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Nova gramática do Português Brasileiro

RESENHA

Resenhado por/by: Francisco Gomes de Matos

Professor Emérito, Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: fcgm@hotlink.com.br

CASTILHO, Ataliba T. de. 2010. Nova Gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Editora Contexto. ISBN 978-85-7244-462-0. (768 p.)

2010 será um ano memorável na História das Gramáticas de Língua Portuguesa, com a publicação deste volume por um professor-pesquisador a quem conheci por meio de um artigo de sua autoria publicado na revista ALFA (Castilho, 1962), da Faculdade de Filosofia de Marília, SP. Desde então, venho acompanhando, à medida do possível, a atuação desse inspirado(r) linguista em favor do desenvolvimento dos estudos científicos sobre língua portuguesa, particularmente, do Português brasileiro. Assim, resenhar este livro constitui um duplo prazer-desafio: registrar, neste texto, minha admiração pelo trabalho extraordinário realizado por Ataliba (ficaria estranho usar o sobrenome, pois assim me dirijo a ele) e partilhar algumas reflexões sobre a leitura dessa Gramática, doravante referida como NGPB.

O planejamento feito pelo resenhador seguirá esta sequência: 1. Título e capa, 2. Objetivos, 3. Prefácio (Rodolfo Ilari), 4. Organização e Conteúdos, 5. Enfoque científico, 6. Português autoral, 7. Terminologia e Glossário, 8. Índice, 9. Bibliografia, 10. Dados autobiográficos, 11. Conclusão.

1. TÍTULO E CAPA

Chama atenção o uso de Nova: essa adjetivação reflete, por um lado, a intenção autoral de oferecer uma abordagem inovadora à descrição científica do português brasileiro e, por outro lado, a concretização de uma gramática monoautoral, por quem, até recentemente, tanto amou seu "próximo linguístico" nos contextos universitários em que atuou/atua que exercia os papéis de organizador ou co-autor de volumes, principalmente de textos centrados na gramática do português falado no Brasil. Poderia acrescentar que Nova também traduz a vontade autoral de contribuir para nossa Tradição em Metodologia de Pesquisas Linguísticas (Cf. Pesquisando a diversidade do Português Brasileiro, 649 - 662).

No título, louve-se a ocorrência de brasileiro: Ataliba contribui para confirmar-se terminologicamente a locução Português brasileiro, agora elevada a variante principal, na companhia de Português do Brasil.

Destaque-se, também, a capa (Alba Mancini): traduz o sentimento de brasilidade por meio de dois barquinhos de papel, um verde, outro, amarelo, a navegarem juntos, no oceano da língua portuguesa. Na contra-capa, ao lado do nome da Editora, aparece FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que, nas palavras de Ataliba,"financiou os projetos cujos resultados desaguam nestas páginas: Projeto da Norma Urbana Linguística Culta de São Paulo, Projeto de Gramática do Português Falado e Projeto de História do Português de São Paulo" (33).

2. OBJETIVOS

Na Introdução, esclarece Ataliba que "postula a língua em seu dinamismo como um conjunto articulado de processos" (31) e que as atividades mentais desenvolvidas pelos usuários de língua portuguesa refletem "quatro sistemas linguísticos: o léxico, a semântica, o discurso e a gramática" (32). Assim, sustenta que "A teoria multissistêmica aqui exposta tem um forte conteúdo funcionalista-cognitivista" (32). Criativamente, o autor adota uma dupla estratégia: texto expositivo e texto indagativo (no qual os leitores são imaginados como co-autores). Ao formular os objetivos de NGPB (veja-se Como consultar esta gramática), Ataliba, com muita humildade, aconselha: Procure ser o gramático de você mesmo (p.35). Assim, percebe-se o valor por ele atribuído ao direito, que deveria ter todo(a) pesquisador(a), de encontrar respostas para suas questões, comparando-as aos achados na literatura especializada, enfim, exercer o direito à autonomia investigativa na área de Estudos Linguísticos. Em suma, objetiva Ataliba mostrar como a língua é multissistêmica, na imensa variabilidade de seus usos e como um dispositivo sociocognitivo rege os sistemas (83).

3. PREFÁCIO

Ilari intitula seu texto, Nova Gramática do Português Brasileiro: Tradição e Ruptura. Em 5 páginas escritas com o conhecimento efetivo-afetivo de quem poderia ser biógrafo do autor, Ilari oferece aos leitores uma antevisão do que será saboreado nas quase 770 páginas do livro. Assim, o linguista da UNICAMP explica de que modo Ataliba trabalha a concepção de língua como "um conjunto de operações cognitivas" (27) e ressalta que o autor exerceu liderança intelectual no Brasil e "foi sempre um leitor ávido de tudo aquilo que se produziu no Brasil e no exterior, sobre a língua portuguesa falada nos trópicos" (28). Após esse Prefácio, o resenhador ficou ainda mais entusiasmado para conhecer a seriedade prazerosa anunciada por Ilari, como um dos deleites a serem experimentados pelos leitores.

