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Professores e formadores em mudança: relato de um processo de reflexão e transformação da prática docente

RESENHA REVIEW

Resenhado por/by: Maria Inês Vasconcelos Felice

Doutoranda LAEL/PUC-SP Universidade Federal de Uberlândia

Palavras-chave: Formação contínua; Ensino de Inglês; Reflexão; Transformação da prática docente.

Key-words: Teacher continuative formation; English teaching; Reflection; Teaching practice transformation.

CELANI, Maria Antonieta Alba (org.) (2003) Professores e formadores em mudança: relato de um processo de reflexão e transformação da prática docente. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2002. – (Coleção As faces da Lingüística Aplicada) 231 p.

Como professores de língua estrangeira, sabemos as dificuldades pelas quais passamos para sensibilizar alunos e autoridades para a importância das línguas estrangeiras na formação do aluno. Sabemos, também, do quanto são carentes os docentes, sobretudo nas escolas públicas, onde, na maioria das vezes, os professores não se sentem capacitados para ensinar e os alunos, pouco motivados para aprender uma língua estrangeira que parece não ter nenhuma ligação com a vida real. Por esta razão, tornam-se particularmente interessantes os relatos que compõem o livro Professores e formadores em mudança – relato de um processo de reflexão e transformação da prática docente.

Organizada e apresentada por Maria Antonieta Alba Celani, esta coletânea de artigos trata da avaliação de um aspecto e uma etapa do programa de formação contínua de docentes de inglês da rede pública do estado de São Paulo – A Formação contínua de Professores de Inglês: Um Contexto para a Reconstrução da Prática. O programa é desenvolvido em parceria pela Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa de São Paulo (SBCI), que financia o projeto e se encarrega do aprimoramento lingüístico dos professores de língua inglesa, e por uma equipe de professores vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, que se responsabiliza pelo aprimoramento profissional, ficando a formação do multiplicador a cargo de ambas as instituições.

Abrangendo o período de agosto de 1997 a julho de 2000, os artigos dizem respeito ao curso, de 150 horas, Reflexão sobre a ação: o professor de inglês ensinando e aprendendo, dividido em oito módulos, distribuídos em dois semestres, cujo foco estava no aprimoramento profissional do docente de inglês e, por sua ligação com este componente, na formação do multiplicador. Os alunos foram professores de língua inglesa da rede pública do estado de São Paulo, cujo pré-requisito para participação nesta etapa era já ter passado por dois ou três anos, dependendo das necessidades individuais, de cursos de aprimoramento lingüístico, oferecidos pela Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa de São Paulo.

Os módulos da etapa aqui relatada dividiam-se em quatro mais relacionados a questões de aprendizagem reflexiva e quatro mais relacionados a questões relativas à sala de aula e a planejamento das atividades didáticas, formando pares, de forma a haver um módulo de natureza teórico-reflexiva e outro de natureza mais prática ministrados ao mesmo tempo. Os artigos são, portanto, de Duarte, cujo módulo Aprendendo a Aprender: a Importância da Reflexão era ministrado junto com o módulo de Ramos, Refletindo sobre as Necessidades do aluno da escola pública: que habilidades priorizar; Castro, que ministrou o módulo Refletindo sobre a reconstrução da teoria a partir da prática junto com Lessa que se encarregou do módulo Refletindo sobre a prática social da fala; Romero, professora do módulo A auto-avaliação como processo reflexivo, esteve junto com Lieff, que ministrou o módulo Repensando a fonologia do inglês: da conscientização à ação; e, finalmente, de Liberali, cujo módulo O papel do multiplicador no processo reflexivo, foi ministrado juntamente com o de Collins, Refletindo sobre a gramática do inglês.

Todos os autores utilizaram, como referencial teórico, os trabalhos dos canadenses Fullan (1993) e de Hannay e Ross (1997), de acordo com sua própria ótica. Além do primeiro artigo, da organizadora, e dos oito artigos relativos a cada um dos módulos, os quatro últimos relatos da coletânea são de autoria de alunos de graduação, bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq), referentes a pesquisas desenvolvidas durante a aplicação do curso, sob orientação de pesquisadoras do Programa.

