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Mediações formativas na aula de língua portuguesa: gestos didáticos numa concepção interacionista de ensino

Formative mediations in portuguese language class: teaching gestures in an interactionist conception of teaching

RESUMO

Nesta pesquisa, focalizamos a utilização do instrumento sequência didática do gênero discursivo carta de reclamação como objeto unificador para o ensino de língua portuguesa. A partir do gênero da atividade “aula” e do agir docente, compreendido como instrumento mediador da atividade de ensino-aprendizagem, detivemo-nos na análise de um módulo da SD a partir de três pontos de vista: i) o da construção de um esquema de mediação formativa da SD; ii) o das atividades, tarefas e dispositivos didáticos; e, por fim, iii) o ponto de vista da mobilização da memória, regulação e institucionalização.

Palavras-chave:
Gêneros da atividade; Gestos didáticos; Mediações formativas

ABSTRACT

In this research, we focus on the use of the instrument didactic sequence of the discursive genre - complaint letter - as unifying object for the teaching of Portuguese Language. Starting from the activity genre “class” and from the teachers acting understood as mediating instrument of the teaching-learning activity, we held on the analysis of a didactic sequence module (DSM), starting from three points of view: i) the construction of a formative mediation’s scheme of the DS; ii) the activities, tasks and teaching devices one; and, finally, iii) the point of view of the mobilization of memory, adjustment and institutionalization.

Key-words:
Activity Genres; Didactic gestures; Formative mediations

Introdução

Este trabalho é resultado de uma pesquisa maior que investigou a implementação de um projeto de escrita mediado pela ferramenta “sequência didática de gênero”, a partir da articulação de três elementos essenciais desse processo: a) os objetos/instrumentos de ensino; b) o professor no seu agir didático; c) o aluno e a sua aprendizagem. O objeto central da investigação foi uma pesquisa de campo, de caráter colaborativo-intervencionista, desenvolvida em uma escola estadual da periferia de Londrina, em colaboração com uma professora recém-ingressa à carreira docente, em uma turma do sexto ano do Ensino Fundamental. O gênero escolhido como objeto unificador da sequência didática foi a carta de reclamação, configuração genérica da prática linguageira: reclamação de um cidadão a um órgão público para solucionar um problema da comunidade.

Neste artigo, recorte dessa pesquisa maior, focalizamos o uso da sequência didática como instrumento mediador do ensino da língua e, do ponto de vista do professor, nos detemos na mobilização de gestos didáticos fundadores e específicos. Para tanto, abordamos a concretização de uma aula mediada por um dos dispositivos didáticos elaborados para a SD construído para o módulo 5, intitulado “Modalidades Diferentes de Cartas”.

Amparamo-nos na tradição epistemológica interpretativista e no paradigma qualitativo, visto que a investigação está inserida no campo da pesquisa social e se interessa pelo estudo de práticas pedagógicas desenvolvidas via didatização de práticas de linguagem, a partir da vertente teórica do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD). O trabalho visa, assim, à investigação de contextos de mediações formativas intrumentalizados por gestos didáticos direcionados à transposição didática de gêneros textuais/discursivos, sob o aval teórico-metodológico do ISD. Dessa forma, nossa contribuição é direcionada ao campo da Linguística Aplicada, com ênfase nas questões que envolvem a transposição didática de gêneros textuais/discursivos para o contexto do ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa na Educação Básica.

Além desta introdução, das considerações finais e das referências bibliográficas, este artigo é composto por quatro seções. Na primeira, intitulada “A epistemologia do agir: atividade docente”, apresentamos a fundamentação teórica inicial sobre a atividade docente em sala de aula. Na segunda seção, intitulada “Aula: um gênero da atividade docente”, tecemos analogias entre a aula como atividade docente e os gêneros discursivos. Para tal, nos apoiamos no referencial da Ergonomia da Atividade, Clínica da Atividade e da Semiologia do Agir. Na terceira seção, intitulada “Configuração do agir docente: os gestos didáticos”, abordamos os gestos didáticos como instrumento mediador da atividade, articulado-os a instrumentos que corporificam a atividade docente. Por fim, na seção quatro, fazemos a análise da transposiçao didática interna de um objeto específico de uma Sequência Didática da Carta de Reclamação: a comparação entre diferentes modalidades de carta.

1. A epistemologia do agir: atividade docente

Para a análise da atividade docente, trazemos uma discussão teórica sobre a epistemologia do agir, primeiramente, expondo a distinção entre ação e atividade.

A atividade apreende o agir no plano sócio-histórico e designa representações coletivas que os agentes constroem sobre práticas desenvolvidas em uma coletividade. Trata-se de representações com caráter tipificador [...] que são o produto de uma cristalização em um estado determinado do mundo social. A ação, por sua vez, designa condutas finalizadas assumidas pelos agentes de carne e osso nas situações de ação típicas, mas concretas. Nessa concepção, a ação é uma ocorrência situada e necessariamente singular de uma atividade social (Filliettaz 2004FILLIETTAZ, Laurent. 2004. As contribuições de uma abordagem praxeológica do discurso para a análise do trabalho do professor: o enquadramento das atividades em aula. O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina, PR: Eduel. p. 199-235.: 209).

Conforme podemos depreender pela citação, a ação refere-se ao nível individual do agir, já a atividade, ao nível coletivo. No plano linguageiro, a ação representa o agir individual de um sujeito empírico na produção de um texto singular; já a atividade configura o agir tipificado ao qual o texto se insere. Nesse sentido, podemos dizer que o gênero textual é a configuração genérica de uma atividade linguageira. No plano do trabalho docente, o gênero da atividade representa esse teor coletivo do agir, o qual pode ser concretizado por vários gestos didáticos1 1 . Conceitos trabalhados nas seções seguintes. .

Para compreendermos o funcionamento do agir, primeiramente num nível mais geral, trazemos a estrutura de base da ação proposta por esta pesquisa (intersecção entre a teoria da atividade de Leontiev e o quadro teórico do ISD), com um suporte exemplificativo. Tomamos a ação como uma forma de agir que se ancora nos seguintes elementos: a necessidade, a motivação, a intencionalidade, os recursos internos e externos e as operações para o agir. Nessa perspectiva, a ação parte sempre de uma necessidade (emagrecer, por exemplo), que por si só não desencadeia um agir (fazer um regime); para que uma ação se exteriorize, essa necessidade tem de ser transformada em motivação (uma razão para emagrecer), pautada em uma intencionalidade (emagrecer para...) e sustentada por recursos (externos e internos ao indivíduo) que possibilitem a operacionalização dessa ação (operações necessárias para que a ação de fazer o regime se concretize).

Defendemos que as ações/atividades não podem ser analisadas somente por observações diretas das condutas dos sujeitos, elas são apreendidas, sobretudo, por um processo interpretativo (Bronckart, 2006______. 2006. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. In: MACHADO, Anna Rachel; MATENCIO, Maria de Lourdes Meireles. Trad. Anna Rachel Machado et al. Campinas, SP: Mercado das Letras.) mediado pela linguagem dos actantes envolvidos, ou melhor, pelos textos (orais ou escritos) que a materializam.

Esses textos que se referem a uma determinada atividade social exercem influência sobre essa atividade e sobre as ações nela envolvidas; ao mesmo tempo em que refletem representações/interpretações/avaliações sociais sobre essa atividade e sobre essas ações, podendo contribuir para a consolidação ou para a modificação dessas mesmas representações e das próprias atividades e ações (Machado et al. 2009______ et al. 2009. Relações entre linguagem e trabalho educacional: novas perspectivas e métodos no quadro do interacionismo sociodiscursivo. In: CRISTOVÃO, Vera Lúcia; ABREU-TARDELLI, Lília S. (org.) Linguagem e educação: o trabalho do professor em uma nova perspectiva. Campinas, SP: Mercado das Letras. p. 15-29.:18).

