1. Introdução
No Português Clássico (doravante PCl), particularmente durante os séculos 16 e 17, o complementizador que pode ser omitido em orações subordinadas completivas selecionadas por certos verbos. Esse fenômeno é ilustrado logo a seguir, com (1a) exemplificando uma sentença com o complementizador que e (1b) exemplificando uma oração subordinada finita sem o respectivo complementizador.
O objetivo principal deste trabalho é investigar, dentro de uma perspectiva gerativista, a estrutura sintática das orações sem que. Mais especificamente, procuraremos detectar se tais construções correspondem a um CP ou a um IP complemento. Para isso, analisaremos três características das orações sem que, a saber: i) a obrigatoriedade de sujeitos pós-verbais; ii) o fato de que verbos finitos necessariamente precedem advérbios; e iii) o licenciamento obrigatório da interpolação. A partir desses três fatos, defenderemos que, na ausência do complementizador, há movimento de V para C, resultando, portanto, na presença da categoria CP em orações sem que.
O trabalho está organizado da seguinte forma. Na seção 2, contextualizaremos nosso trabalho dentro de uma discussão mais geral já existente na literatura gerativista a respeito de orações sem complementizador em outras línguas. Na seção 3, apresentaremos as evidências em favor da nossa proposta de movimento do verbo finito para o núcleo C da periferia da sentença sempre que o complementizador que está ausente. Concluindo, na seção 4, faremos algumas considerações finais.
2. O debate sobre a presença ou não de CP em orações sem complementizador
No PCl,1 o complementizador quepode ser omitido em orações complemento que são selecionadas por diferentes tipos de verbos, dentre os quais destacam-se verbos de atitude proposicional, tais como duvidar e parecer, verbos de volição ou de desejo, tais como querer e esperar, verbos factivos e semi-factivos, tais como prometer e entender, e verbos dicendi, tais como dizer. Isso é ilustrado com os exemplos em (2).
(2) | a. | duvida [ corresponderiaõ os favores de Deus taõ abundantes, (C_002,133.11)2 |
b. | parece [ pódem competir os milagres, (V 004,180.1135) | |
c. | ele queria [ se observasse: (B_001,143.1160) | |
d. | se espera [ lhe faça grandes mercês. (G_001,94.1377) | |
e. | depois promette [ ha-de tomar a todo genero humano, (V_004,101.773) | |
f. | veyo a entender [ hauia muyto que cortar (C_002,193,766) | |
dissemos [tinha sempre a cabeceira. (S_001,60.655) |
No âmbito da literatura gerativista, muito se tem discutido se orações sem complementizador correspondem a um CP ou a um IP complemento. Esse debate é bem ilustrado a partir de exemplos como (3) em Inglês, que admite a omissão opcional do complementizador that.
Bošković (1997), por exemplo, argumenta que sentenças encaixadas finitas sem o complementizador that não projetam a categoria CP, configurando-se apenas como um IP complemento. Isso ocorreria em razão do Princípio de Estrutura Mínina. De acordo com esse princípio, quando duas representações sintáticas manifestam a mesma estrutura lexical e são empregadas na mesma função, dá-se preferência pela escolha sintática que apresenta menos projeções. Bošković assume que, na ausência de that, a presença da projeção CP careceria tanto de uma motivação semântica quanto de uma motivação lexical. Assim, em razão do Princípio de Estrutura Mínima, uma representação que projete apenas um IP complemento seria preferida (cf. também Webelhuth 1992 e Doherty 1997).
Uma proposta diferente é desenvolvida em Pesetsky (1995). Esse autor argumenta que todo núcleo lexical (diferentemente de um núcleo funcional) seleciona um CP complemento. Em relação ao Inglês, a idéia é que as construções encaixadas sem that correspondem a estruturas nas quais o complementizador é um afixo nulo que deve se adjungir, no componente fonético, ao verbo regente. Dessa maneira, mesmo não havendo material foneticamente realizado no CP encaixado, sua presença seria necessária para uma adequada derivação sintática das sentenças sem o complementizador that (cf. também Bošković & Lasnik 2003).3
No que se segue, traremos esse debate para o contexto do PCl, apresentando alguns dados que nos permitam dizer se, na ausência de que em orações complemento finitas, estamos ainda diante da presença de um CP ou simplesmente de uma estrutura que projete um IP complemento.
