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Reflexões sobre o imperativo em Português

Reflections on imperative forms in Portuguese

Resumos

O estudo examina o uso variável de formas verbais do imperativo no português brasileiro, em comparação com línguas que apresentam o imperativo com morfologia e sintaxe próprias, o chamado imperativo verdadeiro, além das formas derivadas do subjuntivo. Argumentamos que formas do imperativo no português brasileiro atual correspondentes ao imperativo verdadeiro nas línguas citadas não manifestam propriedades morfológicas e sintáticas específicas, bem como não são restringidas pelo traço discursivo [+ proximidade]. Demonstramos que há diferenças geográficas com relação ao fenômeno variável no português brasileiro, especialmente com relação à sintaxe da negação, dos pronomes objeto, e do vocativo, em oposição ao sujeito.

imperativo verdadeiro e supletivo; variação geográfica; português brasileiro; português europeu


This study examines the variable use of imperative forms in Brazilian Portuguese, in comparison with languages that display a special morphology and syntax for imperatives (so-called true imperatives), along with forms derived from the subjunctive (found also in European Portuguese). It is argued that in Brazilian Portuguese the imperative forms corresponding to true imperatives show neither morphological or syntactically specific features, nor are they restricted by the discourse-linked feature [+proximity]. As we show, there are geographical differences in this variable phenomenon in Brazilian Portuguese, which correlate with the syntax of negation, object pronouns, and with vocatives as opposed to subjects.

true and surrogate imperatives; geographical variation; brazilian portuguese; european portuguese


ARTIGOS

Reflexões sobre o imperativo em Português

Reflections on imperative forms in Portuguese

Maria Marta Pereira ScherreI; Daisy Bárbara Borges CardosoII; Marcus Vinicius da Silva LunguinhoII; Heloísa Maria Moreira Lima SallesII

IUniversidade de Brasília/CNPq* * Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelas bolsas de Produtividade em Pesquisa (PQ) e de Iniciação Científica (IC) que auxiliaram a realização deste trabalho.

IIUniversidade de Brasília

RESUMO

O estudo examina o uso variável de formas verbais do imperativo no português brasileiro, em comparação com línguas que apresentam o imperativo com morfologia e sintaxe próprias, o chamado imperativo verdadeiro, além das formas derivadas do subjuntivo. Argumentamos que formas do imperativo no português brasileiro atual correspondentes ao imperativo verdadeiro nas línguas citadas não manifestam propriedades morfológicas e sintáticas específicas, bem como não são restringidas pelo traço discursivo [+ proximidade]. Demonstramos que há diferenças geográficas com relação ao fenômeno variável no português brasileiro, especialmente com relação à sintaxe da negação, dos pronomes objeto, e do vocativo, em oposição ao sujeito.

Palavras-chave: imperativo verdadeiro e supletivo; variação geográfica; português brasileiro; português europeu.

ABSTRACT

This study examines the variable use of imperative forms in Brazilian Portuguese, in comparison with languages that display a special morphology and syntax for imperatives (so-called true imperatives), along with forms derived from the subjunctive (found also in European Portuguese). It is argued that in Brazilian Portuguese the imperative forms corresponding to true imperatives show neither morphological or syntactically specific features, nor are they restricted by the discourse-linked feature [+proximity]. As we show, there are geographical differences in this variable phenomenon in Brazilian Portuguese, which correlate with the syntax of negation, object pronouns, and with vocatives as opposed to subjects.

Key-words: true and surrogate imperatives; geographical variation; brazilian portuguese; european portuguese.

Introdução1 1 Este trabalho é uma versão ampliada do texto de Scherre, Cardoso & Lunguinho (2005).

Registra a literatura gramatical que construções como olha, abre, faz, em enunciados sintáticos diretivos sem sujeito superficial (Olha pra mim!; Abre a porta!; Faz o doce!), são FORMAS PRÓPRIAS do imperativo. Neste sentido, o português remonta ao latim, cujo imperativo apresentava morfologia distinta do modo indicativo, sendo exclusivo de orações afirmativas. Registra ainda a história que as formas imperativas singulares em latim eram usadas para a referência à segunda pessoa do discurso singular em contexto de menos formalidade. Formas imperativas plurais latinas, por sua vez, eram usadas com interlocutor singular em situação formal ou com interlocutores plurais em contexto discursivo neutro ou não-marcado. Para a expressão de atos diretivos afirmativos singulares com marca discursiva de respeito ou para atos diretivos negativos, também sem sujeito superficial, eram utilizadas formas do modo subjuntivo, denominadas de FORMAS SUPLETIVAS pela tradição gramatical européia e de formas surrogates por estudiosos de orientação gerativa (cf.: Elia 1974:238-239; Faraco 1986, 1996; Rivero 1994; Rivero & Terzi 1995; Mateus et alii 2003:254-256; 451-460). As formas imperativas próprias são denominadas por autores de orientação gerativa (Rivero 1994) de IMPERATIVO VERDADEIRO (em português: olha, abre, faz), denominação assumida neste texto, ao lado de IMPERATIVO SUPLETIVO (em português: olhe, abra, faça), para fins de reflexões a respeito do estatuto do imperativo gramatical no português brasileiro, o objetivo central do presente texto.

Pesquisas sobre o português brasileiro em uso têm evidenciado que a alternância olha/olhe; abre/abra; faz/faça não apresenta correlação inequívoca com o contexto discursivo de menor ou maior distanciamento, que caracteriza o uso explícito dos pronomes tu ou você em algumas regiões brasileiras, sem a presença obrigatória da morfologia verbal (cf.: Sette 1980; Soares 1980; Paredes Silva 2003; Loregian-Penkal 2004; Lucca 2005). Assim, diferentemente do que se observa no português europeu, e também no espanhol castelhano (Rivero 1994), a alternância olha/olhe; abre/ abra; faz/faça, no português brasileiro, não tem relação clara com o traço [±distanciamento], que rege a distribuição deixe/você/seu vs. deixa/tu/teu nessas outras duas línguas. Ao invés de um divisor de interação discursiva, a alternância entre o imperativo verdadeiro e o imperativo supletivo no português brasileiro falado evidencia-se como um marcador geográfico.

Estudos com dados de fala das regiões Sudeste e Centro-Oeste evidenciam que o percentual médio global de uso do imperativo verdadeiro (olha, abre, faz) na fala espontânea é da ordem de 90% (cf.: Rodrigues 1993; Morais 1994; Scherre et alii 1998; Neta 2000; Ferreira & Alves 2001; Silva 2003; Lima 2005; Sampaio 2004). Já na região Nordeste, os estudos indicam que esse uso é da ordem máxima de 50%, na fala de Recife, mas pode chegar a cerca de 30% em Salvador, em João Pessoa e em Fortaleza, onde então predomina o imperativo supletivo (olhe, abra, faça), com uma incidência perto de 70% dos casos (cf.: Sampaio 2001; Alves 2001; Jesus 2006; Cardoso, em preparação).2 2 Na região Nordeste, já há índices de tendência de mudança em direção ao uso do imperativo verdadeiro, refletida pela faixa etária e pelo aumento da escolaridade: os mais novos e os mais escolarizados usam mais imperativo verdadeiro. Estes fatos são ressaltados pelo trabalho de Jesus (2006), com dados de Recife, confrontados com o trabalho de Sampaio (2001), com dados de Salvador; e ainda podem ser vistos em Alves & Alves (2005), também com dados Salvador, em especial para a variável escolarização. Na região Sul, há evidências de predominância de imperativo verdadeiro em Florianópolis (100%) e de imperativo supletivo em Lages (79%), duas cidades do estado de Santa Catarina (Bonfá, Pinto & Luiz 1997).3 3 O conhecimento que os pesquisadores têm é de que predomina na região Sul o imperativo verdadeiro. Mesmo em texto traduzido que busca refletir a realidade da fala dos dialetos gaúchos de 1940, a percentagem global de uso do imperativo verdadeiro é da ordem de 71% (cf.: Reis 2003: 98-99).

Embora o devido entendimento do aspecto geográfico seja de fundamental importância para os estudos sociolingüísticos, não é objetivo do presente texto discutir detalhadamente essa distribuição. Nossas reflexões voltam-se para questões transdialetais e translingüísticas, ou seja, para situar o português brasileiro e suas variedades dialetais em relação a um conjunto de línguas para as quais há reflexões sobre a natureza gramatical da estrutura imperativa. Mais especificamente, considerando que, no português brasileiro, a forma singular do imperativo verdadeiro (olha, abre, faz) não apresenta morfologia distinta do modo indicativo, o que faz com que seja, às vezes, analisada como sincronicamente derivada do próprio indicativo (cf.: Bechara 1999: 236-237), temos como objetivo verificar se a manifestação dessa estrutura apresenta características sintáticas próprias, distintas de outras orações não-subordinadas (absolutas, independentes ou principais), que lhe asseguram a caracterização estrutural de um modo diretivo que pode expressar ordem, desejo, convite, súplica, pedido, instrução, exortação, conselho, solicitação, entre outras nuances semânticas (cf.: Cunha & Cintra 1985: 464-470; Faraco 1986; 1996; Mateus et alii 2003).

Ainda relevante para essa questão é o fato de que a distribuição das formas verbais do imperativo no português brasileiro, no que se refere à manifestação da forma supletiva (oriunda do subjuntivo), pode ser comparada à distribuição do modo verbal na oração subordinada completiva. Conforme demonstrado em Oliveira (2006; 2007), em dados do Nordeste (Paraíba), o uso do subjuntivo é (quase) categórico em orações complemento de verbos volitivos, enquanto em dados do Sudeste e do Centro-Oeste, o subjuntivo está em variação com o indicativo nesse contexto (cf.: Rocha 1997). Em Salles (1999; 2003), a variação no uso do indicativo e do subjuntivo nesse contexto indica a ocorrência de neutralização morfológica na codificação do modo verbal. Nesse sentido, é possível estabelecer correlação com a variação

na expressão do imperativo, o que remete a uma investigação mais ampla a respeito da codificação gramatical da modalidade (irrealis) no português do Brasil - a ser desenvolvida futuramente.

Na argumentação, serão utilizados dados da fala, prioritariamente, e dados da escrita, secundariamente. Nossa atenção focaliza, em especial, a referência à segunda pessoa singular do discurso, em estruturas não-subordinadas, sem sujeito expresso, características principais do imperativo gramatical.4 4 O estudo limita-se às formas singulares, tendo em vista que o imperativo plural no contexto de 2ª pessoa plural é invariante ( Falem vocês/os senhores!). Além disso, aspectos igualmente importantes relativos ao fenômeno analisado serão tratados em outra oportunidade, a saber, efeito do paradigma verbal (conjugação regular vs. conjugação irregular) e/ou do número de sílabas da forma infinitiva do verbo; efeito de tipos específicos de verbos; do paralelismo fônico e discursivo; e de marcadores discursivos. Para detalhes e discussão, ver Scherre et alii (1998); Scherre (2003; 2004); Cardoso (2004); Abreu (2002); Sampaio (2001); Jesus (2006). Sobre o efeito do tipo de ato de fala, na linha de Faraco (1986), e de aspectos não-lingüísticos menos convencionais, ver análise de Mattos & Wickert (2003), com músicas de Chico Buarque de Hollanda. Sobre a variação do imperativo em tiras de jornais paulistas e em cartas, bilhetes e e-mail, ver, respectivamente, Borges (2004) e Lima Hernandes et alii (no prelo).

