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Lingüística aplicada e transdisciplinaridade: questões e perspectivas

Introduction to Linguistics; Applied Linguistics; Transdisciplinarity

Introdução à Lingüística; Lingüística Aplicada; Transdisciplinaridade

RESENHA/REVIEW

SIGNORINI, I. e M. C. CAVALCANTI (orgs.) (1998) Lingüística Aplicada e Transdisciplinaridade: Questões e Perspectivas. Campinas: Mercado de Letras. ISBN 85-85725-33-8. Pp. 216.

Resenhado por Kanavillil RAJAGOPALAN

(Universidade Estadual de Campinas)

KEY WORDS: Introduction to Linguistics; Applied Linguistics; Transdisciplinarity.

PALAVRAS-CHAVE: Introdução à Lingüística, Lingüística Aplicada; Transdisciplinaridade.

São, ao todo, 10 artigos, divididos em 4 partes, que compõem o presente volume. E o tema aglutinador é algo que tem despertado muita atenção entre os estudiosos nos últimos tempos, tanto aqui no Brasil como lá fora – a saber, a questão da natureza exata da Lingüística Aplicada (LA) enquanto disciplina acadêmica. Tendo conseguido, já há algum tempo, sua autonomia institucional, a LA continua buscando melhor compreensão da sua identidade e especificidade enquanto área do saber. Os pesquisadores não se contentam mais encarando a LA como o ponto de encontro de várias outras disciplinas, visão essa que veio a suplantar a chamada postura "Brumfit-Widdowson", que procurava frisar a emancipação da disciplina em relação à lingüística teórica. Lars Sigred Evensen, em sua contribuição ao volume, resume a atual tendência nas seguintes palavras: "Estamos atuando em um campo multidisciplinar (no sentido mais estrito desse termo) ou participamos do desenvolvimento de uma transdisciplina emergente (de uma ciência exclusiva, em termos não-tecnológicos)? Se tal, quais são as características dessa determinada transdisciplina?" (pp. 81-2). A palavra transdisciplinaridade ou uma de suas variantes morfológicas está presente nos títulos de nada menos que 4 dos 10 trabalhos e também nos títulos da metade das 4 partes, e todos os autores, sem exceção, tocam no assunto direta ou indiretamente, no decorrer dos seus textos. Isso não só justifica o título dado ao próprio volume, como também demonstra grande interesse, por parte dos pesquisadores que contribuíram para o volume, de interrogar a constituição e o estatuto da LA e os rumos que ela deve tomar daqui em diante.

As 4 partes do volume têm os seguintes títulos: LA: Agendas em Discussão, Do Disciplinar ao Transdisciplinar em LA, Significados Atribuídos à Transdisciplinaridade, e Dois Congressos e o Mesmo Tema. Dois trabalhos, de autoria, respectivamente de Alastair Pennycook e de Angela B. Kleiman, compõem a 1ª Parte. O de Pennycook, originalmente publicado em 1990 na revista Issues in Applied Linguistics, pleiteia uma postura abertamente crítica, ao passo que o segundo se preocupa mais em rastrear o percurso trilhado pela LA desde o começo da sua existência como disciplina autônoma.

A Parte 2 do volume também contém dois trabalhos. O primeiro, assinado por Lars Sigfred Evensen, discute a questão da transdisciplinaridade da LA e conclui apontando para a mudança de enfoque em curso na LA de teoria para problemas específicos e ressaltando a necessidade de compreender melhor a relação dialética existente entre a pesquisa básica e a pesquisa aplicada. O trecho citado no início desta resenha foi extraído desse trabalho do autor, que foi originalmente apresentado no Congresso da AILA em 1966. O segundo artigo, da autoria de Inês Signorini, procura definir o objeto das pesquisas em LA. A autora vê uma clara vantagem em se ter "um objeto múltiplo e complexo" (p. 107) porque isso tem como conseqüência "a inevitável exposição à multiplicidade de paradigmas que constituem o universo científico contemporâneo" (p.108).

