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Os Falantes como Lingüistas. Tradición, Innovación e Interferencias no Galego Atual

RESENHA REVIEW

Joselice Macedo de Barreiro

Universidade Católica do Salvador

KABATEK, Johannes 2000. Os Falantes como Lingüistas. Tradición, Innovación e Interferencias no Galego Atual. Traducción galega do autor. Vigo: Edicións Xerais de Galicia, 452 p

Palavras-chave: Sociolingüística; Variação; Mudança; Reflexão metalingüística.

Key-words: Sociolinguistic; Variation; Change; Metalinguistic reflection.

Este livro de Johannes Kabatek marca uma nova fase na curta história dos estudos da língua galega ainda muito pouco conhecida no Brasil mesmo nos meios acadêmicos.

Seus vários trabalhos sobre a língua standard e variedades lingüísticas do galego atual levaram-no à sua tese de doutoramento, publicada em 1996 sob o título de Die Sprecher als Linguisten, ora revisada e traduzida para o galego pelo próprio autor.

A língua galega, por razões políticas, foi proibida de ser escrita, durante os chamados "séculos escuros", (do século XV ao XIX), ficando limitada à zona rural e à forma oral da língua. Mas a Galícia vem sofrendo vários tipos de mudanças, não só de natureza política como social, que nesses últimos dez anos a levaram a penetrar em estratos novos da sociedade, na própria administração autonômica e nos meios de comunicação, ultrapassando seus limites de domínio na zona rural. Nas escolas, a língua galega passou a ser uma disciplina obrigatória. O galego era considerado pelos seus falantes uma língua desprestigiada diante do castelhano, língua oficial (por pressão política) e que, como pensavam, propiciava a seus usuários melhoria do status sócio-profissional. Desde meados do século XIX, alguns grupos vêm lutando contra esta tendência, por razões de auto-estima, de defesa da própria identidade, da língua e da cultura galegas.

Nos anos setenta apresentam-se duas tendências fundamentais nas discussões a respeito de uma língua standard galega: a reintegracionista que propõe a unificação com o português e a autonômica que propõe a idéia de uma língua comum galega. Mas em 1982 a Lei de Normalización Lingüística oficializa as Normas ortográficas e morfolóxicas do idioma galego elaboradas pelo Instituto da Língua Galega da Universidade de Santiago, com o apoio de autoridade da Academia Galega. A partir de 1984 o galego passou a ser falado no Parlamento de Galícia. Em 1985 foi criada a Rádio Autonômica Galega. Também desde 1985 existe a Televisão Galega. Assessores lingüísticos vêm trabalhando nos meios de comunicação autonômicos para implementação das Normas, criando assim, uma língua standard escrita que levaria, em parte também à modificação da forma oral do galego.

Qual é então a situação lingüística em Galícia no momento? A situação clássica era a seguinte: nas aldeias, todos falavam galego, nas vilas, quase todos. Nas cidades os burgueses falavam um castelhano dialetalmente marcado. Esta situação foi-se modificando, difundindo-se o castelhano em todas as regiões. Monteagudo e Santamarina (1993) propõem os seguintes tipos de variedades lingüísticas para estas línguas em contacto: variedades coloquiais regionais do galego que, a depender de critérios regionais, sofrem influência do castelhano. Galego standard falado por poucos galegos, geralmente oriundos de estratos urbanos médios ou altos, sob influência fonética e lexical do castelhano. Variedades regionais do castelhano falado por estratos médios e baixos e pelos estratos médios fora da cidade. Castelhano standard dominado por poucos galegos, principalmente por aqueles que mantêm contacto com Madrid, embora já exista uma modificação em certos grupos.

Percebendo o enorme contraste entre as diversas variedades da língua falada e a língua dos textos formais, à p. 79 afirma o autor: " En Galícia semellan darse diversos procesos de interferencia e de cambio lingüístico resultantes da situación de contacto co castellán e da dinámica dos falantes e da súa sociedade".