Portanto, é na interpretação dos textos produzidos na/para a atividade didática, em articulação com as observações dos gestos multimodais do professor, que nos debruçamos na análise da atividade de ensino e aprendizagem que pauta a nossa investigação.

No que se refere à atividade do trabalho educacional, Machado e Bronckart (2009)______; BRONCKART, Jean-Paul. 2009. (Re-)configurações do trabalho do professor construídas nos e pelos textos: a perspectiva metodológica do grupo ALTER-LAEL. In: CRISTOVÃO, Vera Lúcia; ABREU-TARDELLI, Lília S. (org.). Linguagem e educação: o trabalho do professor em uma nova perspectiva. Campinas, SP: Mercado das Letras. p. 31-77., apoiados em Clot (2007)CLOT, Yves. 2007. A função psicológica do trabalho. Trad. Adail Sobral. 2.ed. Petrópolis: Vozes., apresentam o seguinte esquema da atividade docente em sala de aula:

Figura 1
Esquema do trabalho do professor.

Esse esquema é composto pelos sujeitos da interação, o objeto da ação docente e os artefatos/instrumentos mediadores, os quais precisam ser analisados sempre em processo de interação, pois um sempre está influenciando, agindo sobre os outros:

  • os sujeitos da interação: professor, alunos, Outros (representados pelos sujeitos não presentes fisicamente na interação, mas que exercem coerção na atividade de ensino e aprendizagem, como, pais de alunos, coordenação pedagógica, voz dos formadores, dos professores universitários, da mídia, etc.) que, mediante um agir, podem ser interpretados como atores (actantes responsáveis pelo seu agir) ou agentes (actantes não dotados de intenções, motivos e capacidades);

  • o objeto da ação do professor é a “criação/organização de um meio que seja favorável ao desenvolvimento de determinadas capacidades dos alunos e à aprendizagem de determinados conteúdos a elas correlacionados” (Machado; Bronckart 2009______; BRONCKART, Jean-Paul. 2009. (Re-)configurações do trabalho do professor construídas nos e pelos textos: a perspectiva metodológica do grupo ALTER-LAEL. In: CRISTOVÃO, Vera Lúcia; ABREU-TARDELLI, Lília S. (org.). Linguagem e educação: o trabalho do professor em uma nova perspectiva. Campinas, SP: Mercado das Letras. p. 31-77.: 39). Por conseguinte, tomamos como objeto da atividade docente não a aprendizagem em si, mas os meios para se chegar a ela, porque, segundo Amigues (2004AMIGUES, René. 2004. Trabalho do professor e trabalho de ensino. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina PR,: Eduel. p. 35-53.), a aprendizagem não pode ser atingida direta e imediatamente pelo professor, por isso não pode ser o seu objeto;

  • o artefato/instrumento - mediadores da ação -: “toda coisa finalizada [no sentido de que se destina a uma finalidade] de origem humana, que pode ser material (o objeto, o utensílio, a máquina), imaterial (o programa de computador) ou simbólica (signos, regras, conceitos, metodologias, planos, esquemas, etc.) sócio-historicamente construída, presente no processo operatório e inscrita nos usos.” (Machado; Bronckart 2009______; BRONCKART, Jean-Paul. 2009. (Re-)configurações do trabalho do professor construídas nos e pelos textos: a perspectiva metodológica do grupo ALTER-LAEL. In: CRISTOVÃO, Vera Lúcia; ABREU-TARDELLI, Lília S. (org.). Linguagem e educação: o trabalho do professor em uma nova perspectiva. Campinas, SP: Mercado das Letras. p. 31-77.: 38). Para a abordagem instrumental, aderimos à distinção proposta por Rabardel (1995)RABARDEL, Pierre. 1995. Les Hommes et les technologies: une approche cognitive des instruments contemporains. Paris: Université de Paris 8. Disponível em: <Disponível em: http://ergoserv.univ-paris8.fr/site/groupes/modele/articles/public/art372105503765426783.pdf >. Acesso em: 05 jan. 2010.
    http://ergoserv.univ-paris8.fr/site/grou...
    entre ferramenta/artefato e instrumento. Dessa forma, consideramos instrumento somente quando interpretamos que a ferramenta (ou artefato) foi apropriada pelo sujeito, ou seja, quando ele consegue mobilizar os esquemas de utilização (Rabardel 1995RABARDEL, Pierre. 1995. Les Hommes et les technologies: une approche cognitive des instruments contemporains. Paris: Université de Paris 8. Disponível em: <Disponível em: http://ergoserv.univ-paris8.fr/site/groupes/modele/articles/public/art372105503765426783.pdf >. Acesso em: 05 jan. 2010.
    http://ergoserv.univ-paris8.fr/site/grou...
    ) necessários para o agir.

Para direcionar as análises dos dados da pesquisa, reconstruímos o esquema tripolar da atividade de trabalho do professor denominando-o esquema de mediação formativa2 2 . O que denominamos “esquema de mediação formativa” não se confunde com os esquemas de utilização dos artefatos. , como mostra a Figura 2 a seguir:

Figura 2
Esquema de mediação formativa.

A partir da Clínica da Atividade (Clot, 2007CLOT, Yves. 2007. A função psicológica do trabalho. Trad. Adail Sobral. 2.ed. Petrópolis: Vozes.), tomamos a atividade didática como uma trama que tece: prescrições genéricas (agir fora das restrições impostas pelo trabalho); pré-figurações específicas (agir em situação de trabalho), implícitas ou explícitas, oriundas de fontes externas ou do próprio trabalhador; planificações de atividades, tarefas e dispositivos didáticos; um agir em situação de trabalho, configurado pela interação entre atores e/ou agentes e mediado por recursos externos (ferramentas/instrumentos) e internos ao indivíduo (capacidades) (Barros 2013BARROS, Eliana Merlin D. de. 2013. O trabalho do professor sob o Ponto de vista dos gestos didáticos. RBLA, Belo Horizonte, v. 13, n. 3: 741-769.).

Segundo Machado (2007MACHADO, Anna Rachel. 2007. Por uma concepção ampliada do trabalho do professor. In: GUIMARÃES, A.M. de M.; MACHADO, A.R.; COUTINHO, A. (Org.). O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas: Mercado das Letras. p. 77-100.: 93),

[...] o trabalho docente, resumidamente, consiste em uma mobilização, pelo professor, de seu ser integral, em diferentes situações - de planejamento, de aula, de avaliação -, com o objetivo de criar um meio que possibilite aos alunos a aprendizagem de um conjunto de conteúdos de sua disciplina e o desenvolvimento de capacidades específicas relacionadas a esses conteúdos, orientando-se por um projeto de ensino que lhe é prescrito por diferentes instâncias superiores e com a utilização de instrumentos obtidos do meio social e na interação com diferentes outros que, de forma direta ou indireta, estão envolvidos na situação.

O trabalho docente, a partir da reflexão de Machado (2007)MACHADO, Anna Rachel. 2007. Por uma concepção ampliada do trabalho do professor. In: GUIMARÃES, A.M. de M.; MACHADO, A.R.; COUTINHO, A. (Org.). O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas: Mercado das Letras. p. 77-100., envolve um amplo espectro de atividades a serem cumpridas. Por isso, é que tais atividades não se reduzem ao didatizado em sala de aula, pressupondo também aquilo que foi planejado e não efetivado por razões as mais diversas. Para Clot (2007)CLOT, Yves. 2007. A função psicológica do trabalho. Trad. Adail Sobral. 2.ed. Petrópolis: Vozes., essa é uma distinção entre os conceitos de trabalho real do professor (tudo o que se planejou, pensou, mas não foi efetivamente concretizado) e o trabalho efetivamente realizado. Assim, a atividade docente inclui tanto o trabalho que é realizado pelo professor antes, durante e depois da intervenção em sala de aula. Essa concepção pode ser analisada também pelo viés da transposição didática.

