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Agir verbal, representações e responsabilidade enunciativa em sítios web institucionais * * Este artigo foi financiado pelos Fundos Nacionais da FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia, Projeto Estratégico UID/LIN/03213/2013 e bolsa de pós doutoramento SFRH/BPD/66300/2009

Verbal acting, representations and enunciative responsibility in institutional websites

RESUMO

Neste artigo visa-se a análise do agir verbal estruturado pelas atividades gerais a que está associado e que pode ser apreendido nos textos e nos discursos, e no caso em apreço nos sítios web, a partir do quadro teórico do Interacionismo Sociodiscursivo (Bronckart, 1997BRONCKART, Jean-Paul. 1997. Activité langagière, textes et discours. Pour un interactionisme socio-discursif. Lausanne, Delachaux et Niestlé (trad. portuguesa: 1999. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo.) A. R. Machado Trad. São Paulo: EDUC., 2008a______. 2008a. Genre de textes, types de discours, et “degrés” de langue. Texto!, XIII(1). Disponível em: http://www.revuetexto.net/index.php?id=86. Acesso em: 20/01/2013.
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). Das análises efetuadas, em particular aos mecanismos de responsabilidade enunciativa, conclui-se que o ambiente virtual veio mudar a capacidade de agir das instituições. Assim, as instituições geram um “auto-retrato promocional” com maiores níveis de conhecimento e aproximação entre elas e o público, legitimam, paralelamente, a sua capacidade de ação e emitem um juízo de valor intrínseco às representações que delas constroem e que reflete, também, os interesses e necessidades dos públicos externos.

Palavra-chave:
agir verbal; representações; responsabilidade enunciativa; texto; sítios web

ABSTRACT

This article aims at reflecting upon a ‘verbal acting’ which is structured by general human activities and which can be grasped though various language practices, that is texts and discourses, in our case websites, using the Socio-Discursive Interactionism (Bronckart, 1997BRONCKART, Jean-Paul. 1997. Activité langagière, textes et discours. Pour un interactionisme socio-discursif. Lausanne, Delachaux et Niestlé (trad. portuguesa: 1999. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo.) A. R. Machado Trad. São Paulo: EDUC., 2008a______. 2008a. Genre de textes, types de discours, et “degrés” de langue. Texto!, XIII(1). Disponível em: http://www.revuetexto.net/index.php?id=86. Acesso em: 20/01/2013.
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) theoretical framework. By the analyzes carried out, in particular to the mechanisms of enunciative responsibility, we conclude that the virtual environment has changed the institutions’ ability to act. Thus, the institutions generate a “promotional self-portrait” with greater levels of knowledge and a closer proximity to the audience. At the same time, they legitimize their capacity for action and they put forward an intrinsic value judgment about the representations that the audience construct of them, also as a reflection of the interests and needs of external audiences.

Key-words:
verbal acting; representations; enunciative responsibilities; text; website

1. Introdução

A passagem do século XX para o século XXI foi marcada pela revolução digital que influenciou a sociedade e o quotidiano das pessoas. Efetivamente muitos aspetos da sociedade sofreram alterações, a saber, a utilização dos médias, a economia, o mundo do trabalho, as práticas educativas e culturais. Além disso, a influência também tocou as relações sociais: dado que a web encurta barreiras e fronteiras, as instituições (públicas e privadas), através dos sítios web, criam uma identidade no meio digital e, ao mesmo tempo, aproximam-se do público-alvo (ou do utilizador).

O presente trabalho parte de dois pressupostos: 1) é ao nível discursivo-textual que se situam os mecanismos de criação de sentido das práticas sociais e das transições incessantes entre representações coletivas e individuais (Durkheim, 1898DURKHEIM, Émile. 1898. Représentations individuelles et représentations collectives. In: Revue de Métaphysique et de Morale, tome VI. Disponível em: http://classiques.uqac.ca/classiques/Durkheim_emile/Socio_et_philo/ch_1_representations/representations.html
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); 2) a linguagem é uma atividade social discursiva (Bronckart, 2006______. 2006. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras. ) que pode ser perspetivada como agir verbal. Este é estruturado pelas atividades gerais a que está associado e pode ser apreendido nas práticas de linguagem situadas, i.e., nos textos e nos discursos. Assim, todo o texto constitui o correspondente empírico e linguístico de um agir, razão pela qual a sua estruturação e organização é marcada por essa dimensão praxiológica, ou seja, as suas características composicionais dependem das condições socio-históricas da sua produção. Nessa medida é a partir dos textos que se pode fazer emergir as representações, as interpretações e as avaliações existentes a respeito da ação humana e assim descrevê-las.

Face ao que foi exposto anteriormente, o objetivo deste artigo é evidenciar o poder de ação (agir verbal) de algumas instituições públicas portuguesas da área da cultura, do ensino e do turismo através da análise dos mecanismos de responsabilidade enunciativa e da interpretação das representações construídas nos sítios web.

