Acessibilidade / Reportar erro

O prefixo no português brasileiro: análise prosódica e lexical

The brazilian portuguese prefix: prosodic and lexical analysis

Resumos

Este artigo resume nosso estudo dos prefixos do português brasileiro (PB), realizado à luz da Fonologia Prosódica (FP) e da Fonologia Lexical (FL). Quanto a seu status prosódico, propomos que os prefixos do PB estão divididos em dois grupos: prefixos composicionais (PCs) e prefixos legítimos (PLs). Os primeiros configuram-se como palavras fonológicas independentes, enquanto os segundos se estruturam como sílabas átonas afixadas à esquerda de uma base. No que respeita ao status lexical dos prefixos, a partir de uma proposta de léxico segmentado em dois níveis, assumimos que PCs fazem o caminho de palavras fonológicas independentes até o nível pós-lexical, de onde são alçados, a fim de sofrer prefixação no nível 2, enquanto PLs são inseridos lexicalmente como sílabas pretônicas, distribuídos em duas classes, que se afixam, respectivamente, nos níveis 1 e 2.

fonologia lexical; fonologia prosódica; morfologia; prefixo


This article synthetizes my study of Brazilian Portuguese (BP) prefixes, in light of Prosodic Phonology (PP) and Lexical Phonology (LP). As to the prosodic status, it has been proposed that BP prefixes are separated in two groups: compositional prefixes (CPs) and true prefixes (TPs). The first group behaves like independent phonological words, while the second one plays the role of unstressed syllable affixed to the left side of a base. Regarding the lexical status of prefixes, it has been assumed, based on a two-level lexical proposal (root and word), that CPs behave as independent phonological words until postlexical level, undergoing prefixation process in the level 2. TPs, on the other hand, are lexically attached as pretonic syllables, and they are divided in two classes that affix to a stem, respectively, in the levels 1 and 2.

lexical phonology; prosodic phonology; morphology


O PREFIXO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: ANÁLISE PROSÓDICA E LEXICAL

(The Brazilian Portuguese Prefix: Prosodic and Lexical Analysis)

Luiz Carlos SCHWINDT

(Centro Universitário La Salle ¾ Canoas/RS)

ABSTRACT: This article synthetizes my study of Brazilian Portuguese (BP) prefixes, in light of Prosodic Phonology (PP) and Lexical Phonology (LP). As to the prosodic status, it has been proposed that BP prefixes are separated in two groups: compositional prefixes (CPs) and true prefixes (TPs). The first group behaves like independent phonological words, while the second one plays the role of unstressed syllable affixed to the left side of a base. Regarding the lexical status of prefixes, it has been assumed, based on a two-level lexical proposal (root and word), that CPs behave as independent phonological words until postlexical level, undergoing prefixation process in the level 2. TPs, on the other hand, are lexically attached as pretonic syllables, and they are divided in two classes that affix to a stem, respectively, in the levels 1 and 2.

KEY-WORDS: lexical phonology, prosodic phonology, morphology, prefix.

RESUMO: Este artigo resume nosso estudo dos prefixos do português brasileiro (PB), realizado à luz da Fonologia Prosódica (FP) e da Fonologia Lexical (FL). Quanto a seu status prosódico, propomos que os prefixos do PB estão divididos em dois grupos: prefixos composicionais (PCs) e prefixos legítimos (PLs). Os primeiros configuram-se como palavras fonológicas independentes, enquanto os segundos se estruturam como sílabas átonas afixadas à esquerda de uma base. No que respeita ao status lexical dos prefixos, a partir de uma proposta de léxico segmentado em dois níveis, assumimos que PCs fazem o caminho de palavras fonológicas independentes até o nível pós-lexical, de onde são alçados, a fim de sofrer prefixação no nível 2, enquanto PLs são inseridos lexicalmente como sílabas pretônicas, distribuídos em duas classes, que se afixam, respectivamente, nos níveis 1 e 2.

PALAVRAS-CHAVE: fonologia lexical; fonologia prosódica; morfologia; prefixo.

0. Introdução

Este trabalho apresenta uma análise morfofonológica dos prefixos no português brasileiro (PB), orientada por dois objetivos: primeiro, o de categorizá-los prosodicamente; segundo, o de situá-los em uma proposta de léxico segmentado em níveis. Utiliza-se, para tanto, do aparato teórico da Fonologia Prosódica (FP) e da Fonologia Lexical (FL), fundamentada nos modelos de Nespor & Vogel (1986) e Kiparsky (1985). Na discussão do português, emergem os trabalhos de Lee (1995), Moreno (1997), Bisol (1999a,b), Face (1999) e Vigário (1999).1 1 Este texto resume os pontos essenciais da análise proposta na tese de doutorado O prefixo no português brasileiro: análise morfofonológica, de Schwindt (2000). Nesse trabalho podem ser encontradas justificativas para a eleição de tais modelos teóricos, o que omitimos aqui por limitações de espaço.

Está organizado da forma que segue. Na seção 1, apresenta-se a delimitação dos dados analisados; na seção 2, discute-se o status prosódico do prefixo; na seção 3, o status lexical; por fim, na seção 4, trazemos nossas conclusões.

1. Delimitação dos dados

Começaremos por delimitar os prefixos que serão utilizados ao longo de nosso estudo, tendo por base levantamento realizado nas gramáticas de Celso Cunha (1980) e Napoleão Mendes de Almeida (1989) e nas formações novas apresentadas por Sandmann (1989), com as adaptações necessárias a esta análise.

No quadro 1 separamos os prefixos, inicialmente, em dois grupos, dissilábicos e monossilábicos. O critério para eleger esse conjunto de prefixos diz respeito às suas características fonológicas e morfológicas, mais do que semânticas. São, por isso, representativos das categorias que queremos explicar. Nosso esforço será no sentido de ser fiéis às suas características, mais do que a eles propriamente, ao longo de nossa discussão. Além disso, procuraremos nos restringir a vocábulos cuja prefixação seja sincronicamente identificável.


2. O status prosódico do prefixo no PB

O comportamento fonológico ambíguo dos prefixos no PB suscita o seguinte questionamento: seria ele uma palavra fonológica independente ou não teria outro status senão o de sílaba átona que se afixa à esquerda de uma base? Além disso, quais as suas semelhanças e diferenças com compostos e clíticos?

2.1. Proposta de segmentação dos prefixos no PB

A divisão dos prefixos em monossilábicos e dissilábicos, apresentada no quadro 1, ainda não reflete nossa hipótese acerca de seu caráter prosódico. Propomos que sejam redistribuídos entre o que chamaremos de prefixos composicionais (PCs) e prefixos legítimos (PLs), admitindo, preliminarmente, que os primeiros têm a estrutura prosódica de vocábulos fonológicos independentes (w) e que os segundos se estruturam como sílabas átonas (s) adjuntas ou incorporadas à base a que se ligam. Traçando um paralelo com outras categorias morfossintáticas, PCs têm o mesmo perfil prosódico dos compostos autênticos, enquanto PLs perfilam-se como clíticos.3 3 Em nossa análise, estamos restringindo o que entendemos por clíticos aos vocábulos funcionais monossilábicos e inacentuados: preposições, artigos, pronomes pessoais e conjunções ¾ vocábulos considerados fracos em várias línguas (cf. Vigário, 1999).

Suas diferenças estruturais são garantidas pelo nível do léxico em que são afixados.

Para sustentar essa hipótese usaremos como argumentos, inicialmente, o acento e a oposição forma livre / forma presa:

a) PCs, à semelhança de palavras, podem receber acento e podem se estabelecer como formas livres; e

b) PLs, à semelhança de clíticos, não podem receber acento e não podem existir como formas livres.

Nas duas próximas subseções discutiremos esses argumentos. Antes, porém, redesenhemos o quadro 1, agora contemplando nossa divisão entre PCs e PLs. Observe-se que a categoria PC admite todos os prefixos dissilábicos e os monossilábicos acentuados. A categoria PL, por outro lado, admite apenas os prefixos monossilábicos inacentuados.