A discussão será desenvolvida como a seguir: inicialmente é apresentada a caracterização do modo imperativo em diferentes línguas, sistematizando-se propriedades que permitem distinguir línguas que apresentam o chamado imperativo verdadeiro e, dentro desse grupo, dois tipos principais, em que as propriedades distintivas dessa forma são codificadas sintaticamente ou não. Para tanto, são utilizados dois estudos desenvolvidos no quadro teórico da gramática gerativa (cf.: Rivero 1994; Rivero & Terzi 1995). Em seguida, examinam-se as propriedades do português em relação às propriedades citadas, tomando-se por base registros da tradição gramatical, os quais enfatizam a descrição das formas consideradas padrão, o que leva à quase identificação entre o português europeu e brasileiro na utilização do imperativo verdadeiro com propriedades sintáticas próprias. Passamos então a examinar os resultados da pesquisa sociolingüística em relação à manifestação das formas do imperativo em diferentes variedades do português brasileiro, na relação com o sistema pronominal e com a codificação do traço [±distanciamento], o que leva à identificação de diferenças significativas do português brasileiro em relação ao português europeu. A discussão é orientada pela hipótese de que o traço [±distanciamento] não está gramaticalizado no uso falado das formas do imperativo verdadeiro (olha, abre, faz) e do imperativo supletivo (olhe, abra, faça) no português brasileiro, embora possa se revelar na alternância tu/você em algumas de suas variedades.5 5 Ver, por exemplo, os seguintes trabalhos: Soares (1980), para a cidade de Fortaleza (região Nordeste); Sete (1980), para a cidade de Recife (região Nordeste); Lucca (2004; 2005), para o Distrito Federal (Brasília, Taguatinga e Ceilândia - região Centro-Oeste); Loregian-Penkal (2004), para Porto Alegre, Flores da Cunha, Panambi, São Borja (Rio Grande do Sul - região Sul); Florianópolis, Ribeirão da Ilha, Chapecó, Blumenau e Lages (Santa Catarina - região Sul). Finalmente, passamos à discussão de propriedades de natureza sintática, associadas à manifestação das formas do imperativo no português brasileiro.6 6 Temos consciência da complexidade que envolve o par tu/você, genericamente denominado T/V, cujo marco é o texto clássico de Brown & Gilman, de 1960, republicado em 2003. Esta discussão foge aos objetivos do presente trabalho. Um levantamento criterioso a respeito do par T/V, em diversas línguas do mundo, foi feito por Dias (2007) em sua dissertação de mestrado: "O uso do tu no português brasiliense falado". Com esta análise, discute-se a questão da (não) codificação gramatical do imperativo no português brasileiro por meio da sintaxe da negação e dos clíticos, considerando-se ainda a realização da categoria gramatical vocativo, em sua relação com a sintaxe do sujeito.

1. O modo imperativo e sua caracterização translingüística na linha gerativa

Conforme detalhado em Rivero (1994) e Rivero & Terzi (1995), as línguas podem apresentar dois tipos de imperativos gramaticais: um tipo que apresenta uma forma verbal própria à expressão desse modo, denominado imperativo verdadeiro, como no espanhol castelhano; e outro que não apresenta uma forma específica para a expressão do imperativo, denominado imperativo não-verdadeiro, como no francês. No segundo caso, para a expressão do modo imperativo, as línguas utilizam-se de formas verbais supletivas, isto é, formas associadas ao indicativo e/ou ao subjuntivo e, também, formas infinitivas ou gerundivas.

Ainda segundo os autores acima, as línguas cujos verbos apresentam uma morfologia própria ao imperativo dividem-se em duas classes, quando analisado seu comportamento sintático. Em um grupo de línguas, o verbo no modo imperativo apresenta distribuição particular, diferente da distribuição dos verbos no modo indicativo e/ou no modo subjuntivo. Em outras línguas, a distribuição do modo imperativo é idêntica à distribuição de verbos de outros modos, isto é, verbos no imperativo aparecem nos mesmos contextos sintáticos que os verbos de outros modos.

Em resumo, segundo essa abordagem, as línguas com imperativo dotado de morfologia própria dividem-se, em relação à expressão do modo imperativo, em duas classes:

(a) Classe I: línguas que apresentam um paradigma imperativo próprio, bem como uma sintaxe imperativa própria (espanhol castelhano e grego moderno, por exemplo); (b) Classe II: Línguas que apresentam um paradigma imperativo próprio, mas não apresentam uma sintaxe própria ao imperativo (servo-croata, búlgaro e grego antigo, por exemplo).

Para os autores chegarem a essa classificação das línguas em duas classes, foi avaliado o comportamento sintático dos verbos imperativos relativamente a dois fatos sintáticos: (a) a possibilidade de esses verbos poderem ser negados; e (b) a posição dos clíticos em relação aos verbos. Para estabelecer um paralelo que faça sentido com os dados analisados do português brasileiro, adaptamos todos os exemplos para a forma singular, com base no quadro apresentado por Rivero (1994: 92), para o espanhol castelhano, o búlgaro e o servo-croata; e nos dados apresentados por Rivero & Terzi (1995: 304) para o grego moderno.

1.1. Línguas da classe I: imperativo com morfologia e sintaxe distintas

O verbo imperativo nas línguas desse grupo apresenta as seguintes características:

(a) A forma imperativa verdadeira, com morfologia distinta do modo indicativo, não pode ser negada; nega-se apenas a forma supletiva, expressa pelo presente do subjuntivo e/ou pelo infinitivo7 7 As siglas que usamos na apresentação dos exemplos são: IMP = imperativo; IND = indicativo; INF = infinitivo, NEG = negação; PRES = presente, S = singular; SUBJ = subjuntivo, 2 = 2ª pessoa. :

Imperativo verdadeiro

Imperativo supletivo

Indicativo

(b) A ordem entre o clítico e o verbo difere em virtude do modo: no imperativo, o clítico vem depois do verbo (ênclise); no indicativo e no subjuntivo, o clítico vem antes do verbo (próclise):

Imperativo verdadeiro

Indicativo

1.2. Línguas da classe II: imperativo com morfologia distinta, sem sintaxe distinta

O verbo imperativo nas línguas desse grupo, por sua vez, apresenta as seguintes características:

(a) A forma imperativa pode ser negada:

Imperativo verdadeiro

Indicativo

(b) A ordem entre clítico e verbo é única para qualquer modo: clítico sempre aparece em segunda posição, em função de uma exigência prosódica da língua (Rivero 1994: 92; 109; 106):

Imperativo verdadeiro

Indicativo

2. O imperativo gramatical em Português

2.1. Registros da tradição gramatical

2.1.1. O imperativo no Português Europeu

Os registros de Cunha & Cintra (1985:464-471) e de Mateus et alii (2003:449-460) na descrição do imperativo em português permitem inferir que o imperativo no português europeu padrão apresenta duas características do imperativo verdadeiro, que o identificam com uma língua de classe I, a saber:

(a) Morfologia distinta do modo indicativo:

Imperativo: Diz tudo (2ª pessoa do singular)

Indicativo: Dizes tudo (2ª pessoa do singular)

(b) Ocorrência exclusiva em frases afirmativas, ou seja, impossibilidade gramatical de negar o imperativo verdadeiro:

Imperativo em construções afirmativas: Diz tudo o que sabes sobre o assunto!

Imperativo em construções negativas: *Não canta! (forma supletiva: Não cantes!)

No que diz respeito à ordem do clítico em relação ao verbo, este sempre aparece em segunda posição (Deixa-me descansar!), embora esta não seja uma sintaxe específica do modo imperativo. No português europeu, o clítico não pode ocupar a posição inicial absoluta, independentemente de estar ou não em uma estrutura imperativa (cf.: Cunha & Cintra 1985; Mateus et alii 2003). Esta impossibilidade decorre de um padrão geral relacionado à direcionalidade do apoio rítmico das cadeias pretônicas no português europeu que, segundo Carvalho (1989: 432-433), são associadas a elementos precedentes ou à esquerda no fluxo do discurso (cf., também, Nunes 1993; Abaurre & Galves 1998; Vieira 2003; 2007).

Em síntese, o português europeu, tal como caracterizado nos registros gramaticais citados, pode ser mais apropriadamente classificado como uma língua de imperativo verdadeiro da classe I, com morfologia e sintaxe imperativa distintas, embora a posição do clítico não seja um traço específico das orações imperativas.

2.2.2. O imperativo no Português Brasileiro

Os registros da tradição gramatical estritamente brasileira, representada por Cegalla (1991: 166-167) e Bechara (1999:236-237), considerando-se a morfologia e a negação, conduzem à classificação do português brasileiro padrão como parcialmente uma língua de imperativo verdadeiro, também da classe I: exibe sistematicamente forma imperativa distinta do modo indicativo (Tu dizes) para o imperativo afirmativo (Diz!); não nega o imperativo verdadeiro, valendo-se do subjuntivo como forma supletiva (Não digas!). Considerando-se a posição do clítico, ainda na visão da tradição, o português brasileiro se diferencia das línguas de classe I: não apresenta sintaxe específica quanto à posição dos clíticos com relação ao verbo. Neste aspecto, nos termos de Cunha & Cintra (1985:307-308), o português brasileiro espontâneo falado ou escrito difere do português europeu, porque permite clíticos em posição inicial absoluta, em orações imperativas (Me desculpe se falei demais) e não-imperativas (Me arrepio todo). Carvalho (1989:432-433) observa que construções desta natureza são naturais no português brasileiro porque seu padrão prosódico, diferentemente do português europeu, estabelece ligação do clítico com elementos seguintes ou à direita (cf.: Nunes 1993; novamente, Abaurre & Galves 1998; Vieira 2003, 2007).

As descrições propostas nas gramáticas citadas (sejam aquelas que assumidamente se referem às formas do português europeu, embora apresentem observações incidentais sobre o português brasileiro, sejam aquelas produzidas por autores brasileiros, voltados para a descrição da variedade padrão do português brasileiro ou para dados que ocorrem na escrita literária) apresentam, porém, uma distância significativa em relação aos fatos encontrados em estudos sociolingüísticos voltados para a investigação do uso das formas do imperativo no português brasileiro. Conforme já mencionado, os estudos sociolingüísticos identificam uma situação de variação no uso das formas do imperativo verdadeiro (olha, abre, faz) e do imperativo supletivo (olhe, abra, faça), com uma distribuição geográfica bastante clara. Enquanto formas do imperativo verdadeiro predominam no Sudeste, no Centro-Oeste e em áreas do Sul, formas do imperativo supletivo são mais freqüentes no Nordeste. Além disso, depreende-se uma situação em que o traço [±distanciamento], verificado na expressão do imperativo no português europeu, em articulação com o sistema pronominal, não parece ser relevante ou se evidencia mais difuso e menos codificado no português brasileiro. Passamos então a discutir essa questão interacional.

2.2. O papel da interação discursiva

2.2.1. Português Europeu: imperativo verdadeiro e imperativo supletivo

Um aspecto relevante acerca da expressão do imperativo no português europeu ressaltado em Scherre (2008) - e válido também para o espanhol castelhano - é que a alternância entre imperativo verdadeiro e imperativo supletivo em construções afirmativas (olha/olhe; abre/abra; faz/faça) nestas duas línguas é, de forma geral, regida pela natureza da interação entre os interlocutores. Em relações interacionais com menor distanciamento, utiliza-se o imperativo verdadeiro (olha; abre; faz), que é o contexto discursivo do pronome tu, recuperado ainda pela presença de morfologia verbal em contextos de orações não-imperativas, pelo uso do pronome possessivo teu ou de vocativos que denotam intimidade do tipo querida, meu amor, tu, entre outros. Na relação interacional de maior distanciamento, utiliza-se o imperativo supletivo (olhe; abra; faça), que é o contexto discursivo do pronome você, recuperado pela ausência de morfologia verbal em orações não-imperativas, pelo uso do pronome possessivo seu ou de vocativos que denotam menos intimidade do tipo você, o senhor.

Scherre (2006: 14-15) demonstra que a distribuição discursiva de [±distanciamento] também se revela na escrita de propagandas sem marcas de diálogo explícito no português europeu. A relação discursiva de [distanciamento] pode ser observada em uma propaganda para crianças, parcialmente transcrita a seguir, que exibe frases diretivas com o imperativo verdadeiro [negritos nossos]:

Uma propaganda para adultos, por sua vez, também parcialmente transcrita a seguir, revela o traço de [+distanciamento], valendo-se de uma oração com o imperativo supletivo. Essa forma de imperativo supletivo ocorre no contexto da forma verbal poderá, a qual corresponde à 3ª pessoa gramatical e ao pronome você, como se deduz do contexto discursivo, uma forma raramente expressa, por ser considerada atualmente de uso deselegante ou grosseiro (conforme reportado por falantes do português europeu):

Uma propaganda bancária portuguesa também revela o uso do imperativo supletivo e a ausência do pronome você, como também se vê a seguir:

Em síntese, o estudo de Scherre (2006) apresenta outras evidências de que a distribuição das formas do imperativo no português europeu está associada ao traço [±distanciamento], o qual, por sua vez, remete a condições semântico-pragmáticas inerentes à interação verbal, em articulação com o sistema pronominal.

Na seção a seguir, examina-se o português brasileiro em relação à manifestação do referido traço.