O quadro teórico que sustenta esta proposta é o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) (Bronckart, 1997BRONCKART, Jean-Paul. 1997. Activité langagière, textes et discours. Pour un interactionisme socio-discursif. Lausanne, Delachaux et Niestlé (trad. portuguesa: 1999. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo.) A. R. Machado Trad. São Paulo: EDUC., 2008a______. 2008a. Genre de textes, types de discours, et “degrés” de langue. Texto!, XIII(1). Disponível em: http://www.revuetexto.net/index.php?id=86. Acesso em: 20/01/2013.
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, 2008b______. 2008b. O agir nos discursos: das concepções teóricas às conceções dos trabalhadores. Tradução de Anna Rachel Machado, Maria de Lourdes Meirelles Matêncio. Campinas, SP: Mercado das Letras.), segundo o qual a atividade de linguagem produz-se no devir das sociedades. Além do mais, para o ISD o desenvolvimento do Homem dá-se pela linguagem que é materializada nas práticas sociais por meio de textos, discursos e géneros textuais. Portanto, é através da linguagem que se chega ao agir dos agentes produtores das práticas de linguagem situadas.

Para alcançar o objetivo deste trabalho, constituiu-se um corpus de sítios web, que será apresentado abaixo. Em termos metodológicos, e no que toca ao procedimento de análise do corpus, apresentaremos uma análise qualitativa dos dados, complementada por uma abordagem bidirecional (descendente - ascendente) que permitirá um percurso entre as práticas, as representações e os textos. Explicando melhor, as atividades coletivas de índole social regulam os textos que as semiotizam e para o presente trabalho torna-se importante perceber de que forma o nível supra-ordenado (das práticas) influencia as escolhas ao nível infra-ordenado (da produção verbal) nos textos empíricos. Estes, note-se, destinam-se sobretudo a estabelecer comunicação com o exterior.

Em suma, importa apreender a partir de uma análise textual dos mecanismos enunciativos as especificidades do agir verbal, como se realiza e pode ser interpretado, quais as representações que emanam no contexto virtual. Procurar-se-á demonstrar se, e de que modo, o ambiente virtual veio mudar a capacidade de agir das instituições, qual o seu impacto no desenvolvimento da identidade destas e na relação com o público.

2. Para uma apreensão das representações, do agir verbal e dos mecanismos enunciativos

2.1. Agir, ação e atividade

Na ótica do ISD o agir é um termo mais genérico e neutro em relação aos restantes uma vez que designa toda a forma de intervenção conduzida pelos seres humanos; o segundo - ação - respeita a um agir que envolve uma dimensão motivacional e intencional desencadeada a nível coletivo e o último, a nível individual (Bronckart, 2006______. 2006. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras. ), pelo que simbolizam interpretações do agir.

Ainda neste âmbito, o ISD estabelece mais algumas definições, entre elas as de dois elementos fundamentais: por um lado, o termo ator que remete para uma entidade/indivíduo como responsável pelo seu agir, dotado de capacidades, assumindo motivos e intenções (quase sempre pessoais) e, por outro, o termo agente para configurar aquele que age, participando dos processos, e em que a sua conduta é condicionada por razões e propósitos de um coletivo (Bronckart, 2008b______. 2008b. O agir nos discursos: das concepções teóricas às conceções dos trabalhadores. Tradução de Anna Rachel Machado, Maria de Lourdes Meirelles Matêncio. Campinas, SP: Mercado das Letras.).

Numa abordagem acerca do agir, podem traçar-se dois níveis de análise: por um lado, o dos comportamentos observáveis, de um ângulo externo e, por outro, o das avaliações/interpretações desses comportamentos que são concretizadas em textos orais ou escritos onde são construídas imagens do agir que mais não são do que formas do agir, aí representadas - é neste nível que se situa o presente trabalho. Assim, quando se analisa um texto está a interpretar-se essas representações e, por consequência, a ação humana.

2.2. As representações

A linguagem pode ser concebida como não representacionista da linguagem, uma vez que não se limita a refletir um real. Esta possui uma dimensão praxiológica que se reflete no desenvolvimento e funcionamento dos processos gnosiológicos e no desenvolvimento das atividades coletivas (Bronckart, 2006______. 2006. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras. , 2008a______. 2008a. Genre de textes, types de discours, et “degrés” de langue. Texto!, XIII(1). Disponível em: http://www.revuetexto.net/index.php?id=86. Acesso em: 20/01/2013.
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). Além disso, aquando de uma ação de linguagem, o autor empírico do texto recorre ao conjunto das suas representações (Durkheim, 1898DURKHEIM, Émile. 1898. Représentations individuelles et représentations collectives. In: Revue de Métaphysique et de Morale, tome VI. Disponível em: http://classiques.uqac.ca/classiques/Durkheim_emile/Socio_et_philo/ch_1_representations/representations.html
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, Moscovici, 2003MOSCOVICI, Serge. 2003. Des représentations collectives aux représentations sociales : éléments pour une histoire. In: Jodelet, Denise (orgs). Les représentations sociales. Paris: PUF. p. 79-103.) sobre o contexto sócio-físico da sua intervenção, o conteúdo temático mobilizado e o seu estatuto de agentividade. Essas representações constroem-se em interação com as ações e os discursos dos outros pelo que também resultam de uma dimensão experiencial. Apesar de as representações serem individuais - únicas a cada pessoa - são sobretudo produto das influências exteriores. Assim sendo, as representações apresentam na sua configuração um caráter fundamentalmente dialógico, tal como sublinha Bronckart (2008a: 83). A ação de linguagem também se traduz numa recolocação das representações que provêm do produtor textual nas representações sociais cristalizadas no arquitexto, ou seja, no conjunto dos textos disponíveis socialmente na memória textual.