2.1.1. Primeiro argumento: o acento

A utilização do acento como elemento distintivo entre PCs e PLs faz emergir a discussão em torno da concepção de w. Segundo Nespor & Vogel (1986), a palavra fonológica é um constituinte n-ário, organizado, por força da hierarquia prosódica, em pés métricos. Esses pés, por sua vez, mantêm entre os elementos que os compõem, uma relação de proeminência, isto é, uma relação de forte-fraco. Como a w só pode comportar um elemento proeminente, não possuirá mais do que um acento primário.

Disso se depreendem duas exigências combinadas para considerar os prefixos do PB palavras fonológicas: que formem pés isoladamente e que não possuam mais do que um acento primário.

Organizamos o seguinte conjunto de dados, segmentado a partir do acento.

No que diz respeito à formação de pés4 4 É preciso salientar que estamos investindo, neste momento da análise, na possibilidade de segmentar o prefixo em pés, isoladamente, sem considerarmos o processo de ressilabificação e atribuição de acento secundário. e à atribuição do acento, podemos afirmar que os prefixos de (1a) admitem escansão em pés binários com cabeça à esquerda, ou seja, são troqueus silábicos, à exceção de prefixos como recéN-, aléN-, aquéN-, que possuem acento à direita, respeitando a condição de sílaba final pesada.5 5 Sobre o acento das oxítonas, baseamo-nos em Bisol (1992).

Em (1b) estão os prefixos monossilábicos que consideramos acentuados. Se admitíssemos que o português exige como palavra mínima um pé bimórico ou dissilábico, então não- e póS-, por possuírem duas moras, atenderiam ao requisito. Mas o que dizer de bi-, tri-, pré- e pró-, todos constituídos por sílabas leves? O fato é que parece que o PB não possui a síndrome da palavra mínima (cf. Bisol, 1999a), tendo em vista que possuímos monossílabos tônicos também com sílabas leves (, etc.), não encontrando justificativa na sonoridade ou em processos de alongamento para atender à bimoricidade.

Nos exemplos de (1c), encontramos prefixos monossilábicos de sílabas leves e pesadas, porém, em nosso entendimento, todos inacentuados. Isso também é comum no PB, pois possuímos monossílabos átonos, tanto com sílabas leves quanto com sílabas pesadas (ex. a, em, sob etc.).

Considerando, então, que a menor palavra do português é constituída de apenas uma sílaba sem coda (cf. Bisol, 1999a), podemos dizer que os exemplos de (1) estão em conformidade com o padrão geral de acento do PB.

Nossa intenção não é, contudo, analisar o sistema acentual do português, mas mostrar que o comportamento diverso dos prefixos em relação ao acento não nos permite tratá-los uniformemente nesse quesito, o que alimenta nossa hipótese de segmentação em dois grupos: PCs, contendo prefixos acentuados e PLs, contendo prefixos inacentuados.

Voltemos, pois, à reflexão acerca da palavra fonológica, que, de alguma forma, motivou essa segmentação.

O que se entende é que a teoria aqui adotada (Nespor & Vogel,1986) não obriga a atribuição de acento à palavra fonológica, apenas restringe esse acento a não mais do que um, o que permite não se atribuir acento nenhum. A partir dessa constatação, elimina-se a possibilidade de os prefixos acentuados formarem uma única w com a base a que se ligam, uma vez que o resultado seria um vocábulo com dois acentos primários, o que essa teoria não permite. Essa característica os torna semelhantes aos compostos, daí chamá-los composicionais.6 6 É preciso, contudo, resguardar sua diferença dos compostos propriamente ditos, como o fato de alguns admitirem flexão nas duas partes (cachorros-quentes). Nossa análise lexical ajuda a aclarar essa distinção. Os prefixos monossilábicos inacentuados, diferentemente, não permitem tal classificação, porque não possuem acento nenhum, caracterizando-se como sílabas átonas afixadas à esquerda de uma base, daí chamá-los legítimos.

2.1.2. Segundo argumento: a oposição forma livre / forma presa

A oposição forma livre / forma presa como critério para distinguir PCs de PLs nos faz refletir acerca da semelhança que os primeiros têm com palavras independentes da língua, como substantivos, adjetivos e vários advérbios, e que os segundos têm com vocábulos dependentes, como os clíticos.

Embora não faça distinção entre categorias de prefixos, Face (1999), em uma análise da ressilabificação em espanhol através da Teoria da Otimidade, afirma que prefixos não podem ser tratados como outros afixos e devem ser considerados clíticos. Segundo o autor, além de não poderem ser acentuados, prefixos, à semelhança de clíticos, não podem se estabelecer por si mesmos, devendo estar ligados a uma base.

Esse raciocínio tal qual está formulado não serve para a totalidade dos prefixos do PB, uma vez que muitos podem aparecer isolados na frase. É útil, todavia, para distinguir PCs de PLs. Os exemplos apresentados em (2) sistematizam essa realidade.

Os dados acima permitem as seguintes generalizações:

¾ todos os PCs são potencialmente isoláveis, ou seja, em dado contexto podem se instanciar isoladamente; quando isso ocorre, manifestam-se como substantivos, adjetivos ou advérbios, conforme ilustra (2a); e

¾ ao contrário, PLs não são isoláveis, isto é, prefixos como re-, iNneg- deS- etc. nunca se instanciam isoladamente, como mostra (2b).

Contrariando nossa análise, alguém poderia afirmar que PLs podem se instanciar isoladamente sob a forma de preposições (ex. a, em, com etc.). Esse argumento, todavia, não refuta nossa hipótese, porque PLs, apesar de serem, em sua grande maioria, derivados historicamente de preposições, são menos livres sincronicamente do que elas. Uma evidência disso é o fato de PLs sempre respeitarem a condição de adjacência com a base morfológica a que se relacionam, diferente de clíticos, que podem sofrer intercalações, como em casa que admite a inserção de outro elemento, formando em minha casa ou coisa que o valha.7 7 Prefixos não aceitam intercalação de outros prefixos, apenas sobreposição, alterando o sentido da base já prefixada. Assim, o sentido de redes cobrir não é a soma de re cobrir mais des cobrir, diferente de para lhe dizer, que permite a decomposição em dois sintagmas, lhe dizer e para dizer, sem prejuízo semântico de cada uma das partes. A seção 4 tratará da dupla prefixação. Clíticos preposicionais gozam, pois, de uma autonomia intermediária: não são completamente livres como PCs e nem completamente presos como PLs.

Fazendo uso da distinção proposta pelos estruturalistas entre formas livres e formas presas, estamos aptos a afirmar que PCs podem constituir formas livres, enquanto PLs são caracteristicamente formas presas. Clíticos preposicionais, por outro lado, constituem formas dependentes.8 8 Quanto à atribuição do rótulo de forma livre a substantivos, adjetivos e advérbios e de forma dependente a preposições, valemo-nos da classificação proposta por Rocha (1998:63).

(...) Do ponto de vista do seu emprego na comunicação lingüística, a forma é livre, quando é capaz de constituir por si uma frase, e presa quando só aparece ligada a outra ou outras num vocábulo (Bloomfield, 1953, 160); intermediariamente há a forma dependente, que <<é autônoma embora nunca apareça isolada>>, podendo separar-se livremente daquela a que se associa na enunciação ou mudar de posição em relação a ela (cfe. Camara, 1959, 104). (...) (Câmara Jr., 1977: 120)

Essa constatação encontra explicação na diacronia, uma vez que a maioria dos PCs se origina de formas livres, radicais gregos ou latinos, ao passo que PLs, como dissemos, derivam-se de preposições latinas no mais das vezes.

Mostramos nesta seção que o acento e a oposição forma livre / forma presa são critérios válidos para defender a distinção entre PCs e PLs. Para determinar sua categoria prosódica, entretanto, mais evidências precisam ser buscadas em processos fonológicos típicos do PB, o que será feito em 2.2.