Dolz, Gagnon e Canelas-Trevisi (2009)DOLZ, Joaquim; GAGNON, Roxane; CANELAS-TREVISI, Sandra. 2009. Cartes conceptuelles dês objets d’enseignement. In: SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim (Org.). Des objets enseignés en classe de français. Renes: Presses Universitaries Rennes. p. 65-74. fazem uma distinção entre transposição didática externa e interna. A primeira refere-se à passagem dos saberes teóricos aos saberes a ensinar. Nessa fase o professor estuda o objeto teoricamente e planeja sua ação didática, elaborando atividades, tarefas e dispositivos didáticos3 3 . O problema de se restringir à aplicação das atividades do livro didático é que o professor pode se anular nessa fase da transposição didática. . A segunda etapa refere-se à passagem dos saberes disciplinares aos saberes efetivamente ensinados e apreendidos. Para Dolz, Gagnon e Canelas-Trevisi (2009DOLZ, Joaquim; GAGNON, Roxane; CANELAS-TREVISI, Sandra. 2009. Cartes conceptuelles dês objets d’enseignement. In: SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim (Org.). Des objets enseignés en classe de français. Renes: Presses Universitaries Rennes. p. 65-74.: 74), a transposição didática interna envolve “não somente a passagem dos saberes a ensinar aos objetos ensinados, mas a criação de dinâmicas e a sua transformação em situações de ensino4 4 . Texto original em francês : «La transposition interne concerne non seulement le passage des savoirs disciplinaires à enseigner aux objets enseignés, mais la dynamique même de création et de transformation de ces derniers dans les situations didactiques». ” (tradução nossa). Como vemos, o trabalho docente comporta uma complexidade de atividades; como são variadas as situações de ensino, várias serão as possibilidades de recontextualização, ou seja, de concretização das várias ações didáticas necessárias para que o processo de ensino-aprendizagem de efetive.

2. Aula: um gênero da atividade docente

Pesquisadores dedicados à análise da atividade do trabalho, pelo viés da Ergonomia da Atividade (Amigues 2004AMIGUES, René. 2004. Trabalho do professor e trabalho de ensino. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina PR,: Eduel. p. 35-53.; Saujat 2004SAUJAT, Frédéric. 2004. O trabalho do professor nas pesquisas em educação: um panorama. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina, PR: Eduel. p. 3-34.a, Faïta 2004FAÏTA, Daniel. 2004. Gêneros de discurso, gêneros de atividade, análise do professor. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel. p. 55-80.), da Clínica da Atividade (Clot 2007CLOT, Yves. 2007. A função psicológica do trabalho. Trad. Adail Sobral. 2.ed. Petrópolis: Vozes.) ou da Semiologia do Agir (Bronckart; Machado 2004______; MACHADO, Anna Rachel. 2004. Procedimentos de análise de textos sobre o trabalho educacional. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina, SP: Eduel. p. 131-163.; Buleá 2010BULEA, Ecaterina. 2010. Linguagem e efeitos desenvolvimentais da interpretação da atividade. Trad. Eulália Vera F. Leurquin e Lena Lúcia E. R. Figueiredo. Campinas: Mercado das Letras.) vêm fazendo uma analogia entre os conceitos de gênero discursivo/textual e gênero da atividade, uma vez que admitem uma relativa regularidade (Bakhtin 2003______. 2003. Gêneros do discurso. In: ____. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes. p. 261-306.) nas “formas de fazer compartilhadas” (Faïta, 2004FAÏTA, Daniel. 2004. Gêneros de discurso, gêneros de atividade, análise do professor. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel. p. 55-80.: 66) sócio-historicamente, no âmbito de uma atividade profissional. Clot (2007)CLOT, Yves. 2007. A função psicológica do trabalho. Trad. Adail Sobral. 2.ed. Petrópolis: Vozes. fala em uma “competência profissional genérica” que possibilita, por exemplo, duas pessoas que não se conhecem agirem de forma “padronizada” em uma mesma situação de trabalho. Gênero da atividade, assim, pode ser definido como o

[...] conjunto de regras explícitas ou implícitas para o agir, construídas pelo próprio coletivo de trabalho, pelo próprio conjunto de trabalhadores de uma determinada profissão, ausentes ou presentes. Esse conjunto indica as formas de fazer, sentir e agir em determinado ofício “sancionadas” pelo coletivo de trabalho no decorrer de sua história para a resolução dos conflitos próprios de um determinado ‘métier’ (Machado; Abreu-Tardelli 2009______; ABREU-TARDELLI, Lilia Santos. 2009. Textos Prescritivos na educação presencial e a distância: fonte primeira do estresse do professor? In: CRISTOVÃO, Vera Lúcia; ABREU-TARDELLI, Lília S. (Org.). Linguagem e educação: o trabalho do professor em uma nova perspectiva. Campinas, SP: Mercado das Letras. p. 31-77.: 106).

Da mesma forma que os gêneros textuais, os gêneros da atividade são pré-construídos humanos, legados pelas gerações anteriores, mas que podem, pela ação do(s) sujeito(s) - e com base em suas necessidades, crenças, valores, nas coerções sócio-históricas - sofrer adaptações, transformações, transgressões, ser substituídos por outros. “A norma e a ordem que fazem o gênero das atividades requeridas nas situações merecem ser vistas mais como um movimento do que como um estado” (Clot 2007CLOT, Yves. 2007. A função psicológica do trabalho. Trad. Adail Sobral. 2.ed. Petrópolis: Vozes.: 38). Sob essa perspectiva, o sujeito pode, inclusive, criar novos gêneros a partir das necessidades que o contexto impõe, desde que, logicamente, conheça bem a atividade em que atua. Os gêneros da atividade são, dessa forma, mais suscetíveis à criação do que os gêneros textuais, embora essa flexibilidade também esteja condicionada à esfera social a qual a atividade está articulada. Por exemplo, a esfera jurídica, por seu caráter mais rígido, proporciona menos chances de criatividade nas atividades desenvolvidas pelos seus actantes diretos, diferentemente da esfera artística, publicitária. Sob esse ponto de vista, os ergonomistas falam, inclusive, em “fábrica de gêneros da atividade” (Faïta 2004FAÏTA, Daniel. 2004. Gêneros de discurso, gêneros de atividade, análise do professor. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel. p. 55-80.: 69), visto que, em sua prática, o sujeito pode criar

[...] condições de ação que levam os elementos do contexto e de sua conduta a se associar numa relação que oferece uma saída nova para a situação vivida. Mas, em todas as circunstâncias, convém não esquecer a natureza intrinsecamente dialógica desse gênero: não há gênero em si: é sua coerência que o funda, uma coerência ao mesmo tempo interna e relativa ao contexto, ao se dar a ver e a perceber, e é só na relação com o outro que essa coerência pode se manifestar (grifo do autor).