A relação entre representações individuais e coletivas manifesta-se através de um confronto que se efetua no seio da textualidade, enquanto meio intermédio, autónomo e semiótico (Bronckart, 2008a______. 2008b. O agir nos discursos: das concepções teóricas às conceções dos trabalhadores. Tradução de Anna Rachel Machado, Maria de Lourdes Meirelles Matêncio. Campinas, SP: Mercado das Letras.: 82). Logo, é ao nível das práticas de linguagem situadas (textos e discursos) que se podem apreender as representações genéricas. Estas têm um caráter universalizante uma vez que visam sistemas de valores, conhecimentos e princípios de ação, por outras palavras, são pré-construídos pois constituem tipificações e modelos do agir. Na medida em que os textos se referem a uma determinada atividade socioprofissional, eles geram um influxo sobre essa mesma atividade e sobre as ações aí envolvidas, retratando simultaneamente as correspondentes interpretações e avaliações. As representações sociais, que se materializam nos textos, como referido, são assimiladas pelos indivíduos, constituindo-se em representações individuais, que passam a orientar quer as ações em curso quer as ações futuras, as quais se efetivam numa base sócio-histórica. A dinâmica entre representações, textos (enquanto práticas discursivas situadas) e agir pode esquematizar-se da seguinte maneira:

Quadro 1
Dinâmica entre representações, textos e agir

Para analisar e interpretar tanto o agir verbal como as representações é necessário recorrer a um conjunto de procedimentos linguísticos que se inscrevem no modelo de análise de texto do campo teórico em que nos movemos.

2.3. Mecanismos enunciativos

O ISD visa elaborar um modelo geral das condições de produção dos textos e da sua organização interna com o objetivo de, por um lado, conseguir uma interpretação mais contextualizada das intenções do texto e das representações que este incorpora e, por outro, de contribuir para o desenvolvimento de uma Ciência do Humano, pelo que preconiza um modelo da arquitetura textual - denominado ‘folhado textual’ - que se desdobra em três níveis sobrepostos que interagem entre si: infraestutura geral, mecanismos de textualização e mecanismos enunciativos (Bronckart, 1997BRONCKART, Jean-Paul. 1997. Activité langagière, textes et discours. Pour un interactionisme socio-discursif. Lausanne, Delachaux et Niestlé (trad. portuguesa: 1999. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo.) A. R. Machado Trad. São Paulo: EDUC., 2008a______. 2008a. Genre de textes, types de discours, et “degrés” de langue. Texto!, XIII(1). Disponível em: http://www.revuetexto.net/index.php?id=86. Acesso em: 20/01/2013.
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).

Primeiramente, a infraestrutura textual engloba a estrutura composicional do texto (plano geral do texto) e os tipos de discurso (formas de organização linguística que compõem os textos); em segundo lugar, os mecanismos de textualização contribuem para tornar mais visível a estruturação do conteúdo temático e, tendo em vista o destinatário, explicitam as grandes articulações lógicas (conetores, coesão nominal), ou seja, tratam das regras da organização geral do texto; em terceiro lugar, os mecanismos de responsabilidade enunciativa declinam-se nas modalizações e na gestão e distribuição das vozes.

Será neste último item de análise - no nível enunciativo e em particular na gestão e distribuição das vozes - que nos deteremos no presente artigo para analisar o que nos propusemos nos textos escolhidos. Tendo em consideração que este tópico se relaciona com o tipo de interação que se estabelece entre o agente-produtor e os seus interlocutores, logo está mais dependente dos parâmetros da situação de ação, servindo para orientar a interpretação que os destinatários farão do texto. Os mecanismos de responsabilidade enunciativa apresentam um caráter metatextual: evidenciam as dimensões do processo de enunciação do qual um texto é o produto. Por outro lado, clarificam as instâncias de onde emanam as propostas constitutivas do conteúdo temático mobilizado, assim como os critérios ou razões que justificam a sua formulação. Consequentemente, dir-se-á que os mecanismos enunciativos explicitam o grau de credibilidade que pode ser acordado ao tema semiotizado.

Assim, colocam-se à partida algumas questões: Que instâncias assumem o que é dito nos textos? Quais os processos linguísticos que traduzem o posicionamento das vozes relativamente ao que é expresso textualmente?