Os 3 artigos que compõem a Parte 3 do volume são assinados, respectivamente, por Luiz Paulo da Moita Lopes, Maria Antonieta Alba Celani, e Silvana Serrani-Infante. Cada um procura analisar o próprio conceito de transdisciplinaridade e a sua pertinência às pesquisas feitas em LA. Moita Lopes coloca em discussão a possibilidade de a LA vir a ser genuinamente transdisciplinar. O autor faz restrições à caracterização apressada da LA como transdisciplinar e lança mão da hipótese de que a atual situação da indefinição talvez deva ao fato da LA ser ainda "uma área de investigação relativamente nova"(p. 127). Com base em sua ampla experiência como pesquisadora e pioneira no campo, Celani se mostra mais segura e confiante ao reivindicar o caráter transdisciplinar da LA, tese já defendida em outras oportunidades como em (Celani, 1992). Em suas palavras, "A Lingüística Aplicada parece ter vocação para uma atitude transdisciplinar. Essa preocupação com o social, com o humano, há tempos tem sido objeto de pesquisas em Lingüística Aplicada e, de fato, é componente fundamental na definição da disciplina"(p.133). O trabalho de Serrani-Infante discute a questão da articulação teoria-prática à luz dos resultados parciais de um projeto de pesquisa em curso na UNICAMP.

A Parte 4 é composta de 3 artigos de depoimento que relatam as experiências dos autores em recentes congressos na área de LA. A primeira, da autoria de Inês Signorini, faz um apanhado do IV Congresso Brasileiro de Lingüística Aplicada, realizado em 1995 na UNICAMP. Os últimos dois, de Diane Larsen-Freeman e Marilda C. Cavalcanti, discutem o 11º Congresso Internacional de Lingüística Aplicada (AILA) que ocorreu em Jyväskyla, Finlândia, em 1996. Ambas as autoras destacam a grande dispersão e heterogeneidade que atualmente caracterizam as pesquisas em LA. Diz Larsen-Freeman: "Uma idéia que parece ser propagada, atualmente, é a concepção de que as coisas estão interligadas de maneiras extremamente complicadas e sensíveis" (p. 187). Cavalcanti frisa o caráter eminentemente político da divisão do bolo de conhecimento em disciplinas e assinala que "A Lingüística Aplicada mostra faces diferentes em países diferentes e, como em outras áreas, isso se deve à maneira como a segmentação de conhecimento é politicamente decidida nas universidades" (p. 207).

Sem sombra de dúvida, livros como este são bem-vindos sobretudo diante das incertezas e falta de definição que ainda pairam sobre LA. Os autores, cada um do seu ponto de vista, se esforçam para formular um certo posicionamento em relação à transdisciplinaridade que é a palavra de ordem, já há algum tempo. A falta de unanimidade não é, como alguns podem pensar, necessariamente sinal de imaturidade, nem tampouco, fenômeno típico que se observa em disciplinas recém-emancipadas. Muito pelo contrário, sou de opinião de que é justamente a ausência de dissensão, de diferenças fundamentais, que sinaliza estado moribundo e preocupante de um campo de conhecimento.

A meu ver, as discussões aparentemente infindáveis e inconclusivas sobre a própria natureza de uma disciplina são sintomáticas de algo muito mais sério que clama atenção urgente. No caso da LA, uma dessas questões urgentes ainda é a sua situação face à Lingüística Teórica. Apesar de gozar de plena autonomia em relação à Lingüística, a questão de como demarcar as fronteiras em relação à disciplina "matriz" continua a preocupar muitos estudiosos ainda. Vejamos o que diz Wilkins em artigo recente: "Para entendermos a natureza da lingüística aplicada, é necessário considerar suas origens, suas metas, a relação da lingüística aplicada com a teoria lingüística, o tipo de questões com as quais a pesquisa na lingüística aplicada se preocupa, e os métodos de investigá-las, e a relação da lingüística com prática profissional em diversos domínios". (ênfase acrescida) (Wilkins, 1998: 35). Alguns dos autores da presente coletânea claramente evidenciam a preocupação e, ou fazem questão de definir sua posição a respeito, ou deixam escapar uma certa visão sobre o assunto, que pode até não corresponder à postura que está sendo explicitamente assumida. A título de exemplos, vejamos o que tem a dizer Kleiman a respeito: "Considero que a Lingüística Aplicada tem tanto, ou tão pouco, a ver com a lingüística, como a pesquisa médica clínica sobre a senescência tem a ver a neuroanatomia". (p. 53). Já as próprias organizadoras do volume assumem uma postura bastante diferente quando, logo no inicio de sua 'Introdução', se referem à LA como "mais uma subárea do conhecimento, originalmente circunscrita e periférica, que 'explodiu' ao longo dos anos 90" (p. 7). Se por um lado, Kleiman se apressa, logo após a frase acima citada, para acrescentar que "a discussão dessas relações é quase sempre estéril quando se fundamenta em questões de ordem política" (ibid.), por outro lado, Moita Lopes, trilhando a mesma linha de raciocínio que Cavalcanti, faz questão de nos lembrar que a caracterização da LA como uma subárea da Lingüística é parte das regras do jogo que aí estão, regras essas que atualmente norteiam as políticas dos órgãos financiadores de pesquisa no país como CNPq e a CAPES, com claras "implicações relativas ao desenvolvimento de carreiras universitárias, como também à distribuição de verbas para pesquisa"(p.115), observando ainda que "quem tenta operar de forma interdisciplinar, paga o preço da INdisciplina" (p. 116). É no contexto dessa discussão que a pergunta final com a qual Celani termina seu artigo "[...] há lugar para reinos no domínio do saber?" adquire suma importância. (p. 142).