Na apresentação, a organizadora da coletânea recomenda, como leitura preli-minar, o primeiro artigo, de sua autoria – Um Programa de Formação Contínua – que traz o contexto geral do programa, o histórico e a justificativa, suas bases teóricas em relação aos conceitos de linguagem, de formação docente, segundo a teoria sócio-histórica, desenvolvida por Vygotsky e seus seguidores, de trabalho colaborativo e de reflexão crítica , assim como informações sobre sua estrutura, seus componentes e seus participantes. A leitura desse artigo torna mais fácil a compreensão dos outros que se seguem, referentes a cada módulo e ao período de três anos em que o curso foi aplicado, das modificações que foram sendo feitas ao longo desse período e outras que se fizeram necessárias após sua avaliação. Importante destacar que a seqüência dos artigos nessa coletânea é a mesma daquela em que foram ministrados os módulos, o que facilita a percepção da forma como o curso foi realizado.

Em seu relato, Celani, com base em sua vasta experiência de ensino e pesquisa na área de ensino-aprendizagem de inglês e na formação do profissional para esse tipo de ensino (pré-serviço e formação contínua), aponta, ainda, as deficiências na formação de docentes de línguas e mostra que só muito recentemente os programas de pós-graduação passaram a dar atenção privilegiada ao enfoque de formação de docentes. Por isso, a importante mudança nesse Programa de Formação Contínua é a idéia de um processo contínuo envolvendo "reflexão e crítica sobre e de sua própria prática" e não apenas "cursos de reciclagem" ou "treinamento" do professor, que subentendem uma mera transmissão e atualização de conhecimentos e/ou técnicas. Nessas reciclagens, mesmo que a atualização fosse o objetivo, este não seria atingido, tendo em vista que o novo material ou a nova teoria que lhe são apresentados não aparentam ter nenhuma conexão com o cotidiano de seu trabalho, as verdadeiras necessidades de seus alunos e as reais possibilidades de implementá-los na escola pública. Celani lembra ainda que, desde 1984, ela já apontava o enfoque privilegiado que se dava, nas disciplinas de Prática de Ensino, nos cursos superiores, às teorias de aprendizagem, ou, no outro extremo, às técnicas de ensino. Outra observação de Celani, feita em 1988, é que, pelas representações evidenciadas pelos alunos, futuros professores, "aprender a ser profes-sor de inglês significava aprender a usar técnicas". Apesar de todo desenvolvimento da área de formação de professores de língua estrangeira, pioneira em pesquisas em ensino-aprendizagem, os docentes, como lembra Celani em suas aulas ou Seminários de Orientação, esperam as "receitas" de ensinar, nem sempre entendendo que a educação contínua deve ter como objetivo a formação de um profissional autocrítico e reflexivo de sua prática (Shön, 1983), autônomo, capaz de "educar-se a si mesmo, à medida que caminha em sua tarefa de educador" (Celani 2003: 22).

Assim, o Programa proposto pelo LAEL buscou privilegiar o desenvolvimento do processo reflexivo, com vistas a uma mudança de representações, crenças e práticas dos docentes de inglês. A dificuldade, todavia, era desenhar um programa de formação contínua que pudesse dar um acompanhamento próximo e longitudinal do processo, que atingisse um grande número de professores, conforme enfatiza a literatura sobre o assunto (Zeichner 1996; Smyth 1987, 1992; Freeman 1992,1996). Visando a alcançar um maior número de professores, apesar de saber que as limitaçõs seriam grandes devido ao contingente de docentes da rede pública de São Paulo, buscou-se uma ênfase no papel do multiplicador, ou seja, professores que se capacitaram "não só como indivíduos reflexivos em relação à sua prática, mas também como mediadores em um trabalho reflexivo junto a outros professores em suas escolas e regiões, após o término do curso" (Celani 2003: 24). Ao final do curso, esse papel de multiplicador vai sendo consolidado, pois não se desligando do programa, os professores (agora ex-alunos) passam a assumir papéis de ação junto aos colegas, auxiliando-os a refletir sobre sua prática e, com a assessoria de professores, preparando e conduzindo oficinas mensais, de modo a gerar uma massa crítica na comunidade docente.