3. A presença da categoria CP em orações sem que
O objetivo desta seção é apresentar a proposta de que, no PCl, orações encaixadas sem o complementizador que correspondem a estruturas que instanciam movimento de V para C. Para isso, apresentaremos três evidências em favor dessa hipótese.
3.1. Posição do Sujeito
Em orações subordinadas finitas introduzidas pelo complementizador que, o sujeito pode tanto preceder quanto seguir o verbo flexionado. Essas duas possibilidades no que diz respeito à ordem linear do sujeito são exemplificadas em (4) e (5), respectivamente (o sujeito encontra-se em itálico, e o verbo, em negrito).4
(4) naõ advirtio este fidalgo [ que Christo deixou a Cezar o que era de Cezar, (C_002,139.106)
(5) Pareceu a el-Rei e aos seus [ que lhes acudia o Céu com socorro. (S_001,12.33)
Já nas orações sem que, temos um quadro distinto. Se o sujeito dessas construções é realizado foneticamente, sua posição linear é obrigatoriamente pós-verbal.5 Esse fato é ilustrado em (6).6
(6) | a. | pedia [ lhe desse o Arcebispo a praça em seu serviço. (S_001,70.776) |
b. | temer [ não salte de lá alguma faísca , (S_001,167.1934) | |
c. | reconheceu [ habitavam juntas seis Nações diferentes , (B_001,91.727) | |
d. | parece [ quiz Deos nesta demonstraçaõ reprehenderlhe o enfado, (C_002,176.575) | |
e. | parece [ fiou o Senhor o pregaõ de seus merecimentos. (C_002,221.1128) |
Uma maneira natural de interpretar a possibilidade de se ter o sujeito em posição pré ou pós-verbal em orações com o complementizador visível é assumindo que o sujeito possa ser alçado para [Spec,IP], como uma forma de satisfazer o traço EPP de I, mas que também possa permanecer numa posição interna a VP onde é inicialmente inserido na derivação, à la Koopman & Sportiche (1991), por exemplo.7 Assim, se admitirmos que o complementizador é concatenado em C e que os verbos flexionados nas línguas Românicas sempre sobem, no mínimo, para o domínio de IP em virtude da morfologia rica que apresentam, a ordem com sujeito pré-verbal em (4) seria derivada em razão de movimento do sujeito para [Spec,IP], ao passo que a ordem com sujeito pós-verbal em (5) seria derivada em razão da permanência do sujeito numa posição mais baixa em relação ao verbo.Essas duas possibilidades de derivação são representadas, respectivamente, em (7) e (8).
(7) [CP [C' que ] [IPsujeitoi [I'verbop ] [VPti [V' tp]]]
(8) [C' que ] [IP [I' verbo ] [VPsujeito [V' t ]]]
Essas considerações nos permitem lançar um olhar interpretativo interessante sobre o fato de que, em orações sem que, a ordem canônica do sujeito é necessariamente pós-verbal. Vamos supor que tais orações são um CP complemento que licencia movimento do verbo para C. Note-se que essa hipótese é derivacionalmente possível já que, em razão de não haver um complementizador visível na periferia da sentença, nada bloquearia, a priori, a subida do verbo para C. Caso isso realmente ocorra, uma das previsões imediatas é a de que o sujeito estará sempre em posição pós-verbal, tenha ele se movido para [Spec,IP] (cf. (9)) ou permanecido numa posição interna a VP (cf. (10)). Uma análise nessa direção explica o porquê de sempre encontrarmos o verbo finito precedendo o sujeito em orações subordinadas sem o complementizador que.
(9) [CP [C' verbop ] [IP sujeitoi [I'tp ] [VPti [V' tp]]]
(10) [C' verbop ] [IP[I' tp ] [VP sujeito [V' tp ]]]
Um argumento que parece corroborar essa hipótese é o fato de que, nas orações sem complementizador do PCl, pode-se ter o sujeito posposto entre um verbo auxiliar finito e o verbo lexical, como comprova o exemplo a seguir.
É interessante notar que o tipo de posposição do sujeito exemplificado em (11) é idêntico ao padrão de inversão do sujeito em orações interrogativas matrizes do Inglês. Nessa língua, como se vê a partir do contraste de (12a) em relação a (12b) e (12c), o sujeito ocorre entre o verbo auxiliar e o verbo principal.