2.2. O prefixo e os processos fonológicos

Perseguindo a idéia de que PCs são w's independentes e de que PLs são s's átonas à esquerda de uma base, procuraremos evidências adicionais em processos fonológicos do PB que utilizam esses constituintes como domínio de aplicação. Elegemos cinco processos e os dividimos em dois grupos. Nosso intuito é mostrar que PCs estão sujeitos aos processos do grupo I, aqueles que se dão entre ws (neutralização da átona final e elisão), e não suportam os processos do grupo II, aqueles que se dão no interior de w (neutralização da pretônica, harmonização vocálica e assimilação da nasal), e que PLs se comportam de maneira inversa.9 9 Um problema não-resolvido em nossa análise é o fato de re- e deS-, PLs segundo nossa classificação, aceitarem a elevação de eS e eN iniciais da base, como em re[i]xaminar, re[i)N]caminhar, des[i]struturado, des[i)N]freado. Entendemos que o ambiente em que essa regra se aplica mereça ser mais bem explorado, uma vez que parece ser a mesma regra que permite a alternância deS ~ diS. Isso poderia sugerir que a motivação estivesse na consoante seguinte e não no início absoluto de palavra. Somando-se a isso, na pauta inicial, parece haver maior incidência de [i] do que de [e], o que nos faz questionar sua estabilidade enquanto regra variável (pós-lexical). Porque não temos dados quantitativos, isentamo-nos de prosseguir com tais explorações e deixamos essa questão aberta, carecendo de maior investigação. Abaixo apresentamos alguns exemplos cuja discussão não aprofundamos aqui por limitações de espaço.

2.3. A estrutura prosódica dos prefixos no PB

Pretendemos nesta seção propor a configuração prosódica de PCs e PLs, com vistas à organização do léxico, que será aprofundada na seção 3.

Nossa análise, embora tenha tomado as categorias de Nespor & Vogel (1986) como ponto de partida, diferencia-se significativamente dessa proposta, no sentido de que assumimos (cf. Booij, 1988) que a estrutura prosódica que pertence ao nível da palavra tem de ser derivada no léxico. Além disso, observamos uma certa descontinuidade na hierarquia prosódica, uma vez que percebemos que a categoria w admite recursividade (cf. Vigário,1999).

2.3.1. Estrutura prosódica dos PCs

A discussão até aqui arrolada inspira-nos a seguinte formalização.

A formalização em (5) reúne duas w's: a primeira constituída pelo PC, limitado a um máximo de duas sílabas, e a segunda por uma base da língua. Essas w's estão ligadas pela estrutura morfológica, expressa no nó mais baixo do diagrama (w).

Do ponto de vista do léxico, para receber acento e por poder se instanciar isoladamente, o PC precisa estar presente desde o início da derivação, ou seja, desde o nível 1, como um vocábulo independente. Sua sujeição aos processos do grupo I (intervocabulares), contudo, sugere sua adjunção à base pós-lexicalmente. Esse é também o tratamento dado por Lee (1995) aos compostos que chama de pós-lexicais e por Moreno (1997) a todos os compostos do PB.

Não nos agrada, contudo, a idéia de equiparação total entre PCs e compostos, pois com ela se perde a informação de que esses, ao contrário dos compostos, são afixos. Nesse caso, optamos por admitir que PCs são alçados para o nível 2, onde sofrem o processo de prefixação. O alçamento, ou loop, pode parecer, em um primeiro momento, uma solução ad hoc, mas a consideramos menos onerosa para a gramática de uma língua do que a perda da informação derivacional. Ao retornar ao nível 2, o PC e sua base se convertem numa única palavra prosódica, como mostra o nó mais alto de (5) ¾ daí a necessidade de w ser recursivo. Esse tratamento expressa com maior clareza o que entendemos por prefixação composicional, ou seja, PCs estão sujeitos aos dois processos, cada um a seu tempo.

Outra questão problemática que se coloca é a seguinte: sendo um elemento composicional, inserido no primeiro nível do léxico para receber acento, por que não sofre flexão no nível 2?

Em nossa compreensão, duas são as alternativas para solucionar esse conflito:

a) admitir que PCs são acentuados inerentemente e por isso não precisam estar presentes no léxico para sofrer a regra de acento; ou

b) admitir que PCs são rotulados desde o início do processo com o traço [-flexão], o que os torna, à semelhança de categorias não-flexionais da língua, invisíveis a essa regra.

Julgamos b) menos estipulativa do que a), uma vez que esta afrouxaria nosso argumento inicial de que PCs, ao contrário de PLs, podem receber acento por formação de pés, dentro dos padrões acentuais do PB.

Passemos agora à análise dos PLs, que consideramos de menor complexidade.

2.3.2. Estrutura prosódica dos PLs

Nossa análise indica que PLs se estruturam prosodicamente como segue.

O diagrama em (6) mostra que o PL é uma sílaba pretônica que se alinha à esquerda de uma base, formando uma única w com a mesma. O nó mais baixo da árvore mostra que juntas elas formam também um único vocábulo morfológico (w). Se tomarmos o acento como definidor da palavra fonológica, podemos dizer que essa base já é uma w antes da afixação, uma vez que o acento já está atribuído e o prefixo em nada altera o padrão acentual.13 13 Há PL´S que atacam a base em formação, como ocorre com os parassintéticos. Nesse caso, o status prosódico só se define após a afixação. Isso está detalhado na seção 4.

PLs são todos incorporados no léxico, interagindo constantemente com as regras fonológicas desse nível.

Além disso, como afirmamos inicialmente, PLs e clíticos têm a mesma estrutura prosódica (cf. Vigário,1999 e Bisol,1999b ). O que os diferencia é o fato de, diferente de PLs, clíticos sofrerem adjunção pós-lexical, o que pode ser predito por estarem sujeitos a processos do grupo I e rejeitarem os do grupo II.

Finda aqui nossa análise da estrutura prosódica do prefixo. Nossas conclusões nortearão a próxima seção, em que se aprofundará a organização do léxico do PB.

3. O status lexical do prefixo no PB

A partir da segmentação prosódica proposta na seção 2, esta seção lidará com a organização do léxico do PB, a partir dos pressupostos da FL. Está assim dividida: na subseção 3.1, apresentamos nossas hipóteses básicas acerca da relação entre a prefixação e os níveis do léxico; em 3.2, no intuito de reunir evidências para nossa proposta, refletimos sobre a estrutura silábica envolvendo prefixo e base, mais especificamente sobre o fenômeno da epêntese; em 3.3, trazemos evidências da morfologia, investigando os processos de derivação parassintética e de dupla prefixação; por fim, em 3.4, concluímos desenhando nossa proposta de léxico do PB, no que diz respeito à prefixação e aos processos a ela relacionados.

3.1. A prefixação no PB e a FL

Na seção 2, ao apresentar argumentos para segmentar os prefixos do PB em PCs e PLs, já se prenunciou uma discussão em torno da organização do léxico. Buscamos agora formalizar essa organização, através dos pressupostos da FL, tomando por base Kiparsky (1985).

Ao tratar da formação de palavras em PB, as análises em Fonologia Lexical até então realizadas sempre colocaram os prefixos todos no mesmo nível (para Lee, no nível 1 e para Moreno, no nível 2). Esse, em nosso entendimento, não é um tratamento adequado, porque não leva em conta diferenças prosódicas entre prefixos.

Nosso propósito é contemplar a segmentação entre PCs e PLs, proposta na seção 2, na divisão em níveis do léxico.

Nesse sentido, assumimos que toda prefixação, enquanto processo derivacional, ocorre no léxico, e se divide entre prefixação de nível 1 e prefixação de nível 2, subordinando-se às seguintes condições:

¾ prefixos que lidam com uma base em formação pertencem ao nível 1 e

¾ toda prefixação de nível 2 lida com a palavra pronta.

Tendo em vista essas condições, formulamos abaixo as hipóteses centrais desta seção.

a) PCs fazem o caminho de w's independentes até o nível pós-lexical, de onde são alçados, a fim de sofrer prefixação do nível 2, sujeitando-se, por conseqüência, a todos os processos fonológicos daquele nível como uma só w. Quando não sofrem alçamento, porém, recebem o status de compostos sintáticos.

b) PLs são inseridos como s's pretônicas à esquerda de uma base, distribuídos entre PLs de classe I, os que se afixam no nível 1, e PLs de classe II, os que se afixam no nível 2.

A partir dessas hipóteses, desenhemos nossa proposta de distribuição dos prefixos do PB em um léxico segmentado em níveis.

Nossa tarefa agora é buscar evidências na fonologia e na morfologia para essa segmentação.