No segundo artigo, Transformando Doras em Carmosinas: uma tentativa bem sucedida, de Duarte, que ministrou o módulo Aprendendo a Aprender: a Importância da Reflexão – módulo norteado pelos aspectos afetivos envolvidos no processo ensino-aprendizagem –, a autora foi muito feliz ao entremear várias vozes, dentre as quais a da atriz Fernanda Montenegro, em seu discurso ao receber a condecoração Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito. Nele, a atriz lembra as professoras de sua infância: "credenciadas, respeitadas, prestigiadas professoras" das escolas públicas que freqüentou no subúrbio do Rio, fazendo uma comparação com a professora interpretada por ela no filme Central do Brasil, a professora Dora, endurecida e miserável por carências existenciais. Também as vozes dos professores-alunos, em depoimentos após uma reflexão retrospectiva, relembram-se das formas pelas quais aprenderam. Ao fazer uma relação com a maneira de ensinar desses professores-alunos, Duarte observa que é possível identificar em suas práticas educativas, as várias práticas educativas de seus ex-professores e educadores. Além dessas vozes, alguns dos participantes do módulo trouxeram as vozes dos alunos, cujos relatos mostram como foi importante o deslocamento do foco de reflexões acerca da aprendizagem dos professores, que era o foco inicial do módulo, para reflexões sobre a prática do professor. Este deve ter uma atitude facilitadora e criar um ambiente que favoreça a aprendizagem, conforme os preceitos de Rogers (1969). Este psicólogo americano foi o precursor teórico da Abordagem Centrada na Pessoa, da Psicologia Humanista, que elencou os pressupostos teóricos básicos em relação à Aprendizagem Significativa, a fim de tentar explicar o modo como se aprende para, a partir daí, sugerir formas de facilitar a aprendizagem.

O artigo a seguir – Necessidades e Priorização de Habilidades: reestruturação e reculturação no processo de mudança –, relativo ao segundo módulo – Refletindo sobre as necessidades do aluno da escola pública: que habilidades priorizar, ministrado por Ramos –, utilizou, como fundamento teórico, as duas categorias propostas no trabalho de Fullan (1996) – reestruturação e reculturação – sobre mudanças educacionais. O relato trata especialmente da reestruturação do módulo devido a reflexões, análises críticas, notas pessoais, comentários, avaliações dos professores-alunos e discussões com a equipe de professores e pesquisadores do Programa. A autora mostra como foi ministrado o primeiro módulo, e discute como a tomada de consciência de que é possível desconstruir crenças e representações dos alunos sobre o ensino-aprendizagem é importante para o processo, porém não suficiente para que a reconstrução ocorra. A percepção da falta de formalização teórica e de desconhecimento da terminologia em inglês relativa a essa área foi importante na mudança de enfoque. O amadurecimento da própria professora teve sua influência nas transformações de conteúdo ocorridas no módulo. As reflexões feitas pelo grupo de professores-alunos e o posterior confronto de suas crenças e representações do início do curso, mediante depoimentos, além da preocupação com a avaliação contínua do progresso do trabalho, o compromisso de aperfeiçoamento constante e a troca permanente de idéias entre o grupo levam a autora a acreditar em indícios de reculturação.

O quarto artigo – Teoria e prática no Processo de Reculturação de Professores de Inglês –, de Castro, relativo ao módulo A Reconstrução da Teoria a partir da Prática, trata, também, das transformações ocorridas, mais especificamente dos fatores desencadeadores da reestruturação do módulo, que envolveu a reflexão crítica (Kemmis 1987, Smyth 1992): a reflexão-na-ação e reflexão-sobre-a-ação e ainda a reflexão sobre a reflexão-sobre-a-ação (Shön 1988, 1992). A autora destaca a prioridade dada, durante o planejamento do módulo, à análise de aulas, às concepções de ensino-aprendizagem e de linguagem subjacentes nas ações instrucionais, nos objetivos propostos e o reconhecimento das contradições entre as intenções dos professores e suas ações. Mais uma vez, constatou-se que as transformações (intramódulo e inter-módulos) ocorreram devido ao processo de reculturação da própria docente-pesquisadora, a partir dos questionamentos manifestados pelos professores-alunos, decorrente da necessidade de buscar meios de diminuir os conflitos gerados pelos processos de transformação dos professores-alunos. No novo enfoque, e com base em Vygotsky, que entende como complementares "os papéis do conhecimento científico (teórico) e do conhecimento cotidiano (prático) na construção da competência de ensino do professor" (:73), buscou-se criar um espaço para a elaboração de planos de aula, segundo seus contextos de atuação, a partir dos quais seria possível o exame e a discussão de alternativas para a reconstrução das ações dos professores, teoricamente sustentadas.