Passemos à estrutura do livro em pauta: ele está dividido em 3 partes. A 1ª parte é a Introdução à problemática teórica, incluindo também a apresentação de termos fundamentais empregados no livro. Kabatek pretende esclarecer a relação entre interferência e mudança lingüística e a questão da importância da reflexão metalingüística, usando o constructo teórico de E. Coseriu no qual as questões de variação e de mudança ocupam uma posição central. Apóia-se ainda o autor nas principais correntes da sociolingüística românica e nos estudos de variação de Labov e de seus continuadores Esta introdução teórica é a base "para a parte principal deste estudio: a investigación de textos / discursos individuais sometidos ó influxo de diversas variedades lingüísticas, a interferencia lingüística e maila relación entre interferencia e oralidade / literalidade". Trata-se de uma exposição clara, demonstrando o autor muita segurança teórica.

A 2ª parte: Questões preliminares e metodologia desenvolve uma metodologia da pesquisa baseada na concepção teórica apresentada na parte anterior. Focalizaremos embora sucintamente, a metodologia aplicada na pesquisa. Foram três as etapas que antecederam o método definitivo aplicado na parte empírica, isto é, na 3ª parte do livro.

A 1ª etapa foi desenvolvida durante o verão de 1990 quando foram analisados textos gravados de discursos do Parlamento Galego e de programas da Rádio Galega, visando analisar processos de interferência que se davam pela entrada do galego nos "ámbitos textuais novos". A pesquisa pretendeu demonstrar que, apesar da intervenção das correções feitas pelos assessores lingüísticos, ainda se produziam processos de interferência por eles não identificados. Do trabalho desta etapa surgiram questões principalmente de ordem metodológica a respeito de como investigar os "procesos de interferencia negativa e de intervención consciente dos falantes en situación de contacto lingüístico". Ficou demonstrado nos resultados das análises do "corpus" que existiam numerosas interferências do castelhano em todos os níveis da língua. Outra tendência detectada: o uso e abuso de formas galegas "mais galegas" e das chamadas palavras "enxebre", isto é, puramente galegas. Os resultados deste trabalho foram publicados em 1991 e a investigação detalhada das tendências acima identificadas foi objeto de estudo da etapa seguinte.

2ª etapa 1ª série de entrevistas. Biografia, metalíngua e língua No verão de 1993, ao iniciar-se a investigação, surgiram questões de ordem metodológica de como investigar os processos de interferência negativa (conceituada por Coseriu) e de intervenção consciente dos falantes, em situação de contacto lingüístico. Quanto ao estudo desta intervenção, decidiu o autor interrogá-los sobre seus critérios de correção, usando ainda outros instrumentos, como um questionário com uma lista de exemplos (apêndice I). As perguntas relacionadas com os elementos fonológicos, morfológicos, lexicais, sintáticos procediam da etapa anterior, acrescidas de conversas com outros falantes do galego. Aplicou ele ainda a técnica da entrevista intensiva guiada. Do apêndice 1 ao 11 está a série de entrevistas que foram transcritas segundo a ortografia galega. Para evitar, no caso da fonética uma interpretação puramente "impressionista", na terrminologia de Kabatek, este, inspirado em Labov (no seu estudo pioneiro da língua da ilha de Martha's Vineyard) estabeleceu que os informantes teriam que ler quatro textos, dois de notícia da rádio, dois textos literários, em galego e em castelhano, (transcritos no apêndice III). E' importante ressaltar que as entrevistas foram feitas com pessoas que usam o galego de forma profissional, apresentadores de rádio e televisão, professor de galego, alunos de galego.

3ª etapa: segunda série de entrevistas. Biografia, metalíngua, língua. Em maio de 1999 foram feitas, no Instituto de Língua Galega, dezenove entrevistas com estudantes de Filologia Galego-Portuguesa e Filologia Hispânica, mas na relação das entrevistas constam 20 em vez de 19. Pelos resultados da etapa anterior, foram feitas algumas mudanças metodológicas. Nesta segunda série de entrevistas deu-se mais liberdade aos informantes, através da conversa livre. Porém foram mantidos os textos de leitura e a linha básica das entrevistas.