4. ORGANIZAÇÃO E CONTEÚDOS

Após o Prefácio, seguem-se Introdução (4 p.), Como consultar esta Gramática (6 p.), 15 capítulos (extensão variável: 18 a 68 páginas), Glossário (34 p), Índice de Matéria (16 p.), Bibliografia (54 p.), O Autor (2 p.).

A seção introdutória informa que este livro "é fruto de cinqüenta anos de pesquisas, desenvolvidas na UNESP/Marília, UNICAMP e USP e em universidades no exterior (4 nos EEUU, 1 em Portugal, 1 na França, 1 na Itália). Ataliba esclarece que seu "público-alvo são os professores do ensino médio, os alunos do curso superior, os professores universitários de Linguística Geral e de Linguística do Português brasileiro e as pessoas que se sintam atraídas pelo mistério das línguas naturais" (33). Nessa lista, bem poderiam ser incluídos linguistas, lexicógrafos, autores de livros didáticos e de gramáticas do Português, terminólogos e professores de Português para usuários de outras línguas.

Na seção bem didática, Como consultar esta gramática, além de apresentar Símbolos utilizados e Lista das Abreviaturas, Ataliba partilha enumerações preciosas: 78 Quadros, 9 Tabelas e 2 Mapas. Essa informação utilíssima poderia ter sido incluída no Sumário.

A sequência bem organizada de capítulos mostra uma sequência de 5 capítulos que propiciam fundamentação teórica antecipadora (1. O que se entende por Língua e por Gramática, 2. Sistemas linguísticos, 3. História do Português Brasileiro, 4. Diversidade do Português Brasileiro, 5. A Conversação e o texto). A esses capítulos, seguem-se 4 capítulos centrados na sentença (6. Primeira abordagem da sentença, 7. Estrutura funcional da sentença, 8. Minissentença e sentença simples: tipologias, 9. A sentença complexa e sua tipologia.) O autor dá continuidade a esse percurso, oferecendo 5 capítulos com foco no sintagma (10. Sintagma verbal, 11. Sintagma nominal, 12. Sintagma adjetival, 13.Sintagma adverbial, 14.Sintagma preposicional).

O capítulo final, Algumas generalizações sobre a Gramática do Português Brasileiro. A reflexão gramatical, é uma sistematização concisa (por meio de 6 Quadros), na qual Ataliba opta por um percurso analítico semasiológico: vai "das categorias cognitivas para as estruturas que as representam" (611). Assim, generaliza com base nas categorias de pessoa, coisa, espaço e tempo, movimento, qualidade e quantidade.

5. ENFOQUE CIENTÍFICO

Como antecipado em Objetivos, Ataliba usa uma teoria multissistêmica funcionalista-cognitivista, que pode ser apresentada por meio de seis postulados, assim parafraseados: 1. Aparato cognitivo subjacente à língua, 2. Língua como competência comunicativa, 3. Não-autonomia das estruturas linguísticas, 4. Língua como sistema dinâmico complexo, 5. Percepção pancrônica da língua, 6. Sistemas linguísticos gerenciados por princípios sociocognitivos. As reflexões de Ataliba sobre como aproximou-se e afastou-se de outros Autores, na construção de seu enfoque teórico estão sumariadas na seção Diálogo da Teoria Multissistêmica com outras Teorias (81-83). Uma síntese magistral de pensamento crítico.

6. PORTUGUÊS AUTORAL

Uma das surpresas agradáveis no processamento deste livro é de natureza estilística. Em muitas passagens, Ataliba consegue justapor português acadêmico formal e português conversacional. Assim, você leitor(a) é tratado por você, da página 35 a 651. Fraseologicamente, o autor dá pitadas informais aos textos. Exemplos: "Quer uma amostra grátis? Dê um pulo até a seção 9.2.2.41" (131), "... a sentença é uma espécie de sopa predicativa" (245), "Leia Demonte (1999) para esquentar seu motor." (539). "Aquele hoje escondidinho no final de (92a), vai de adjunto adverbial numa boa "(578).

E, o que dizer da de Projetos (649 -662), fica bem evidenciada a criatividade pedagógica de Ataliba. Assim, ele propõe inúmeras pesquisas, para isso, recorrendo a um extenso repertório de verbos: Escolha, Estude, Prepare (um questionário), Grave e transcreva, Aprofunde a pesquisa, Separe e quantifique, Levante exemplos, Organize um corpus, Explique a correlação entre o perfil sociolinguístico dos autores e as formas verbais selecionadas, Identifique os tópicos discursivos, Indague como se tem tratado a questão da norma culta em nossas escolas, Examine a variação nós/a gente...fraseologia pedagógica autoral? Na imperdível seção Sugestões

7. TERMINOLOGIA E GLOSSÁRIO

A criação de uma gramática complexa como esta constitui imenso desafio terminológico para o Autor. No caso, Ataliba aplicou humanizadoramente o princípio que, em Linguística da Paz, costumo formular assim: Pensamos primeiro em nosso próximo linguístico. Para dar conta disso, ele exerce seu direito de fazer opções linguísticas. Assim, processo tem freqüência de uso bem elevada (cf. páginas 32, 42, 59, 78, 80, 84, 134, 138, 145, 155, 156, 244, 263, 324, 355, 455, 538, 590, 670, 671), mas às vezes, é substituído por operação (576), mecanismo (577), fenômeno (590). Em um mesmo parágrafo, podem disputar maior visibilidade terminológica, duas variantes: etiqueta e rótulo (546). Esta dupla rotulação pode mostrar como a mente autoral tem alternativas à disposição e que nem sempre nossa "cuca" precisa fazer uma opção.