Desse modo, a identificação, a validação de um gênero da atividade somente é feita pelo outro, no interior dessa atividade, em um processo dialógico (não estamos falando aqui de dar nome ao gênero, pois no âmbito da atividade, essa é uma prática não homogênea). A “criação” de novos gêneros precisa ser validada pelo coletivo de trabalho, para que o gênero apareça e siga um curso dentro da atividade, caso contrário, esse “novo fazer” fica reduzido à subjetividade do agir no trabalho. Nesse sentido, a atividade de ensino perde muito por fechar dentro da sala de aula os “modos de fazer” de seu ator principal: o professor. Principal, pois é em torno dele que a atividade de ensino se concretiza, é ele que seleciona objetos e instrumentos didáticos, que mobiliza metodologias para que os objetos de ensino possam ser transformados em objetos apreendidos.

Entretanto, muitas vezes, esses “modos de fazer” não são compartilhados, não são validados pela coletividade, ficando fadados a simples ações situadas, pois sem o aval do outro, como vimos, não há o surgimento de um novo gênero da atividade. Para Clot (2007CLOT, Yves. 2007. A função psicológica do trabalho. Trad. Adail Sobral. 2.ed. Petrópolis: Vozes.: 38), o gênero da atividade é “história de um grupo e memória impessoal de um local de trabalho” (grifos nossos). Mas, para que seja memória impessoal, é preciso haver trocas de experiências na atividade de trabalho, a construção (implícita ou explícita) de contratos do agir, pois “um grupo não é uma coleção de indivíduos, mas uma comunidade inacabada cuja história define também o funcionamento cognitivo coletivo” (Clot 2007CLOT, Yves. 2007. A função psicológica do trabalho. Trad. Adail Sobral. 2.ed. Petrópolis: Vozes.: 38). Ou seja, o pensar coletivo do trabalhador é fruto de uma construção histórica, que passa, com certeza, pela apropriação, adaptação, transgressão e criação de diversos gêneros da sua atividade de trabalho - instrumentos sociais de ação que pré-organizam a atividade “na forma de regras impessoais de usos e troca” e que constituem “a dimensão ‘genérica’ da atividade individual” (Clot 2007CLOT, Yves. 2007. A função psicológica do trabalho. Trad. Adail Sobral. 2.ed. Petrópolis: Vozes.: 38). Agora, como pensar esses gêneros da atividade no âmbito do trabalho docente?

Na esfera da atividade docente se produzem e se (re)produzem formas de fazer, de agir, de pensar - os gêneros da atividade docente -, que caracterizam o trabalho do professor. Entretanto, nem todos esses gêneros são formalizados e transmitidos, surgindo, assim, uma nova entidade: “um ator coletivo que pode se moldar claramente, em função da semelhança de preocupações, de coerções reiteradas para a ação, sem que necessariamente realize escolhas e julgamentos explícitos, formalmente compartilhados e discursivizados” (Faïta 2004FAÏTA, Daniel. 2004. Gêneros de discurso, gêneros de atividade, análise do professor. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel. p. 55-80.: 64). Ou seja, a atividade docente é formatada no plano do agir não somente por coerções formalizadas, como as advindas de documentos oficiais da educação, de materiais didáticos padronizados, mas também por coerções reiteradas internamente, pelas necessidades contextuais, da ordem do implícito. Um exemplo desse fato pode ser depreendido pelas discussões de Faïta (2004)FAÏTA, Daniel. 2004. Gêneros de discurso, gêneros de atividade, análise do professor. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel. p. 55-80. em relação ao agir dos professores iniciantes, discussões essas corroboradas pelas nossas investigações.

O autor, em suas pesquisas, constatou que os professores iniciantes, normalmente, agem genericamente no sentido de “compensarem - ou de tentarem compensar - a insuficiência transitória de sua capacidade de tratar de situações profissionais complexas mediante o desenvolvimento de recursos intermediários” (Faïta 2004FAÏTA, Daniel. 2004. Gêneros de discurso, gêneros de atividade, análise do professor. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel. p. 55-80.: 63). Na nossa investigação, observamos que o professor iniciante - sujeito-colaborador da pesquisa - tentava compensar a sua falta de experiência profissional em “controlar a classe” com atos excessivos de gerenciamento como: mapas de sala de aula rigorosos e em constante mudança, controle do comportamento dos alunos etc.; e também de forma paradoxal, tentando aproximar-se dos alunos pela “afetividade” - dando-lhe conselhos, querendo saber detalhes da sua vida pessoal. Essa maneira de agir, de certa forma, própria desses professores iniciantes, não se relaciona a coerções formalizadas da profissão, mas a regulações internas, motivadas pelas necessidades contextuais.

Para o desenvolvimento da pesquisa, estamos concebendo a estruturação da atividade educacional a partir de diversos gêneros da atividade: o gênero “reunião pedagógica”, “cursos de formação continuada”, “conselho de classe”, “aula”, “planificação das tarefas didáticas”, “exposição oral”, etc. Tais gêneros referem-se a várias maneiras de agir compartilhadas de forma genérica pela coletividade educacional, e constituem o métier da profissão docente. Entretanto, para a operacionalização desses gêneros, o professor pode mobilizar outros gêneros da atividade, que se encontram, dessa forma, subordinados ao gênero da atividade principal. Por exemplo, tomando como atividade principal o gênero “aula”, é possível elencar vários outros gêneros que podem ser mobilizados nessa atividade docente: “a chamada dos alunos”, “a exposição dos conteúdos”, “a correção das tarefas”, “as perguntas (professor) e respostas (alunos)”, etc. A figura a seguir apresenta uma síntese da estrutura das atividades educacionais constitutivas do trabalho do professor, considerando a cultura escolar da escola pública brasileira no nível da Educação Básica:

Figura 3
Estrutura genérica das atividades constitutivas do trabalho do professor.

Para colocar em funcionamento os diversos gêneros da sua atividade de trabalho, o professor precisa mobilizar diferentes gestos didáticos. São esses gestos, em articulação com os instrumentos didáticos, que vão “corporificar” a atividade docente. Por conseguinte, tomando como foco o gênero da atividade docente “aula”, procuramos, a seguir, sistematizar os seus dispositivos de funcionamento, para que as nossas análises tenham uma fundamentação conceitual coerente, dentro do quadro teórico-metodológico adotado.

3. Configuração do agir docente: os gestos didáticos

Nesta seção, vamos nos deter no agir do professor como um instrumento mediador da atividade de ensino-aprendizagem. Para tratar do instrumental didático, apoiamo-nos na noção de gestos profissionais, ou gestos didáticos5 5 . Nesta pesquisa, estamos compreendendo os gestos didáticos do professor como um subconjunto dos gestos profissionais, por considerarmos a atividade do professor dentro do âmbito profissional – como trabalho. , no caso específico do trabalho do professor (cf. Aeby-Daghé; Dolz 2008AEBY-DAGHÉ, Sandrine; DOLZ, Joaquim. 2008. Des gestes didactiques fondateurs aux gestes spécifiques à l’enseignement-apprentissage du texte d’opinion. In: BUCHETON, Dominique; DEZUTTER, Olivier (Org.). Le développement des gestes professionnels dans l’enseignement du français: un défi pour la recherche et la formation. Bruxelas: De Boeck. p. 83-105.; Nascimento 2011aNASCIMENTO, Elvira Lopes. 2011a. A dupla semiotização dos objetos de ensino-aprendizagem: dos gestos didáticos fundadores aos gestos didáticos específicos. Signum: Estudos da Linguagem 14(1): 421-445., 2011b______. 2011b. Mediações formativas e apropriação de gêneros textuais. SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE GÊNEROS TEXTUAIS - SIGET, 6., 2011b, Natal. Anais... Natal: UFRN, 2011a.<Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/visiget >. Acesso em 22 out. 2011b.
http://www.cchla.ufrn.br/visiget...
, 2012______. 2012. Gestos de ensinar e de aprender: uma análise interacionista sociodiscursiva do trabalho em sala de aula. Revista Trama, v.8, n.16,jul./dez. 2012: 11-30.). Na pesquisa, os gestos didáticos são vistos como ações discursivas e pragmáticas (Nascimento 2011aNASCIMENTO, Elvira Lopes. 2011a. A dupla semiotização dos objetos de ensino-aprendizagem: dos gestos didáticos fundadores aos gestos didáticos específicos. Signum: Estudos da Linguagem 14(1): 421-445.), verbais e não verbais, inseridas no interior dos mais diversos gêneros da atividade do professor, sobretudo, no gênero “aula”. São unidades de ações discursivas acionadas pelo professor em seu agir pedagógico.