De acordo com (Bronckart, 2008a______. 2008b. O agir nos discursos: das concepções teóricas às conceções dos trabalhadores. Tradução de Anna Rachel Machado, Maria de Lourdes Meirelles Matêncio. Campinas, SP: Mercado das Letras.), o autor está na origem do texto e é, aparentemente, responsável pelo objeto que se propõe produzir. Se o autor é realmente fonte desse texto, a responsabilidade não lhe pode ser totalmente atribuída. De facto, o autor recorre às representações que tem da situação de enunciação, do tema do texto e da sua condição de produtor textual no momento da elaboração do texto. Como foi apontado anteriormente, essas representações sendo individuais efetuam-se sempre em interação com as representações sociais e com as ações e os discursos dos outros indivíduos. Nesse sentido, a responsabilidade do texto não pode ser somente imputada ao autor textual, fala-se então de responsabilidade da gestão das vozes enunciativas. Para dar conta desse fenómeno, Bronckart adotou a expressão de F. Rastier “foco enunciativo” (“foyer enonciatif”, 2001RASTIER, François. 2001. Arts et Sciences du Texte. Paris: PUF.) para evidenciar a possibilidade de essa responsabilidade se realizar de diversas formas. Há casos em que a responsabilidade enunciativa procede da fonte enunciativa sem que haja solicitação de uma outra voz, fala-se, neste caso, de voz neutra. Todavia, existe também a possibilidade de a responsabilidade ser imputada a outras vozes. Estas subdividem-se em vozes de personagens (dos humanos e das entidades humanizadas) envolvidas enquanto agentes em eventos ou ações de um segmento textual; em vozes sociais (pessoas, grupos ou instituições sociais), que não sendo agentes, são referidas enquanto instâncias externas de avaliação de certos aspetos do conteúdo textual e, finalmente, na voz do autor que emana diretamente da personagem que está na origem da produção textual e que comenta ou avalia certos elementos da produção textual. Verifica-se, então, que a instância supra-ordenada, a saber, o foco enunciativo pode lançar mão de uma ou de várias vozes.

A análise da gestão da responsabilidade enunciativa atenta na presença e/ou ausência de pronomes pessoais, de nomes e apelidos e na flexão verbal.

3. Mecanismos de responsabilidade enunciativa nos sítios web institicionais

3.1. Os objetos de análise

Selecionamos, como referido, instituições públicas, tuteladas pelo Estado Português, que se inscrevem em práticas sociais diversas, designadamente:

CULTURA: Instituto dos Museus e da Conservação (doravante IMC) | http://www.ipmuseus.pt/

ENSINO: Academia Militar (doravante AM) | http://www.academiamilitar.pt/

TURISMO: Turismo de Portugal (doravante TP) | http://www.turismodeportugal.pt

No IMC foi escolhido o texto de apresentação do instituto, disponível a partir da página inicial, no separador ‘O IMC’. Na AM, a escolha recaiu sobre o texto de saudação do Comandante responsável pela sua gestão, que se encontra no apontador ‘Órgãos’, visível no separador ‘Academia Militar’ que se encontra no menu principal do sítio web. No TP, optou-se pela página inicial (homepage) e pelo texto do link ‘Quem Somos’ que aí se pode ver. Os textos recolhidos para esta proposta datam de maio de 2012.

Convém explicitar que os objetos em análise fazem parte de trabalhos mais amplos em atual desenvolvimento, nomeadamente uma tese de doutoramento e um pós-doutoramento, a serem desenvolvidos no Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa.

3.2. Análise textual

3.2.1. O texto introdutório do Instituto dos Museus e da Conservação

Trata-se de um texto longo (com 902 palavras) em que a entidade é apresentada. Desconhece-se o agente produtor do texto, pois não está explicitamente identificado (não aparece qualquer signatário). A voz presente exprime-se de modo indireto e sob um ponto de vista interno: há várias construções de tipo impessoal com predomínio de relações predicativas diretas que no conjunto contribuem para um efeito semântico de coletivizar a entidade, Ex: “O Instituto dos Museus e da Conservação, I. P. (IMC) é um organismo do Ministério da Cultura (…) alargou o seu universo de atribuições ao património imaterial” ou “(…) procurou melhorar-se de forma significativa a oferta de espaços cómodos e atractivos para os públicos”.

As formulações impessoais nem sempre são passivas, no entanto é reconhecível, novamente, um efeito semântico de não fulanizar o agir que é suportado, como já referido antes, pela natureza neutra da relação sujeito-verbo, como se pode ver nas seguintes frases: “outra das importantes missões do IMC é o apoio à formação”, ou “Aqui se encontra informação sobre a estrutura, competências e iniciativas do IMC”.

Há uma única ocorrência em que se entrevê uma referência mais precisa a protagonistas institucionais (no papel de actantes): “O empenhamento e dedicação das equipas dos Museus e Palácios do IMC espelham-se nos programas de exposições temporárias e nas actividades educativas e de animação cultural concretizados com assinalável êxito e impacto”, de qualquer modo, as formas de neutralização colocam a entidade como agente de um agir.

Os tempos verbais mais utilizados são o presente do indicativo e o infinitivo impessoal. O uso constante do presente genérico marca a presença do discurso teórico, atribuindo durabilidade, objetividade e veracidade ao que se afirma, apontando para um posicionamento algo distanciado do agente produtor (o IMC “integra”, “materializa”, “desenvolve”). A forma nominal, igualmente bastante patente, aponta para ações globais e potenciais, para um agir genérico em que o enfoque vai para o processo, tornando a agentividade vaga e indefinida (o que o IMC faz: “valorizar”, “operar”, “percecionar”).

