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Léxico e ideologia na Europa Ocidental

European languages; Lexical creation; Ideology; Etymology

Línguas européias; Criação lexical; Ideologia; Etimologia

RESENHA/REVIEW

BIZZOCCHI, A. (1998) Léxico e Ideologia na Europa Ocidental. São Paulo: Editora Annablume, 271 p.

Resenhado por/by Ricardo Baptista MADEIRA

(Universidade São Judas)

PALAVRAS-CHAVE: Línguas européias; Criação lexical; Ideologia; Etimologia.

KEY WORDS: European languages; Lexical creation; Ideology; Etymology.

O livro Léxico e Ideologia na Europa Ocidental, de Aldo Bizzocchi, apresenta uma nova perspectiva no estudo do léxico das línguas européias ocidentais, isto é, neolatinas e anglo-saxônicas, por meio da fusão das duas atuais correntes de análise do léxico, num estudo ao mesmo tempo etimológico e neológico, construindo assim uma teoria que o próprio autor chamou de "lexicogênica", vale dizer, baseada na origem e nos processos de criação das palavras, a partir da tensão entre o clássico (de influência greco-latina) e o vulgar.

O livro se divide fundamentalmente em duas partes, uma teórica e uma prática. O princípio básico de análise adotado pelo autor na primeira parte da obra é o de que as línguas de cultura ocidentais têm por base o modelo greco-latino ou clássico. Serem línguas de cultura significa que, mais do que simples veículos de comunicação de certas populações, essas línguas são verdadeiros idiomas, na medida em que produziram uma literatura e representam a expressão de nacionalidades. Conseqüentemente, além das palavras populares, vernáculas, isto é, aquelas que pertencem à língua desde sempre, tendo sido herdadas diretamente de suas antepassadas históricas, esses idiomas (o português, o espanhol, o francês, o italiano, o inglês, o alemão, o holandês, etc.) possuem um grande número de palavras de cunho erudito, pertencentes justamente ao domínio da cultura, que entraram nas línguas pela via escrita. Assim, a história lingüística do Ocidente se divide entre o domínio das línguas clássicas – o grego e o latim – e o das línguas ditas vulgares, isto é, as línguas neolatinas ou românicas e as línguas anglo-saxônicas ou germânicas. Sendo o grego e o latim as únicas línguas de cultura durante a Antigüidade e a Alta Idade Média – período em que as línguas vulgares começaram a se estabelecer também como línguas de cultura –, era natural que o vocabulário culto dessas línguas fosse criado mediante a importação de palavras gregas ou latinas ou da construção de novas palavras segundo o modelo greco-latino. Secundariamente, também o intercâmbio de palavras entre as línguas vulgares contribuiu para o enriquecimento de seu vocabulário. Bizzocchi demonstra em seu livro que a história do léxico das línguas européias ocidentais se apóia na dicotomia entre elementos clássicos e vulgares, autóctones ou importados. Por conseguinte, todas essas línguas possuem um vocabulário "erudito" e um vocabulário "vulgar".

No entanto, segundo o autor, a questão não é assim tão simples. Todas as línguas em questão tomaram – e ainda tomam – empréstimos ao grego e ao latim; porém, às vezes, a palavra emprestada é mantida em sua forma original (salvo pequenas adaptações gramaticais obrigatórias), enquanto, outras vezes, é "vulgarizada", isto é, passa por um processo de mudança fonético-fonêmica ou então de substituição ou acréscimo de morfemas vulgares que torna essa palavra "semi-erudita", isto é, meio erudita, meio vulgar. Por outro lado, essas línguas também podem ou não "reclassicizar" termos vulgares, substituindo-os por seus equivalentes greco-latinos. Algumas línguas são mais receptivas ao empréstimo de palavras vulgares estrangeiras, ao passo que outras são mais "nacionalistas", isto é, mais resistentes à influência estrangeira. Para dar conta de todos esses fenômenos, o autor procura elaborar um modelo complexo e abrangente de descrição e explicação dos percursos pelos quais as palavras apareceram nas línguas européias e da forma que possuem atualmente. Trata-se de um modelo taxonômico que procura estabelecer uma tipologia dos processos de produção lexical específicas das línguas da Europa Ocidental. Para tanto, Bizzocchi introduz novos conceitos, como, por exemplo, os de metamorfismo, empréstimo de restituição, ressemantização, além do interessante conceito de germance, por analogia ao de romance, dentre outros. Também redefine outros conceitos, de uso já corrente, estabelecendo-os em bases formais rigorosas, como é o caso do empréstimo de tradução, do empréstimo de sentido, da refecção de vulgarismos, da relatinização, etc., chegando a um quadro geral dos processos lexicogênicos que se divide em duas categorias básicas de fenômenos: a autogenia e a alogenia. A atuação de todos esses fenômenos combinados é o que faz com que cada língua possua um perfil lexicogênico próprio. É justamente o diferente perfil lexicogênico de cada língua, baseado na dicotomia clássico/vulgar e, portanto, no tratamento que cada idioma dá aos empréstimos greco-latinos, aliado ao fluxo de palavras de uma categoria a outra, o que determina o caráter ideológico das escolhas léxicas feitas por cada língua. É nesse sentido que Bizzocchi fala na ideologia do léxico de cada língua: línguas mais classicizantes ou mais vulgarizantes, línguas mais xenófilas ou mais xenófobas, e assim por diante. Dada a presença constante das línguas clássicas a modelar as línguas de cultura vulgares da Europa Ocidental, o autor mostra, portanto, como o mesmo modelo cultural greco-latino, expresso através do léxico, é diferentemente filtrado por cada língua. A teoria léxica proposta por Bizzocchi tem o mérito de dar conta de uma série de casos que a teoria etimológica tradicional explica de forma pouco convincente, como o demonstra o próprio autor, ao fazer uma crítica bastante pertinente das insuficiências dos modelos em uso atualmente. Esse mérito reside principalmente na concepção dinâmica, dialética, de língua em que Bizzocchi se apóia, inserindo, assim, seu estudo numa perspectiva que atualmente costuma ser classificada como pós-estruturalista, e que leva em conta a língua enquanto fenômeno semiótico e como sistema não de signos, mas sim de significação. A apresentação desse macromodelo, fundamentada por uma série de dados históricos relevantes e por grande número de exemplos em várias línguas européias, que demonstram grande erudição por parte do autor, constitui a primeira parte da obra (introdução e capítulos 1 e 2).