Do ponto de vista fonológico, a seção anterior, ao definir o status prosódico dos prefixos do PB, encarregou-se de mostrar que PCs são inseridos como itens lexicais independentes desde o início do processo derivacional, a fim de receber acento. Além disso, estão sujeitos a processos do grupo I (tipicamente pós-lexicais) e, por isso, deverão passar pelo pós-léxico antes de serem afixados. Daí a necessidade do loop. PLs, ao contrário, não recebem acento e estão sujeitos aos processos do grupo II (tipicamente lexicais), tendo sua afixação garantida no léxico. Procuraremos em processos que envolvem a estrutura silábica, mais especificamente na epêntese, motivações para a segmentação dos PLs nas duas classes acima propostas. Disso trataremos em 3.2.

Do ponto de vista morfológico, orientando-nos pelo quadro 3, precisamos mostrar que todos esses PLs de classe I podem se relacionar com bases em formação, como os chamados derivados parassintéticos, enquanto PLs de classe II nunca entram na formação de bases, ou seja, só se aplicam à palavra pronta. Mais evidências podem ser encontradas nos vocábulos duplamente prefixados: PLs de classe I podem ser sobrepostos por eles mesmos ou por PLs de classe II, ao passo que estes não toleram sobreposição por PLs de classe I, apenas por eles mesmos. PCs, por estarem sujeitos ao alçamento, sempre poderão sobrepor-se a palavras já prefixadas por PLs. Além disso, ao subirem para o nível da palavra, poderão ser afixados por PLs de classe II. Das evidências morfológicas trataremos em 3.3.


3.2. Evidência fonológica: a estrutura silábica

Esta seção analisará alguns aspectos envolvendo prefixação e estrutura silábica. Após uma breve reflexão sobre PCs, debruçamo-nos sobre os PLs, onde encontramos elementos na epêntese para discutir sua segmentação em classes.

3.2.1. Estrutura silábica de PCs

A estrutura silábica de PCs não merece muitos comentários, considerando que, sendo w's independentes, sofrem silabificação lexical e ressilabificação pós-lexical, de acordo com o padrão geral das palavras do PB.

Cabe ressaltar, todavia, que, quando alçados do pós-léxico para o nível 2, PCs estão sujeitos novamente à silabificação desse nível. Observe-se a derivação de antedatado, apresentada em (7)15 15 Por um critério de simplificação na apresentação, nossas derivações trarão apenas as regras que repercutem diretamente no que pretendemos explicar. Além disso, a representação fonética, utilizada no final, segue uma possibilidade de pronúncia, em geral a do RS. Para não se confundir com o acolchetamento morfológico, essa representação está em itálico. .

A derivação em (7) mostra que o PC percorre o léxico como palavra independente até o pós-léxico, onde se sujeita a regras variáveis, como a neutralização final, exemplificada em (7). Quando retorna ao léxico, sofre afixação, sujeitando-se às regras fonológicas desse nível como uma só w. Dentre essas regras, está a silabificação. O PC ocupa agora a pauta pretônica da base a que se liga, à semelhança dos PLs. Depois de afixado, segue seu percurso até a superfície.

O recurso de alçamento seria, então, o responsável pela distinção entre prefixação composicional e composição sintática. Isso pode ser evidenciado no caso de alguns vocábulos supostamente afixados por PCs, como pré-escola e pós-doutor, que não estão sujeitos à neutralização da pretônica, regra típica do nível 2. Admitimos que esses vocábulos não sofrem alçamento, devendo ser interpretados como compostos em vez de serem vistos como vocábulos prefixados16 16 A exemplo do que afirmamos anteriormente acerca da lexicalização, é preciso salientar que o alçamento também não é uma propriedade do PC, mas do par de vocábulos envolvidos no processo. .

Passemos agora à análise que exige maior detalhamento: a estrutura silábica de PLs.

3.2.2. Estrutura silábica de PLs

Como afirmamos anteriormente, a estrutura silábica de PLs pode fornecer alguns elementos para sua segmentação em classes.

Localizamos nossa análise no processo de epêntese que se dá entre o prefixo e a base.17 17 Não pretendemos nos aprofundar no fenômeno da epêntese no PB, apenas explorar sua relação com a prefixação. Para esse fim, sugerimos ler Collischonn (1997). Identificamos dois tipos de epêntese: uma pós-lexical, que possui caráter variável e outra lexical, com caráter categórico.

Trataremos primeiramente da epêntese variável, ou pós-lexical. Observe-se o seguinte conjunto de dados.

Em (8) estão exemplos de palavras prefixadas por PLs termina- dos em oclusivas, o que caracteriza uma violação da condição de coda do PB.

O fato é que as consoantes que fecham esses prefixos não formam onset complexo com a sílaba inicial da base, como mostram as formas asteriscadas, em função do Princípio de Integridade prosódica (IP), proposto por Harris (1983), que prevê que uma vez estabelecidos os constituintes com os quais a palavra pronta se apresenta, eles devem ser preservados, ou seja, a inserção de um morfema novo, em nível lexical, que lide com a palavra prosódica (com acento atribuído), deve respeitar esses limites.18 18 Esse raciocínio não se aplica, por exemplo, à palavra sublinhar. Acredita-se, neste caso, que os falantes perderam a memória prefixal do vocábulo. Contudo, apesar de sincronicamente controvertida, é sintomática a recomendação da Gramática Normativa, que opta pela integridade do prefixo no processo de separação silábica. Para não violar o Princípio de Licenciamento Prosódico, considerando que a epêntese aí tem caráter variável, a alternativa é admitir que há, em nível lexical, um afrouxamento da condição de coda (ACC), como propõe Bisol (1999a), e, pós-lexicalmente, a epêntese pode tomar lugar variavelmente.19 19 As condições de coda mostram-se violáveis em várias línguas. Todavia, qualquer dispositivo em FL para tratar desse tipo de violação soa como ad hoc. A moderna Teoria da Otimidade lida melhor com tal situação, ao propor restrições minimamente violáveis, dentre elas Coda-Conditon.

Mostramos a seguir a derivação de subliminar e sublime.

Na derivação em (9), verificamos que quando o prefixo sub- é inserido, a base já sofreu acento e silabificação. Os parênteses indicam que ela está protegida do afixo, pelo Princípio de Integridade Prosódica. Pós-lexicalmente, porém, está sujeita à epêntese variável. O mesmo não ocorre com sublime, uma vez que a seqüência sub não é prefixo, mas parte integrante da base, o que permite que forme o onset complexo bli. Convém observar que optamos por não segmentar o léxico em níveis nesse exemplo, uma vez que a epêntese pós-lexical ainda não nos informa nada sobre o nível em que sub- e ad- devem ser inseridos.

Passemos, agora, à epêntese que consideramos lexical. Os exemplos de (10) mostram o prefixo deS- seguido por uma base iniciada por sC.

Podemos observar comportamentos distintos: os prefixos de (10a) se anexam diretamente à base, enquanto os de (10b) são intermediados por uma vogal epentética.

É preciso esclarecer, preliminarmente, que estamos adotando a hipótese proposta por Harris (1983), amplamente aceita na análise das línguas românicas, de que bases como as de (10) são todas iniciadas por /S/.20 20 Excluindo-se, certamente, o caráter preconceituoso sobre a língua falada, apenas a título de ilustração, cabe, nesse caso, voltar os olhos a antigas análises do português, como a de Duarte Nunes de Leão, que já identificava a inexistência do /e/ nas bases começadas por /S/: Que não sigamos o abuso de acrescentar a todas as dicções latinas que começam em s um e... Assim, que temos de dizer, stado, studo, star, státua¸Stêvão, spírito, sperar, scriptura, scrivão etc. (1983:137-138) Por gerar onsets malformados na língua, como st, esse S terá de ser protegido no léxico pela extrametricidade até que esteja em condições de ser silabificado. Essas condições podem ser oferecidas pela epêntese, exemplificada em (10b).

Bisol (1999a) afirma que a presença de vogal epentética na seqüência sC inicial é mais comum do que sua ausência, o que sinaliza para uma possível lexicalização da vogal inicial, ou seja, uma tendência para perder a extrametricidade marcada, a da esquerda21 21 Essa constatação baseia-se em Hayes (1992), que defende que a extrametricidade não-marcada é a da direita. .

Contrariamente à epêntese variável de [su.bV.li.mi.nar], demonstrada em (9), a epêntese com a qual estamos lidando agora não pode ser considerada pós-lexical, uma vez que se trata de uma formação categórica da língua, não admitindo variações, isto é, ninguém diria *destimulado, por exemplo.