No entanto, tenta estabelecer-se uma forte proximidade com os destinatários (considerados como beneficiários do agir da instituição, neste caso o leitor-utilizador), o que se verifica a partir do recurso a um conjunto de expressões nominais que a eles se referem e que oscilam entre um grau mais abrangente e específico: de um lado, “públicos, profissionais, visitante”; e de outro, “estudantes, famílias, comunidades locais, escolas, estabelecimentos de ensino superior, fundações, associações culturais, outras instituições museológicas”.

3.2.2. A mensagem de boas-vindas da Academia Militar

Trata-se de um texto breve (com 109 palavras) que faz o acolhimento do cibernauta no respetivo sítio da internet. À primeira vista, o agente produtor do texto é o comandante (órgão de governo da AM): sujeito individualizado que se impõe como a voz representante da instituição, legitimada por este espaço discursivo e que pretende ser singular e humanizada (com assinatura e foto), o que parece declarar uma responsabilização enunciativa inequívoca, Ex: “Em nome da Academia Militar as nossas saudações e bem-vindos à sua página oficial”

A voz é explícita (voz ativa), expressa-se de modo direto e é visível um ponto de vista interno pois há uma assunção clara das funções que o enunciador exerce. Porém, o recurso ao plural mostra que este dirigente é veículo de uma vontade coletiva. Não se trata de um plural majestático, enquanto gesto de cortesia linguística, mas de uma marca textual que indica uma fusão entre os sujeitos do agir. Efetivamente e num olhar mais focalizado, vemos que o texto faz deflagrar duas figuras: a do autor (comandante) e do co-autor (instituição) que se envolvem mutuamente numa estratégia enunciativa que possibilita integrar a instituição no discurso de quem a corporiza, mitigando a imposição de afirmações pessoais, pelo que é a voz da instituição que sobressai no papel de agente do agir, Ex: “Somos um estabelecimento militar de ensino superior universitário que justamente se orgulha das sucessivas gerações que formou”.

O discurso direto instaura um sentido de realidade, revelando um posicionamento valorativo da instituição, ligado ao reforço dos seus compromissos, Ex: “Neste espaço incluímos também informação actualizada sobre as condições de acesso aos diversos cursos que aqui são ministrados e sobre o conjunto de actividades circum-escolares, complemento indispensável da formação curricular”.

Aqui também se procura uma aproximação ao destinatário com o uso de pronomes que a ele se dirigem diretamente: “a sua mensagem”, “a vossa visita”.

3.2.3. Página inicial do sítio web do Turismo de Portugal

A escolha desta secção do sítio web prende-se com o facto de ser o primeiro contacto entre a entidade e o leitor-utilizador, daí a sua extrema importância. A página inicial tem, entre outras características, a presença de inúmeros links, geralmente definidos como uma ligação ou uma conexão entre os diversos conteúdos disponíveis no próprio sítio web (no caso dos links internos) e a Internet (no que concerne os links externos). A presença de links influencia a organização textual e a escolha de recursos linguísticos, como atestam as construções semelhantes aos títulos jornalísticos: orações essencialmente constituídas por um sujeito, predicativos do sujeito e ausência de verbos (por exemplo. Linha de Crédito PME Crescimento).

No que diz respeito à responsabilidade enunciativa, o agente produtor do texto não está diretamente explicitado. Sabe-se que, em último caso, a responsabilidade cabe ao Turismo de Portugal, uma vez que o sítio web pertence a essa entidade.

Além disso, o foco enunciativo é neutro, i.e., a responsabilidade enunciativa não é atribuída de forma clara a uma pessoa. Com efeito, não constam formas de pronomes pessoais, nem flexões verbais na primeira pessoa (singular ou plural). Contudo, o Turismo de Portugal dá-se a conhecer indiretamente, através da presença do logótipo e do nome da instituição que aparecem na barra de navegação (“Turismo de Portugal”, “Proturismo”) e da repetição do termo turismo, que contribui para a construção do conteúdo temático (Turismo de Portugal, Escolas; Centenário do Turismo de Portugal, Turismo 2015, Pólo de competitividade e tecnologia, etc.)

Dependentes da voz supra ordenada, ou foco enunciativo, estão as vozes infra-ordenadas (de entidades exteriores ao conteúdo temático). Na página inicial encontramos sobretudo vozes sociais que reenviam às entidades com as quais o Turismo de Portugal colabora, visto o turismo português relacionar-se com outras áreas da sociedade portuguesa (Formação para Motoristas de Táxis, Guias Técnicos de Portugal, etc.)

Como foi referido e devido à atividade digital (nomeadamente à presença de links), constam somente três verbos nesta secção do sítio web: um que aparece numa fotografia “Portugal experiências que marcam”, e dois que correspondem a links “Descobrir Portugal” e “Turismo de Portugal disponibiliza novo serviço às empresas”. O primeiro verbo não se refere diretamente ao poder de ação da entidade em questão, mas, sim, ao que pode fazer o turismo, de um modo geral. O segundo verbo, no infinitivo, funciona como sugestão ao leitor. É, de certa forma, um encorajamento para conhecer (melhor) o que Portugal, enquanto destino turístico, tem para oferecer. Finalmente, o último verbo “disponibiliza”, no presente do indicativo, manifesta diretamente uma das facetas do agir do TP. Assim, o recurso a esta forma verbal manifesta o posicionamento do TP enquanto agente de determinados procedimentos - nomeadamente o de gerir o turismo português (ver supra) - e não de ator individual. O agir desta instituição é, efetivamente, condicionada pelos propósitos do Governo de Portugal e do Ministério da Economia e do Emprego, como se pode averiguar pela presença dos logótipos colocados na parte superior do lado esquerdo, numa posição de dominação relativamente ao logótipo do Turismo de Portugal.