2.2.2. Português Brasileiro: imperativo verdadeiro e imperativo supletivo

O primeiro fato relevante a ser observado é que o português brasileiro falado exibe formas imperativas alternativas no contexto discursivo do pronome você, como ilustrado, respectivamente, em (22) e (23), com predominância de uma ou outra forma em função de aspectos geográficos, conforme já relatamos:

Em face das considerações feitas na seção anterior para o português europeu, em que se registra e se demonstra relação estreita entre a manifestação das formas do imperativo e as do sistema pronominal (na codificação do traço [±distanciamento]), o passo natural é investigar se a distribuição geográfica das formas do imperativo no português brasileiro falado permite manter a correlação citada. Uma das hipóteses de trabalho é a de que o uso do imperativo verdadeiro no contexto do pronome você, que distingue o português brasileiro do português europeu e do espanhol, decorre da expansão do uso de você com o traço de [-distanciamento], fenômeno este visto como resultado de mudanças na estrutura social, conforme evidenciado em Faraco (1986; 1996).8 8 Em texto escrito por ocasião da argüição da dissertação de mestrado de Dilcélia de Almeida Sampaio, Lucchesi (2001) apresenta argumentação semelhante à de Faraco (1986). Embora nunca tenhamos concordado com alguns registros da tradição gramatical no sentido de que o imperativo deriva do modo indicativo, não há como negar a homonímia que se estabeleceu entre formas do modo indicativo e o imperativo, o que pode provocar, hoje, uma relação mais direta entre imperativo verdadeiro e modo indicativo.

Como já dissemos, em Minas Gerais (região Sudeste) e em Campo Grande (região Centro-Oeste), onde se verifica o uso do pronome você com traço de [-distanciamento] (de forma generalizada, como sugerem estudos sociolingüísticos e a intuição de falantes nativos nessas regiões), há predomínio de uso da forma de imperativo verdadeiro (olha; abre; faz).9 9 Para estudo da alternância você/ocê/cê com dados da região Centro-Oeste, ver Andrade (2004). Entretanto, em Salvador (região Nordeste), onde igualmente predomina o uso de você com traço de [-distanciamento], é a forma do imperativo supletivo que prevalece (olhe; abra; faça). Assim, o uso do pronome você com o traço de [-distanciamento] não implica necessariamente o uso do imperativo verdadeiro, o que indica que o imperativo supletivo não tem associado a ele necessariamente o traço de [+distanciamento] no vernáculo do português brasileiro falado.

A situação da alternância do imperativo no português brasileiro é, todavia, ainda mais complexa do que a descrita acima, tendo em vista que pesquisas sobre o tema permitem deduzir que é mais freqüente o uso do imperativo verdadeiro no contexto de uso do pronome você do que o contrário. Portanto, a alternância observada em (24a) e (24b) tem se mostrado menos recorrente. Melhor dizendo, formas como olhe no contexto do pronome tu, em (24b), são menos freqüentes nos dados que estão sendo analisados por Cardoso (2007), por exemplo:

Uma das hipóteses levantadas é que este fato reflete, em verdade, a dificuldade de se captar o uso do pronome tu em entrevistas gravadas com o conhecimento das pessoas, em áreas geográficas como as do Nordeste, onde o uso do tu se dá em contexto interacional de [-distanciamento] e o uso do você em contexto interacional de [+distanciamento] ou de [-distanciamento] (Cf. Soares 1980), embora este uso possa estar abaixo do nível da consciência. Esses resultados vêm, portanto, demonstrar que é necessário aprofundar o entendimento em relação às propriedades do sistema pronominal nas diferentes regiões para que se possa estabelecer a correlação - se houver - com a expressão do imperativo.

De fato, o sistema pronominal no português brasileiro vem sendo gradativamente mapeado em diferentes estudos, entre os quais se destacam o de Menon & Loregian-Penkal (2002) e o Loregian-Penkal (2004:127-126-163) para a região Sul do país. Essas autoras ressaltam que a expansão do uso do você no Brasil e a alternância tu/você no Sul do país são bem mais complexas do que supõe a própria comunidade científica. Mostram, por exemplo, que em Curitiba (Paraná) só existem falantes de você e que, mesmo em Porto Alegre (Rio Grande do Sul), não existem apenas falantes de tu, embora em Porto Alegre (Rio Grande do Sul), Florianópolis (Santa Catarina) e Ribeirão da Ilha (Santa Catarina) predomine o uso do tu (respectivamente, 91%; 77%; e 97%), especialmente entre as mulheres (respectivamente, 99%; 91%; 97%).

Três cidades do interior do Rio Grande do Sul, por sua vez, também revelam freqüência alta de uso do pronome tu: Flores da Cunha - 86%; Panambi - 85% e São Borja - 95%, com igual preponderância pelas mulheres (respectivamente, 96%, 90% e 99%). Três cidades do interior de Santa Catarina revelam, todavia, um comportamento bem distinto, com equilíbrio de tu/você em Chapecó (50%), pouco uso de tu em Blumenau (23%) e em Lages (16%), permanecendo ainda o maior uso do tu entre as mulheres (respectivamente, 59%, 53%, 23%).

Menon & Loregian-Penkal (2002:149) aventam a hipótese de que, no Brasil, possa haver regiões em que "provavelmente o você teria sido o primeiro pronome implantado, sem etapa anterior de uso do tu".10 10 Embora a idéia seja muito sedutora, a pesquisa de Lucca (2003:1;7) indica que isto não ocorreu em Minas Gerais. Em um estudo diacrônico para analisar a transição tu/você em Minas Gerais, a autora examina "correspondências íntimas escritas por mineiros e minhotos e peças de teatro escritas por brasileiros e portugueses". Sua análise evidencia que "a generalização do uso do pronome você, na região metalúrgica deve-se à presença, na região, de portugueses naturais do Minho, extremo norte do país". Segundo a autora, "nas correspondências coletadas entre portugueses, a forma de tratamento íntimo usada desde o Porto até o Alto Minho, em fins do século XIX e início do século XX é o você. Este é pronome usado de forma corrente na região, e é o que os portugueses falam em Minas Gerais quando chegam para povoá-lo." Afirma também a autora que "somente a partir da terceira década de 1900 é que a forma de tratamento em 2ª pessoa deixa de ser usada em Minas Gerais para tratamento íntimo, algum período depois da chegada de grande massa de portugueses à região." (...) Considera que "ainda hoje há resquícios de tratamento de 2ª pessoa em Minas Gerais, em forma de pronomes oblíquos e possessivos, como te, teu e verbos no imperativo conjugados em 2ª pessoa, ainda que o pronome usado seja você." Estudos atuais só fazem referência à alternância entre você/ocê/cê (cf.: Ramos 1997; Coelho 1999). Estudos da expressão do imperativo nestas regiões podem trazer luzes para o maior entendimento do fenômeno no português brasileiro. Conforme já relatamos, um estudo piloto levado a cabo por Bonfá, Pinto & Luiz (1997) revela que, em Florianópolis, onde predomina o uso do pronome tu, predomina o imperativo verdadeiro (100%); e que em Lages, onde predomina o uso do pronome você, predomina o uso do imperativo supletivo (79%). O resultado de Florianópolis pode ser analisado em função do uso do pronome tu com a forma verbal sincrética com a 3ª pessoa gramatical - tu faz, tu quer - observada nessa variedade. Quanto ao que acontece em Lages, podese comparar com o que ocorre em Salvador, cabendo, porém, aprofundar o estudo nesta área geográfica.

Outro fato relevante é que diversos estudos de textos escritos, em especial de peças teatrais, revelam que até o século XIX, além de haver uso mais generalizado do pronome tu, havia também mais uso do imperativo verdadeiro no contexto discursivo desse pronome (Cf. Paredes Silva et alii. 2000; Lucca 2001; Silva 2002; Sampaio 2004). Esses estudos também revelam que, no século XX, amplia-se o uso da forma você em textos escritos, mas Sampaio (2004:148;157) demonstra que a expressão do imperativo em peças teatrais se apresenta também geograficamente bipartida: peças teatrais cariocas apresentam uso de imperativo verdadeiro (olha; abre; faz) em até 95% dos casos; peças baianas revelam uso de imperativo supletivo (olhe; abra; faça) em até 83% das vezes. Nesse sentido, os resultados da língua escrita comportam-se à semelhança do que ocorre na fala dessas duas cidades (embora os percentuais não sejam exatamente os mesmos).

Considerando a discussão apresentada em relação ao sistema pronominal e à expressão do imperativo, o mais provável é que, do ponto de vista diacrônico, não haja mesmo a correlação que tem sido estabelecida entre imperativo verdadeiro e modo indicativo na sincronia, mas, sim, os efeitos de uma confluência de formas verbais, de 3ª e de 2ª pessoas, em função de um processo de reanálise no sistema pronominal, que consiste na gramaticalização parcial da forma de tratamento você como pronome de 2ª pessoa do discurso, o qual seleciona a forma verbal da 3ª pessoa gramatical, no controle da concordância de sujeito (Cf. Faraco 1986; Duarte 1995; Lopes 1999; Lucchesi 2001; Lopes & Duarte 2003; Duarte 2003; Cardoso 2006).

O problema fundamental para nosso trabalho é a de que, no português brasileiro contemporâneo, não se observa associação clara e inequívoca entre contexto interacional marcado pelo traço [-distanciamento] e uso de imperativo verdadeiro (olha; abre; faz), por um lado; e contexto interacional marcado pelo traço [+distanciamento] e uso de imperativo supletivo (olhe; abra; faça), por outro. Embora dados da região Nordeste revelem maior uso de imperativo supletivo (olhe; abra; faça), a associação desta forma com o traço [+distanciamento], se houver, é bastante difusa.11 11 Ainda em relação a essa questão, é interessante notar a existência de um 'sentimento', por parte dos falantes das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, de que o uso do imperativo supletivo pelos nordestinos reflita um comportamento autoritário (conforme depoimentos que nos foram prestados), o que pode ser reflexo do padrão de [+distanciamento] associado a esta forma na origem. No entanto, sabemos que a atitude dos falantes de um dialeto em relação a formas utilizadas em outro dialeto não pode ser tomada como definidora do funcionamento interno das formas relevantes. Nesse sentido, o português brasileiro distingue-se do português europeu e do espanhol, cujas formas verbais do imperativo se distribuem de acordo com as formas pronominais (de 2ª pessoa), as quais por sua vez codificam contrastivamente o traço [±distanciamento]. Outro aspecto interessante, que merece aprofundamento, é a observação de Teyssier (2004:89), segundo a qual "o você familiar aparece desde o século XVII", o que sugere uma situação em que as condições associadas ao traço de [-distanciamento], condição contextual para o uso do imperativo verdadeiro, já vieram, pelo menos parcialmente, de Portugal e aqui apenas se solidificaram em algumas regiões. Pode-se então dizer que há um esvaziamento em relação à disponibilidade de traços lexicais codificadores de assimetrias de tratamento entre os interlocutores no português brasileiro, o que se traduz nas mudanças ocorridas no sistema pronominal em articulação com a manifestação das formas do imperativo verdadeiro e do imperativo supletivo, que são usadas em contextos interacionais semelhantes.12 12 Em relação às formas do pronome possessivo, verifica-se, no contexto do uso de você, a alternância entre as formas teu(s)/tua(s) e seu(s)/sua(s). Busetto (1996) relata essa alternância em Curitiba, área de uso exclusivo do pronome você, segundo o trabalho de Menon & Lorengian-Penkal (2002) e Loreginan-Penkal (2004). Esse aspecto não interfere na argumentação a ser desenvolvida, embora também mereça investigação cuidadosa, relacionando-se ainda com outro tipo de alternância, no nível da 3ª pessoa do discurso (ou da não-pessoa, nos termos de Benveniste (1970)), entre seu(s)/ sua(s) e dele(s)/dela(s) (em relação a essa última, cf. Negrão & Müller (1996)).

O quadro traçado até o presente momento permite depreender então as seguintes generalizações em relação ao vernáculo do português brasileiro: nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e em áreas da região Sul, configura-se uma situação de sincretismo morfológico entre a forma do imperativo e a do indicativo, embora a relação diacrônica seja na direção inversa (Cf. Faraco 1996); em Salvador, João Pessoa e Fortaleza, configura-se uma situação de uso mais especializado da forma do subjuntivo para codificar o imperativo, com alto índice do imperativo supletivo, em contexto de uso preferencial do pronome você; em Recife, configura-se uma situação de equilíbrio na manifestação das duas formas, embora seja necessário aprofundar a investigação, em face da presença do traço de [+distanciamento] associado às formas pronominais.