Transform[ação]: uma experiência de ensino é o título do artigo relativo ao módulo de Lessa, Reflexão sobre a Prática Social da Fala, inicialmente planejado para a reflexão sobre o processo e as estratégias envolvidas no desenvolvimento da capacidade de expressão e compreensão de linguagem oral. O enfoque original, todavia, deslocou-se para a reflexão sobre a ação de ensinar uma habilidade, tendo como objetivo uma reflexão sobre o uso social da linguagem, o papel da língua estrangeira conforme prescrito nos PCN-LE, a capacidade de produção e compreensão de linguagem oral e os materiais, segundo as possibilidades de aplicação na escola pública. O mais interessante desse artigo é a análise que a autora faz das transformações que ocorreram no seu e nos demais módulos do curso Reflexão sobre a Ação: O Professor de Inglês Aprendendo e Ensinando. Utilizando o referencial teórico proposto por Fullan (1996) para refletir sobre o processo de transformação do curso, a autora também aprofundou os conceitos de rede, reculturação, retiming e reestruturação, mostrando, mediante figura à página 82, como se deu a modificação: os professores "mudaram e fizeram reestruturações, ou seja, houve uma reculturação dos professores como conseqüência de um trabalho em rede com os demais professores, de sua prática e trabalho junto aos alunos e de necessidades interiores".(: 82) Tais mudanças não ocorreram linearmente, pois sendo a reformulação um processo dinâmico, não coerente (Fullan, 1996), elas foram acontecendo conforme os educadores foram percebendo suas crenças e a origem delas e buscando atingir a coerência em suas metas e ações e deram-se em nível individual (intramódulo) e coletivo (inter-módulos).

O sexto artigo, de Romero, Reflexões sobre a Auto-Avaliação no Processo Reflexivo, referente ao módulo Auto-Avaliação no Processo Reflexivo, mostra o quanto o início do processo pode ser difícil e doloroso, para educadores e professores-alunos, até que se vençam as resistências. A autora aponta, como principal fator de resistência, mas também como um dos pontos mais relevantes do curso, a gravação em vídeo (compulsória) das ações reais ocorridas durante uma aula típica. Ao saberem da obrigatoriedade da filmagem de sua própria aula, os professores-alunos não conseguem disfarçar o medo e a ansiedade de uma exposição ante os colegas e os educadores daquilo que, até então, "era uma atividade privada, protegida e guardada na intimidade da sala de aula, tendo como cúmplices apenas os alunos" (: 99) o que, possivelmente gerou a tendência de uma postura defensiva, que os leva a se justificar ou se defender, ao assistir ao vídeo juntamente com o educador e o grupo, o que se pode perceber por excertos de autobiografias e diários reflexivos. Segundo comenta Romero, Cavalcanti e Moita Lopes (1991) explicam essa resistência pelo fato de poucos dentre eles já ter participado de pesquisas em sala de aula. Além disso, existe a preocupação de ser julgado pelo grupo ou pelos educadores, sobre os quais os professores filmados criam a representação de serem "os senhores do saber". Por isso, a forma de conduzir a discussão sobre o vídeo, guiada por perguntas orientadoras, deve ser feita com muito cuidado, para evitar julgamentos. De acordo com Fullan (1996), citado por Romero, os objetivos, durante a análise, devem ser explicitados, para que as intervenções sejam claras e específicas, a fim de tornar a crítica mais fácil de ser compreendida e aceita.

A seguir, o artigo de Lieff, O ensino da pronúncia do inglês numa abordagem reflexiva, relativo ao módulo Repensando a fonologia do inglês: da conscientização à ação, relata o processo de desenvolvimento de novos valores e crenças da autora como uma das educadoras do curso. Fundamentada em Fullan (1991), Lieff mostra como o curso de Reflexão sobre a Ação, tanto em relação ao ensino da Fonologia do Inglês quanto em relação à prática educacional, foi importante para repensar a prática pedagógica da fonética e fonologia do Inglês, visto que uma grande parte dos professore-alunos, em seus diários, relata falhas na construção do conhecimento nessa área: dificuldades em relacionar a teoria com a prática, em desenvolver estratégias que promovam compreensão e produção orais mais eficientes, insegurança em relação ao trabalho com pronúncia em sala de aula são alguns dos problemas dos professores nessa área. A autora relata, ainda, o modo como trabalhou o conteúdo do módulo, sem que este fosse visto como um fim, mas como um meio de não só desenvolver a percepção de significados, regularidades e generalizações na língua-alvo, mas também de trabalhar a auto-estima e a autoconfiança. Os depoimentos, interpretados pela autora, serviram de suporte para a reestruturação do módulo, que passou, então, a ter como objetivos, levar o aluno à investigação e à reflexão sobre os aspectos significativos para a comunicação do sistema fonológico do Inglês, levando em conta sua experiência como aprendiz da L1, do conhecimento prévio, o uso que faz da língua, assim como estimulá-lo a registrar o modo como aprende, de forma a desenvolver-se contínua e autonomamente, visando a uma possível ação junto a outros aprendizes (ao tornar-se um multiplicador).