Outro direito terminológico exercido por Ataliba: cunhou o termo "minissentença - do inglês small clause, habitualmente traduzidos por minioração por linguistas brasileiros" (320).

Um presente mais que bem-vindo para os leitores deste livro: o extenso Glossário (663 - 696), que inclui termos oriundos de várias abordagens teóricas. Coerente com sua ênfase nas dimensões funcional e cognitivista, Ataliba explica termos como estes: Funcionalismo, Linguística cognitiva (verbete mais extenso: uma página), marcador discursivo, fundo (informação sentencial secundária). No verbete Sintagma aparecem as variantes complementador e complementizador. Bastaria ter optado pelo termo mais econômico, que aparece como verbete (667).

8. ÍNDICE

Eis outro imenso desafio a autores de obras multifacetadas como esta: como dar contar de um vasto universal conceitual-terminológico, com o mínimo de omissões? No caso, Ataliba desempenha seu papel a contento. Lacunas há: assim, na letra c não encontrei Cognição (cf. 69), nem fronteamento (326). Uma análise minuciosa, microscópica do Índice de matéria seria revelador da ênfase dada a conceitos-chave, como argumento, categoria, conversa/conversação, especificadores, gramaticalização, língua, Linguística, Português, princípio(s), sistemas linguísticos.

9. BIBLIOGRAFIA

Os recursos bibliográficos de que se valeu Ataliba foram publicados em português, inglês, francês, espanhol e italiano. Quem conhecer os clássicos do Estruturalismo, os encontrará: Saussure, Bloomfield, Mattoso Câmara Jr., Gleason, Hockett, Pike, Dell Hymes, Sapir, para citar alguns. Dentre os funcionalistas, Halliday está presente. Para quem curte o Cognitivismo em Linguística, Langacker tem seu lugar ao sol. Linguistas brasileiros e portugueses de diversas orientações podem ser encontrados. Na entrada referente a Moura Neves, senti falta de seu Guia de uso do Português (2003) e nas referências a Borba, não encontrei seu Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (2004). Como as referências abrangem obras publicadas até 2000, a gramática cognitivista de Radden & Driven (2007) poderia ter sido incluída.

Nesta era da comunicação eletrônica, Ataliba recorreu a colegas brasileiros e brasileiras (cf.páginas 336,378). Destaque-se que o autor presta um inestimável duplo serviço bibliográfico, pois oferece também um Arranjo Temático da Bibliografia (631-649).

10. DADOS AUTOBIOGRÁFICOS

Esta página constitui um fecho de ouro: Ataliba se apresenta como filho, pai e avô-exemplar, este resenhador faz questão de acrescentar. A gente (para exercer meu direito linguístico de optar por uma variante em ascenção, querendo ter seu uso reconhecido no português acadêmico...) fica sabendo que Ataliba foi orientado doutoralmente pelo saudoso, brilhante Theodoro Henrique Maurer Jr. a quem tive o privilégio de conhecer. Brilhou como presidente do GEL, da ABRALIN e da ALFAL. E atualmente presta assessoria ao extraordinário Museu da Língua Portuguesa (SP).

11. CONCLUSÃO

Desafio imenso resenhar a NGLP de Ataliba T. de Castilho, "companheiro nestas andanças" como ele carinhosamente me dedicou o pioneiríssimo volume, que honra a Tradição de Estudos Gramaticais em Língua Portuguesa. Por seu humanismo, sua competência, sua liderança, seu espírito de cooperação científica e educacional Ataliba já conquistou um lugar especial ao sol da Linguística brasileira. Este precioso, "enciclopédico volume", como lembra o prefaciador Rodolfo Ilari, certamente irá inspirar pesquisadores que produzam gramáticas cada vez mais relevadoras do que Ataliba chama "processos criativos do português brasileiro" (31).

Aplaudo o autor e a Editora Contexto por esse marco editorial na História da Pesquisa em e sobre a variedade brasileira de Português. Um livro de exercícios, inspirado nas aplicações sugeridas por Ataliba seria um complemento.

  • BORBA, Francisco S. 2004. Dicionário UNESP de Português Contemporâneo São Paulo, Editora UNESP.
  • CASTILHO, Ataliba T. de. 1962. A língua portuguesa no Brasil. Revista ALFA I: 9-24.
  • MOURA NEVES, Maria Helena de. 2003. Guia de Uso do Português Confrontando regras e usos São Paulo, Editora Contexto.
  • RADDEN, Gunther & René DRIVEN. 2007. A Cognitive English Grammar Amsterdam and Philadelphia: John Benjamins, 374 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2010
  • Data do Fascículo
    2010
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