Nas seções subseqüentes, vamos aprofundar a discussão acerca das questões gramaticais. Em particular, dois aspectos da gramática do português brasileiro mostram-se relevantes em relação à distribuição das formas do imperativo verdadeiro e supletivo, a saber, a sintaxe da negação e dos clíticos. Com essa discussão, contamos retomar o questionamento inicial quanto a se o imperativo verdadeiro no português brasileiro está (ou não) associado a uma sintaxe própria.

2.3. Aspectos gramaticais

2.3.1. O papel da negação

A presença/ausência da negação e sua posição na oração destacam-se como outro aspecto relevante na análise das formas alternativas do imperativo.

No português brasileiro, verifica-se que a negação não impõe restrição quanto à manifestação das formas alternativas: o imperativo verdadeiro e o imperativo supletivo podem ser negados, conforme mostram os exemplos (25) e (26):

Nesse aspecto, o português brasileiro também se distingue do português europeu e do espanhol, línguas em que não é possível negar o imperativo verdadeiro. Conforme já mencionado, a impossibilidade de negar o imperativo verdadeiro no português europeu vem confirmar o estatuto sintaticamente marcado dessa forma, o que permite enquadrar essa língua na classe I.

Estudos variacionistas demonstram, porém, que, em termos de tendências, as construções imperativas negativas favorecem o uso do imperativo supletivo, conforme exemplificado em (27). Inversamente, as construções imperativas afirmativas favorecem, relativamente, o uso do imperativo verdadeiro, como em (28) (Cf. Sampaio 2001; Scherre 2002, 2003; Cardoso 2004; Lima 2005):

Essa tendência é encontrada em maior ou menor grau tanto em regiões que apresentam alto percentual de imperativo verdadeiro - como a Sudeste - como em regiões que apresentam percentual mais alto de imperativo supletivo - como a Nordeste. Sampaio (2001:96;111) encontrou, em dados de Salvador, 80% de imperativo supletivo em estruturas negativas e 71% em estruturas afirmativas. Para dados do Rio de Janeiro, a autora encontrou um percentual de 22% de uso do imperativo supletivo em estruturas negativas e 5% em afirmativas. Em dados da fala de Recife, Jesus (2006:80) encontrou um percentual de 88% de imperativo supletivo em estruturas negativas e 48% em estruturas afirmativas. Os resultados dos dois estudos estão apresentados contrastivamente na Tabela 1, a seguir:

Do ponto de vista translingüístico, a sintaxe da negação apresenta ainda outro tipo de comportamento em relação à manifestação das formas do imperativo. Zanuttini (2005) demonstra que há uma correlação entre as estratégias de negação das línguas e a possibilidade de negar o imperativo verdadeiro: línguas com negação pré-verbal não negam imperativo verdadeiro; enquanto línguas com negação pós-verbal negam esse imperativo.

É interessante notar que o português brasileiro falado apresenta três estratégias de negação: a negação pré-verbal, a negação pós-verbal e a dupla negação (Cf. Furtado da Cunha 2001; Alkmim 2002). Além disso, dados analisados por diversos pesquisadores mostram que a posição da partícula negativa não impede a manifestação das formas variantes do imperativo. Isso pode ser observado para a negação pré-verbal, conforme ilustrado, anteriormente, em (25) e (26), repetidos em (29) e (30); para a negação pós-verbal, ilustrada em (31) e (32); e para a dupla negação, ilustrada em (33) e (34):

Essa situação também é encontrada na escrita (em obra de autor goiano), como em (35), (36) e (37), em que se ilustram, respectivamente, estratégias de negação pré-verbal, de negação pós-verbal e de dupla negação:

Considerando as três estratégias de negação, Cardoso (2004) evidencia, porém, que a posição da partícula negativa interfere nas tendências apontadas acima. A negação pré-verbal tende a favorecer o imperativo supletivo, mas, contrariamente, a negação pós-verbal e a dupla negação tendem a favorecer o imperativo verdadeiro. Jesus (2006), por sua vez, mostra que, em dados da fala de Recife, a negação, independentemente da posição, favorece a forma supletiva.

Em relação a esses resultados, inicialmente, cabe destacar que o uso do imperativo supletivo em estruturas de negação pré-verbal remete ao padrão das línguas da classe I; e, inversamente, o uso do imperativo verdadeiro com a negação pós-verbal ou com a dupla negação remete ao padrão da classe II. A co-existência de padrões opostos sugere que existe diferença entre negação pré-verbal, por um lado, e negação pós-verbal/dupla negação, por outro. Em relação aos dados de Recife, a inexistência de condicionamento relativo à posição da negação para a manifestação da forma supletiva parece relacionar-se à freqüência alta dessa forma na estrutura negativa (o que confirma o enquadramento desse dialeto no padrão da classe I).

Uma forma de interpretar os fatos da variação, isto é, a incidência - ainda que baixa, nos três dialetos - do imperativo verdadeiro em estrutura de negação é investigar a correlação entre a ocorrência do imperativo verdadeiro nesse contexto e propriedades da sintaxe de negação no português brasileiro, considerado o fato de que a posição da negação (pós-verbal/ dupla negação) condiciona a distribuição dessa forma. Assumindo-se a análise de Rivero (1994)13 13 O raciocínio da autora é baseado na impossibilidade de o imperativo verdadeiro no espanhol castelhano chegar ao núcleo funcional C e checar o traço forte de imperativo que esse núcleo traz para a derivação. A presença da negação impede o movimento do verbo imperativo para C. Como o traço de C não é licenciado, a derivação é agramatical. A representação da derivação em questão é a seguinte (Rivero & Terzi 1995: 306): [ CP C [ NegP Neg [ IP V]]]. A idéia de que o núcleo C é responsável pelo traço de modo é de Chomsky (1995). (Cf. ainda Rivero & Terzi (1995)), segundo a qual a impossibilidade de negar o imperativo verdadeiro nas línguas da classe I se deve ao fato de essa forma disputar a mesma posição sintática da negação, na estrutura oracional, uma possibilidade lógica é a de que as formas relevantes (negação e verbo) deixam de disputar a mesma posição (o que produziria o efeito de viabilizar a negação da forma verdadeira, mesmo que a forma supletiva continue disponível no sistema gramatical, por razões independentes, com a possibilidade de ser negada também).

Essa hipótese poderia apoiar-se numa análise em que a negação do português brasileiro tem características de uma forma incorporada ao verbo. Assim, ao formar-se o núcleo sintático complexo, deixa de existir a disputa entre o verbo e a negação pela mesma posição sintática. Essa análise torna-se atraente em um sistema que postula a necessidade de a forma do imperativo verdadeiro alcançar determinada posição sintática, para licenciar propriedades associadas à categoria gramatical de modo.14 14 Em espanhol castelhano (e também no português europeu), língua da classe I, a correlação entre a forma do imperativo verdadeiro e a presença de um núcleo funcional que realiza a categoria gramatical modo está codificada no contraste entre a estrutura afirmativa e negativa: enquanto na primeira essa posição está disponível para ser ocupada pelo verbo, na segunda essa mesma posição é ocupada pela negação, o que impede o deslocamento (por hipótese, obrigatório) do verbo realizado na forma do imperativo verdadeiro; inversamente, em línguas com a negação pós-verbal, esse problema não se coloca, sendo possível manter a análise segundo a qual o verbo na forma do imperativo verdadeiro deve deslocar-se para a posição estrutural relevante, a fim de satisfazer a codificação gramatical da categoria modo. Nesse sentido, é possível generalizar para as duas classes de línguas o estatuto gramaticalizado da forma do imperativo verdadeiro (apenas nas línguas da classe 2, a sintaxe de negação não permite estabelecer contraste sintático). Uma conseqüência dessa análise, porém, seria a distribuição irrestrita dessa forma, o que não se confirma nos dados, pois, como demonstrado na Tabela 1, a estrutura da negação tende a favorecer, relativamente, a forma supletiva do imperativo nos três dialetos.

Outra hipótese buscaria então identificar o efeito da posição da negação em relação à manifestação do imperativo verdadeiro. Mantendo-se a análise segundo a qual a manifestação do imperativo verdadeiro pressupõe que determinada posição da estrutura oracional associada à codificação da categoria gramatical de modo esteja acessível a essa forma verbal, e considerando-se que a negação pós-verbal (e supostamente também a dupla negação, ao lexicalizar o segundo elemento) não interfere no acesso do verbo à posição relevante, conforme proposto para a análise das línguas da classe II, é possível dar conta da tendência observada quanto à posição (pós-verbal) da negação. Nesse sentido, admite-se que co-existem na língua dois sistemas de negação:

(i) A configuração de negação pré-verbal, em que o elemento na primeira posição impede o acesso sintático à categoria gramatical de modo, situada em uma posição mais alta na estrutura oracional, o que leva à exclusão do imperativo verdadeiro desse contexto, tornando-se obrigatória a negação da forma supletiva (a qual pressupõe uma configuração distinta, supostamente pelo fato de ser marcada morfologicamente para o modo);

(ii) A configuração de negação pós-verbal, em que o segundo elemento (não o primeiro) está sintaticamente ativo para as propriedades relevantes - uma situação comparável à (dupla) negação em francês -, o que permite o livre acesso da forma verbal do imperativo verdadeiro à categoria gramatical de modo, situada na periferia da estrutura oracional.

Nesse cenário, a tendência de variação pela qual a forma do imperativo verdadeiro é encontrada também com a negação pré-verbal levaria à suposição de que o sistema (i) deixaria de ocorrer, o que implicaria uma situação em que a negação pré-verbal passaria a se comportar como o primeiro elemento na configuração de dupla negação, deixando de bloquear o acesso do verbo à posição relevante. Uma forma de implementar tecnicamente essa análise seria pressupor uma configuração de dupla negação para todas as estratégias, havendo a possibilidade de lexicalização da primeira ou da segunda posição, ou ainda simultaneamente das duas posições. A investigação dessas hipóteses requer naturalmente estudos adicionais acerca da estrutura oracional do português brasileiro, havendo evidências de que a sintaxe da negação no português (brasileiro) apresenta características inovadoras.

Ainda em relação ao posicionamento da negação, cabe considerar o fato de que a forma verbal supletiva pode ocorrer com os três tipos de negação (como em Recife). A análise natural é a de que a forma supletiva não disputa posição com a negação (pré-verbal) na estrutura oracional, o que pode ser relacionado ao fato de que essa forma verbal codifica morfologicamente propriedades gramaticais de modo, não havendo, portanto, necessidade de movimentação para uma posição estrutural marcada por esse traço (formal). Nesse caso, é irrelevante se a estratégia de negação está associada ao sistema em (i) ou em (ii) - ou em outros termos, é irrelevante se a negação está associada à primeira posição ou à segunda (seja pela coexistência de duas estratégias diferentes, como proposto em (i), seja pela possibilidade de lexicalizar a primeira ou a segunda posição, como proposto para (ii)).

Para concluir, consideremos o cenário colocado pela variedade do Centro-Oeste/Sudeste/Sul (que polariza com os dados de Recife), em que está mais avançada a manifestação da forma do imperativo verdadeiro. Conforme sugerido em Cardoso (2006), essa situação pode estar associada ao sincretismo morfológico entre forma do imperativo verdadeiro e do indicativo observado nesse dialeto. Entre as conseqüências desse sincretismo, estaria a ausência de traços morfológicos de modo associado à forma verbal relevante, o que levaria à ausência de disputa com a negação na distribuição sintática. Também para a investigação dessa hipótese são necessários estudos adicionais. Em particular, serão considerados aspectos como a sintaxe do sujeito e a possibilidade do preenchimento dessa posição em estruturas imperativas observadas nos dados desse dialeto (cf. Cardoso 2006).

Deixamos para pesquisa futura a investigação dessas hipóteses, ressaltando, ainda, que a manifestação da dupla negação e da negação pós-verbal, é uma característica que distingue o português brasileiro do português europeu.