3ª parte ou 3º capítulo:Parte empírica. A língua dos informantes e seus julgamentos metalingüísticos. Volta-se esta parte do livro para a análise dos resultados das etapas anteriores, e "céntrase en tres aspectos: a lingua dos informantes, os seus xuízos acerca da lingua, dados biográficos".

O "corpus" está formado de trinta informantes (apresentadores de televisão (3), locutores de rádio (3), professora de galego (1), redator de televisão (1), estudantes de Filologia Galego-Portuguesa e Hispânica (20), doutorandos (2). Baseando-se na sua biografia lingüística (que precede as entrevistas e consta do Apêndice V), os trinta informantes podem ser divididos em três grupos: a) falantes com o galego como língua dominante da infância e do contexto social em que viviam, procedentes de aldeias, "labregos", isto é, aldeões e trabalhadores; b) falantes com língua materna, o castelhano e pouca presença do galego na infância, em que predominam os originários de zona urbana c) falantes com o castelhano, como língua materna e alta presença do galego na infância e no seu contexto social, com idade que varia de 20 a 40 anos e que se criaram em uma época de forte presença do castelhano em Galícia. Tanto os falantes dos grupos b e c são originários de classes média baixa, média ou média alta. Aqueles que não empregavam o galego desde a infância foram chamados pelos próprios companheiros de neofalantes ou neófitos.

Constatou Kabatek que na maioria dos informantes, principalmente entre os estudantes de galego, produziu-se uma mudança consciente da "língua de uso cotidiano" Justifica-se esta mudança, de acordo com as respostas dos informantes, por ideologia ou por mudança ideológica, por simpatia ou rebeldia, por razões sentimentais, mudança para Santiago ou por ter ingressado na Universidade, etc.

O castelhano aparece como algo claramente separado do galego e que pode exercer uma influência nele. E´ curioso que alguns informantes quando se referem ao castelhano é da forma standard da língua a que estão se referindo. Outros distinguem formas locais do castelhano de Galícia. Em relação ao galego, alguns distinguem o galego dialetal, usado na zona rural e aldeias e o que chamam de galego "menos dialetal." Associam-se às vilas, muitas vezes, as formas mais "castelanizadas" do galego ou concretamente as do castelhano. Nas cidades está presente o castelhano sem que o galego nelas seja falado ou pelo menos muitíssimo pouco falado, exceção feita para Santiago de Compostela, onde ele é muito usado. Observou o autor que a língua standard galega é uma referência conhecida pelos informantes, com graus diferentes de aceitação. Isso, quanto à língua escrita. Utilizá-la na língua falada obteve opiniões distintas, afirmando alguns que seu uso deve ser restrito a certos grupos ou situações determinadas, apesar de muitos afirmarem que o galego standard é falado na Universidade, ou que seus professores falam o normativo.

Os julgamentos dos informantes sobre o galego dos meios de comunicação são muito negativos. A língua é "mui castelanizada", dizem alguns, com exceção do léxico, ou que é uma "lingua mui pouco auténtica", artificial. Em suma, trata-se de um galego fonética e gramaticalmente muito "castelanizada", embora em seu léxico alguns tenham dito sentir falta de certos castelanismos já incluidos há muito tempo no vocabulário galego. Houve quem relacionasse este galego standard com o dos neofalantes: "quen empeza/ quen fala galego partindo dun idioma castelán pos... o' final/ no sei falan um pouco como os da tele eh aunque non estén nese médio". Os falantes indicam repetidas vezes o que entendem como "bo galego," sua meta final. As restrições à forma standard do galego voltam-se principalmente para o emprego de formas do castelhano. São alguns "puristas" entre os planejadores lingüísticos que querem "limpalo galego" destas fomas. Mas os informantes concordam "sobre o significado do standard para a língua escrita".

