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Key terms in semiotics

RESENHA REVIEW

Resenhado por Kanavillil Rajagopalan

Departamento de Linguistica, IEL, UNICAMP

MARTIN, Bronwen e Felizitas RINGHAM (2006). Key terms in semiotics. Londres e Nova Iorque: Continuum. 275 p.

A Semiótica cresceu e floresceu nos últimos 30 ou 40 anos de forma impressionante, transbordando seus limites tradicionais. Isso tem a ver, por um lado, com as transformações inimagináveis até então que houve nesse mesmo período nas tecnologias de comunicação em massa e, por outro lado, com as abordagens teóricas como pós-estruturalismo, pós-modernismo, teoria crítica, estudos culturais e tantas outras que vieram à cena no rastro do desgaste que sofreram o cientísmo, o marxismo, a fenomenologia, o estruturalismo, etc. que reinaram no mundo da academia nos seus respectivos tempos de glória.

Evidentemente, com a ebulição da área e a proliferação de abordagens de análise, multiplicaram-se também os termos técnicos que assustam os iniciantes e às vezes confundem até os pesquisadores experientes. Daí a justificativa incontestável de um livro como este que, em verbetes curtos e concisos, procura a esclarecer ao leitor o significado e o alcance de termos que vão desde absence até zoosemiotics.

O livro abre com uma introdução sucinta, porém bastante informativa sobre as origens da Semiótica como um campo de investigação, destacando suas duas vertentes principais nos tempos modernos – a francesa e a estadunidense, com uma preferência declarada pela primeira e, mais especificamente, em sua versão desenvolvida por Algirdas Julien Greimas (1917 – 1992). Há, no entanto, algumas afirmações que surpreendem o leitor, ou no mínimo, provocam certa confusão em sua mente. Por exemplo, a primeiríssima frase—aquela que dá início a toda a discussão a seguir—que diz "Como uma teoria crítica, a semiótica vem crescentemente ganhando terreno nas últimas duas ou três décadas" (p.1) pode deixar o leitor com a seguinte dúvida: será que os autores pretendem que sua descrição 'como uma teoria crítica' seja aplicada à semiótica em todas as suas vertentes ou apenas em suas formulações nas últimas vinte ou trinta anos? Na primeira das duas alternativas, parece difícil acreditar que Ferdinand de Saussure ou Louis Hjelmslev quisessem que suas abordagens, alardeadas como 'científica' com toda a pompa e circunstância, também fossem compreendidas como uma teoria crítica. Se optar pela segunda alternativa, estaremos admitindo por implicação que até uns trinta anos atrás não havia nenhuma preocupação crítica nos pensamentos dos semióticos, o que também parece um exagero descabido. O que os autores, a meu ver, devem ter destacado é que a dimensão crítica ou ênfase numa atitude crítica tem sido ressaltada nos últimos tempos em contraposição à posição do observador 'neutro' ou 'descompromissado' que prevalecera no campo de estudos semióticos nos tempos anteriores.

Embora os autores do livro tenham declarado o objetivo de dar relevo "a Escola Parisiense de Semiótica", alguns dos verbetes que lidam com conceitos nitidamente de origem no pensamento francês são apresentados de maneira um tanto superficial e apressada. O que vem a ser ainda mais grave, nem sempre as explanações oferecidas em verbetes sobre temas conexos ou interligados "conversam" entre si ou são apresentadas de forma independente e isolada. Tal defeito seria perfeitamente compreensível e, até certo ponto justificável, não fosse o fato de que todos os verbetes foram da responsabilidade da própria dupla de autores e, por esse motivo, seria de se esperar que houvesse um esforço redobrado no sentido de, não só revisar cada um dos verbetes, mas verificar que não haja explanações conflitantes ou ligações óbvias entre elas não exploradas.

Há diversos exemplos de verbetes que poderiam ter sido explorados com vistas a suas interligações. Estão nesta categoria termos como estrutura, estruturalismo, pós-estruturalismo, pós-modernismo, sujeito, agente, etc. Na verdade, eles podem ser encarados como constituído um "campo terminológico", análogo aos campos semânticos. Em relação aos primeiros dois, estrutura e estruturalismo, embora haja verbetes separados para cada um, não há nenhum esforço de assinalar a mais-do-que-óbvia relação entre um e outro. Pelo contrário, as explanações oferecidas podem levar o principiante a concluir que eles não só nada têm a ver um com outro, mas são de procedência independente e díspar. Assim, sobre a estrutura, diz o verbete correspondente que, segundo o psicologista suíço Jean Piaget, uma estrutura teria tais e tais características. Embora se acrescente que essa definição teria influenciado o movimento estruturalista, nada no que diz sob o rótulo 'estruturalismo' faz qualquer menção a Piaget ou alerta o leitor para a existência, no mesmo volume, de um verbete separado com observações sobre o que vem a ser uma estrutura.