2.3.2. O papel do Clítico

Vimos na seção 2 deste texto que as línguas de classe I apresentam uma sintaxe de clíticos específica para as orações imperativas. Diferentemente, o português brasileiro exibe sintaxe de clíticos uniforme para todos os padrões oracionais (independentemente da variação dialetal observada em relação aos aspectos anteriormente mencionados): trata-se de uma língua essencialmente proclítica. Nossa hipótese de trabalho para a presente análise é a de que o português brasileiro tenha herdado esta característica do português clássico (Teyssier 2004:81-84; Abaurre & Galves 1998:379-382), cujas implicações estendemos para o contexto da posição inicial absoluta, tendo em vista, no entender de Carvalho (1989: 432-433), o fato de o português brasileiro evidenciar padrão prosódico que estabelece ligação com elementos seguintes, à direita, e não com elementos precedentes, à esquerda (Cf. Nunes 1993; Vieira 2003:54-56; Vieira 2007).

Considerando-se como essencialmente correta a análise segundo a qual o posicionamento dos clíticos no português brasileiro se deve a mudanças no nível da prosódia e que elementos clíticos não precisam de se apoiar em elementos precedentes, qualquer oração iniciada por clíticos pronominais é perfeitamente natural. Os clíticos ocorrem antes de verbos principais, em construções imperativas, interrogativas ou assertivas, incluindo-se a posição inicial absoluta, como se pode ver em (38), (39) e (40):

Observa-se, além disso, que, no português brasileiro falado contemporâneo, há forte restrição de ocorrência de imperativo verdadeiro com clítico depois do verbo em qualquer área geográfica. Assim, não são usuais, ou pouco prováveis, estruturas do tipo (41) e (42), que soam de forma estranha ao falante nativo do português brasileiro:

Em estruturas imperativas com clítico depois do verbo, observa-se, todavia, o uso do imperativo supletivo, em número relativamente baixo de ocorrência, mas com tendência regular, como em (43) a (48), sem estranheza:

Além do mais, há tendência crescente de substituição do pronome oblíquo pelo pronome da forma reta depois do verbo, mesmo em diálogos escritos; e presença quase absoluta da forma imperativa verdadeira nessas construções, como se ilustra em (49), (50), (51) e (52):

O comportamento delineado acima se dá em dados de língua falada e escrita, embora a quantidade de clíticos seja baixa e o comportamento de alguns deles seja categórico. Isto ilustra bem como a ocorrência escassa de dados e o efeito categórico de alguns contextos podem trazer contribuições importantes para o entendimento da variação e da mudança lingüística: portanto, não podem nem devem ser descartados; precisam ser interpretados.

Apresentamos a seguir resultados de quatro trabalhos que evidenciam quantitativamente as regualaridades apontadas:15 15 As características das amostras das pesquisas da Tabela 2 são as seguintes: (1) Scherre (2004: 242) - amostra do trabalho de Scherre et alii (1998), que inclui dados do vernáculo de Brasília (Distrito Federal - região Centro-Oeste) em diferentes situações discursivas, dados de novelas brasileiras e de um Talking Book; (2) Lima (2005: 54) - amostra de falas da cidade de Campo Grande (Mato Grosso do Sul - região Centro-Oeste), que inclui dados do vernáculo e de diferentes situações discursivas (aulas institucionais e não-institucionais, cultos, programas de rádio e televisão); (3) Jesus (2006: 90) - amostras de fala de Recife (Pernambuco - região Nordeste), que inclui dados do vernáculo; (4) Scherre (2004: 241) - dados de diálogos da revista de Maurício de Sousa, da década de 90.

Os resultados da Tabela 2, com eventos de fala e de escrita, revelam uma situação de polarização: em um extremo, com pronome do caso reto (Chama ela!; Deixa eu ver!), há alto índice de imperativo verdadeiro nas quatro amostras (92%; 100%; 95% e 96%); em outro extremo, com o pronome do caso oblíquo enclítico, há o uso quase categórico do imperativo supletivo (excetua-se um caso da amostra de Lima (2005)) (Divirta-se!). A variação ocorre em relação à próclise. No entanto, existe diferença quanto à pessoa do pronome: com o pronome de 1ª pessoa, verifica-se o uso das duas formas de imperativo (Mateus, senta lá e me chama!; Cassey Jones, me faça um favor!; Pois então me diga, isso passa? Não me faz essa pergunta, por favor!); com o pronome se, de 3ª pessoa, predomina imperativo supletivo (Se alembre!), embora casos com imperativo verdadeiro também possam ser encontrados (Agora se manda!). Em alguns destes casos, além da influência do clítico, observa-se também o efeito da negação pré-verbal (Não se mexa, Papa!), que favorece a forma supletiva, embora haja construções negativas com o imperativo verdadeiro (Cf. seção 3.3.1) (Tá bom! Tá bom! Mas não me chama de lingüiça!).

Além do fato de não haver uma sintaxe dos clíticos única para imperativo verdadeiro no português brasileiro, o que mais os resultados da Tabela 2 nos revelam? Scherre et alii (1998) e Scherre (2004) trabalham com a hipótese de estarmos diante de formas novas coexistindo com formas residuais associadas a sistema(s) gramatical(ais) presente(s) em outro(s) momento(s) diacrônicos da língua, especialmente para as áreas geográficas em que predomina o imperativo verdadeiro. A existência de um sistema gramatical - em vários aspectos - inovador em relação, por exemplo, ao português europeu, e a outros períodos diacrônicos da língua transplantada para o Brasil é notória. Entre as características do sistema gramatical inovador, identificamos, portanto, três traços relevantes para a presente análise:16 16 Em relação à coexistência de traços de um mesmo sistema, Lucchesi (2001:9) atribui a denominação de princípio da coesão estrutural, que, segundo ele, se "for associado aos conceitos de alternância de código ou de gramática, não se enquadraria na ortodoxia do modelo teórico da Sociolingüística". Não vemos, todavia, problemas com relação a este aspecto, especialmente quando falamos nitidamente de um novo sistema implantado e de formas residuais de um sistema anterior. (i) a forma de imperativo verdadeiro associado ao pronome você (o imperativo brasileiro nos termos de Paredes et alii 2000); (ii) a presença de pronomes da forma reta depois do verbo; e (iii) a presença de pronomes clíticos proclíticos; (iv) a negação do imperativo verdadeiro. Conforme observado na presente discussão, a propriedade em (i), associada à manifestação da forma do imperativo verdadeiro, articula-se com (ii), (iii) e (iv). Sabe-se ainda que o português brasileiro atual apresenta uma posição preferencial do clítico, que é a posição prosodicamente não-marcada à esquerda do verbo, onde ocorrem os conhecidos clíticos pronominais me, te, se; e os novos elementos clíticos ou em processo de cliticização num de não; cê de você; ês de eles (Cf. Ramos 1997; Corrêa 1998; Vitral 2002; Andrade 2004).

Uma evidência adicional de que este é o sistema mais novo se dá pelo movimento de mudança do imperativo supletivo em direção ao imperativo verdadeiro, observado por Sampaio (2001) e por Alves & Alves (2005), com dados de Salvador; por Jesus (2006), com dados de Recife; e por Cardoso (2006; 2007), com uma análise contrastiva de diferentes dialetos. Além do mais, Scherre (2006:7), em análise de dados da escrita de revista em quadrinhos em tempo real, das décadas de 70 e 90, revela não apenas um aumento percentual notável de uso do imperativo do verdadeiro (da ordem de 50 pontos percentuais), mas também alteração nos contextos de uso do imperativo em função dos clíticos, nos termos observados para os resultados das quatro amostras que acabamos de apresentar. Assim, nesse estudo, demonstra-se também que há uma relação mais estreita entre a forma nova, já completamente instalada em algumas regiões, que é a forma de imperativo no contexto do pronome você, e o uso do pronome do caso reto na posição à direita do verbo (Deixa eu ver...!) ou do clítico de primeira pessoa na posição proclítica (Mateus, senta lá e me chama!.)17 17 Cumpre ressaltar que Leite (1994), em trabalho inédito, foi a primeira pesquisadora a reportar a importância da presença de pronome clíticos na expressão variável de imperativo em dados de uma novela brasileira. O que fizemos foi ampliar e dar corpo à sua descoberta. As diferenças de efeito da 1ª e 3ª pessoas em próclise têm também a ver com maior ou menor possibilidade de ruptura da leitura imperativa (cf.: Scherre 2004). É ainda oportuno levantar a hipótese de que as áreas geográficas brasileiras com o predomínio do imperativo verdadeiro reanalisado (Me diz em vez de Diz-me) não tenham tido o estágio da construção Diga-me, mas apenas o deslocamento da colocação do clítico, em que Diz-me se transforma diretamente em Me diz.

Em relação aos resultados polarizados obtidos, é interessante observar que a perda do padrão prosódico de cliticização à esquerda, pelo qual ocorre a ênclise, manifesta-se em articulação com o surgimento da pronominalização por meio da forma reta do pronome, na qual o elemento pronominal ocupa posição à direita do verbo, sendo impossível a cliticização. Nesse sentido, parece haver correlação entre a possibilidade de ocorrência da forma reta do pronome à direita do verbo e a ausência de mecanismo de cliticização à esquerda. Esse resultado se confirma pela distribuição das formas você/ocê/cê, em que se verifica restrição à ocorrência da forma na posição de objeto, cliticizada ao verbo - embora a forma cê seja encontrada em outras posições sintáticas em que não esteja presente o requisito de cliticização à esquerda (Cf. Ramos 1997; Vitral 2002; Andrade 2004).

No entanto, conforme mencionado, os resultados indicam não existir marcação sintática para a manifestação da forma do imperativo verdadeiro no que se refere à sintaxe pronominal. Como o padrão de próclise característico do português brasileiro se aplica a orações imperativas e também a outros tipos de oração (assertivas/interrogativas), então não é possível falar em marcação sintática. Na correlação observada quanto à manifestação da forma supletiva e da ênclise, apresentada como um caso residual, também se verifica que a distribuição da forma verbal (no caso o imperativo supletivo) não está condicionada pela sintaxe pronominal - pois o posicionamento enclítico do pronome é propriedade válida para todos os tipos de oração (não somente a oração imperativa).

Considerando-se situação de sincretismo morfológico postulada anteriormente em relação à forma do imperativo verdadeiro nas variedades do Sudeste, do Centro-Oeste e em áreas do Sul, bem como a ausência de condicionamento sintático para a manifestação da forma do imperativo verdadeiro, seja na sintaxe do pronome, seja nos resultados relativos à negação, em que, apesar da retenção da forma supletiva associada à estrutura negativa, constata-se a possibilidade de negar o imperativo verdadeiro com a maior incidência nos dialetos examinados (com as implicações citadas na seção anterior), conclui-se que, nessas variedades dialetais, faz-se necessário marcar a modalidade imperativa por meio de outros recursos. Essa questão será examinada na próxima seção, levando-se em consideração aspectos como a ocorrência de âncoras discursivas, como o vocativo, além de sintaxe do sujeito.

2.4. Âncoras discursivas e a sintaxe do vocativo e do sujeito

Nossas reflexões nos conduzem à conclusão de que o português brasileiro não apresenta características de línguas de imperativo verdadeiro. Precisamos, portanto, entender outros aspectos que contribuem para a leitura diretiva dos enunciados imperativos no português brasileiro. Sendo assim, dois outros aspectos merecem destaque especial no conjunto de reflexões apresentadas neste trabalho. Primeiro, trata-se de discutir o papel do vocativo, como âncora discursiva, e sua competição com o sujeito da construção.

O efeito do vocativo no uso do imperativo verdadeiro ou do imperativo supletivo ainda não foi estudado nos dados de língua falada em termos variacionistas. Antes de apresentar nossas conjecturas a respeito do papel do vocativo em todo o processo, consideramos importante relatar o seu comportamento com dados da escrita dialógica e não-dialógica.