Kabatek passa então, a analisar o sistema vocálico galego na fala dos informantes, levantando as diferenças entre os dois sistemas, as interferências realizadas e em seguida o sistema consonantal das duas línguas em contacto, destacando dentre os fenômenos fonéticos mais marcados socialmente no galego, a "gheada" ou "geada". Esta consiste na "pronúncia fricativa e aspirada do fonema / g /, normalmente realizado como [ h ], aspirada laringal surda". É uma forma lingüística estigmatizada (um estereótipo, no sentido laboviano), considerada, como vulgar ou como traço diferencial perante o castelhano.

O sistema verbal é o enfoque a seguir, em que o autor estabelece um cotejo das línguas em contacto, em suas oposições internas, muito semelhantes. Na 1ª série de entrevistas, os informantes foram interrogados sobre cinco exemplos de uso nas línguas em contacto e ainda sobre formas que coexistem nas duas línguas, embora empregadas de maneira diferente. Um exemplo simplificado: este ano ten chovido moito (perífrase galega e castelhana ter + particípio) e este ano choveu moito.Há rejeição freqüente do primeiro pela alrgação de haver interferência do castelhano.

Possivelmente pelo fato de haver diferenças nas duas línguas no emprego dos pronomes átonos, o galego sofre interferências causadas pelo castelhano.. No caso particular da determinação do pronome possessivo, o galego conhece o emprego com ou sem artigo, como se vê em: a casa de meus pais / a casa dos meus pais, sem que haja diferenças semânticas entre as duas formas (segundo Alvarez / Regueira / Monteagudo, 1986, citados por Kabatek). Sobre a freqüência deste uso, este cita a pesquisa de Varela Vasquez, 1997. O número total de formas com artigo (o meu pai) é muito menos freqüente (37% que o das formas sem artigo (63%). Mas as formas com artigo, sobem para 69% nos casos com preposição e 56% nos casos sem preposição. E nas entrevistas?. Dada a alternativa acima, a reação dos informantes foi relativamente clara: a maior parte diz que prefere usar a forma com artigo. Apenas três, com modelos dialetais do galego, afirmam que diriam de meus pais uma vez que dos meus pais lhes soava a tradução do castelhano. É possível supor-se que falantes usuários de modelos dialetais do galego terão a tendência de usar uma das formas, segundo seu dialeto ou a de empregar formas mais distantes do castelhano, em situação de reflexão. Quanto aos falantes com forte presença do castelhano é possível supor-se que tenham a tendência de dizer meu pai na fala espontânea e o meu pai, nos textos elaborados.

Quanto ao léxico, fala o autor: "o problema fundamental do léxico galego é o da adaptación ás necesidades comunicativas que xurdiron ó longo dos últimos anos, producindose um conflicto sobre todo com respecto ó castelanismo. Durante moito tempo, o galego tivo pouca forza de innovación léxica e a adaptación léxica fixose, sobre todo por medio da adopción de castelanismos". A política lingüística atual tem uma tendência "purista" que tenta substituir os castelanismos ou por meio da revitalização do léxico patrimonial tradicional ou pela adoção de lusismos, ou ainda através da formação de palavras segundo o sistema galego. Como exemplos léxicos foram submetidos à reação dos informantes dezesseis itens lexicais "nos que unha palavra con forma paralela e de étimo común en castelán, conta en galego cun sinónimo-total ou parcial diferente de cualquera forma castelán." Um exemplo: mercar / comprar (comuns em toda Galícia). Em castelhano, mercar é considerado arcaísmo ou dialetal em castelhano.Exemplo: vou merca-lo peixe / vou compra-lo peixe. Mas os critérios de aceitação ou rejeição a uma ou outra forma por parte dos informantes não foram muito coincidentes entre os diversos informantes. Enfim, em relação ao léxico, alguns disseram que o aprenderam muito através da televisão.

O capítulo 4 está voltado para a Conclusão, em que Kabatek interpreta as tendências identificadas nos capítulos anteriores. Primeiramente a interpretação é relativa aos diferentes grupos de falantes. Em seguida, à comunidade lingüística galega. Por fim, é interpretado o papel dos falantes como lingüistas.