3.2.4. A página “Quem somos” do sítio web do Turismo de Portugal

A seleção da secção “Quem somos” deve-se ao facto de ser neste espaço que o Turismo de Portugal se apresenta ao utilizador. Assim sendo, neste trecho espera-se encontrar os traços que definem o agir da própria entidade.

Este texto é relativamente curto (148 palavras). Tal como na página inicial do sítio web do Turismo de Portugal, o foco enunciativo é neutro. A entidade aduz a sua identidade através do uso de marcas de 3ª pessoa do singular “o Turismo de Portugal é a Autoridade Turística Nacional”, “a missão do Turismo de Portugal consiste“ e “o Turismo de Portugal está empenhado” e do recurso a verbos no infinitivo “qualificar e desenvolver”, “apoiar”, “coordenar”, “regular”.

Chamamos a atenção para a primeira pessoa do plural da construção “quem somos” não denotar a presença direta da entidade em questão. Isto deve-se à expressão ritualizada “quem somos” oriunda do meio digital (como se poderá constatar na maior parte dos sítios web institucionais). Este exemplo demonstra claramente o papel regulardor da Internet, enquanto atividade coletiva, na produção textual e na escolha dos recursos linguísticos.

O foco enunciativo corresponde à instância geral de enunciação, que se distingue do autor real do texto, e que assume diretamente a responsabilidade da gestão das diversas vozes. É interessante reparar na distanciação que o Turismo de Portugal coloca em relação a si mesmo. Sabendo que a entidade é quem coordena e regula o Turismo em Portugal, espera-se um empenhamento desta relativamente às ações que deve cumprir. No entanto, quer a presença da 3ª pessoa do singular quer o uso de verbos no infinitivo mostram uma distância do Turismo de Portugal relativamente ao que pretende ser e fazer. O infinitivo manifesta a noção de ação, contudo é uma forma verbal que não se vincula nem a um tempo em particular nem a uma pessoa específica, ou seja, o recurso ao infinito comprova a ideia de distância anteriormente mencionada. Além disso, neste texto existem três verbos conjugados, dos quais dois são verbos copulativos (ser e estar). Estes verbos ligam o sujeito ao predicado e não possuem significação definida. Pode-se, então, afirmar que, perante a escolha dos recursos linguísticos analisados anteriormente, a representação da agentividade do Turismo de Portugal, na secção “Quem somos” é pouco marcada.

Passamos, agora, a apresentar as principais conclusões depois de comparados os textos do corpus:

  • As instâncias de produção dos textos e as vozes que os perpassam são distintas, contudo as condutas que adotam colocam-nas como agentes do seu agir verbal uma vez que se firmam numa dimensão coletiva, razão pela qual se nota uma preocupação em fazer prevalecer a perspetiva institucional, frequentemente num sentido normativo, no caso do IMC e AM. No que diz respeito ao TP, a agentividade está pouco marcada linguisticamente.

  • Nota-se um recurso generalizado ao presente do indicativo como meio de evidenciar a assertividade das afirmações acerca da tríade missão-valores-visão das instituições e também para esbater qualquer tom de subjetividade que possa ser sentido nos textos.

  • Destaca-se de maneira inequívoca a capacidade para um agir proativo e regista-se uma tendência para os agentes produtores interagirem com os destinatários de forma direta, o que se manifesta também na temporalidade - a ligação com os interlocutores tem lugar num ‘agora’, o interesse em dizer o que se quer, o que se faz e o que se é constitui um compromisso do presente, no caso do IMC e AM. No que concerne ao TP, o agir que é preconizado na secção “Quem somos”, nomeadamente a “qualificação das infra-estruturas turísticas, o desenvolvimento da formação dos recursos humanos, o apoio ao investimento, a coordenação e promoção de Portugal como destino turístico e a fiscalização dos jogos” não se manifesta de forma evidente, tal como demonstra a análise efetuada das marcas de responsabilidade enunciativa.

  • Os textos são polifónicos na medida em que demonstram a existência de várias vozes com papéis diferentes (o das entidades, o de quem nelas trabalha e quem as representa/gere) mas que indicam que o estatuto do agir é coletivo e genérico, o que se pode ver nos marcadores de pessoa (o IMC, as equipas; nós [a AM]) e o TP. Contudo, no caso do TP, só aparece a marca de 3ª pessoa associada ao TP, ao contrário do IMC e do AM. As outras vozes referidas não entram diretamente no desígnio da instituição, uma vez que não são nomeadas, aparecem sob a denominação “as outras entidades públicas”, “os agentes económicos no país e no estrangeiro”.