Scherre (2006) apresenta uma análise que leva em conta, em linhas gerais, o papel das âncoras discursivas na expressão do imperativo em diálogos das revistas em quadrinhos da Turma da Mônica produzidas pela equipe de Maurício de Sousa, no início da década de 70 (as 10 primeiras revistas) e no final da década de 90 (15 revistas - três de cada um dos cinco personagens principais). Os resultados obtidos pela análise de cunho variacionista revelam, antes de mais nada, que no início da década de 70 havia 7% de imperativo verdadeiro, no conjunto total de dados analisados, enquanto, no final da década de 90, este percentual chega a 55% - um aspecto extensivamente discutido nas seções anteriores para dados da língua falada. Observa-se, assim, um aumento de 48 pontos percentuais de uso do imperativo verdadeiro num intervalo temporal de 30 anos, o que, em termos labovianos, indica mudança em progresso - mudança que se deu num intervalo de uma geração e meia (Labov 1981:177). Além disso, enquanto a amostra da década de 90 revela efeito estatisticamente relevante de uma série de variáveis, a amostra de 70 revela uma única variável estatisticamente significativa: presença vs ausência de vocativo. A pequena variação observada na década de 70 só se dá em construções afirmativas (Sai fora!/ Saia de perto de mim!), ou seja, na área do imperativo verdadeiro, que pode apresentar perda de leitura diretiva por causa do sincretismo entre forma indicativa e forma imperativa, conforme já dissemos. Para melhor desenvolver nosso raciocínio, consideramos oportuno apresentar os resultados de Scherre (2006:10), na Tabela 3, com pequenas adaptações:

Os resultados da tabela 3 revelam que a presença de vocativo favorece mais imperativo verdadeiro: na década de 70, o efeito da presença de vocativo é de 26%, para uma média de imperativo verdadeiro de 10%, ou seja, há um aumento de 16 pontos percentuais em relação à média; na década de 90, o efeito do vocativo é de 63%, para uma média de imperativo verdadeiro de 55%, aumento de 8 pontos percentuais. O fato de o vocativo favorecer mais imperativo verdadeiro pode ser interpretado à luz da perda da distinção da morfologia imperativa e modo indicativo (o sincretismo sincrônico). Assim, levantamos a hipótese de que o vocativo, uma âncora discursiva ou um operador pragmático - um termo que está na interface entre a sintaxe e a semântica -, funcione como um elemento que contribui para assegurar a leitura imperativa e bloquear a leitura assertiva. Recapitulemos ou vejamos o porquê.

Retomemos então as duas formas imperativas variantes: o imperativo verdadeiro e o supletivo, no caso, na forma subjuntiva. Esta forma imperativa supletiva é sempre interpretada como imperativa - não há ambigüidade, mesmo no discurso escrito não-dialógico sem qualquer âncora (Corra, salte, ande e deixe de fumar). A ausência de ambigüidade na interpretação da forma supletiva, confirmada na independência em relação a âncoras discursivas (como o vocativo), tem um correlato sintático, que é o fato de que essa interpretação é exclusiva do contexto sintático de oração não-subordinada. Diferentemente, a forma imperativa verdadeira, em face da neutralização morfológica já observada, precisa necessariamente de algum apoio do contexto, expresso lingüisticamente, por meio de um vocativo, ou por meio de recursos prosódicos, como a entonação, no caso do discurso falado.

Esses aspectos são discutidos no estudo de Scherre et alii (1998: 69): "o uso de imperativo na forma subjuntiva [a supletiva] na língua escrita não-dialógica torna impossível o preenchimento (...) da posição de sujeito: em orações independentes não-encabeçadas por palavras como 'talvez', a forma subjuntiva [supletiva] só pode ser interpretada como uma estrutura imperativa e, inequivocamente, como tendo um sujeito vazio. A forma subjuntiva não-imperativa é, por excelência, típica de estruturas encaixadas. Somente orações encaixadas tornam possível o preenchimento do sujeito (...) sem estranhamento sintático como em (...) quero que ele assine a revista Language Variation and Change". Caso o texto Corra, salte, ande e deixe de fumar viesse escrito Corre, salta, anda e deixa de fumar, além da ruptura da leitura imperativa, com a possibilidade do preenchimento da posição de sujeito com o pronome você (a leitura seria assertiva), o leitor poderia deparar com um estranhamento pragmático, caso interpretasse a posição de sujeito com o pronome ele/ela, de natureza anafórica.18 18 Foi exatamente a ruptura da leitura imperativa em estruturas de imperativo verdadeiro fora do texto dialógico, sem âncora discursiva, a partir de um dever de casa do exercício 17 de Cegalla (1991:184), que gerou toda a pesquisa com o imperativo, formal e informalmente coordenada por Marta Scherre, desde 1992. Veja-se um pouco da história e de resultados desta pesquisa em Scherre et alii (1998; 2000); Scherre (2003; 2004; 2005:115-127;2006). Com este raciocínio, concluem Scherre et alii (1998: 68) que "o uso [quase] categórico da forma [imperativa supletiva] em textos dialógicos de propagandas escritas se dá por razões sintáticas".

Scherre (2006) constata que a propaganda escrita não-dialógica, quando se vale do imperativo verdadeiro, vem normalmente acompanhada de uma âncora discursiva: um vocativo e/ou rima (Olha o Papai Noel, Gente! Vem pra Caixa você também. Vem!), um balão (Me liga. - uma propaganda dentro de um balão); um ícone (Faz um 21. Propaganda de empresa de telefonia brasileira falada com mão imitando um telefone). Enquanto uma propaganda no português europeu pode usar o imperativo verdadeiro no contexto do pronome tu e o imperativo supletivo no contexto do pronome você, como já tivemos oportunidade de mostrar (cf. seção 3.2.1), a propaganda não-dialógica brasileira não faz esta distinção: usa preferencialmente o imperativo supletivo e, esporadicamente, usa o imperativo verdadeiro, em geral acompanhado de alguma âncora discursiva.

Uma propaganda do mesmo produto infantil no português europeu e no português brasileiro assim se escreve (negritos nossos):

Ao analisar a expressão do imperativo na cidade de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, na região Centro-Oeste, Lima (2005:5057) evidencia, também para a língua falada, que quanto menos dialógico for o evento discursivo mais uso se faz do imperativo supletivo, embora sua hipótese inicial fosse a mensuração do efeito da formalidade do evento discursivo.

Em síntese, demonstramos para o português brasileiro que a instauração do discurso dialógico na oralidade possibilita a alternância entre o imperativo verdadeiro e o imperativo supletivo, a qual se manifesta em maior ou menor grau, dependendo do contexto geográfico. Além disso, demonstramos que a variação se evidencia também na escrita em função da estrutura do evento discursivo - se dialógico ou não-dialógico -, como se pôde perceber pela discussão a respeito das peças publicitárias.19 19 Há diversos trabalhos sobre o texto escrito que evidenciam a ampla variação da expressão do imperativo na escrita dialógica. Na escrita, mesmo contemporânea, é ainda possível ver refletido um padrão europeu, a depender do escritor: é o que mostra, por exemplo, o trabalho de Fonseca (2003), com a análise de algumas obras de Ariano Suassuna, um escritor paraibano, radicado em Pernambuco. Scherre (2005:123-125) faz um breve resumo de alguns trabalhos com dados da escrita. Sobre a questão estilística em dados da escrita no Sul, ver Reis (2003).

Passamos então a outro aspecto relevante para a presente discussão, relativo a uma das características da expressão do imperativo assumida por nós como dada, que é o fato de a oração imperativa ser uma construção sem sujeito expresso (Fica aqui!/Fique aqui!). Entretanto, em construções do tipo você, fica aqui! pode ocorrer ambigüidade na caracterização do pronome você na primeira posição, como vocativo ou como sujeito, se não houver uma entonação diretiva clara, na fala (ou uma pontuação, na escrita), para assegurar leitura imperativa, colocando-se simultaneamente a possibilidade de uma leitura assertiva: você fica aqui. ou interrogativa você fica aqui?. É interessante notar que a mesma construção proferida com a forma subjuntiva: você fique aqui, não gera ambigüidade, pois, independentemente da entonação, seria caracterizada como um ato de fala imperativo, tendo em vista que uma oração não-subordinada, sem elementos do tipo "talvez", é sempre interpretada como imperativa em português. Além disso, a ambigüidade - se sujeito ou vocativo - pode se dar também com outros tipos de elementos na primeira posição, como ilustrado a seguir, com o nome próprio, ambigüidade esta que é igualmente desfeita se a estrutura for proferida com a forma subjuntiva:20 20 A manifestação da ambigüidade parece relacionar-se ainda ao tipo semântico do elemento que ocorre na primeira posição. É assim que, em construções com pronome indefinido, como alguém, para que a leitura diretiva do imperativo se manifeste, é necessário crucialmente utilizar a forma supletiva do imperativo, como em alguém me ajude, por favor!; a forma verbal indicativa parece forçar uma realização interrogativa para a frase, como em alguém me ajuda, por favor?! Várias questões estão em jogo em relação às propriedades dessas construções, cuja análise foge ao escopo do presente estudo, entre elas o fato de que a categoria pronominal, sendo indefinida, é interpretada como não referencial, o que sugere uma correlação entre essa propriedade e a forma supletiva. Evidencia-se, portanto, a relevância de examinar as propriedades denotacionais dos elementos realizados como vocativos, cabendo, por exemplo, um paralelo com as restrições semânticas associadas às estruturas de topicalização.

Assim, fica evidenciada a independência da forma subjuntiva em relação ao contexto/ discurso, na codificação da leitura diretiva, o que permite que interpretemos o substantivo João inequivocamente como um vocativo. Em relação à construção com o imperativo verdadeiro, vimos que pode trazer problemas de interpretação, se houver material lingüístico pronominal ou um vocativo anteposto ao verbo, o que atribuímos à perda da morfologia própria (isto é, ao sincretismo entre indicativo e imperativo verdadeiro), sendo, portanto, necessário desfazer a ambigüidade pela entonação, por exemplo. Outras estratégias podem ser adotadas, como o posicionamento do elemento pronominal ou do termo relevante: se posposto, como em fica você aqui/fica tu aqui ou traz João o livro esta ambigüidade se desfaz, e a interpretação para o você, tu, João, ou para qualquer outro pronome ou termo relevante, será sempre a de vocativo. É interessante notar que o contraste associado ao posicionamento do elemento pronominal ou nominal, tal como apresentado, correlaciona-se ainda à sintaxe do sujeito no português brasileiro, que tem como característica a existência de restrições a estruturas com inversão sujeito - verbo, e que pode provocar perda de interpretação do sintagma posposto como sendo um sujeito.

O sincretismo sincrônico entre a forma imperativa verdadeira e a forma do indicativo identificado no português brasileiro manifesta-se pelo fato de estas duas formas "disputarem" um mesmo contexto sintático, qual seja, o de oração não-subordinada. Sabemos que o imperativo é um modo que só ocorre em orações não-subordinadas e sabemos que o indicativo não apresenta restrições sintáticas, pois pode aparecer em contextos não-subordinados e em contextos subordinados. Por causa da homonímia, diversas vezes mencionada, e devido à identidade de contextos sintáticos, para que a forma verdadeira tenha leitura imperativa, faz-se então necessária a manifestação de outros recursos - de natureza lingüística ou extralingüística. Inversamente, em relação à forma supletiva, constata-se que sua ocorrência na oração não-subordinada (absoluta, independente ou principal) não implica disputa com nenhuma forma verbal, depreendendo-se inequivocamente a leitura imperativa.21 21 Incluímos essa nota em resposta a questionamento de parecerista anônimo sobre a possibilidade de essa ambigüidade existir nas línguas de classe I. Entendemos que isso não ocorre nessas línguas em função de elas terem uma sintaxe própria que assegura o modo imperativo; ao contrário do que ocorre no português brasileiro que, pela ausência de sintaxe própria do modo imperativo e pela homonímia citada no texto entre o imperativo verdadeiro e o indicativo, permite interpretação ambígua, só desfeita, muitas vezes, mediante uso de âncoras discursivas, conforme exposto nesta seção.

Podemos, então, concluir que a interpretação de uma oração como imperativa na presença de uma forma verbal imperativa verdadeira é conseguida mediante o efeito de diversos fatores, o que pode ser caracterizado como um processo composicional, em que várias informações lingüísticas e extralingüísticas são articuladas: a sintaxe exige uma certa configuração e a presença de certas propriedades que as palavras trazem, mas, como vimos, na codificação do imperativo no português brasileiro, quando a forma verbal é a do imperativo verdadeiro, esse elemento não contribui de forma inequívoca para a leitura imperativa (pelo sincretismo com o indicativo), sendo necessário utilizar outros recursos - lingüísticos e extralingüísticos. Em nossa análise, foi constatado que a distribuição do imperativo verdadeiro está associada a recursos prosódicos e discursivos em articulação com a codificação gramatical do vocativo, uma categoria que se manifesta na interface - ou na convergência - de processos sintáticos, semânticos, discursivos e prosódicos.