Liberali, no artigo seguinte, relativo ao módulo O papel do multiplicador no processo reflexivo, vai tratar exatamente, como diz o título - O papel do multiplicador -, das questões referentes ao papel do multiplicador; trata, também, das transformações ocorridas no módulo. Partindo da argumentação de Fullan (1996) sobre as mudanças na educação, mostrou como os conceitos, as relações do tipo modelo 1 e 2 de Schön (1987) e as estratégias para reflexão apontadas por Zeichner e Liston (1987) foram reestru-turados, selecionados e revisados para atender as necessidades e especificidades do trabalho dos multiplicadores. A autora mostra como ficou a ordem dos módulos, depois da constatação de que esse módulo, até então o último, fechando o grupo de temas reflexivos, deveria ser um dos primeiros, segundo os professores-alunos, pois eles acreditavam que teriam aproveitado melhor o curso de reflexão se tivessem discutido sobre reflexão, para compreender o processo reflexivo desde o início, antes de passar por tanta ansiedade, angústia e sofrimento. Por isso, o conteúdo desse módulo, desde o ano 2000, foi dividido, a discussão sobre reflexão sendo feita no início e, no final do curso, uma discussão mais aprofundada das estratégias para conduzir a reflexão, que é uma das atribuições do multiplicador. Além dessa mudança de conteúdo, a autora relata também: a) a mudança na perspectiva de reflexão, na qual as ações da reflexão crítica passaram a ser trabalhadas e explicadas com base nos três tipos de conhecimento abordados nos PCN-LE, ou seja, os conhecimentos de mundo, textual e sistêmico; b) a mudança na perspectiva do papel do multiplicador que, na primeira fase, era centrada na discussão das características da função mediadora do multiplicador e que, na segunda fase, teve o conceito de multiplicador particularizado e desenvolvido em função do papel assumido pelo professor-aluno na discussão com o colega professor sobre as aulas gravadas, no estabelecimento de um tipo de relação entre os participantes para a condução da reflexão, e no trabalho com as formas de reconstrução que poderiam auxiliar o colega; c) a mudança na perspectiva da relação para a condução da reflexão, cujas discussões, na primeira fase, enfocavam as relações percebidas pelos alunos e as conseqüências para a reflexão, não se preocupando em discutir o papel da linguagem na constituição dessa relação e que, na segunda fase, passaram a ser sobre as características lingüísticas de cada tipo de relação e sobre a análise das interações entre os alunos do grupo, que tentavam aplicar esses aspectos lingüísticos; d) a mudança na perspectiva de estratégias que, na primeira fase, eram discutidas genericamente e que, na segunda fase, teve seu enfoque mais especificamente sobre as três estratégias mais comuns a todos os módulos e enfatizada especialmente neste, ou seja, a observação de aulas gravadas em vídeo, o diário e as sessões reflexivas; e) a mudança nas atividades desenvolvidas, cujo foco, na primeira fase, era a discussão mais genérica dos conceitos fundamentais do módulo, de modo mais teórico e que, na segunda fase, teve um enfoque mais prático, já que o ponto de partida das discussões eram situações ou dados trazidos pelos professores-alunos.

O nono artigo, de Collins, fechando o ciclo de artigos de professores do curso, Re-estruturação e re-culturação no trabalho com o texto e a gramática, referente ao módulo Refletindo sobre a gramática do inglês, vai propor uma releitura dos conceitos de reculturação e reestruturação, por levar em conta as diferenças de contexto relativas às propostas de Hannay e Ross (1997), que se inserem em um âmbito mais amplo, junto a escolas públicas secundárias canadenses, diversamente do que ocorreu nesse curso de formação contínua de professores, em que o professor-aluno não se encontrava inserido em mudanças no âmbito de sua escola, mas tentava uma transformação individual, sem o apoio de órgãos públicos ou de autoridades de sua própria escola. Assim, o professor-aluno se encontra sem o suporte de uma rede que, segundo Fullan (1996), é necessária ao desenvolvimento do processo de mudança, o que, certamente, cria limitações no processo. Embora o Programa, para a maioria de seus participantes, inclusive para os próprios educadores, estivesse fazendo o papel de rede, a autora questionava se eles seriam capazes de transformar o seu cotidiano em instituições que não têm recursos nem reconhecem os esforços de desenvolvimento do professor. Além disso, o foco do ensino de línguas, na maioria das escolas, costuma ser o ensino da gramática normativa, sem partir da língua como um "conjunto rico de instrumentos de comunicação, expressão e construção de conhecimentos" (: 136). A nova estrutura de ensino de língua proposta pela autora busca atender às necessidades e desejos dos alunos, apoiada em uma abordagem instrumental, de forma a levar o aluno a comunicar-se em diferentes contextos sociais e para diferentes finalidades, e a ter contato com uma gramática que esteja em uso em textos genuínos, o que será útil à leitura, à compreensão e à produção de textos escritos e orais.