Os diferentes grupos de falantes- Diante da heterogeneidade dos participantes da discussão sobre a língua standard galega e suas variedades, obtiveram-se posições diferentes sobre a aceitação do standard. Em parte, estas posições coincidem com os grupos: 1-Falantes com galego como língua materna, língua da infância e que é a preferida pelo seu contexto social. Na interpretação do autor, segundo seus dados, esses falantes, ao entrarem em contacto com a língua standard, ou quando querem expressar-se nesta, dizem parecer-lhes que utilizam uma forma nova de sua língua materna. Em seguida apresenta Kabatek diversos processos de interferência resultantes do contacto galego dialetal x standard normatizado. 2- Falantes com o castelhano como língua materna, língua da infância e língua mais presente no seu contexto social. Empregam o galego apenas em seu ambiente profissional (meios de comunicação galegos ou em setores da administração ou em contextos políticos). O galego foi aprendido praticamente como 2ª língua. As interferências dão-se aqui pelo contacto das duas línguas havendo interferências do castelhano em alto grau, no âmbito da fonética, nos elementos morfológicos e lexicais. O autor chama a atenção para o fato de existirem ultracorreções, segundo determinadas regras, pela transposição de elementos entre as duas línguas estreitamente aparentadas. 3- Falantes do castelhano como língua materna e presença do galego na infância e no contexto social, e que estão em contacto com membros do grupo 1. Deste grupo 3 fazem parte os estudantes dos cursos de galego e um pequeno número proveniente dos meios de comunicação. No âmbito da fonética, estes falantes situam-se entre os grupos 1 e 2. Sua pronúncia não é, em geral, nem dialetalmente muito marcada nem muito influenciada pelo castelhano. Entre os falantes dos três grupos há várias formas de transição.Não são grupos nitidamente separados mas que formam um contínuo e que têm contacto mútuo. A existência desses grupos é atestada, em parte, pelos próprios informantes.

Refletindo sobre esta situação lingüística complexa, o autor se põe a questão de como é possível chegar-se à consolidação de uma língua comum. Levanta a hipótese de "analizar se no contacto entre os diversos grupos se poden observar certas tendencias evolutivas ou orientacións claras." e de incluir na análise a grande massa dos falantes, para atender a possíveis objeções. Entretanto não lhe parece necessário, porque a participação desta massa no processo de criação de uma língua comum através de falantes é de forma indireta, eles não estão no contexto dos informantes da pesquisa. Sobre o tipo desses contactos levanta as seguintes hipóteses, a partir da orientação lingüística de acordo com os juízos metalingüísticos: O grupo 2 parece ter pouca influência sobre os outros grupos por causa de sua insegurança. Pelo contrário, ele se orientaria pelos falantes dos outros grupos. O grupo 3 parece orientar-se pelo nº 1 que é considerado pelos informantes o grupo de orientação principal.Conclui, então, que os líderes do processo de consolidação da língua comum "serán" ( mudando o "serian" empregado anteriormente) dunha banda, os falantes de língua materna galega con orientación consciente- pólo menos parcial- no estándar, e doutra banda, os chamados neofalantes procedentes de ámbitos galegófilos e protagonistas dun cambio de língua de uso cotián consciente". No centro deste processo, diz o autor, desenvolve-se a seleção das formas consideradas como pertencentes à língua comum havendo formas de um consenso comum ou quase quanto à inclusão ou exclusão de algumas formas, mas também outras para as quais coexistem várias alternativas A geada, o seseo, por exemplo, obtiveram um consenso um tanto amplo para serem excluídos.