Representamos em (11) a derivação de destruído e desestimulado, com o mesmo ordenamento de regras, a fim de visualizar o problema que queremos discutir.

A derivação apresentada em (11) mostra que a entrada da vogal epentética cria um problema para o vocábulo destruído e uma solução para desestimulado. Isso constitui um entrave para a análise num primeiro momento, considerando a igualdade de condições das duas palavras: ambas tornam-se adjetivos pela sufixação e são claramente prefixadas por deS-, isto é, é difícil argumentar, nesse caso, que o falante não tenha consciência do caráter prefixal, uma vez que outras formas do paradigma, como construído e estimulado, são correntes no PB. Isso encontra suporte nas palavras de Câmara Jr. (1977:198) quando afirma que uma das formas de se depreender a prefixação é isolar um radical que constitua a base de duas palavras, pelo menos, com prefixos distintos. É evidente que a isso se deva juntar a consciência da prefixação.

Além disso, para sustentar (11), é preciso considerar, como faz Lee (1995), que o OCP não atua para simplificar a seqüência s+s, em virtude de o segundo elemento não estar silabificado. Collischonn (1997) propõe uma revisão do argumento de Lee, através do ordenamento da epêntese antes da prefixação. Esse raciocínio é, para nós, o ideal. O fato é que a autora compara desestruturar com desselar, mas não leva em conta casos como destruir, em que a epêntese não ocorre, apesar de haver contexto.

A Fonologia Lexical, contudo, está aparelhada para lidar com esse impasse, quando propõe um léxico segmentado em níveis. Precisamos considerar a existência de diferentes tipos de prefixos, aqueles que se integram antes da epêntese e aqueles que se integram depois. Esse argumento, porém, ganha consistência se obtivermos alguma evidência semântica, isto é, se pudermos diferenciar o sentido dos prefixos homófonos.

Buscando tal evidência, juntamos, no quadro abaixo, os exemplos de (10), dentre os quais os casos problemáticos, a outros em que o prefixo precede bases não começadas por S.

Esse quadro apresenta uma proposta de segmentação semântica do prefixo deS-, com um único intuito, o de explicar seu comportamento fonológico diferenciado. Quanto ao sentido dos prefixos, apoiamo-nos nas gramáticas normativas, que o definem como denotativo de ausência ou privação (parafraseável com sem x) e também de negação, embora não esteja absolutamente clara para nós essa distinção.

Reestruturamos, a seguir, a derivação apresentada em (11), levando em conta agora a segmentação de deS-, proposta no quadro 4.


Em (12), na derivação de destruído, o prefixo deSpriv- é inserido no nível 1, atacando a base em formação, enquanto desestimulado é prefixado por deSneg- no nível 2, quando a base já sofreu epêntese. Note-se que, independente de qualquer distinção semântica, a base struído não existe sem prefixo, haja vista o paradigma instruído, destruído, construído, isto é, de struído não se faz estruído, ao passo que de stimulado se produz estimulado. Só isso já seria suficiente para garantir a hipótese de segmentação de deS-.

Fenômeno semelhante ocorre com o prefixo iN-, que desde o início já subcategorizamos. Quando esse prefixo se junta a bases do tipo sC, comporta-se diversamente: se significa movimento para dentro, não aceita epêntese; se significa negação, em geral, está sujeito a ela. Reunimos alguns exemplos em (13):

O fenômeno acima exemplificado é uma evidência de que esses prefixos estão em níveis distintos.

Há, entretanto, uma exceção, o vocábulo instável, que, apesar de denotar negação, não aceita epêntese. Para tratar desse contra-exemplo, precisaríamos propor que o prefixo iNneg é inserido em dois níveis distintos, o que julgamos por demais oneroso para a gramática, por não haver oposição de sentido. Assim, optamos por considerá-lo uma forma lexicalizada, uma vez que não localizamos outros exemplos que reunissem as mesmas características, embora o paradigma aponte para consciência da prefixação, tendo em vista que se diz estável em oposição a instável.22 22 Durante a execução do trabalho, recebemos um resumo da ALFAL intitulado Sobre algunos aspectos semánticos de la prefijación con in- en la formación de adjetivos e participios, de Sylvia Costa (Univ. de la República, Montevideo, Uruguay) que propõe uma distinção entre três tipos de prefixos in- em espanhol: um com o sentido de sem x (incoloro); outro indicando o extremo de uma escala gradual (Juan no solo no es justo, sino que es injusto); e um terceiro, que se liga a ¾ ble, negando a possibilidade de se levar a cabo um processo ou um evento (inconstruible, intocable). Apesar de várias tentativas, não conseguimos o trabalho completo.

Um último caso envolvendo a epêntese que atinge bases iniciadas por sC diz respeito às formas em (14), com o prefixo sub-.

Porque temos razões para acreditar que sub- é um prefixo de nível 2, precisamos considerar, nos exemplos acima, que a forma com epêntese é a lexical, isto é, a base se forma com a vogal protética no nível 1 e o PL é inserido no nível 2. Isso exige que as formas sem epêntese, as da direita, sejam conseqüência de uma regra pós-lexical que apaga variavelmente a vogal.

Um contraditor poderia afirmar que a epêntese lexical descrita nesta seção não impõe necessariamente a segmentação desses PLs em níveis distintos, como propusemos acima, argumentando que isso se poderia resolver no mesmo nível, apenas se utilizando de diferentes estratos: um prefixo entraria antes e outro depois da epêntese. Esse é um raciocínio correto, contudo o argumento da epêntese lexical justifica a segmentação em níveis quando se soma a evidências morfológicas, como as que apresentaremos na seção seguinte.

3.3. Evidências morfológicas

Dando prosseguimento à discussão acerca da organização do léxico, esta seção consolida nossa proposta de segmentação de PLs em classes, ao tratar dos derivados parassintéticos e da dupla prefixação.

3.3.1. Derivados parassintéticos

Consideremos agora os seguintes exemplos.

Os exemplos acima são todos de vocábulos prefixados e sufixados. Explicitamos abaixo o que os diferencia:

¾ em (15a), a prefixação e a sufixação existem independentemente uma da outra (desleal, leal, lealdade ou injustiça, jutiça, justiçado);

¾ em (15b), os vocábulos existem ou só com o prefixo (desprezo, mas não prezível) ou só com o sufixo (pretensioso, mas não despretenso)23 23 Estamos desconsiderando, neste momento, em despretensioso, a prefixação por pre, admitindo que ela pode ser resultado de alçamento para o nível 2 ou de lexicalização, como propusemos anteriormente. ; e

¾ em (15c), os vocábulos não existem só com prefixo ou só com sufixo (*esclaro, *clarecer, *descamisa, *camisado), o que sugere sua anexação simultânea.

A teoria aqui adotada, baseada em Kiparsky (1985), permite que os casos de (15a) sejam resolvidos lexicalmente, através da aplicação ou não-aplicação das regras de prefixação e sufixação, isto é, em desleal simplesmente a sufixação não se aplicou; em lealdade, dispensou-se a prefixação. Acento e silabificação voltarão quando for necessário.

Os exemplos de (15b), mais raros no PB, exigem, em princípio, que se faça uso de ordenamento. No caso de desprezível, que toma prezar como base, primeiro tem de acontecer a prefixação para formar desprezar e depois a sufixação. Se alterarmos o ordenamento, a forma agramatical *prezível será formada. No segundo exemplo, despretensioso, que se forma a partir de pretensão, temos de admitir que a sufixação em pretensioso se dá antes da prefixação por deS-. Essa alteração de ordem, em princípio, não causa danos a nossa análise, porque admitimos que tanto prefixos quanto sufixos podem se reaplicar no estrato seguinte, dentro do mesmo nível. Além disso, embora apenas o primeiro exemplo exija, os dois PLs deS-, presentes em (15b), parecem ser do tipo privativo, isto é, de nível 1, considerando que as palavras primitivas desprezo e despretensão denotam ausência de uma propriedade.

Os casos de (15c), autênticos derivados parassintéticos, exigem maior atenção. As gramáticas em geral sugerem anexação simultânea de prefixo e sufixo, uma vez que as formas não existem só com o sufixo ou só com o prefixo.