A situação se complica ainda mais quando o verbete pós-estruturalismo apresenta o movimento inteiramente em termos oposicionais, isto é "como simplesmente sucedendo estruturalismo, como uma crítica ao estruturalismo, como seu substituto ou seu desenvolvimento." (p. 153), completamente fazendo vistas grossas ao fato inegável de que ele se vale do que há de melhor na tradição estruturalista e, neste sentido, pode ser descrito como uma continuação natural muito mais do que uma negação ou contestação pura e simples. Como tive oportunidade de ressaltar em Rajagopalan (2009), o prefixo "pós-" explora no fundo a ambigüidade inerente entre as duas acepções evidenciadas em 'pós-guerra' (que sinaliza para os dias após o término da guerra) e 'pós-graduação' (que não só acena para a progressão cronológica, mas enfatiza continuidade e aprofundamento das lições apreendidas na fase anterior).

Os autores certamente acertaram em cheio quando chamaram atenção para a instabilidade de significado como marca registrada do pós-estruturalismo, mas se eles tivessem também mencionado o resgate do papel da história na construção dos significados, poderiam ter encontrado uma forma interessante de apresentar o surgimento da importante noção do agente (no lugar do famigerado sujeito do estruturalismo). Por sua vez, a emergência deste agente teria mostrado o caminho para uma discussão mais esclarecedora da 'Política da Semiótica'. No lugar da 'Política da Semiótica' o que se tem como verbete destacado é a Semiótica da Política, o que, para mim, foi uma ducha de água fria, motivo de um franco desapontamento. A perplexidade só aumenta quando os autores, após invocar nomes como A.J. Greimas, Eric Landowski e Bernard Alazet como "os primeiros neste campo de estudo" (p. 150), também alistam "escritores anglo-saxões" como John (sic) Fairclough como atuando no campo (o lapso é concertado na bibliografia, ou melhor, numa lista de fontes bibliográficos intitulada 'Textos chaves em semiótica', onde o primeiro nome do "anglo-saxão" aparece como autor do livro Language and Power: 'Norman').

No fim das contas, uma impressão que fica na mente do leitor exigente é: será que os autores não teriam exagerados em sua insistência em olhar para os desenvolvimentos recentes no campo de semiótica como inseparavelmente ligada a tradições e culturas distintas? Evidentemente, não se trata de negar que os grandes intelectuais sejam inseridos em suas próprias culturas e se inspirem nas suas próprias tradições. Mas, insistir em ver os grandes desenvolvimentos ocorridos no campo de semiótica nas últimas décadas, ou qualquer outra disciplina, como exclusivamente desta ou daquela cultura, desta ou daquela tradição de pensar, é ignorar que, mesmo independente da globalização política e econômica em curso, as idéias já circulavam pelo mundo afora, de tal sorte que as tradições se mesclam e se inspiram uma na outra o tempo todo.

Voltando à questão da 'Política da Semiótica', assunto para qual os autores do livro não dedicam nenhum verbete, é importante ressaltar que existe um grupo de pensadores que vem discutindo as dimensões políticas de pós-estruturalismo no âmbito de um círculo chamado 'Poststructuralism and Radical Politics'. O mais importante é que não há como descartar o trabalho deste grupo como se fosse um 'desvio anglo-saxão' de uma 'corrente autenticamente gaulêsa'. Vejamos, por exemplo, o tipo de discussão que os autores nos oferecem sob o título agente. O texto começa com a oração: "A Semiótica emprega o termo agente (ou agente operador) para designar o papel narrativo de um sujeito de fazer, isto é, de um sujeito engajado em implementar um programa narrativo particular" (p. 25). Antes de qualquer coisa, comparemos essa descrição com a colocação sucinta, porém bastante esclarecedora, oferecida por Shirley Heath (2002: 14) quando define o conceito de agência como "the power to act beyond structure" (imbuída de capacidade para atuar além de estrutura). Se Martin e Ringham definem o 'agente' em oposição a 'paciente', na visão de Heath ele está em contraste com o 'sujeito' e traz à baila uma das principais diferenças entre estruturalismo e pós-estruturalismo, destacando ao mesmo tempo a dimensão política do segundo.

O que Heath está ressaltando é que o conceito de agência é um avanço sobre a noção do sujeito consagrado pelo estruturalismo clássico que, em suas vertentes althusseriano, foi reduzido a uma mera marionete a mercê de forças muito além de suas possibilidades de controlar ou influenciar. É essa noção de estrutura que o pós-estruturalismo vem a questionar, reivindicando um lugar para a atuação da história no epicentro da própria estrutura, idéia essa que é um desdobramento da observação enigmática de Derrida (1976) de que "O centro não é [jamais pode ser] o centro".