Talvez mais importante ainda do que a questão da demarcação das fronteiras e a concessão ou não do direito de livre passagem seja a questão da possibilidade ou 'desejabilidade' de tomar atitude crítica em relação aos trabalhos feitos em áreas conexas. Há duas formas de encarar as possíveis imbricações entre LA e as áreas conexas. Ou elas podem estar participando de uma ampla integração de vários campos do saber, ou podem estar entrando em francos atritos entre si, fazendo que cada área seja constantemente obrigada a rever suas metas. Num artigo que gerou bastante polêmica e continua a fazê-la (cf. Rajagopalan, no prelo 1 e 2), Ben Rampton (1997) se identifica claramente com a segunda opção. Segundo este autor, a atitude crítica é absolutamente necessária em LA e, em verdade decorre de "uma certa disposição inicial para levar a sério a necessidade de se dialogar" (Rampton, 1997:12). Rampton argumenta em seguida que a LA deve desvencilhar-se da sua atitude subserviente em relação à Lingüística e assumir abertamente a sua vocação que é, segundo o autor, a de contribuir de forma decisiva para que a própria Lingüística reveja alguns dos seus mais consagrados postulados, dentre os quais, o da famigerada neutralidade científica. A própria construção de teorias é, pois, uma atividade que se desenvolve no mundo real, e, portanto, passa por uma questão de ordem indiscutivelmente prática. O artigo de Pennycook, o primeiro no volume em discussão, merece destaque nesse sentido. Sob o título de "A Lingüistica Aplicada dos anos 90: em defesa de uma abordagem crítica", o autor adota com pano de fundo a visão pósmoderna da ciência e da produção e distribuição de conhecimento e advoga uma postura abertamente crítica. Suas palavras são extremamente importantes no contexto de marasmo ético-moral que se verifica em muitas das áreas acadêmicas. Diz ele, "O uso da palavra 'crítica' não pretende se referir a uma concepção de criticismo somente em termos dos argumentos contra o cânone do pensamento reconhecido; ao invés disso, a palavra 'crítica é usada com a intenção de incluir uma concepção de crítica transformadora. Isto significa que nós, na qualidade de intelectuais e professores, precisamos assumir posturas morais e críticas a fim de tentar melhorar e mudar um mundo estruturado na desigualdade". (p. 42).

A futurologia não está ao alcance de nenhum de nós mortais comuns; mas vale a pena, acredito eu, arriscar a hipótese de que a próxima "revolução" interna (ou, em termos kuhnianos, a mudança de paradigma) à espera da Lingüística acarretará sua auto-conscientização enquanto uma área do saber ideologicamente compromissada (aliás, como qualquer outra). Uma pequena (porém, decisiva) ajuda advinda da "subárea" chamada LA que está, segundo as organizadoras do volume, prestes para "explodir" seria, com certeza, bem vinda, por que não? Sou da opinião de que o campo da LA hoje se coloca como lugar privilegiado para darmos início a tal empreitada. (A esse respeito, ver Rajagopalan, no prelo 1 e 2).

(Recebido em fevereiro de 1999. Aceito em abril de 1999)

  • CELANI, M.A.A. (1992) 'Afinal, o que é Lingüística Aplicada?'. In: PASCHOAL, M. S. Z. de e M.A.A.CELANI (orgs.) (1992) Lingüística Aplicada: da Aplicaçăo da Lingüística ŕ Lingüística Transdisciplinar Săo Paulo: Educ. 15-23.
  • RAJAGOPALAN, K. (no prelo-1). 'Tuning up amidst the din of discordant notes: on a recent bout of identity crisis in applied linguistics'. International Journal of Applied Linguistics Vol. 9.nş 1.
  • _____ (no prelo 2). 'Critical approaches and their raison d'ętre; a rejoinder to Brumfit and Widdowson'. International Journal of Applied Linguistics Vol. 9.nş 1.
  • RAMPTON, B. (1997). 'Retuning in applied linguistics.' Internatinal Journal of

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Out 2000
  • Data do Fascículo
    1999

Histórico

  • Aceito
    Abr 1999
  • Recebido
    Fev 1999
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