A anexação simultânea, todavia, traz no mínimo dois problemas para a teoria fonológica:

a) fere a Hipótese de Ramificação Binária (HRB), originalmente formulada por Aronoff (1976), de acordo com a qual regras de formação de palavras atacam um e somente um afixo de cada vez;

b) institui um novo processo que cria coisas idênticas ao que outros dois processos formam em separado.

A FL mostra-se bem equipada para lidar com esses problemas, uma vez que, possuindo um léxico segmentado em níveis, pode garantir a simultaneidade por inserir prefixo e sufixo no mesmo nível do léxico, porém em estratos diferentes, não ferindo, assim, a HRB e utilizando os mesmos processos de prefixação e sufixação utilizados para formar outros vocábulos da língua. A estrutura é, então, a de (17).

Essa estrutura, todavia, cria um novo problema: as formas geradas por base mais sufixo formam, em dado estrato, vocábulos inexistentes na língua, como *camisado, contrariando a hipótese original de Aronoff (1976) de que a base de um processo de formação de palavras deve ser uma forma existente na língua.

Para se fazer uma boa análise dessa questão, é preciso primeiro verificar a categoria da base que é atacada pelo processo e a categoria do output gerado.

Considerando os exemplos apresentados por Rocha (1998:170), constatamos que essa derivação ataca bases nominais, substantivais ou adjetivais, e tem como output verbos ou adjetivos no primeiro caso e apenas verbos no segundo caso. Tendo em vista que esses são processos produtivos em PB, indepedentemente de se formarem por parassíntese, as formas geradas por sufixo + base serão por nós consideradas possíveis, apesar de inexistentes no idioma. Essa possibilidade foi assumida por Scalise (1984) na análise da parassíntese em italiano.24 24 Scalise (1984) fundamenta-se na proposta de overgenerating morphology (formulada por Allen, 1978) e cita Halle (1973), Booij (1977) e Corbin (1980) como partidários dessa análise. Entendemos que isso está ligado ao fato de o falante só construir aquilo que é possível na língua, embora nem sempre construa tudo o que é possível.

Do ponto de vista da organização da gramática, para sermos coerentes com nossa proposta de léxico, a parassíntese deve ocorrer toda no nível 1, porque é ali que se lida com a w em formação. Nesse aspecto, importa verificar o tipo de sufixo e de prefixo que estão envolvidos nesse processo.

A maioria dos outputs são formas nominais, ou seja, infinitivos (-Vr) ou particípios (-Vdo). Pressuporemos que todas essas marcas se fazem no primeiro nível do léxico, seguindo a proposta de Wetzels (1992), que sugere que a morfologia derivacional, do tipo V®N, N®V etc., se dê no nível 1. Alguns deles possuem ainda um sufixo entre a base e a marca de infinitivo (ex. ec+er), o que não constitui obstáculo para nossa análise, porque assumimos que toda sufixação que envolve a regra cíclica do acento só pode acontecer no nível 1, uma vez que no nível 2 não há interação entre fonologia e morfologia e o acento só pode incidir sobre a palavra inteira.25 25 Não pretendemos, neste trabalho, aprofundar a hierarquia dos sufixos. Por ora, valemo-nos dessa possibilidade. Isso obriga que os prefixos que participam da parassíntese, a-, deSpriv- eN- e re-, sejam também inseridos no nível 1, o mesmo nível da sufixação.26 26 Apesar de Rocha (1998) trazer um exemplo com sub-, o vocábulo subterrâneo, não o consideramos no elenco dos prefixos envolvidos na parassíntese, por estar restrito a esse exemplo.

Então, na derivação parassintética, a sufixação se aplica primeiro, gerando um estrato intermediário que não tem status prosódico de palavra até que se faça a anexação do prefixo, em estrato posterior. Apresentamos abaixo a derivação de descamisado.

Como vimos, a parassíntese é um forte argumento para considerar a-, deSpriv-, eN- e re- PLs do nível 1.

3.3.2. Dupla prefixação

Outra característica do PB é a sobreposição de prefixos, como está exemplificado abaixo.

Esse tipo de formação também não viola a HRB, uma vez que a formação se faz em dois estágios: primeiro o prefixo mais interno é integrado à base, formando um vocábulo prefixado, em seguida o segundo prefixo é adicionado a esse vocábulo já prefixado, criando um terceiro vocábulo (duplamente prefixado). Isso está diagramado em (20).

Observe-se que todas as ramificações em (20) são binárias e o produto de cada prefixação é sempre uma forma possível na língua.

Neste ponto da análise, é preciso definir que prefixos podem ocupar a primeira e a segunda posições. Comecemos por admitir que PCs estão sempre na posição 2 (a mais distante da base) em relação a PLs de nível 1, como ilustra (21).

Poderão, contudo, estar na posição 2 (a mais próxima da base) se, ao serem alçados para o nível 2, sofrerem afixação por prefixos desse nível, como mostra (22).

Encontramos aqui uma evidência concreta para admitir que iNneg- e sub- pertencem à classe II, porque todo PL que se sobrepõe a um PC precisa, obrigatoriamente, estar no nível 2, que é o nível em que PCs são afixados. Esses dados estão em conformidade com a segmentação proposta no quadro 3.

Quanto à sobreposição de PLs, antes de propormos a análise lexical, observemos o seguinte quadro de combinações.

O quadro acima nos apresenta três grupos de PLs: 1°) os que só ocupam a posição 1, 2°) os que só ocupam a posição 2 e 3°) aqueles que ocupam as posições 1 e 2.

Podemos afirmar que PLs do 1° e do 3° grupo são inseridos no nível 1, ou pertencem à classe I. Isso pode ser evidenciado pelo fato de que todos eles participam de formação de bases (alguns, inclusive, da parassíntese). PLs do 2° grupo se inserem no nível 2, ou pertencem à classe II. Como já vimos, esses são prefixos que só atacam a w pronta e, além disso, podem se afixar a palavras formadas por PCs alçadas do pós-léxico. Essa análise está de acordo com o quadro 3.

Quanto à dinâmica da dupla prefixação, enxergamos duas possibilidades de análise através da FL: uma mais rígida, que coloca todo PL de posição 1 no nível 1 e todo PL de posição 2 no nível 2 e outra mais flexível, que admite o ciclo de afixos dentro do mesmo nível.28 28 O termo ciclo aqui utilizado não se confunde com ciclo fonológico: restringe-se à possibilidade de afixos se reaplicarem (cf. Spencer, 1991, Katamba, 1993 e outros).

A primeira análise não é possível no caso do PB, porque temos prefixos do mesmo nível que se sobrepõem, como deSpriv- (o mais produtivo na posição 2) + a-, coN-, eN- etc., o que nos faz optar pela segunda análise, admitindo que essa operação se dá ciclicamente dentro do mesmo nível. Encontramos evidências para essa análise também na sufixação, como está em (23).

A sobreposição de sufixos acima exemplificada só poderia se dar no mesmo nível, primeiro porque a sufixação, por envolver a regra cíclica do acento, deve acontecer em um nível cíclico (em nosso caso, o nível 1); segundo, porque são sufixos idênticos que podem estar tanto na posição 1 quanto na posição 2.

Como pudemos ver, os processos morfológicos de parassíntese e dupla prefixação oferecem razões consistentes para segmentar PLs em duas classes, cada uma pertencendo a um nível distinto do léxico.

3.4. Os prefixos e a organização do léxico do PB

Orientando-nos, inicialmente, pelo modelo de Fonologia Lexical de Kiparsky (1985) e recuperando a discussão arrolada nas seções precedentes, no que diz respeito à prefixação, apresentamos a seguinte possibilidade de organização do léxico do PB:

O modelo de léxico apresentado no quadro 6 não tem a pretensão de dar conta da morfologia e da fonologia do PB, mas procura cobrir os processos de que tratamos em nossa análise. Embora tenhamos discutido com detalhes apenas a prefixação, interessa-nos mostrar que nossa proposta de segmentação dos prefixos se harmoniza perfeitamente com os processos de sufixação e composição do PB.


Por necessidade de equiparação com os PCs, assumimos, aqui, a análise da composição de Moreno (1997), embora não tenhamos rejeitado a possibilidade de uma composição lexical, como sugere Lee (1995) (o que, em princípio, em nada atrapalharia nossa análise).