Consideramos ainda oportuno salientar que a prosódia é um fator essencial na identificação de tipos frasais do português brasileiro: um mesmo conjunto de constituintes pode ser interpretado de uma forma ou de outra a depender do padrão entonacional, como acabamos de ver, ou como ainda podemos ver em enunciados do tipo: Fez o trabalho? Fez o trabalho! Fez o trabalho. Não é incomum, em interações discursivas reais surgirem perguntas do tipo: "você está afirmando ou está perguntando?" Essa característica é claramente observada na expressão do imperativo no português brasileiro, como se confirma pelos condicionamentos associados à presença das âncoras discursivas (como o vocativo), discutidos no presente estudo.

3. Considerações finais: questões para pesquisa futura

O presente estudo constitui uma reflexão a respeito da expressão do imperativo no português brasileiro. Tendo como pressuposto a hipótese de que a heterogeneidade observada nos dados é sistemática, conforme Weinreich, Labov & Herzog (1968), de que se extraem meios para o entendimento do caráter dinâmico dos sistemas lingüísticos, buscamos caracterizar a manifestação das formas do imperativo dito verdadeiro e supletivo no português brasileiro, em uma perspectiva translingüística e transdialetal. Além de contribuir para a caracterização das propriedades da língua portuguesa falada no Brasil, nosso objetivo foi o de examinar a manifestação dessas formas em relação a um conjunto de propriedades gramaticais consideradas inovadoras em relação a outros períodos diacrônicos da língua transplantada para o Brasil, e ao português europeu. São inúmeros os estudos voltados para a análise dessas propriedades inovadoras, não tendo sido possível considerá-los em toda sua complexidade. Neste ponto, destacamos a contribuição pioneira de Lúcia Maria Pinheiro Lobato (in memoriam), que gostaríamos de homenagear neste momento, pela atuação profissional dedicada e conseqüente, que propiciou a descoberta de fenômenos relevantes que caracterizam a língua portuguesa falada no Brasil - que ela preferia designar português do Brasil -, abrindo espaço para a construção de novas abordagens, para a investigação de idéias promissoras, para o desenvolvimento enfim da pesquisa científica em nosso País.22 22 Entre esses estudos citamos Lobato (1975, 1984, 1988b, 1999, 2000, 2001, 2004 e 2006). O artigo de (2006) é o texto em que Lobato apresenta a sua proposta de análise da formação do português brasileiro. Entre seus livros, marcados por uma preocupação didática e com a formação das novas gerações de pesquisadores do país, citamos Lobato (1986 e 1988a), respectivamente livro-texto e manual do professor, obras seminais, em que discute - e antecipa - muitos aspectos do português brasileiro.

Nossa análise vem revelar o desenvolvimento de um sistema com propriedades que o distinguem das várias línguas tomadas como referência durante a discussão. Além da perspectiva translingüística, em que foram consideradas línguas como o espanhol, línguas da região dos Bálcãs, o grego, por um lado, assim reunidas pela presença do chamado imperativo verdadeiro, e o francês, por outro, que não apresenta uma forma verbal exclusiva para a codificação do imperativo, procedemos a um exame cuidadoso da expressão gramatical do imperativo no português brasileiro em uma perspectiva transdialetal, tendo como pressuposto a ocorrência de uma situação de variação no emprego das formas ditas verdadeira e supletiva do imperativo.

Embora existam evidências para a identificação de um grande mosaico dialetal, no que concerne à manifestação de propriedades como a codificação gramatical do sistema pronominal, como exemplificado pela região Sul, o que pode ser estendido a outras regiões geográficas, como anunciam os resultados das pesquisas sociolingüísticas, quatro das cinco regiões foram consideradas particularmente relevantes, em face da disponibilidade de dados e resultados, para a análise transdialetal presentemente desenvolvida, as quais foram agrupadas em dois grandes blocos:

Bloco 1: regiões Sudeste (São Francisco - MG; Rio de Janeiro - RJ); Centro-Oeste (Campo Grande - MS; Brasília - DF; Goianésia - GO); e parte da região Sul (Florianópolis - SC); Bloco 2: região Nordeste (Salvador - BA; João Pessoa - PB; Fortaleza - CE; Recife - PE) e parte a região Sul (Lages - SC).

Os dados analisados revelam que o imperativo verdadeiro no português brasileiro tem características próprias que o distinguem das características encontradas no espanhol castelhano e das línguas dos Bálcãs, em que essa forma verbal, além de ser exclusiva do contexto imperativo, tem sua distribuição condicionada pela sintaxe de negação - estando ainda associada à distribuição de pronomes clíticos. Constatamos, todavia, que o português brasileiro também não se alinha completamente ao francês, que exibe ausência de morfologia imperativa e usa formas supletivas para expressar o imperativo. A forma de imperativo verdadeiro no português brasileiro não apresenta morfologia própria (devido ao sincretismo com a forma indicativa); ocorre em estruturas de negação (embora com tendências bastante sistemáticas relacionadas à posição da partícula negativa); não apresenta sintaxe específica no que diz respeito à colocação do clítico (que ocorre preferencialmente proclítico com qualquer tipo oracional, uma característica inovadora do português brasileiro, a que se associa a ocorrência de pronomes (fortes) não cliticizados na posição de objeto).

Conforme demonstrado, no português brasileiro, a forma verdadeira do imperativo apresenta-se sincrética com a forma do indicativo (na 3ª pessoa), o que, por sua vez, se articula com a reanálise do sistema pronominal (sujeito), particularmente a gramaticalização do pronome você, que controla a concordância com o verbo na 3ª pessoa gramatical. A esse aspecto acrescenta-se a possibilidade de negar a forma verbal do imperativo verdadeiro, embora persista tendência de negação da forma do imperativo supletivo, destacando-se condicionamento associado à posição da negação, em que a presença de elemento negativo à direita do verbo favorece a negação da forma verdadeira. Apesar da constatação de que o posicionamento do clítico não constitui fator de codificação sintática do imperativo verdadeiro em nenhuma das línguas examinadas (visto que as características que apresentam não são exclusivas da frase imperativa), identifica-se, porém, no português brasileiro, a manifestação da forma verdadeira associada às estruturas com pronomes (fortes) não-clíticos na posição de objeto, uma característica inovadora do sistema de pronominalização nessa língua. Nesse sentido, embora não seja possível falar em um imperativo verdadeiro tal como encontrado no espanhol, nas línguas dos Bálcãs, no grego, não é possível tampouco falar em imperativo supletivo como no francês. O exame das regularidades distribucionais veio, porém, confirmar a existência de um sistema de imperativo gramatical no português brasileiro, embora com formas variáveis.

Os resultados da análise transdialetal levaram-nos a constatar que o padrão inovador - acima descrito - se mostra consolidado nos dialetos do bloco 1, mas as características da variação permitem inferir tendência com orientação semelhante nos dialetos do bloco 2. Em termos quantitativos, identifica-se, no bloco 2, o uso preferencial da forma do imperativo supletivo (por meio da forma subjuntiva), estando essa tendência particularmente marcada na sintaxe da negação. Apesar de alguns resultados ainda não serem conclusivos, o que sugere o aprofundamento da investigação, os dados analisados não revelam condicionamento discursivo codificado na alternância do clássico par tu/você, que expressa, entre outros aspectos, respectivamente, menor e maior distanciamento, associado a outros pontos da estrutura lingüística das línguas em jogo. Neste sentido, o padrão inovador, que consiste no uso da forma do imperativo verdadeiro no contexto discursivo do segundo elemento do par tu/você, ou seja, relativamente ao pronome você, manifesta-se independentemente de este tipo pronominal expressar mais distanciamento, menos distanciamento, ou exibir traço neutro com relação esse aspecto.

Passamos então a discutir vários estudos em que fica demonstrada a manutenção das formas variáveis, além do encaixamento lingüístico e extra-lingüístico das mesmas. Um aspecto instigante diz respeito à manifestação do imperativo supletivo, expresso pela forma verbal do subjuntivo. Além de apresentar tendência sintática específica com relação aos clíticos (em qualquer das variedades dialetais, estruturas com clíticos depois do verbo exibem imperativo na forma supletiva, analisadas como manifestação residual de um sistema em que a ênclise se articula com outras propriedades, que determinam uma codificação distinta para o imperativo), constatamos que a forma supletiva assegura inequivocamente uma leitura imperativa, independentemente da estrutura do evento discursivo - se dialógico ou não-dialógico; se falado ou escrito. A independência da forma verbal supletiva em relação ao tipo de evento discursivo contrasta com uma situação de dependência de âncoras discursivas associada à forma do imperativo verdadeiro, destacando-se o uso de recursos prosódicos e de vocativos, esses últimos ainda considerados em termos da sintaxe do sujeito, com perspectivas de desenvolvimentos relevantes em face das características inovadoras do português brasileiro.

Desse contraste emergem reflexões interessantes em relação aos mecanismos lingüísticos - e extralingüísticos - de interpelação dos interlocutores. Nesse aspecto, a expressão do imperativo nas línguas constitui excelente campo para a investigação, sendo os resultados e as conclusões do presente estudo relativas ao português brasileiro - no contraste com outras línguas - uma forma de demonstrar a importância dessas questões, cabendo, portanto, dar continuidade a esse tipo de investigação. Com a continuidade da pesquisa, além de aprofundar o entendimento dos aspectos sintáticos, contamos analisar o papel de aspectos prosódicos e discursivos envolvidos na expressão do imperativo gramatical no português brasileiro, buscando ainda manter o enfoque translingüístico e transdialetal da investigação.

Outro aspecto instigante diz respeito à correlação observada no português brasileiro entre as formas variáveis do imperativo verdadeiro e do imperativo supletivo, morficamente idênticas às formas, respectivamente, do indicativo e do subjuntivo, por um lado, e a alternância igualmente transdialetal entre o modo indicativo e o modo subjuntivo nas orações encaixadas, por outro (referida incidentalmente no presente trabalho): as áreas geográficas que privilegiam a forma de imperativo verdadeiro - as do bloco 1 - permitem maior variação da forma indicativa/ subjuntiva nas orações encaixadas; as áreas geográficas que privilegiam a forma de imperativo supletivo - as do bloco 2 - restringem a variação de forma indicativa/ subjuntiva nos mesmos contextos.

Considerando-se que as formas variáveis ocorrem em configurações marcadas por uma interpretação modalizada - seja na oração não-encaixada, seja na oração encaixada -, conclui-se que a codificação gramatical da modalidade é afetada simultaneamente nos dois contextos sintáticos, um resultado interessante para a investigação das estruturas da subordinação em oposição às formas do discurso direto, o que remete aos mecanismos de interpelação, referidos anteriormente, entre outras questões correlatas.

Com essa abordagem, desejamos finalmente enfatizar a relevância de empreender estudos que considerem as propriedades dos sistemas lingüísticos no contexto social, tal como proposto na tradição laboviana, entendendo-se que as regularidades que se depreendem da manifestação das formas lingüísticas (seja em relação aos fenômenos variáveis, seja na integração das formas no sistema gramatical) constituem evidência de que o ser humano é dotado de uma capacidade de linguagem, cujas propriedades podem ser investigadas com base em pressupostos inatistas, como proposto na tradição chomskyana, ou não, sem que isso venha a minimizar o significado dos resultados a serem alcançados.