Para o ISD, esses gestos podem ser analisados sob dois pontos de vista: a) gestos didáticos fundadores, relacionados às práticas convencionalmente abordadas pela instituição escolar; e b) os gestos específicos, relacionados às necessidades particulares de cada processo de transposição didática interna.

Portadores de significação e vistos pela ótica da atividade coletiva (Bronckart 2006______. 2006. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. In: MACHADO, Anna Rachel; MATENCIO, Maria de Lourdes Meireles. Trad. Anna Rachel Machado et al. Campinas, SP: Mercado das Letras.), os gestos didáticos fundadores (Schneuwly 2000) se integram no sistema social da atividade educacional e se enquadram nas regras e códigos convencionais estabilizados pelo complexo sistema em que se situam as atividades educacionais que constituem a cultura escolar. Entretanto, emergindo dessa complexidade, a ação do professor em uma situação particular de ensinar desenvolve gestos didáticos específicos que nos ajudam a compreender o modo pelo qual se dá a transformação do objeto de ensino que é regulado por eles (Nascimento 2012______. 2012. Gestos de ensinar e de aprender: uma análise interacionista sociodiscursiva do trabalho em sala de aula. Revista Trama, v.8, n.16,jul./dez. 2012: 11-30.:15-16).

Na perspectiva que adotamos, os gestos didáticos fundadores são o suporte do agir que configura genericamente o trabalho docente, independentemente de qualquer situação contextual. Por isso, eles podem ser vistos como o “quadro geral do agir docente”. Segundo Aeby-Daghé e Dolz (2008AEBY-DAGHÉ, Sandrine; DOLZ, Joaquim. 2008. Des gestes didactiques fondateurs aux gestes spécifiques à l’enseignement-apprentissage du texte d’opinion. In: BUCHETON, Dominique; DEZUTTER, Olivier (Org.). Le développement des gestes professionnels dans l’enseignement du français: un défi pour la recherche et la formation. Bruxelas: De Boeck. p. 83-105.: 85-86), os gestos didáticos fundadores podem ser analisados a partir de sete categorias:

  1. presentificação: consiste em mostrar aos estudantes o objeto de ensino/aprendizagem em seus respectivos suportes;

  2. delimitação6 6 . Termos usados em francês: “pointage/élémentarisation”. : focaliza-se uma dimensão/particularidade do objeto de ensino, decompondo-o em várias partes, por exemplo, ensinar a utilização de organizadores textuais no gênero artigo de opinião;

  3. formulação de tarefas: são as instruções para o trabalho do estudante a partir das quais o objeto se presentifica;

  4. criação de dispositivos didáticos: mobilização de suportes variados (textos, esquemas, objetos reais, etc.) para melhor aproveitamento das atividades escolares;

  5. utilização da memória: implica colocar na temporalidade o objeto de ensino e convocar as memórias das aprendizagens para utilizá-las posteriormente;

  6. regulação: vista como “a coleta de informação, interpretação e, se necessário, a correção do objeto de ensino de uma sequência de ensino”7 7 . Texto original em francês : « [...] la prise d’information, l’interprétation et, l ecas échéant, la correction de l’objet enseigné dans une séquence d’enseignement » (tradução nossa). (Schneuwly 2009SCHNEUWLY, Bernard. 2009. Le travail enseignant. In: SCHNEUWLY. B.; DOLZ, J. (Org.). Des objects enseignés em classe de français. Presses Universitarires de Rennes: Rennes.: 38), incluindo dois fenômenos intrinsecamente relacionados - as regulações internas e as regulações locais. As regulações internas, centradas nas estratégias para obter as informações sobre o estado dos conhecimentos dos alunos (processo diagnóstico), podem estar no início, durante ou no fim de uma atividade didática (na SD, a avaliação da primeira produção do aluno é um ato de regulação didática interna). As regulações locais ocorrem durante as atividades didáticas, em uma discussão com os alunos ou no decorrer de uma tarefa.

  7. institucionalização: o processo pelo qual o professor mostra aos alunos que os conhecimentos construídos por eles se localizam na cultura escolar (e na de uma disciplina). A institucionalização também é “constituída pelos gestos direcionados para a fixação do saber (externo) que deve ser utilizado pelos aprendizes nas circunstâncias novas (internas) em que serão exigidos” (Nascimento 2011aNASCIMENTO, Elvira Lopes. 2011a. A dupla semiotização dos objetos de ensino-aprendizagem: dos gestos didáticos fundadores aos gestos didáticos específicos. Signum: Estudos da Linguagem 14(1): 421-445.: 427).

Conforme Aeby-Daghé e Dolz (2008AEBY-DAGHÉ, Sandrine; DOLZ, Joaquim. 2008. Des gestes didactiques fondateurs aux gestes spécifiques à l’enseignement-apprentissage du texte d’opinion. In: BUCHETON, Dominique; DEZUTTER, Olivier (Org.). Le développement des gestes professionnels dans l’enseignement du français: un défi pour la recherche et la formation. Bruxelas: De Boeck. p. 83-105.: 84), acreditamos que “é pelos gestos didáticos que o professor delimita o objeto, que ele o mostra, que ele o decompõe, que ele o ajusta às necessidades dos alunos, isto é, que ele o transforma em vista da aprendizagem8 8 . Texto original em francês: “Dans Ce cadre, c’est par les gestes didactiques que l’enseignant délimite l’objet, qu’il le montre, qu’il le décompose, qu’il l’ajuste aux besoins des élèves, c’est-à-dire qu’il le transforme en vue de l’apprentissage. » (tradução nossa). ”.

Já os gestos específicos têm a função de colocar em funcionamento localmente as atividades didáticas voltadas à apropriação dos mais diversos objetos de ensino, no interior da transposição didática interna. É nesse sentido que, neste artigo, buscamos a articulação entre a observação dos gestos didáticos específicos da professora e a construção didática de um dos objetos recortados do gênero “carta de reclamação”- a comparação entre diferentes tipos de cartas -, tomando, por parâmetro, alguns gestos didáticos fundadores elencados pelos autores genebrinos, procurando observar, assim, as particularidades do nosso contexto de intervenção.

Por concordarmos com o postulado dos autores supracitados nesta seção, neste trabalho, tomamos os gestos didáticos como categoria de interpretação do agir docente. Por meio dos gestos didáticos do professor analisamos o processo de gênese instrumental da ferramenta SD e o emergir do ator-professor em sua atividade de ensino, além de essa categoria nos dar suporte para outras discussões pertinentes em relação ao trabalho do professor.

