ao indivíduo.

No artigo de Dubois e Sankoff ("Discourse enumerators and Scheglof"s denominator"), o problema da aplicabilidade de métodos quantitativos a fenômenos discursivos é discutido a partir da análise dos processos de enumeração no discurso oral. Os autores defendem a possibilidade de demonstração do grau de interrelação entre dois grupos de fatores ou dois parâmetros de análise das construções de enumeração por meio de técnicas estatísticas como a de tabulação cruzada, que permite verificar as interações possíveis entre os dados.

A segunda seção livro, intitulada " Language in use: syntactic and lexical variation", reúne artigos que exploram uma das direções mais produtivas do modelo sociolingüístico laboviano: a análise de fenômenos variáveis, principalmente lexicais e sintáticos, à luz da conjugação entre fatores gramaticais e discursivos, mostrando que a adequação descritiva no estudo da variação linguïstica só pode ser alcançada mediante o controle conjunto de propriedades estruturais e funcionais dos elementos da linguagem. O primeiro artigo da seção, de autoria de Braga e Oliveira ("On focusing sentences in brazilian Portughese") contempla, como está explícito no título, as construções de focalização no português, comparando dados de duas cidades brasileiras: Rio de Janeiro e Belo Horizonte. O estudo, além de revelar algumas diferenças entre as duas cidades, mostra que a variação entre as diversas construções de foco é controlada por fatores gramaticais e por fatores discursivos.

Também fortemente influenciado por fatores de natureza discursiva é o uso de pronomes livres ou presos em javanês, tema do artigo de Myhill ("View point, sequencing and pronoun usage in javanese short stories"). O autor mostra que a escolha entre as duas formas do pronome é dependente da função narrativa da sentença onde eles ocorrem. O pronome preso está associado com cláusulas narrativas, seqüenciais. O pronome livre, por sua vez, ocorre mais freqüentemente em sentenças onde se verifica uma avaliação subjetiva do falante em relação ao referente do pronome.

A relação entre forma e função, eixo em torno do qual se aglutinam quase todos os textos da segunda seção, é enfocada sob um prisma um pouco diferente no artigo de Prince ("On Kind sentences, resumptive pronouns and relative clauses"). A autora apresenta evidências de algumas línguas para defender a tese de que as cláusulas encaixadas em uma sentença matriz com tipo (kind) e que contêm um pronome resumitivo não estão relacionadas sintaticamente com as relativas sem pronome resumitivo. Além das diferenças sintáticas entre os dois tipos de estrutura a autora aponta especificidades funcionais do pronome resumitivo nas orações com tipo. As evidências trans-lingüísticas levam a autora a concluir que a correlação entre forma e significado é impredizível, constituindo um fato específico de cada língua.

O artigo de Wald ("Varbrul and the human/inanimate polarization of the swahili object marker") retoma uma das controvérsias centrais dos estudos variacionistas de orientação laboviana: a aplicação do programa de regra variável, varbrul, à análise de alternâncias que envolvem diferença de significado. O que leva à discussão de um dos pressupostos centrais do modelo, ou seja, o da invariância semântica entre formas estruturalmente distintas. O estudo acerca do uso variável do marcador de objeto em swahili permite ao autor ilustrar a combinação do instrumento varbrul a outros métodos de análise para obter conclusões acerca do comportamento de um fenômeno lingüístico. A metodologia quantitativa permite, como enfatiza o autor, reconhecer a independência dos fatores e comprovar conclusões motivadas por uma análise mais qualitativa.

O dinamismo dos processos de mudança em situação de contato lingüístico é igualmente bem contemplado na coletânea. Retomando o pressuposto laboviano de que a explicação da mudança lingüística não emerge apenas da análise de fatores estruturais, mas deve buscar seus fundamentos também na complexidade social das comunidades de fala, dois artigos da coletânea examinam processos de mudança lexical e sintática em contextos bilingües. Boyd et allii ("Patterns of incorporation of lexemes in language contact: language tipology or sociolinguistics") analisa a incorporação lexical em três comunidades bilingües. Os autores demonstram, através de uma análise cuidadosa dos processos de incorporação morfo-fonológica de itens lexicais de uma língua em outra, a insuficiência de explicações baseadas unicamente nas diferenças tipológicas entre as línguas. Os padrões de incorporação só podem ser compreendidos à luz do contexto social do contato lingüístico que influencia de forma relevante as soluções encontradas por cada comunidade bilingüe.

Poplack analisa o uso variável das formas de subjuntivo no francês falado em comunidades bilingües da fronteira entre Quebec e Ontário, no Canadá ("The sociolinguistics dynamics of apparent convergence"). A autora busca comprovar a hipótese de que a perda do subjuntivo no francês falado nessas comunidades é decorrente de um processo de convergência entre a língua minoritária, o francês, e a língua majoritária, o inglës, ou seja, um caso de mudança induzida por contato lingüístico. O estudo quantitativo da variação mostra, no entanto, fracas evidências a favor da hipótese, sugerindo outras explicações para o fenômeno.

A coletânea termina com uma preciosa compilação da extensa bibliografia de W. Labov, organizada cronologicamente, subdividida por tipos de publicação e com a indicação das traduções para diferentes línguas. Todos aqueles que se interessam pelo modelo variacionista encontram nas páginas finais do livro um excelente ponto de referência que permite acompanhar o pensamento científico do homenageado.

Como se pode ver, o aparente ecletismo do segundo volume de "Towards a social science of language" é apenas uma conseqüência da diversidade de perspectivas e temas que passaram, a partir de W. Labov, a ocupar a atenção de uma quantidade considerável de lingüistas em diferentes partes do mundo, trabalhando com diferentes sistemas lingüísticos. É um ecletismo revelador das múltiplas faces do estudo da língua em uso e que vem contribuir de forma substancial para aumentar o nosso conhecimento das complexas inter-relações entre língua, discurso e sociedade.

(Recebido em setembro de 1998; Aceito em novembro de 1998)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jan 2000
  • Data do Fascículo
    Fev 1999
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