  • Em IMC e AM, o agir-referente é anunciado logo de início: num caso no próprio título ‘Bem-Vindo ao Instituto dos Museus e da Conservação’ e noutro no enunciado de entrada ‘(…) bem-vindos à sua [da AM] página oficial’ com o intuito de dar a conhecer as instituições e simultaneamente promovê-las uma vez que no retrato (um mais completo do que o outro) que delas se faz aflora um ethos discursivo laudatório, logo uma avaliação sempre de polo positivo. Relativamente ao TP, a vertente das boas-vindas é inexistente. De facto, não se encontram formas que apelem ao leitor-utilizador. No entanto, manifesta-se também um ethos elogioso através do lema que consta da secção “Quem somos” “Turismo de Portugal, I.P. Uma estratégia. Um compromisso. Uma organização para o desenvolvimento do turismo nacional”.

4. Da análise textual a uma interpretação das representações 1 1 .O nosso trabalho situa-se no paradigma retorico-hermenêutico que se interessa fundamentalmente pela interpretação e produção dos textos, em detrimento do paradigma logico-gramatical que privilegia questões de referência e verdade (Rastier, 2001:7).

A análise linguística indica que a construção dos textos aponta para representações relativas aos papéis sociais que as diferentes instituições desempenham, com um grau variável na visibilidade do enunciador, mas com grande envolvimento na construção de uma imagem e reputação credíveis para aquelas.

Reforça-se a visão da vocação dos organismos e o potencial da sua atuação, sendo também manifesta a referência - quer de natureza verbal quer em elementos semióticos não-verbais (como os logótipos e o lettering) - aos agentes tutelares das entidades (Secretaria de Estado da Cultura; Ministério da Defesa Nacional; Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior; Ministério da Economia e do Emprego; Governo), na legitimação do poder que detêm.

Contudo, estão ausentes referências às condições do seu real funcionamento, à lógica dos sistemas burocratizados que são ou à sua morfologia, frequentemente pouco acessível. A título ilustrativo, neste último aspeto em particular referimo-nos às próprias instalações físicas: nas escolas militares veem-se muros e sentinelas; nos organismos ministeriais, inúmeras secções com guichets, divididas por paredes/biombos e antecâmaras que não facilitam a entrada/circulação direta, simples e cómoda das pessoas, já para não falar nos horários de funcionamento - quase sempre muito reduzidos - e nas barreiras postas por elementos humanos, como seguranças, porteiros e rececionistas.

Temos consciência de que este ângulo de abordagem ‘externo’, via sítios web, faculta-nos uma visão parcial da identidade, do posicionamento e da eficácia das instituições, o qual assumimos. No entanto, temos como horizonte o que o ISD designou como ‘linguagem sobre trabalho’ que corresponde à representação do trabalho, ou seja, o que as entidades idealizam ser, dizer e fazer. Esta perspetiva configura o chamado agir-prescrito, do discurso institucional, que projeta, planifica e orienta o quadro teórico e organizacional das entidades e que se transpõe em textos prescritivos que são simultaneamente (auto) descritivos e (auto) avaliativos.

Relativamente ao papel da internet, que julgamos bastante pertinente nestas questões, importa fazer alguns comentários sobre o que pode fazer pelas instituições. Assim, cremos que os sítios web das entidades em apreço contribuem para alavancar um melhor (re)posicionamento das instituições de um ponto de vista comunicacional - a internet é utilizada para divulgar e promover serviços, expandir os canais de comunicação fazendo sobressair vantagens e benefícios para as partes envolvidas, tais como: a agilização e eficácia na comunicação, a redução de custos, a personalização e otimização dos conteúdos/serviços/bens, o alargamento da esfera de influência - todo um conglomerado estratégico orientado para uma cultura de participação e abertura. Permitem, ainda, construir uma imagem mais humanizada: a internet é também usada para promover uma reputação de modernidade; num único ambiente é possível reunir grande quantidade de conteúdos e recursos, cujo interface é cada vez mais acessível, interativo e atrativo. Por fim, a internet incrementa modos e níveis de intervenção dos públicos: as instituições facultam diferentes canais de feedback (formulários de contacto - por e-mail, telefone - perfis nas redes sociais) que favorecem e estreitam a relação com os públicos externos (para os públicos internos há a intranet e o moodle).

Voltando à análise, o texto do IMC refere-se ao portal daquela entidade nestes termos: “com múltiplas janelas”, “grande manancial de recursos”, “conteúdos relacionados”, “informação acessível”; no sítio web do Turismo de Portugal temos as seguintes designações que titularizam separadores/botões da homepage: “Serviços na web: serviços, registos e consultas”, “Descobrir Portugal - Informação turística”. Curiosamente são expressões que evidenciam o âmago das potencialidades da internet: por um lado, o hipertexto - esta capacidade de penetração e irradiação dos textos que ilustra a máxima conectividade; por outro, a alusão à multilinearidade e à fragmentação que possibilitam a total flexibilização de acesso e leitura; e, por último, a sugestão de que os sítios na internet facultam repositórios de informação, vastos e abertos.

O que pode isto mostrar? Porventura uma postura de gestão diferente, atenta a um quadro de interações menos tradicionais, sensível à opinião pública e às novas possibilidades tecnológicas que permitem amplificar e catalisar os perfis, os poderes e o desempenho das entidades.