4. O contexto de geração dos dados da pesquisa

Os dados analisados neste artigo advêm de uma pesquisa de campo de cunho colaborativo-intervencionista. O caráter colaborativo decorre do fato de o professor - colaborador da pesquisa - ter participação ativa no desenvolvimento da investigação. Todo o processo de intervenção didática foi pensado de forma colaborativa, numa interação permanente entre professor de sala de aula/professor em formação e pesquisador/formador. Nesse tipo de pesquisa, “o pesquisador não é um observador passivo que procura entender o outro, que também, por sua vez, não tem um papel passivo. Ambos são coparticipantes ativos no ato da construção e de transformação do conhecimento” (Bortoni-Ricardo; Pereira 2006BORTONI-RICARDO, Stela Maris; PEREIRA, Ana Dilma de A. 2006. Formação continuada de professores e pesquisa etnográfica colaborativa. MOARA, Estudos Linguísticos. Revista da Pós-Graduação em Letras da UFPA, Belém, n.26: 149-162.). Quanto ao caráter intervencionista, ele se justifica pelo fato de a pesquisadora intervir no processo de ensino-aprendizagem das turmas investigadas, via mediação formativa do professor de sala de aula. Ou seja, não foi uma etnografia escolar apenas de observação.

A pesquisa de campo foi realizada no ano de 2009 em uma Escola Estadual da periferia Londrina (PR), em colaboração com uma professora iniciante na carreira docente e sem conhecimento teórico no que diz respeito ao funcionamento da metodologia que embasa as SD de gêneros do ISD. O contexto de ensino investigado foi um sexto ano regular do Ensino Fundamental, do período matutino (33 alunos), com alunos, na sua grande maioria, com problemas substanciais de letramento. O objetivo maior da pesquisa foi validar o funcionamento da metodologia das SD de gêneros, do Grupo de Genebra, no contexto investigado.

Antes do início da intervenção foram feitas observações no contexto e análise de documentos orientadores, como as Diretrizes Curriculares do Paraná, para a escolha do objeto unificador da SD - a carta de reclamação de problemas da comunidade - que seria desenvolvida na turma selecionada. Essa escolha foi uma maneira de tentar motivar os alunos, trazendo a realidade deles para dentro da sala de aula, buscando, assim, artificializar o menos possível as atividades de produção e leitura de textos em ambiente escolar. A partir dessa escolha, foi criado o Projeto Cidadania (nome sugerido pela professora), a partir do qual desenvolvemos a SD da carta de reclamação.

Diante do teor colaborativo da pesquisa, no momento pré-intervenção didática, iniciou-se um processo de formação continuada da professora, pensando, primeiramente, em trabalhar questões fundamentais da área dos estudos da linguagem a partir do instrumental teórico-metodológico apresentado por Bronckart (2003)BRONCKART, Jean-Paul. 2003. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. Trad. Anna Rachel Machado e Péricles Cunha. 2. reimpressão. São Paulo: EDUC.. Em seguida, levando-se em conta que, para a elaboração de uma SD é preciso que o professor/pesquisador conheça o gênero com que vai trabalhar, que ele saiba quais suas dimensões ensináveis, o próximo passo da formação foi a construção colaborativa de um modelo didático da carta de reclamação.

Posteriormente, iniciou-se o trabalho de elaboração da SD e, ao mesmo tempo, as intervenções em sala de aula, uma vez que a opção foi por uma dinâmica diferenciada: a SD não seria feita de uma vez, antes da intervenção, mas durante o desenvolvimento do projeto didático. Isso proporcionou ajustes na sua elaboração, em tempo quase real. Dentro da perspectiva colaborativa, todo o processo de construção das ferramentas didáticas utilizadas no projeto de sala de aula - tanto na fase da transposição didática interna como externa - foi desenvolvido em colaboração com a professora, em uma dupla articulação de objetivos: a formação docente e o processo de ensino-aprendizagem.

5. Transposição didática interna: análise de um esquema de mediação formativa da SD da carta de reclamação

O conceito de transposição didática nasce no trabalho de um so­ciólogo Verret (1975)VERRET, M. 1975. Le temps des études. Paris: Champion. e migra para o campo da Didática da Matemática a partir dos estudos de Chevallard e Joshua (1985)CHEVALLARD, Y; JOSHUA, M-A. 1985. La transposition didactique: du savoir savant au savoir enseigné. Paris: La Pensée Sauvage Editions.. Para o empreendimento desta pesquisa, são buscados aportes diversos para ampliar os estudos de transposição com o objetivo de descrever e compreender o objeto unificador do ensino - a carta de reclamação - e um dos sub-objetos selecionados - a comparação contextual e linguístico-discursiva entre modalidades diferentes de cartas -, a partir do instrumental metodológico da “sequência didática”, procurando compreender que “aquilo que será ensinado não é resultado apenas de transmissão, mas também de contextualizações e recontextualizações que têm como objetivo introduzir objetos de ensino na sala de aula” (Oliveira 2013OLIVEIRA, M.A. A. 2013. O Ensino de Língua Portuguesa: usos do livro didático, objetos de ensino e gestos profissionais. 2013. 407f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada)- Universidade de Campinas, Campinas/SPO. :77-78).

Nesta seção analítica centramos nosso olhar na transposição didática interna, a qual envolve a transformação dos saberes a ensinar em saberes ensinados e aprendidos, o que comporta a mediação instrumental tanto das atividades e dispositivos didáticos da SD, como dos gestos didáticos, fundadores e específicos, mobilizados durante a concretização do processo de ensino e aprendizagem do objeto unificador selecionado: a carta de reclamação.

Em nossas análises, fazemos uma articulação entre o desenvolvimento das atividades e tarefas e o agir do professor, representados pelos gestos didáticos (verbais e não verbais) acionados durante a realização do gênero da atividade “aula”. Para tal, direcionamos as análises a partir do ponto de vista dos gestos fundadores: i) desenvolvimento das atividades e tarefas; ii) utilização dos dispositivos didáticos; iii) mobilização das memórias das aprendizagens; iv) o acionamento da regulação e da institucionalização (cf. Aeby-Daghé; Dolz 2008AEBY-DAGHÉ, Sandrine; DOLZ, Joaquim. 2008. Des gestes didactiques fondateurs aux gestes spécifiques à l’enseignement-apprentissage du texte d’opinion. In: BUCHETON, Dominique; DEZUTTER, Olivier (Org.). Le développement des gestes professionnels dans l’enseignement du français: un défi pour la recherche et la formation. Bruxelas: De Boeck. p. 83-105.). É na mobilização desses gestos fundadores que emergem os gestos didáticos específicos do professor, os quais são alvos de sistematização por parte da nossa pesquisa.