Esse padrão de posposição do sujeito nas interrogativas do Inglês é usualmente analisado como um caso de movimento do verbo para C, tendo o sujeito sido movido até [Spec,IP] (cf., entre outros, Pesetesky & Torrego 2001, Rizzi 1996, Rizzi & Roberts 1996). Tendo em vista o fato de que o PCl admite esse tipo de ordem de palavras nos casos de posposição do sujeito das sentenças encaixadas sem que, é plausível pensar então que tais orações de fato instanciam movimento de V para C.8
3.2. Posição de advérbios
Em orações subordinadas introduzidas pelo complementizador que, advérbios podem ocorrer linearmente tanto à esquerda do verbo finito quanto à sua direita. Essa variação é exemplificada a seguir, em que os dados em (13) apresentam advérbios em posição pré-verbal, ao passo que os dados em (14) apresentam os mesmos advérbios em posição pós-verbal (o advérbio encontra-se em itálico, e o verbo, em negrito).
(13) | a. | E dizia [ que o seguir estremos sempre fora estranhado dos bons entendimentos; (S_001,110.1289) |
b. | e inspirando no coração de seus súbditos [ que tambémlhe tenham perfeita obediência. (S_001,46.470) | |
(14) | a. | Não nego [ que a nobreza, quando está junta com talento, deve sempre preceder a tudo. (V_004,199.1747) |
b. | Consiste em [ que no dia do Juiso, se o mundo acaba para mim, acaba também para todos. (V 004,75.271) |
Já nas orações não introduzidas pelo complementizador, os advérbios ocorrem necessariamente à direita do verbo, como se vê em (15).
(15) | a. | e pera se espertar usava do remédio da água, que dissemos [ tinha sempre a cabeceira. (S 001,60.655) |
b. | e conseguiu do imortal, e Augusto Rei Dom João IV [ houvesse também um como Tribunal, ou Junta, a quem unicamente pertencesse o cuidado das Missões, (B_001,171.1384) |
Tal assimetria entre orações com que e orações sem que no tocante à posição de advérbios pode ser facilmente interpretada ante a hipótese de que o verbo finito é alçado para a periferia da sentença nas orações que omitem o complementizador. Dentro da proposta de Cinque (1999) para a estrutura oracional, considera-se que advérbios ocupem o especificador de diferentes projeções funcionais na camada de IP, cada uma correspondendo à noção semântica expressa pelo constituinte adverbial. Com relação a orações com um complementizador visível, deve-se assumir que o verbo finito também está localizado no domínio de IP, já que seu movimento para a periferia da sentença seria bloqueado em razão da presença de que. Assim, tendo em vista que um advérbio pode estar associado a diferentes interpretações (cf. Jackendoff 1972) e, consequentemente, a diferentes posições estruturais, a variação entre a ordem de palavras "advérbio-verbo" e "verbo-advérbio" pode ser derivada a partir da possibilidade de se ter o mesmo advérbio numa posição mais alta ou mais baixa do que aquela ocupada pelo verbo finito no domínio de IP. Ou seja, a variação estaria relacionada a eventuais diferenças de siginificado atribuídas aos advérbios, que resultariam em posições estruturais distintas em relação ao verbo.
Já no caso das orações sem que, a ausência do complementizador não impediria o alçamento do verbo para o núcleo de CP. Nessa configuração, o verbo finito estará sempre estruturalmente acima de um advérbio, independentemente do valor semântico expresso por este em qualquer que venha a ser sua posição no domínio de IP. Com isso, derivamos a obrigatoriedade de advérbios em posição pós-verbal em orações sem complementizador.
É importante dizer que foram encontrados apenas 4 exemplos com advérbio pós-verbal em sentenças sem o complementizador que. Em termos quantitativos, sem dúvida trata-se de um número bastante limitado para assegurar que, na gramática do PCl, advérbios são licenciados necessariamente em posição pós-verbal no contexto de orações sem o complementizador, como aqui fizemos. Nesse ponto, porém, gostaríamos de fazer menção à situação de duas línguas românicas modernas, em relação às quais não precisamos depender de um corpus para teorizar a respito da gramática dessas línguas, já que temos acesso à intuição dos falantes, algo que evidentemente não ocorre em relação ao PCl. No Espanhol, por exemplo, certos advérbios podem ocorrer em posição pré-verbal em orações complemento finitas introduzidas pelo complementizador que, como exemplificado em (16).9
(16) Lamentó [ que siempre se cuestionen sus actuaciones lamentou que sempre se-CL questionem suas atuações "Ele lamentou que as suas ações sejam sempre questionadas."