Chamamos atenção para o fato de que no nível 1, em que são afixados os PLs de classe I, há plena interação entre morfologia e fonologia, enquanto no nível 2, onde se afixam PLs de classe II e PCs alçados, toda morfologia se aplica antes da fonologia. O modelo prevê, ainda, como vimos, recursividade do pós-léxico para o léxico.

Encerramos nossa investigação sobre o status lexical dos prefixos no PB com a convicção de que nossa análise contribui para afirmar que a FL é uma teoria adequada para tratar da interação morfologia-prosódia, que mostramos estar ativa na prefixação.

4. Conclusão

Realizamos aqui um exercício teórico-descritivo acerca da prefixação no PB, em uma perspectiva morfofonológica. Para isso, utilizamo-nos do aparato téorico da Fonologia Prosódica e da Fonologia Lexical, partindo dos modelos, respectivamente, de Nespor & Vogel (1986) e Kiparsky (1985), e investigamos o prefixo do PB sob dois aspectos: seu status prosódico e seu status lexical.

Quanto a seu status prosódico, procuramos mostrar que os prefixos no PB estão divididos em dois conjuntos, prefixos composicionais (PCs) e prefixos legítimos (PLs), e que os primeiros se configuram prosodicamente como palavras fonológicas independentes, enquanto os segundos se estruturam como sílabas átonas adjuntas ou incorporadas à base a que se ligam.

Para garantir essa distinção, encontramos evidências no acento e na oposição forma livre / forma presa, sobre as quais discorremos abaixo.

a) PCs, à semelhança de cada parte de um composto, são vocábulos acentuados, enquanto PLs, à semelhança de clíticos, são inacentuados.

b) PCs, em dado contexto, podem se instanciar isoladamente, caracterizando-se como formas livres, ao passo que PLs não são isoláveis, por serem formas presas.

Argumentos adicionais foram buscados em dois grupos de processos fonológicos: processos do grupo I, os que ocorrem nos limites da palavra fonológica (neutralização da átona final e sândi vocálico externo), e processos do grupo II, os que se dão no interior do vocábulo (neutralização da pretônica, harmonização vocálica e assimilação da nasal). PCs, como palavras fonológicas independentes, sujeitam-se aos processos do grupo I e não toleram os processos do grupo II; PLs comportam-se de maneira inversa, isto é, suportam os processos do grupo II e rejeitam os do grupo I.

A discussão em torno do status prosódico dos prefixos tomou por base, principalmente, as análises de Moreno (1997), Bisol (1999a,b), Face (1999) e Vigário (1999).

No que concerne ao status lexical dos prefixos, afirmamos que toda prefixação ocorre no léxico, distribuída entre prefixação do nível 1 (da raiz) e prefixação de nível 2 (da palavra), respeitando as seguintes condições: 1ª) prefixos que lidam com uma base em formação pertencem ao nível 1 e 2ª) toda prefixação de nível 2 lida com a palavra pronta.

Nesse sentido, assumimos que PCs fazem o caminho de w's independentes até o nível pós-lexical, de onde são alçados, a fim de sofrer prefixação no nível 2. Quando não sofrem alçamento, porém, recebem o status de compostos sintáticos. PLs, por outro lado, são inseridos lexicalmente como s's pretônicas, distribuídos em duas classes: PLs de classe I, que se afixam no nível 1, e PLs de classe II, que se afixam no nível 2.

As evidências para a segmentação dos PLs em classes foram encontradas na estrutura silábica, mais especificamente na epêntese que se dá no limite prefixo / base e em processos morfológicos, como a parassíntese e os prefixos sobrepostos. Isso está sintetizado abaixo.

a) A investigação da estrutura silábica de PLs permite verificar que dois tipos de epêntese os envolvem, uma variável, portanto, pós-lexical (sub[i]liminar) e outra categórica, que se aplica no nível 1, oferecendo condições para a prefixação de nível 2 (des[e]struturado).

b) A parassíntese, enquanto processo que envolve a base em formação, só pode ocorrer no nível 1, impondo que todos os prefixos que dela participam sejam ali afixados. Ampliando a idéia de Scalise (1984) para o italiano, defendemos que esse é um processo que respeita a Hipótese de Ramificação Binária (Aronoff, 1976): primeiro aplica-se a sufixação e depois a prefixação. As formas geradas pela sufixação, embora não existam na língua, são estruturas possíveis. A simultaneidade do processo, em nosso entendimento, é garantida por sufixação e prefixação ocorrerem no mesmo nível.

c) Prefixos sobrepostos respeitam condicionamentos prosódicos e morfológicos: PLs de classe I podem ser sobrepostos por eles mesmos ou por PLs de classe II, ao passo que estes não toleram sobreposição por PLS de classe I, apenas por eles mesmos. PCs sempre poderão sobrepor-se a palavras já prefixadas por PLs. Além disso, ao subirem para o nível da palavra, poderão ser afixados por PLs de classe II.

Nossa reflexão sobre o status lexical do prefixo no PB foi alimentada principalmente pelas análises de Lee (1995) e Moreno (1997), que tratam de aspectos da formação de palavras.

Este trabalho quer se somar aos estudos, ainda não muito numerosos, que olham para a interface fonologia/morfologia no PB. Como qualquer trabalho em teoria gerativa, abre espaço para discussão, a partir da contra-exemplificação.