A análise da transposição didática é orientada por um esquema de mediação formativa central que tem como objeto a escrita da carta de reclamação e, como instrumento mediador, a SD elaborada para a apropriação desse gênero. A SD elaborada teve 14 módulos, cada um concretizando um subesquema de mediação formativa, centrado em um objeto de ensino recortado do objeto unificador da SD esquema: a carta de reclamação. Para este trabalho, recorte da pesquisa mais ampla, detemo-nos na análise do subesquema de mediação formativa estruturado pela interação de dois sujeitos - o professor e os alunos -, movido pelo objeto “comparação entre diferentes modalidades de cartas” e instrumentalizado pelo dispositivo didático “Leitura e identificação de tipos diferentes de cartas” (cf. Apêndice A APÊNDICE A Dispositivo Didático: “Leitura e Identificação de Tipos Diferentes de Cartas” ASSUNTO: Leitura e identificação de tipos diferentes de cartas CARTA 1 CARTA 2 Fonte: Folha de Londrina, 14/08/2009. CARTA 3 CARTA 4 CARTA 5 ATIVIDADES 1. Leia as 4 cartas. Agora identifique o tipo de cada carta, fazendo a correspondência correta: CARTA1 ( ) carta comercial ( ) carta pessoal CARTA 2 ( ) carta do editor ( ) carta de reclamação CARTA 3 ( ) carta do leitor ( ) carta aberta CARTA 4 ( ) carta de pedido de conselho ( ) carta de pedido de desculpas CARTA 5 ( ) carta de amor ( ) carta de reivindicação 2. Identifique em cada carta o emissor (quem escreveu) e o destinatário (para quem foi escrita) - não é o nome da pessoa, mas quem ela representa: um cidadão, um gerente de banco, uma empresa, um espectador. EMISSOR DESTINATÁRIO CARTA 1 CARTA 2 CARTA 3 CARTA 4 CARTA 5 3. Pense, agora, no objetivo de cada carta. Você consegue identificar o objetivo de cada carta pela relação abaixo? ( ) Fazer uma reclamação para uma empresa ( ) Comunicar-se com uma pessoa íntima (amigos, parentes...) ( ) Tornar pública uma opinião a respeito de algo que foi publicado na imprensa ( ) Tornar pública as ideias de um jornal ( ) Fazer uma comunicação empresarial/comercial ( ) Tornar pública uma opinião/denúncia ( ) Solicitar algo 4. Qual o assunto de cada carta? 5. Qual das cartas traz explicitado o assunto? Em vez de “assunto” qual o termo usado pela carta? Está abreviado? 6. Quais cartas estão defendendo uma ideia/opinião/tese? Identifique as cartas e a opinião defendida. 7. Essas cartas que defendem ideias podem ser chamadas de argumentativas? Por quê? 8. Observe a estrutura de cada carta, o que todas elas têm em comum? 9. Como você interpreta isso? Qual seria o motivo dessas semelhanças? 10. Agora, observe as semelhanças entre as cartas de reclamação, comercial e pessoal e descreva essas semelhanças. 11. Qual a principal semelhança entre a carta do leitor e a carta aberta? 12. Dentre todas as cartas, qual a mais informal? Qual seria o motivo dessa informalidade? Copie trechos que demonstram essa informalidade. ), elaborado para o módulo 5 da SD, “Aprendendo a diferenciar modalidades diferentes de cartas”, conforme ilustrado na figura 4.

Figura 4
Esquema de mediação formativa objeto de análise.

Esse esquema de mediação formativa teve como objetivo fazer com que os alunos percebessem que existem diferentes modalidades de carta, não somente a carta pessoal - a mais lembrada, quando o assunto são gêneros epistolares. A nossa intenção foi trabalhar tais semelhanças e diferenças não apenas pelo viés estrutural, mas sobretudo a partir das características discursivas e contextuais de cada gênero.

Elaboramos, de forma colaborativa - pesquisador e professora regente -, um dispositivo didático, entregue aos alunos em uma folha avulsa (suporte), mobilizando atividades de leitura e análise de textos, de cinco gêneros epistolares diferentes: carta comercial, carta do leitor, carta aberta, carta pessoal e carta de reclamação (de caráter comercial). A escolha dos gêneros/textos procurou levar em consideração vários aspectos: a temática, o nível de complexidade da escrita, a extensão, a importância/uso do gênero na sociedade e, logicamente, os objetivos didáticos do projeto.

No que se refere à carta de reclamação, foco da SD, para essa primeira atividade, não queríamos “fabricar” um texto fictício, mas que fosse, de certa maneira, um representante legítimo do gênero. Pelo fato de a carta de reclamação destinada a instituições sociais - objeto de ensino da SD - não ser de ordem pública, e, por isso, não termos disponíveis exemplares autênticos, preferimos apresentar uma carta de reclamação endereçada a uma empresa comercial. Entretanto, no desenvolvimento das atividades posteriores da SD, percebemos que se tivéssemos, nessa primeira atividade de sistematização do gênero, apresentado um exemplar de uma carta de reclamação com foco em problemas sociais (mesmo que fictícia), similar àquela que os alunos produziriam (gesto de presentificação do gênero), teríamos facilitado o processo de apropriação do gênero. Isso porque ficou evidente que os alunos, para se apropriarem da funcionalidade de um gênero, precisam se pautar em “modelos textuais de referência”, uma vez que o processo de internalização linguageira se dá também pela atividade cognitiva da imitação (Vigotski 2008VIGOTSKI, Lev Semenovich. 2008. A formação social da mente. Trad. José Cipolla Neto; Luiz S. M. Barreto; Solange C. Afeche. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes.). Segundo Vigotski (2008)VIGOTSKI, Lev Semenovich. 2008. A formação social da mente. Trad. José Cipolla Neto; Luiz S. M. Barreto; Solange C. Afeche. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes., para uma compreensão mais apurada do conceito de ZPD deve-se levar em conta uma reavaliação do papel da imitação no aprendizado.

Pensa-se na imitação e no aprendizado como um processo puramente mecânico. Recentemente, no entanto, psicólogos têm demonstrado que uma pessoa só consegue imitar o que está no seu nível de desenvolvimento. Por exemplo, se uma criança tem dificuldade com um problema de aritmética e o professor o resolve no quadro-negro, a criança pode captar a solução num instante. Se, no entanto, o professor solucionasse o problema usando a matemática superior, a criança seria incapaz de compreender a solução, não importante quantas vezes a copiasse (Vigotski 2008VIGOTSKI, Lev Semenovich. 2008. A formação social da mente. Trad. José Cipolla Neto; Luiz S. M. Barreto; Solange C. Afeche. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes.: 99-100).

Ou seja, a imitação, desde que orientada pelo nível de desenvolvimento cognitivo do aluno, não deve ser vista como uma atividade mecânica, mas como um mecanismo essencial para o aprendizado do aluno. Ao imitar os modelos textuais de referência apresentados, sob a mediação do professor, a aluno está internalizando mecanismos linguístico-discursivos que, posteriormente, podem ser usados de forma independente.

5.1. Ponto de vista das atividades, tarefas e dispositivos didáticos

O dispositivo didático elaborado para o módulo 5 trabalha com a atividade de “observação e análise de textos”, com tarefas de estabelecimento de relações e questões abertas e fechadas. Embora bem sistematizadas, as tarefas desse dispositivo podem ser classificadas, em sua grande maioria, como metacognitivas (Altet 1994ALTET, Marguerite. 1994. La formation professionnelle des enseignants. Paris: PUF.), por estimular a reflexão sobre o objeto de ensino. Quando se trata de alunos do início do Fundamental II, como os alunos da série investigada, tal tipo de tarefa demanda do professor uma articulação dialética entre os saberes científicos da/sobre a língua, os saberes disciplinares (trabalhados na transposição didática externa) e os saberes didáticos (como transformar os saberes disciplinares em ensino e aprendizagem efetivamente). Saber articular esses saberes é uma capacidade que o professor precisa desenvolver para ser um bom profissional do ensino. Ou seja, um bom material didático, com tarefas reflexivas, por exemplo, como é o caso do dispositivo em questão, por si só, não garante o seu sucesso em sala de aula. Um dos fatores envolvidos é justamente a capacidade de o professor conseguir, em sala de aula, acionar esses saberes profissionais.

Em episódios relacionados à resolução coletiva de duas tarefas abertas, de cunho metacognitivo, ficou evidente como essas tarefas requerem do professor uma capacidade de articular saberes profissionais, não somente os relacionados a práxis, como acreditam muitos autores. O primeiro diz respeito à resolução coletiva da tarefa nº 3, na qual o aluno tinha de relacionar uma modalidade de carta - carta do leitor, comercial, pessoal, de reclamação, aberta - a um dos objetivos propostos. Quando a professora lê o objetivo “Tornar pública uma opinião a respeito de algo que foi na imprensa”, os alunos começam a responder:

Episódio 1:

As - 2, 3

A1 - A carta 2 é tornar pública AS IDÉIAS DE UM JORNAL!