Os quatro artigos seguintes são de autoria de alunos da graduação. Dois deles, o de Ribeiro e o de Dudas, investigaram as representações que os professores-alunos têm do ensino-aprendizagem de inglês na escola pública. Ribeiro, em Investigando as representações que o professor de inglês da rede pública faz de si mesmo, e Dudas, em Investigando as representações do professor de inglês da rede pública sobre sua prática docente, ambas orientandas da professora Rosinda de Castro Guerra Ramos, comparam e destacam que a participação dos professores-alunos no curso podem trazer mudanças para suas representações, tanto em relação a si mesmo quanto relação à sua prática docente. Os outros dois trabalhos de pesquisa dos alunos, orientandos da professora Maria Antonieta Alba Celani, estão relacionados à questão do desenvolvimento do processo de formação do multiplicador. Pinheiro, autor do artigo O processo reflexivo e a tomada de consciência do professor multipli-cador, busca verificar se o curso e a organização e coordenação das oficinas mensais estão criando uma nova postura nos professores-alunos; Minatti, no artigo A formação contínua: implicações para a formação do professor multiplicador, visa a observar como se dá o processo de desenvolvimento do professor-aluno, a partir da conscientização que acorre conforme o professor multiplicador vai progredindo em seu processo de transformação.

Uma característica comum a todos os módulos, que se destaca no decorrer da leitura dos artigos, é a percepção de todos os participantes – coordenadores, pesquisadores, professores e professores-alunos – do resultado do trabalho de reflexão crítica, que leva à transformação contínua e ao amadurecimento mediante a interação entre os grupos. Essa percepção vem expressa nos depoimentos e desenhos dos professores-alunos e, da parte dos coordenadores, professores e pesquisadores do programa, no relato das mudanças que foram ocorrendo ao longo desse período de aplicação dos módulos. Aliás, os desenhos dos professores-alunos são outro aspecto interessante de como eles vêem o processo reflexivo: a maioria se vê, no início, cheia de pontos de interrogação, de olhos fechados, e mais adiante, com óculos ou olhos abertos, o que deve significar uma nova visão, ou um novo olhar sobre as coisas.

Pode-se perceber também, a partir dos relatos, que a principal dificuldade dos professores-alunos percebida por quase todos professores dos módulos refere-se à sistematização das teorias que embasam as ações dos professores, e que deveriam ser relacionadas à sua prática durante o processo reflexivo. Embora essas teorias tivessem sido revisadas nos primeiros módulos, no meio do curso ainda era necessário rever cada uma delas, com maior ênfase na abordagem sócio-construtivista, em consonância com os Parâmetros Curriculares para o Ensino de Língua Estrangeira, visto que os professores-alunos demonstravam dificuldades para distingui-las ao confrontar-se com a sua prática. Aliás, em alguns casos, apesar das revisões feitas em muitos módulos, ainda há uma certa confusão, ou, como afirma Celani (comunicação pessoal), um julgamento de que tudo aquilo que se faz e que não segue o sócio-interacionismo ("certo") é behaviorismo ("errado").

Outra constatação, também apresentada por Celani (2000) e citada pela maioria dos autores, é a sensação dos professores-alunos de "retirada de tapete" sob seus pés – desconstrução -, expressa por uma aluna em comentário avaliativo em final de módulo, ou seja, a tomada de consciência de suas ações pedagógicas de modo reflexivo, percebendo falhas e inconsistências, e a tentativa de buscar reformulações de objetivos e conteúdos – reestruturação -, a fim de "colocar um novo tapete" – reculturação.

Seja para professores de Prática de Ensino, ou formadores de docentes, seja para os próprios docentes de línguas, o livro é uma grande contribuição, pois traz uma extensa bibliografia, comum a todos os artigos, que também serviu de base teórica para o curso e que, certamente, vai ajudar quem tem interesse em aprofundar-se na área da reflexão crítica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Set 2004
  • Data do Fascículo
    2003
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