E-mails: scherre@unb.br; daisy_barbara@uol.com.br; marcusvsl@unb.br; hsalles@unb.br

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  • *
    Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelas bolsas de Produtividade em Pesquisa (PQ) e de Iniciação Científica (IC) que auxiliaram a realização deste trabalho.
  • 1
    Este trabalho é uma versão ampliada do texto de Scherre, Cardoso & Lunguinho (2005).
  • 2
    Na região Nordeste, já há índices de tendência de mudança em direção ao uso do imperativo verdadeiro, refletida pela faixa etária e pelo aumento da escolaridade: os mais novos e os mais escolarizados usam mais imperativo verdadeiro. Estes fatos são ressaltados pelo trabalho de Jesus (2006), com dados de Recife, confrontados com o trabalho de Sampaio (2001), com dados de Salvador; e ainda podem ser vistos em Alves & Alves (2005), também com dados Salvador, em especial para a variável escolarização.
  • 3
    O conhecimento que os pesquisadores têm é de que predomina na região Sul o imperativo verdadeiro. Mesmo em texto traduzido que busca refletir a realidade da fala dos dialetos gaúchos de 1940, a percentagem global de uso do imperativo verdadeiro é da ordem de 71% (cf.: Reis 2003: 98-99).
  • 4
    O estudo limita-se às formas singulares, tendo em vista que o imperativo plural no contexto de 2ª pessoa plural é invariante (
    Falem vocês/os senhores!). Além disso, aspectos igualmente importantes relativos ao fenômeno analisado serão tratados em outra oportunidade, a saber, efeito do paradigma verbal (conjugação regular
    vs. conjugação irregular) e/ou do número de sílabas da forma infinitiva do verbo; efeito de tipos específicos de verbos; do paralelismo fônico e discursivo; e de marcadores discursivos. Para detalhes e discussão, ver Scherre
    et alii (1998); Scherre (2003; 2004); Cardoso (2004); Abreu (2002); Sampaio (2001); Jesus (2006). Sobre o efeito do tipo de ato de fala, na linha de Faraco (1986), e de aspectos não-lingüísticos menos convencionais, ver análise de Mattos & Wickert (2003), com músicas de Chico Buarque de Hollanda. Sobre a variação do imperativo em
    tiras de jornais paulistas e em cartas, bilhetes e
    e-mail, ver, respectivamente, Borges (2004) e Lima Hernandes
    et alii (no prelo).
  • 5
    Ver, por exemplo, os seguintes trabalhos: Soares (1980), para a cidade de Fortaleza (região Nordeste); Sete (1980), para a cidade de Recife (região Nordeste); Lucca (2004; 2005), para o Distrito Federal (Brasília, Taguatinga e Ceilândia - região Centro-Oeste); Loregian-Penkal (2004), para Porto Alegre, Flores da Cunha, Panambi, São Borja (Rio Grande do Sul - região Sul); Florianópolis, Ribeirão da Ilha, Chapecó, Blumenau e Lages (Santa Catarina - região Sul).
  • 6
    Temos consciência da complexidade que envolve o par
    tu/você, genericamente denominado
    T/V, cujo marco é o texto clássico de Brown & Gilman, de 1960, republicado em 2003. Esta discussão foge aos objetivos do presente trabalho. Um levantamento criterioso a respeito do par
    T/V, em diversas línguas do mundo, foi feito por Dias (2007) em sua dissertação de mestrado: "O uso do
    tu no português brasiliense falado".
  • 7
    As siglas que usamos na apresentação dos exemplos são: IMP = imperativo; IND = indicativo; INF = infinitivo, NEG = negação; PRES = presente, S = singular; SUBJ = subjuntivo, 2 = 2ª pessoa.
  • 8
    Em texto escrito por ocasião da argüição da dissertação de mestrado de Dilcélia de Almeida Sampaio, Lucchesi (2001) apresenta argumentação semelhante à de Faraco (1986). Embora nunca tenhamos concordado com alguns registros da tradição gramatical no sentido de que o imperativo deriva do modo indicativo, não há como negar a homonímia que se estabeleceu entre formas do modo indicativo e o imperativo, o que pode provocar, hoje, uma relação mais direta entre imperativo verdadeiro e modo indicativo.
  • 9
    Para estudo da alternância
    você/ocê/cê com dados da região Centro-Oeste, ver Andrade (2004).
  • 10
    Embora a idéia seja muito sedutora, a pesquisa de Lucca (2003:1;7) indica que isto não ocorreu em Minas Gerais. Em um estudo diacrônico para analisar a transição
    tu/você em Minas Gerais, a autora examina "correspondências íntimas escritas por mineiros e minhotos e peças de teatro escritas por brasileiros e portugueses". Sua análise evidencia que "a generalização do uso do pronome
    você, na região metalúrgica deve-se à presença, na região, de portugueses naturais do Minho, extremo norte do país". Segundo a autora, "nas correspondências coletadas entre portugueses, a forma de tratamento íntimo usada desde o Porto até o Alto Minho, em fins do século XIX e início do século XX é o
    você. Este é pronome usado de forma corrente na região, e é o que os portugueses falam em Minas Gerais quando chegam para povoá-lo." Afirma também a autora que "somente a partir da terceira década de 1900 é que a forma de tratamento em 2ª pessoa deixa de ser usada em Minas Gerais para tratamento íntimo, algum período depois da chegada de grande massa de portugueses à região." (...) Considera que "ainda hoje há resquícios de tratamento de 2ª pessoa em Minas Gerais, em forma de pronomes oblíquos e possessivos, como
    te, teu e verbos no imperativo conjugados em 2ª pessoa, ainda que o pronome usado seja
    você." Estudos atuais só fazem referência à alternância entre
    você/ocê/cê (cf.: Ramos 1997; Coelho 1999).
  • 11
    Ainda em relação a essa questão, é interessante notar a existência de um 'sentimento', por parte dos falantes das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, de que o uso do imperativo supletivo pelos nordestinos reflita um comportamento autoritário (conforme depoimentos que nos foram prestados), o que pode ser reflexo do padrão de [+distanciamento] associado a esta forma na origem. No entanto, sabemos que a atitude dos falantes de um dialeto em relação a formas utilizadas em outro dialeto não pode ser tomada como definidora do funcionamento interno das formas relevantes.
  • 12
    Em relação às formas do pronome possessivo, verifica-se, no contexto do uso de
    você, a alternância entre as formas
    teu(s)/tua(s) e seu(s)/sua(s). Busetto (1996) relata essa alternância em Curitiba, área de uso exclusivo do pronome
    você, segundo o trabalho de Menon & Lorengian-Penkal (2002) e Loreginan-Penkal (2004). Esse aspecto não interfere na argumentação a ser desenvolvida, embora também mereça investigação cuidadosa, relacionando-se ainda com outro tipo de alternância, no nível da 3ª pessoa do discurso (ou da não-pessoa, nos termos de Benveniste (1970)), entre
    seu(s)/ sua(s) e dele(s)/dela(s) (em relação a essa última, cf. Negrão & Müller (1996)).
  • 13
    O raciocínio da autora é baseado na impossibilidade de o imperativo verdadeiro no espanhol castelhano chegar ao núcleo funcional C e checar o traço forte de imperativo que esse núcleo traz para a derivação. A presença da negação impede o movimento do verbo imperativo para C. Como o traço de C não é licenciado, a derivação é agramatical. A representação da derivação em questão é a seguinte (Rivero & Terzi 1995: 306): [
    CP C [
    NegP Neg [
    IP V]]]. A idéia de que o núcleo C é responsável pelo traço de modo é de Chomsky (1995).
  • 14
    Em espanhol castelhano (e também no português europeu), língua da classe I, a correlação entre a forma do imperativo verdadeiro e a presença de um núcleo funcional que realiza a categoria gramatical modo está codificada no contraste entre a estrutura afirmativa e negativa: enquanto na primeira essa posição está disponível para ser ocupada pelo verbo, na segunda essa mesma posição é ocupada pela negação, o que impede o deslocamento (por hipótese, obrigatório) do verbo realizado na forma do imperativo verdadeiro; inversamente, em línguas com a negação pós-verbal, esse problema não se coloca, sendo possível manter a análise segundo a qual o verbo na forma do imperativo verdadeiro deve deslocar-se para a posição estrutural relevante, a fim de satisfazer a codificação gramatical da categoria modo. Nesse sentido, é possível generalizar para as duas classes de línguas o estatuto gramaticalizado da forma do imperativo verdadeiro (apenas nas línguas da classe 2, a sintaxe de negação não permite estabelecer contraste sintático).
  • 15
    As características das amostras das pesquisas da
    Tabela 2 são as seguintes: (1) Scherre (2004: 242) - amostra do trabalho de Scherre
    et alii (1998), que inclui dados do vernáculo de Brasília (Distrito Federal - região Centro-Oeste) em diferentes situações discursivas, dados de novelas brasileiras e de um
    Talking Book; (2) Lima (2005: 54) - amostra de falas da cidade de Campo Grande (Mato Grosso do Sul - região Centro-Oeste), que inclui dados do vernáculo e de diferentes situações discursivas (aulas institucionais e não-institucionais, cultos, programas de rádio e televisão); (3) Jesus (2006: 90) - amostras de fala de Recife (Pernambuco - região Nordeste), que inclui dados do vernáculo; (4) Scherre (2004: 241) - dados de diálogos da revista de Maurício de Sousa, da década de 90.
  • 16
    Em relação à coexistência de traços de um mesmo sistema, Lucchesi (2001:9) atribui a denominação de princípio da coesão estrutural, que, segundo ele, se "for associado aos conceitos de alternância de código ou de gramática, não se enquadraria na ortodoxia do modelo teórico da Sociolingüística". Não vemos, todavia, problemas com relação a este aspecto, especialmente quando falamos nitidamente de um novo sistema implantado e de formas residuais de um sistema anterior.
  • 17
    Cumpre ressaltar que Leite (1994), em trabalho inédito, foi a primeira pesquisadora a reportar a importância da presença de pronome clíticos na expressão variável de imperativo em dados de uma novela brasileira. O que fizemos foi ampliar e dar corpo à sua descoberta. As diferenças de efeito da 1ª e 3ª pessoas em próclise têm também a ver com maior ou menor possibilidade de ruptura da leitura imperativa (cf.: Scherre 2004).
  • 18
    Foi exatamente a ruptura da leitura imperativa em estruturas de imperativo verdadeiro fora do texto dialógico, sem âncora discursiva, a partir de um
    dever de casa do exercício 17 de Cegalla (1991:184), que gerou toda a pesquisa com o imperativo, formal e informalmente coordenada por Marta Scherre, desde 1992. Veja-se um pouco da história e de resultados desta pesquisa em Scherre
    et alii (1998; 2000); Scherre (2003; 2004; 2005:115-127;2006).
  • 19
    Há diversos trabalhos sobre o texto escrito que evidenciam a ampla variação da expressão do imperativo na escrita dialógica. Na escrita, mesmo contemporânea, é ainda possível ver refletido um padrão europeu, a depender do escritor: é o que mostra, por exemplo, o trabalho de Fonseca (2003), com a análise de algumas obras de Ariano Suassuna, um escritor paraibano, radicado em Pernambuco. Scherre (2005:123-125) faz um breve resumo de alguns trabalhos com dados da escrita. Sobre a questão estilística em dados da escrita no Sul, ver Reis (2003).
  • 20
    A manifestação da ambigüidade parece relacionar-se ainda ao tipo semântico do elemento que ocorre na primeira posição. É assim que, em construções com pronome indefinido, como
    alguém, para que a leitura diretiva do imperativo se manifeste, é necessário crucialmente utilizar a forma supletiva do imperativo, como em
    alguém me ajude, por favor!; a forma verbal indicativa parece forçar uma realização interrogativa para a frase, como em
    alguém me ajuda, por favor?! Várias questões estão em jogo em relação às propriedades dessas construções, cuja análise foge ao escopo do presente estudo, entre elas o fato de que a categoria pronominal, sendo indefinida, é interpretada como não referencial, o que sugere uma correlação entre essa propriedade e a forma supletiva. Evidencia-se, portanto, a relevância de examinar as propriedades denotacionais dos elementos realizados como vocativos, cabendo, por exemplo, um paralelo com as restrições semânticas associadas às estruturas de topicalização.
  • 21
    Incluímos essa nota em resposta a questionamento de parecerista anônimo sobre a possibilidade de essa ambigüidade existir nas línguas de classe I. Entendemos que isso não ocorre nessas línguas em função de elas terem uma sintaxe própria que assegura o modo imperativo; ao contrário do que ocorre no português brasileiro que, pela ausência de sintaxe própria do modo imperativo e pela homonímia citada no texto entre o imperativo verdadeiro e o indicativo, permite interpretação ambígua, só desfeita, muitas vezes, mediante uso de âncoras discursivas, conforme exposto nesta seção.
  • 22
    Entre esses estudos citamos Lobato (1975, 1984, 1988b, 1999, 2000, 2001, 2004 e 2006). O artigo de (2006) é o texto em que Lobato apresenta a sua proposta de análise da formação do português brasileiro. Entre seus livros, marcados por uma preocupação didática e com a formação das novas gerações de pesquisadores do país, citamos Lobato (1986 e 1988a), respectivamente livro-texto e manual do professor, obras seminais, em que discute - e antecipa - muitos aspectos do português brasileiro.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      2007
    Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP PUC-SP - LAEL, Rua Monte Alegre 984, 4B-02, São Paulo, SP 05014-001, Brasil, Tel.: +55 11 3670-8374 - São Paulo - SP - Brazil
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