Fato semelhante é observado no Italiano nas orações complemento finitas introduzidas pelo complementizador che, como se vê em (17) (cf. Poletto 2001).
(17) Credo [ che sicuramente lo facia creio que certamente o faça "Eu acredito que certamente ele faça isso."
Já em orações sem complementizador, tanto o Espanhol quanto o Italiano licenciam o advérbio apenas em posição pós-verbal. Esse contraste pode ser observado em (18) para o Espanhol (cf. Gallego 2010) e em (19) para o Italiano (cf. Poletto 2001).
(18) | a. | Lamento [ cante siempre Luis |
lamento cante-3p.s sempre Luis | ||
"Eu lamento que o Luis sempre cante." | ||
b. | *Lamento [ siempre cante Luis | |
(19) | a. | Credo [ lo facia sicuramente |
creio o-CL faça-3p.s certamente | ||
"Eu acredito que certamente ele faça isso." | ||
b. | *Credo [ sicuramente lo facia |
Essa restrição imposta por línguas como o Espanhol e o Italiano poderia ser interpretada como uma característica geral das línguas românicas que licenciam o fenômeno de orações sem complementizador, a saber, a propriedade de não licenciarem advérbios em posição préverbal sempre que o complementizador não é realizado foneticamente. Dentro dessa hipótese, portanto, seria esperado que o PCl também mostrasse o mesmo tipo de restrição, conforme evidenciado em nossos corpus, ainda que numa quantidade pequena de dados.
3.3. O padrão de interpolação
Um dos tópicos mais discutidos da gramática do PCl é, seguramente, o fenômeno da colocação de clíticos (cf., entre muitos outros, Martins 1994, Paixão de Sousa 2004e Galves, Britto & Paixão de Sousa 2005). Um aspecto interessante a respeito desse fenômeno tem a ver com o fato de que a próclise (clítico em posição pré-verbal), enquanto ordem categórica do clítico em relação ao verbo em diferentes contextos sintáticos, pode ser derivada com o clítico ocupando uma posição final ou na periferia da sentença ou no domínio de IP. Por exemplo, nas interrogativas matrizes -wh, contexto este em que a próclise é categórica (cf. (20a)), pode-se dizer que o clítico se encontra na periferia à esquerda da sentença junto com o verbo, tendo em conta que, nesse contexto específico, é obrigatório o movimento de V para C (cf. Lopes-Rossi 1996), como esquematizado em (20b).
Já em outros ambientes sintáticos, como nas orações complemento finitas introduzidas pelo complementizador que, onde a próclise também é categórica, o clítico parece estar adjungido à esquerda do verbo no domínio de IP (cf. (21)). Que o constituinte verbal finito não está em C depreende-se da presença do complementizador, o que bloqueia movimento do verbo para o núcleo de CP.10
(21) | a. | Propôs com ardente espírito, que o Céu o chamava a viver, (B_001,15.138) |
b. | [CP que [IP o Céu o chamava ...]] |
Nas orações subordinadas que não manifestam o complementizador, os pronomes clíticos também ocorrem obrigatoriamente à esquerda do verbo finito. Esse padrão categórico de próclise é exemplificado em (22).
(22) | a. | sabia [ lhe falavam a verdade. (S_001,39.389) |
b. | pedia em particular [ o encomendassem a Deus, (S_001,55.596) | |
c. | Estas são as grandes coisas que sabemos [ se hão -de ver (V_004,63.26) | |
d. | e o dizia por mil bocas [ o tinham feito. (B_001,200.1585) | |
e. | rogaria às ditozas aparecidas [ lhe pagassem diante de Deos (C_002,153.282) |
Tendo em vista que, a depender do contexto sintático, a posição final do clítico nos casos de próclise pode ser ou no domínio de CP ou no domínio de IP, o fato de se ter próclise de forma categórica nas sentenças sem o complementizador por si só parece não nos dar nenhuma pista quanto à real posição do verbo. Dizemos isso pois, a priori, a ausência do complementizador não pode ser tomada como uma evidência definitiva nem para movimento do verbo para C nem para permanência do verbo em I. O desafio que se coloca então é saber se há alguma evidência independente que permita concluir que a próclise nas sentenças sem o complementizador resulta de subida do constituinte verbal para C ou de permanência do verbo em I. Uma resposta para esse desafio talvez possa ser extraída olhando-se para os casos em que o elemento de negação não também está presente. No PCl, pode-se ter ou o clítico precedendo não, formando a sequência clítico-não-verbo (o que se costuma designar de interpolação), ou o elemento de negação precedendo o clítico, resultando na sequência linear não-clítico-verbo. Nas interrogativas matrizes negativas com clítico, tem-se categoricamente a interpolação, como atesta a ordem clítico-não-verbo dos exemplos em (23).