  • ALMEIDA, N. M. de. (1989) Gramática metódica da língua portugesa 36 ed. S. Paulo: Saraiva.
  • ARONOFF, M. (1976) Word formation in generative grammar Cambridge, Mass.: MIT Press.
  • BISOL, L. (1992) O acento: duas alternativas de análise. Porto Alegre: PUCRS, 1992. (não-publicado)
  • žžžžžž (1996) O clítico e seu status prosódico (não-publicado).
  • žžžžžž (1999a) A sílaba e seus constituintes. Gramática do Português Falado, v. 6, FAPESP.
  • žžžžžž (1999b) Constituintes prosódicos. Leda Bisol (org.) Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro 2 ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 229-241.
  • BOOIJ, G. (1988) Review article. Marina NESPOR & Irene Vogel. Prosodic Phonology. Journal of Linguistics, 24:515-525, Great Britain.
  • CÂMARA JR., J. M. (1977) Dicionário de lingüística e gramática. S. Paulo: Vozes.
  • COLLISCHONN, G. (1997) Análise prosódica da sílaba em português Tese de doutorado. Porto Alegre, PUCRS.
  • CUNHA, Celso F. da. Gramática da língua portuguesa 6 ed. Rio de Janeiro: FENAME, 1980.
  • FACE, T. L. (1999) Re-examining Spanish "resyllabification" The Ohio State University. (não-publicado)
  • HARRIS, J. W. (1983) Syllable structure and stress in Spanish A nonlinear analisys. Cambridge, Mass.: MIT.
  • HAYES, B. (1992) Metrical stress theory VELA, julho. (não-publicado)
  • KATAMBA, F. (1993) Morphology New York: St. Martin's Press.
  • KIPARSKY, P. (1985) Some consequences of lexical phonology. Phonology yearbook, 2:85-138. London: Cambridge University Press.
  • LEÃO, D. N. de (1983). Ortografia e origem da língua portuguesa Imprensa Nacional, Casa da Moeda.
  • LEE, S.-H. (1995). Morfologia e fonologia lexical do português do Brasil Tese de doutorado. Campinas, UNICAMP.
  • MORENO, C. (1997) Morfologia nominal do português: um estudo de fonologia lexical. Tese de doutorado. Porto Alegre: PUCRS.
  • NESPOR, M. & I.VOGEL (1986) Prosodic phonology. Dordrecht-Holland: Foris Publications.
  • ROCHA, L. C. de A. (1998) Estruturas morfológicas do português Belo Horizonte: Ed. da UFMG.
  • SANDMANN, A. J. (1989) Formação de palavras ž no português brasileiro contemporâneo. Curitiba: Ed. da UFPR.
  • SCALISE, S. (1984). Generative morphology Dodrecht: Foris.
  • SCHWINDT, L. C. (2000) O prefixo no português brasileiro: análise morfofonológica. Tese de doutorado. Porto Alegre: PUCRS.
  • VIGÁRIO, M. (1999). On the prosodic status of stressless function words in European Portuguese. In T. A. HALL. & U. KLEINHENZ(eds.) Studies on the phonological word Amsterdam: John Benjamins. p.253-294
  • WETZELS, W. L. (1992) Mid vowel neutralization in Brazilian Portuguese. Cadernos de Estudos Lingüísticos, 23:19-55. Campinas: UNICAMP.
  • 1
    Este texto resume os pontos essenciais da análise proposta na tese de doutorado
    O prefixo no português brasileiro: análise morfofonológica, de Schwindt (2000). Nesse trabalho podem ser encontradas justificativas para a eleição de tais modelos teóricos, o que omitimos aqui por limitações de espaço.
  • 2
    Muitos estudiosos consideram os prefixos dissilábicos prefixóides ou simplesmente bases eruditas que integram compostos. Embora concordemos com seu caráter composicional, não adotaremos essa classificação, pois, para nós, ela não define satisfatoriamente uma classe, considerando que há monossílabos que têm com eles propriedades em comum, como
    pré,
    pós etc.
  • 3
    Em nossa análise, estamos restringindo o que entendemos por clíticos aos vocábulos funcionais monossilábicos e inacentuados: preposições, artigos, pronomes pessoais e conjunções ¾ vocábulos considerados
    fracos em várias línguas (cf. Vigário, 1999).
  • 4
    É preciso salientar que estamos investindo, neste momento da análise, na possibilidade de segmentar o prefixo em pés,
    isoladamente, sem considerarmos o processo de ressilabificação e atribuição de acento secundário.
  • 5
    Sobre o acento das oxítonas, baseamo-nos em Bisol (1992).
  • 6
    É preciso, contudo, resguardar sua diferença dos compostos propriamente ditos, como o fato de alguns admitirem flexão nas duas partes (cachorros-quentes). Nossa análise lexical ajuda a aclarar essa distinção.
  • 7
    Prefixos não aceitam intercalação de outros prefixos, apenas sobreposição, alterando o sentido da base já prefixada. Assim, o sentido de
    redes
    cobrir não é a soma de
    re
    cobrir mais
    des
    cobrir, diferente de
    para lhe dizer, que permite a decomposição em dois sintagmas,
    lhe dizer e
    para dizer, sem prejuízo semântico de cada uma das partes. A seção 4 tratará da dupla prefixação.
  • 8
    Quanto à atribuição do rótulo de forma livre a substantivos, adjetivos e advérbios e de forma dependente a preposições, valemo-nos da classificação proposta por Rocha (1998:63).
  • 9
    Um problema não-resolvido em nossa análise é o fato de
    re- e
    deS-, PLs segundo nossa classificação, aceitarem a elevação de
    eS e
    eN iniciais da base, como em
    re[i]xaminar,
    re[i)N]caminhar,
    des[i]struturado,
    des[i)N]freado. Entendemos que o ambiente em que essa regra se aplica mereça ser mais bem explorado, uma vez que parece ser a mesma regra que permite a alternância
    deS ~
    diS. Isso poderia sugerir que a motivação estivesse na consoante seguinte e não no início absoluto de palavra. Somando-se a isso, na pauta inicial, parece haver maior incidência de [i] do que de [e], o que nos faz questionar sua estabilidade enquanto regra variável (pós-lexical). Porque não temos dados quantitativos, isentamo-nos de prosseguir com tais explorações e deixamos essa questão aberta, carecendo de maior investigação.
  • 10
    As formas
    paraestatal e
    parestatal são variantes, inclusive, ortograficamente.
  • 11
    Utilizamos um exemplo de sufixação para mostrar que a elisão não ocorre no interior do vocábulo, por carecermos de um exemplo de vocábulo prefixado por um PL terminado em
    a seguido de vogal.
  • 12
    Neste exemplo, consideramos que o prefixo
    neo- lexicalizou-se com a base, perdendo a memória prefixal.
  • 13
    Há PL´S que atacam a base em formação, como ocorre com os parassintéticos. Nesse caso, o
    status prosódico só se define após a afixação. Isso está detalhado na seção 4.
  • 14
    Este quadro antecipa o desmembramento do prefixo
    deS- em dois, o que será explicado adiante.
  • 15
    Por um critério de simplificação na apresentação, nossas derivações trarão apenas as regras que repercutem diretamente no que pretendemos explicar. Além disso, a representação fonética, utilizada no final, segue uma possibilidade de pronúncia, em geral a do RS. Para não se confundir com o acolchetamento morfológico, essa representação está em itálico.
  • 16
    A exemplo do que afirmamos anteriormente acerca da lexicalização, é preciso salientar que o alçamento também não é uma propriedade do PC, mas do par de vocábulos envolvidos no processo.
  • 17
    Não pretendemos nos aprofundar no fenômeno da epêntese no PB, apenas explorar sua relação com a prefixação. Para esse fim, sugerimos ler Collischonn (1997).
  • 18
    Esse raciocínio não se aplica, por exemplo, à palavra
    sublinhar. Acredita-se, neste caso, que os falantes perderam a memória prefixal do vocábulo. Contudo, apesar de sincronicamente controvertida, é sintomática a recomendação da Gramática Normativa, que opta pela integridade do prefixo no processo de separação silábica.
  • 19
    As condições de coda mostram-se violáveis em várias línguas. Todavia, qualquer dispositivo em FL para tratar desse tipo de violação soa como
    ad hoc. A moderna Teoria da Otimidade lida melhor com tal situação, ao propor restrições minimamente violáveis, dentre elas
    Coda-Conditon.
  • 20
    Excluindo-se, certamente, o caráter preconceituoso sobre a língua falada, apenas a título de ilustração, cabe, nesse caso, voltar os olhos a antigas análises do português, como a de Duarte Nunes de Leão, que já identificava a inexistência do /e/ nas bases começadas por /S/:
    Que não sigamos o abuso de acrescentar a todas as dicções latinas que começam em s um e...
    Assim, que temos de dizer, stado, studo, star, státua¸Stêvão, spírito, sperar, scriptura, scrivão etc. (1983:137-138)
  • 21
    Essa constatação baseia-se em Hayes (1992), que defende que a extrametricidade não-marcada é a da direita.
  • 22
    Durante a execução do trabalho, recebemos um resumo da ALFAL intitulado
    Sobre algunos aspectos semánticos de la prefijación con in- en la formación de adjetivos e participios, de Sylvia Costa (Univ. de la República, Montevideo, Uruguay) que propõe uma distinção entre três tipos de prefixos
    in- em espanhol: um com o sentido de
    sem x (incoloro); outro indicando o extremo de uma escala gradual (Juan no solo no es justo, sino que es injusto); e um terceiro, que se liga a ¾
    ble, negando a possibilidade de se levar a cabo um processo ou um evento (inconstruible, intocable). Apesar de várias tentativas, não conseguimos o trabalho completo.
  • 23
    Estamos desconsiderando, neste momento, em
    despretensioso, a prefixação por
    pre, admitindo que ela pode ser resultado de alçamento para o nível 2 ou de lexicalização, como propusemos anteriormente.
  • 24
    Scalise (1984) fundamenta-se na proposta de
    overgenerating morphology (formulada por Allen, 1978) e cita Halle (1973), Booij (1977) e Corbin (1980) como partidários dessa análise.
  • 25
    Não pretendemos, neste trabalho, aprofundar a hierarquia dos sufixos. Por ora, valemo-nos dessa possibilidade.
  • 26
    Apesar de Rocha (1998) trazer um exemplo com
    sub-, o vocábulo
    subterrâneo, não o consideramos no elenco dos prefixos envolvidos na parassíntese, por estar restrito a esse exemplo.
  • 27
    Não localizamos exemplos de sobreposição com os prefixos
    ad-,
    aN-,
    deSneg- e
    diS-.
  • 28
    O termo
    ciclo aqui utilizado não se confunde com ciclo fonológico: restringe-se à possibilidade de afixos se reaplicarem (cf. Spencer, 1991, Katamba, 1993 e outros).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Maio 2002
    • Data do Fascículo
      2001
    Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP PUC-SP - LAEL, Rua Monte Alegre 984, 4B-02, São Paulo, SP 05014-001, Brasil, Tel.: +55 11 3670-8374 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: delta@pucsp.br