5. Considerações finais

Ao longo deste artigo apontaram-se alguns resultados que demonstraram potencial para uma extrapolação mais alargada. Assim, e apesar das contingências mencionadas, traçou-se um perfil do agir verbal das instituições com base nas análises feitas sobre os mecanismos de responsabilidade enunciativa e da interpretação das representações construídas textualmente, que nos permitiram chegar a certas conclusões, que poderão ser aferidas com outras instituições públicas portuguesas:

  • É um agir não fulanizado

  • Empenha-se em validar um juízo de valor que realça a importância, a excelência e o dinamismo das entidades

  • Compromete-se em legitimar a sua capacidade de ação e missão de assinalável relevância pública

  • Está disponível para exprimir e refletir os interesses e necessidades dos seus públicos externos

Trabalhamos com textos produzidos sobre trabalho que constituem um subconjunto de textos produzidos pelas entidades estudadas com um cunho injuntivo, dos quais emanam representações de um agir prescrito - o que deve ser a ação/função das instituições, o discurso público sobre a atividade planeada, o seu programa de ação, os princípios que a regem - que consiste numa das formas de observar a sua identidade. Foi nosso propósito captar e salientar a evidência de algumas regularidades nas representações que emergem nos textos, facto que nos permitiu chegar a um perfil do agir institucional, ainda que não exaustivo, que é suportado por um discurso formal, regulador da ação das entidades, que desenha a sua matriz concetual e a sua atuação, a qual é encarada com grande empenho e dinamismo.

Neste estudo, detivemo-nos nos mecanismos da responsabilização pelo que é dito - visto que nos interessava somente aqueles que no nosso ponto de vista se mostravam reveladores das representações que as entidades escolhidas têm sobre a sua atuação/funções (agir geral) e o grau de adesão ao que é dito por elas e da posição que tomam para si (agir verbal). Em última instância, as análises efetuadas abriram perspetivas sobre como as instituições querem ser vistas, sobre o que se poderá chamar de ‘auto-retrato promocional’. No entanto, fica a ressalva de que nada nos garante que a prática das instituições seja de facto a aqui descrita.

Verificou-se também que a internet alterou a capacidade de agir das instituições. Com efeito, é um instrumento facilitador da comunicação entre indivíduos/órgãos e que pode ser vista como promotora de níveis de (inter) conhecimento, cooperação e aproximação. Contudo, cremos que a presença no ambiente digital deverá compelir os poderes insti­tuídos, por um lado, a uma adaptação à esfera digital do que pretendem transmitir ao leitor-utilizador, e por outro, a uma maior transparência nas suas práticas pois o utilizador tem maior acesso à informação produzida que aí circula, pode interpelar instâncias que antes estavam longe ou fora das suas possibilidades de acesso e, ainda, escrutinar a intervenção das instituições.

Por último, pudemos constatar que este agir verbal se gera e se certifica da sua grandeza coletiva, sendo que a entidade enunciadora se mostra actante do seu agir justamente porque se apoia na ação institucional e por ela se orienta. Isto prova que a atividade das entidades afeta a formação textual do agir, ou seja, os recursos linguísticos selecionados estão-lhe subordinados e assim os textos tornam-se lugares da morfogénese da ação institucional.

Referências bibliográficas

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  • ______. 2006. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Campinas: Mercado de Letras.
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  • ______. 2008b. O agir nos discursos: das concepções teóricas às conceções dos trabalhadores. Tradução de Anna Rachel Machado, Maria de Lourdes Meirelles Matêncio. Campinas, SP: Mercado das Letras.
  • BUBER, Martin. 1969. Je et Tu. Paris: Aubier [1a ed. 1923].
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  • MOSCOVICI, Serge. 2003. Des représentations collectives aux représentations sociales : éléments pour une histoire. In: Jodelet, Denise (orgs). Les représentations sociales. Paris: PUF. p. 79-103.
  • RASTIER, François. 2001. Arts et Sciences du Texte. Paris: PUF.
  • *
    Este artigo foi financiado pelos Fundos Nacionais da FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia, Projeto Estratégico UID/LIN/03213/2013 e bolsa de pós doutoramento SFRH/BPD/66300/2009
  • Uma primeira versão do presente trabalho foi apresentada na 11ª Conferência Internacional sobre Representações Sociais (CIRS), Évora, Portugal, junho de 2012
  • 5
    Este texto foi redigido em Português Europeu, conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em vigor. Optou-se por preservar a grafia original das citações
  • 1
    .O nosso trabalho situa-se no paradigma retorico-hermenêutico que se interessa fundamentalmente pela interpretação e produção dos textos, em detrimento do paradigma logico-gramatical que privilegia questões de referência e verdade (Rastier, 2001RASTIER, François. 2001. Arts et Sciences du Texte. Paris: PUF.:7).

Anexos

Ilustração 1
Texto introdutório do Instituto dos Museus e da Conservação

Ilustração 2
Mensagem de boas-vindas da Academia Militar

Ilustração 3
Página inicial do sítio web do Turismo de Portugal

Ilustração 4
Página “Quem somos” do sítio web do Turismo de Portugal

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    Set 2014
  • Aceito
    Nov 2016
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