O livro em pauta peca não só por nem sequer tocar nestes desenvolvimentos mais recentes e atuais (por exemplo, a noção de agência encontrase discutida de forma muito mais produtiva em Canagarajah, 1999 e Joseph, 2006), mas contribui para reforçar certas idéias e visões escancaradamente apolíticas, levando suspeitas em relação à afirmação dos autores, discutida no início desta resenha, de que a semiótica seja um ramo da teoria crítica e tenha se transformado em uma nas últimas décadas. Assim, enquanto que o termo 'sujeito' é definido como "uma função narrativa (actante)", no verbete sujeito de fazer (subject of doing) se lê: "O sujeito de fazer é também com freqüência referido como 'agente' ou 'agente operante', ele se contrasta com 'o sujeito de estado' [subject of state] ou 'paciente'". O verbete seguinte, sujeito de estado, de novo, o define como paciente, contrastando-o com agente ou sujeito de fazer. Sem dúvida, o circulo se fecha, garantido uma perfeita coerência aos termos que compõem a "campo terminológico", mas permanece a dúvida se houve algum esforço de trazer os novos ares que estão soprando e re-animando a discussão em torno dos temas.

No verbete sobre desconstrução, o termo é apresentado como nome de um método, a saber, o desvendar o que um dado texto pode estar querendo dizer. a despeito do que ele aparenta dizer. Ora, trata-se de uma leitura ingênua para não dizer totalmente equivocada. Sobre o título performativo, o leitor encontrará afirmações estapafúrdias do tipo "O termo performativo seria sinônimo ao ilocucionário, um termo que indica atos de fala que envolvem comandos, perguntas e advertências, etc." (p. 146). No mínimo, tais explicações servem para despistar o iniciante e confundi-lo de vez, ao invés de fornecer informações básicas sobre o assunto e empolgá-lo para querer aprofundar no tema.

Uma boa parte do livro (ao todo 36 páginas, de 212 a 248) é dedicada a curtas biografias de importantes pensadores "em Semiótica". Os nomes arrolados são de figuras como Roland Barthes, Noam Chomsky, Umberto Eco, Julien Greimas, Louis Hjemslev, Roman Jakobson, Julia Kristeva, Claude Levi-Staruss, Maurice Merleau-Ponty, Charles Sanders Peirce, Vladimir Propp, e Ferdinand de Saussure. Não há nenhuma justificativa pela escolha só desses nomes, muito menos pela omissão de outros tantos.

O livro se encerra com um Apêndice: um texto avulso intitulado 'A análise semiótica de Bela Adormecida: um exemplo da abordagem greimassiana', da autoria dos dois autores que foram responsáveis por todo o resto do livro. "A intenção dos presentes autores," avisam eles (p. 257), "contudo, não é serem prescritivos: a análise semiótica é aberta e flexível e pode ser adotada para se adequar a requisitos específicos".

Ou seja, o propósito da inclusão do texto é presumivelmente ilustrativo—o de demonstrar o que uma análise nos moldes da análise semiótica é capaz de desvendar.

Após relatar o famoso conto de fadas em rápidas pinceladas, os auto-res procedem oferecendo ao leitor uma análise em nível discursivo, destrinchando suas isotopias figurativas, seguidas por uma análise em nível narrativo até chegar ao nível profundo do seu significado que é o de que "[o] Bela Adormecida ... apresenta uma visão mítica não-cartesiana do mundo" e que "[c]omo muitos outros contos de fadas, ele desafia a hegemonia da razão, sugerindo o funcionamento de forças ocultas e irracionais" (p. 274).

É difícil avaliar o livro como um todo. Como uma introdução à semiótica greimassiana, sobretudo para um público iniciante, ele certamente oferece dicas importantes. Mas, como um livro que tem por meta descrever os termos chaves do campo de estudo chamado semiótica, sua utilidade é bastante duvidosa. A inclusão de um nome como Noam Chomsky na lista de semióticos importantes e de termos como 'ato ilocucionário' e 'o imaginário' entre os verbetes, pede para ser justificada. No fim das contas, a impressão que o livro deixa é de um empreendimento de ambições enciclopédicas, porém executado com muita pressa e pouco cuidado ou critério.

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

E-mail: rajagopalan@uol.com.br

  • CANAGARAJAH, A.S. (1999). Resisting Linguistic Imperialism in English Teaching Oxford: Oxford University Press.
  • DERRIDA, J. (1976 [1967]). 'Estrutura, Signo e Jogo no Discurso das Ciências Humanas'. Trad. Vogt, C. A. e Madureira, C. S. In: MACKSEY, R.; DONATO, E. (Orgs.). A Controvérsia Estruturalista: as linguagens da crítica e as ciências do homem. São Paulo: Cultrix. pp. 260 - 284.
  • HEATH, S. B. (2002). 'Talk of learning professional work'. In: ALATIS, E. J., HAMILTON, H. E. & TAN, A-H (eds.). Georgetown University Round Table on Languages and Linguistics 2000. Washington, D.C.: Georgetown University Press. pp.4 24.
  • JOSEPH, J. E. (2006). Language and Politics Edimburgo: Edinburgh University Press,
  • Rajagopalan, K. (2009). 'Poststructuralism'. In: CHAPMAN, S.; ROUTLEDGE, C. (orgs.). Key Ideas in Linguistics and the Philosophy of Language. Edimburgo: Edinburgh University Press. pp. 170 173.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Maio 2010
  • Data do Fascículo
    2009
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