Na segunda parte (capítulos 3 e 4), Bizzocchi realiza a aplicação de sua teoria à análise do léxico de cinco línguas européias ocidentais, a saber, o português, o francês, o italiano, o inglês e o alemão. Utilizando o método estatístico, efetua um estudo comparativo do vocabulário dessas línguas, através de textos filosófico-científicos e jornalísticos, analisando e classificando as chamadas palavras lexicais – substantivos, adjetivos, verbos e advérbios de modo – do ponto de vista lexicogênico, para traçar o perfil ideológico do léxico dessas línguas. (A escolha dos textos e dos tipos de palavras estudadas é justificada na primeira parte do livro.) Por meio de uma análise estatística bastante rigorosa, o autor chega a um resultado surpreendente em relação ao comportamento das línguas estudadas. Ele demonstra que o francês e o inglês são línguas mais "clássicas", ao passo que o italiano e o alemão são mais "vulgares". Faz também algumas inferências sobre o perfil léxico de línguas não estudadas na obra, como o espanhol e as línguas escandinavas.

A importância do trabalho de Bizzocchi reside no fato de ter ele conseguido unificar duas diferentes abordagens científicas do léxic – a histórica e a estrutural – numa única teoria, mediante um novo enfoque que une as perspectivas diacrônica e sincrônica de estudo da linguagem numa perspectiva mais abrangente, hoje em dia chamada de pancrônica. Mas o mais importante é que o modelo teórico proposto visa a dar conta exatamente das línguas de cultura da Europa Ocidental, sem dúvida, as que mais influenciam a cultura mundial. Nas palavras do próprio autor, "a Europa Ocidental é talvez o melhor exemplo de povos étnica e lingüisticamente diferentes que, no entanto, devido à influência cultural comum – da Grécia e Roma antigas –, constituíram uma única grande civilização".

Aldo Bizzocchi apresenta-nos, assim, uma visão totalmente nova sobre um velho problema. Este trabalho, resultante da adaptação para livro de sua tese de doutoramento junto ao Departamento de Lingüística da Universidade de São Paulo, é agora finalmente publicado e, a nosso ver, promete uma revolução na compreensão dos processos de surgimento das palavras nas línguas européias e das próprias razões que presidem a evolução das línguas. É uma obra indispensável a todos que se dedicam ao estudo do léxico (lexicólogos, lexicógrafos) e aos que se interessam pela história das línguas européias (romanistas, germanistas) e da ideologia que presidiu sua formação e dita suas diretrizes até hoje. A teoria apresentada nesta obra permite inúmeras aplicações nos campos da lexicologia, da lexicografia, da terminologia, da etimologia, da gramática histórica, do ensino de léxico e da normatização lexical, dentre outros.

O prefácio da obra fica a cargo da Prof.ª Dr.ª Jeni da Silva Turazza, da PUC de São Paulo, que diz: "Objetivando encontrar as causas das convergências e divergências das formações léxico-gramaticais de idiomas distintos (francês, inglês, alemão, português e italiano), Aldo Bizzocchi, valendo-se do método comparativo, submete os vocabulários de discursos científicos, filosóficos e jornalísticos contemporâneos a um tratamento qualitativo e quantitativo, tendo por critério de análise princípios da Lingüística Quântica e postulados da Lingüística do Discurso, numa interface com dados da Lexicologia. Esse quadro teórico possibilita-lhe revelar dados de extrema valia para o estudioso dos mais diferentes campos da linguagem."

(Recebido em março de 1999; Aceito em julho de 1999)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Out 2000
  • Data do Fascículo
    2000

Histórico

  • Aceito
    Jul 1999
  • Recebido
    Mar 1999
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