E os falantes lingüistas qual é sua importância no processo de criação do galego falado padrão? Na interpretação de Kabatek das respostas dadas pelos 3 grupos acima enumerados, os integrantes do grupo 1 como lingüistas, demonstraram ter a capacidade de ajuizar sobre seu modelo lingüístico materno. Conhecem e analisam o grau de castelanização do seu próprio léxico. Como planejadores lingüísticos afirmam tentarem evitar os castelanismos, quando se orientam pelo standard. Predomina em sua comunidade o falar de acordo com a tradição, mas na interação social, os informantes usam o dialeto regional. Nos textos escritos que elaboram utilizam critérios do galego standard, corrigindo sua fala na escrita. No 2º grupo, o processo consciente de intervenção consiste, inicialmente no princípio de aprendizagem de uma língua nova, que está marcada pela interferência castelhana. No papel de lingüistas corrigem as interferências identificadas. Na realização da fala dos integrantes do grupo 3 existe uma tentativa consciente de identidade, "de achegarse" aos falantes do grupo 1 mas, como lingüistas, aquela identificação não existe. E, segundo o autor, ao elaborarem textos escritos, evitam os castelanismos, usando formas do galego standard, com a preocupação de empregarem com certa freqüência elementos que lhes parecem mais galegos. Enfim, os falantes como lingüistas (ou como planejadores lingüísticos), não importa o grupo em que possam ser incluídos, têm uma atitude convergente, quando se trata de textos que elaboram ou de estilos "mais altos". Mas, como estão sob o influxo do castelhano, sofrem sua influência a nível sintático, em certos traços semânticos e fonético-fonológicos, apesar de concordarem que se deve evitá-los, marcando os textos com galeguidade. Como conseqüência, teme o autor, que sejam revitalizados determinados elementos dialetais em retrocesso que passam a adquirir uma conotação de língua elevada e culta, no dizer dos informantes. Nestas circunstâncias parece haver uma relevância na diferença entre língua escrita e oral para a interferência lingüística. Generaliza, então, "como a intervención consciente no momento de falar depende do grao de planificabilidade dos textos, pódese decir dun xeito xeral que a historia da concepción escrita ou oral das línguas particulares está estreitamente ligada às actitudes fronte á interferência lingüística predominante nas diversas etapas".

Reiterando o que foi dito no início desta resenha, este trabalho marca um passo importante na pesquisa lingüística galega, com a apresentação competente de um panorama da complexa situação do galego e do castelhano em contacto, mostrando ainda a reação de um grupo de falantes ao padrão escrito de sua língua e à realização oral do galego nos meios de comunicação, pautada naquele padrão. Uma parte está envolvida profissionalmente com o esforço de uma política normativa lingüística oficial.

Mas ainda continuam muitas interrogações a respeito da viabilidade da criação de um galego comum falado independente. Por um lado, tem-se que reconhecer como o faz Kabatec, a força de interferência do castelhano que "en todolos ámbitos" está influindo na realização das diversas variedades dialetais do galego.

Haveria uma estabilização da língua comum oral por influência da fala dos diferentes tipos de falantes (como os selecionados nesta pesquisa) ou pela pressão de uma política lingüística autonômica ou por força dos que o autor chama de "falantes lingüistas"?

Um novo caminho para novas pesquisas voltadas para o standard do galego oral estaria aberto, longe dos setores administrativos autonômicos, como o da língua galega usada por jovens galeguistas atuais que iniciam, possivelmente, um novo "rexurdimento" lingüístico, cultural espontâneo, em Galícia?. Não estariam na direção de uma língua galega standard falada a ser investigada, em realização "espontânea" sem a pressão de "políticas lingüistas" , sobretudo em contextos como os descritos. Diríamos com o autor : "verémolo no futuro".

Referências Bibliográficas* * Observação: foram selecionados, da vasta bibliografia apresentada pelo autor, itens relacionados com o texto da resenha.

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Recebido em abril de 2002

Aprovado em outubro de 2002

E-mail: sobarreiro@atarde.com.br

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    Observação: foram selecionados, da vasta bibliografia apresentada pelo autor, itens relacionados com o texto da resenha.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Mar 2004
    • Data do Fascículo
      2003
    Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP PUC-SP - LAEL, Rua Monte Alegre 984, 4B-02, São Paulo, SP 05014-001, Brasil, Tel.: +55 11 3670-8374 - São Paulo - SP - Brazil
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