(23) | a. | como se não há -de ter por fortuna de Messias? (V_004,179.1128) |
b. | porque o não acceitaes em vosso serviço? (V_004,202.1825) |
Já nas orações subordinadas finitas introduzidas pelo complementizador que, a seqüência não-clítico-verbo pode ser licenciada, como ilustram os exemplos em (24).
(24) | a. | temendo que aquelles passos que hauia dado a virtude naõ os fisesse desandar a vangloria; (C_002,144.160) |
b. | advirto que os prophetas não se hão -de conhecer, (V_004,191.1516) |
Os dados em (23) e (24) apontam para a existência de uma correlação interessante: quando se tem movimento do verbo para C, como nas interrogativas -wh, o clítico aparece sistematicamente à esquerda de não, licenciando assim a interpolação, ao passo que, permanecendo o verbo em I, como nas subordinadas finitas introduzidas pelo complementizador que, pode-se ter o clítico à direita de não. Cabe destacar que o nosso objetivo aqui não é explicar como as seqüências clítico não-verbo ou não-clítico-verbo são formadas, mas sim mostrar que, a depender da posição do clítico em relação ao elemento de negação, pode-se ter uma evidência independente para a posição do verbo.11
Com isso em mente, voltemos a nossa atenção para as orações subordinadas sem o complementizador. Caso o verbo seja alçado para C, é de se esperar que a ordem linear clítico-não-verbo seja derivada de forma categórica. Permanecendo o verbo em I, espera-se que a sequência não-clítico-verbo possa ser derivada. No âmbito dos textos que analisamos, das sentenças sem o complementizador que manifestando simultaneamente um clítico e o elemento de negação não, todas elas apresentam a ordem clítico-não-verbo (cf. (25) a seguir), sugerindo, portanto, que essas orações apresentam movimento do verbo para C.
(25) | a. | requerendo-lhe da parte de Deus, e de Sua Majestade, [ lhe não pusesse impedimento à jornada; (B_001,143.1160) |
b. | se attreveo a dizer a seu Pay [ se naõ achava com resoluçaõ de ser Religioza; (C 002,137.60) | |
c. | mas deixa se entender [ lhe naõ perdoaria nesta occaziaõ, (C 002,144.165) | |
d. | he de crer [ o naõ saberia o seu Director;(C_002,166.447) | |
e. | e persuadido [ a naõ deixasse de fazer; (C_002,169.484) | |
f. | mas consta-me [ lhe naõ pedio oraçoens; (C_002,174.539) |
4. Considerações finais
Neste trabalho, fizemos uma discussão a respeito de orações completivas finitas do PCl que não são introduzidas pelo complementizador que. Três fatos relacionados a esse fenômeno foram apresentados: i) a obrigatoriedade de sujeitos pós-verbais; ii) a distribuição de advérbios em relação ao verbo; e iii) o padrão de licenciamento da interpolação. A partir desses três aspectos, mostramos que, nesse período gramatical da história do Português Europeu, construções sem o complementizador correspondem a estruturas que manifestam movimento do verbo para C. Tendo em conta o debate no âmbito da literatura gerativista sobre a estrutura dessas construções, particularmente se correspondem a um CP ou a um IP complemento, os resultados aqui apresentados sugerem que, ao menos em relação ao PCl, estamos diante de orações que projetam a categoria CP.
Cabe dizer que algumas questões igualmente relevantes não foram discutidas aqui, como por exemplo a motivação para o movimento do verbo para a periferia da sentença. Esse tópico será deixado para pesquisas futuras. Outra questão a ser desenvolvida é a comparação sistemática do fenômeno de orações sem complementizador no PCl com outras línguas que também manifestam essa propriedade, a fim de se determinar a existência ou não de traços mais gerais que regulem o funcionamento do fenômeno em questão.