P - Pessoal a 2 é tornar pública UMA OPINIÃO A RESPEITO DE ALGO QUE FOI PUBLICADO NA IMPRENSA

A1 - ((aluna se levanta)) Mas professora... tem essa pergunta ‘tornar pública as ideias de um jornal’

P - MAS NÃO É ESSA

As - ((gritaria))

P - O que fica mais coerente? Tornar pública as ideias de um jornal ou tornar pública uma opinião a respeito de algo que foi publicado na imprensa?

As - ((todos falam ao mesmo tempo))

P - Essa questão da Gabriela ‘tornar pública as ideias de um jornal’ / na Folha de Londrina tem a Folha Opinião / primeira, segunda e terceira folha / às vezes alguém publica apenas uma ideia, não é que ela pegou alguma coisa que já foi publicado antes no jornal

P - Deu para entender?

As - SIM

P - Na carta 2 ((carta do leitor do dispositivo)), ela pegou uma reportagem para comentar

Nesse episódio é possível observar que os alunos tiveram dificuldades para relacionar o objetivo da carta do leitor (carta 2), pois na questão, propositadamente, havia dois itens semelhantes: a) tornar pública uma opinião a respeito de algo que foi publicado na imprensa; b) tornarem públicas as ideias de um jornal. Quando uma aluna levanta o problema, a professora aciona um gesto didático de negação da resposta da aluna, em tom autoritário: “MAS NÃO É ESSA”. Essa primeira reação da professora demonstra certa insegurança, pois ela prefere apenas reafirmar o prescrito na planificação da SD, em vez de explorar as dificuldades de entendimento do aluno. Como a confusão toma conta da sala, ela aciona um gesto didático muito utilizado pelos professores: reformular a pergunta do aluno e jogá-la para classe responder: “O que fica mais coerente?”. Na sua explicação final, a professora foca apenas a diferença entre dar uma opinião no jornal sem se reportar a um texto anterior, ou opinar para “comentar” algo já dito antes na imprensa. Não consegue, nesse episódio, articular os saberes científicos dos gêneros “carta do leitor” (objetivo “a”) e editorial (objetivo “b”) aos saberes disciplinares e didáticos, subjacentes às tarefas do dispositivo didático. A intervenção da aluna proporcionaria, naquele momento, mesmo que de forma superficial, um confronto entre as opiniões do “leitor” e do “jornal” veiculadas pela mídia jornalística. Uma das diferenças cruciais entre os dois objetivos é justamente a questão da origem enunciativa da opinião: jornal ou leitor?

É importantíssimo destacar esse fato, já que o trabalho com as SD requer do professor não somente o domínio do gênero, objeto unificador das atividades, mas também o de outras práticas linguageiras que podem dialogar, ora nas semelhanças, ora nas diferenças, sejam elas funcionais, discursivas ou linguísticas. Ou seja, não estamos falando de uma metodologia fechada em um único objeto linguístico, mas em um procedimento didático que busca a articulação com os vários modelos do agir linguageiro disponíveis na sociedade. Nesse caso, ficou evidente que a formação inicial da professora não foi voltada ao trabalho com os gêneros textuais, e nem o nosso processo de formação deu conta de suprir essas carências. Embora, como é possível perceber nas falas finais da professora, ela consiga buscar vozes oriundas dos nossos encontros de formação, porque nessas formações, trabalhamos com exemplares do jornal Folha de Londrina, a fim de que ela entrasse em contato com os textos opinativos por ele veiculados9 9 . Esses jornais foram também levados para sala de aula para que os alunos conhecessem as suas seções e entrassem em contato com os gêneros veiculados por esse suporte – gesto de presentificação dessas práticas linguageiras. . Entendemos que o professor de língua, na atualidade, precisa estar “conectado” com as práticas sociais relevantes da sociedade, ele necessita de certa “familiaridade” com os gêneros textuais que circulam socialmente, independentemente do seu meio de comunicação, suporte, mídia. Esse é um perfil exigido, com certeza, para esse “novo” professor de Língua Portuguesa.

Outro episódio problemático da aula, emergente do tipo de atividade e tarefa proposto, ou seja, atividade de observação e análise de textos e tarefas metacognitivas, diz respeito à discussão coletiva da tarefa nº 11: “Qual a principal semelhança entre a carta do leitor e a carta aberta?”. Após ler a questão, a professora pergunta:

Episódio 2:

P - Qual a carta do leitor?

As - A 2

P - E a carta aberta?

As - A 3

P - Qual a principal semelhança que vocês observam entre as duas?

A1 - Que a carta é uma diferente da outra?

As - NÃO

P - Tem a ver com a questão do destinatário

A2 - As duas são abertas para todo mundo ler

P - Mas que público?

A2 - O público leitor

P - Essa aí é qual carta?

As - Carta do leitor

P - A diferença é que as outras são endereçadas especificamente a um órgão, alguma pessoa, algum cargo, alguma coisa assim / agora essas duas cartas não / elas são endereçadas a um público grande ((faz um gesto abrindo os braços)) / no caso da carta 2 quem é o destinatário? Os leitores DA?

As - Folha de Londrina

P - É um público grande?

As - É

P - E a carta 3?

As - Público da internet

P - Quem é esse público? Só os internautas?

As - NÃO

P - Quem assiste o programa do Gugu?

As - EU ((levantam a mão))

A3 - Mas a carta não é somente para quem assiste o programa do Gugu!

P - Não entendi

A3 - Professora, todos que entram na internet leem a carta / o programa do Gugu não mostrou a carta / então não é a carta que escreveram para o programa do Gugu

P - Mas os leitores são possivelmente espectadores do programa do Gugu

A - Professora, eu acho que está falando da carta ((dos destinatários da carta)), professora, não dos espectadores

P - Mas pode ser escrita para os espectadores também

Depois da discussão, a professora começa a passar a resposta na lousa - cópia do “gabarito” produzido colaborativamente para a SD. O episódio mostra como falta à professora saberes mais consistentes sobre a funcionalidade dos textos. O questionamento da aluna é pertinente, já que a carta aberta, embora criticando o programa do Gugu, pode ser lida por qualquer internauta. Veja como a aluna consegue perceber bem que são dois contextos de produção diferentes: a carta, veiculada pela internet, e o programa do Gugu, transmitido pela TV. Entretanto, fica evidente que quem escreveu a carta desejava que fosse lida pelos espectadores do programa do Gugu, é para eles que ela dirigia seu discurso, sua indignação. Porém, é claro que ela pode ser lida por qualquer internauta que tenha acesso a ela e que se interesse pelo assunto. Uma pergunta que poderia gerar boa discussão em relação à imagem do destinatário projetada no texto acabou sendo sucumbida por uma concepção rígida em relação ao texto planificador da tarefa docente e pela carência de saberes linguageiros da professora.

Um ponto positivo desse episódio foi a explicitação de um gesto didático de dar pistas para conduzir à resposta esperada, mas sem respondê-la de fato. Quando a professora percebe que os alunos não chegariam a uma resposta coerente para a questão, ela dá uma pista: “Tem a ver com o destinatário”. Dessa forma, desencadeia uma linha de raciocínio dos alunos que os levam até a resposta esperada. Esse gesto didático é, na verdade, um dos facilitadores desse tipo de tarefa, a qual exige a reflexão dos alunos em relação ao objeto estudado. Vemos, no trecho transcrito, que a professora assume gestos didáticos de moderadora da discussão. O que lhe faltou foi usar o gesto de valorização da resposta do aluno, ou seja, partir dela para expandir o raciocínio do aprendiz. No episódio em questão, a fala da aluna 3 foi bastante coerente, sendo assim, o gesto didático mais adequado da professora seria aceitá-la, mesmo que parcialmente, e complementar o raciocínio. Foi possível perceber que quando o aluno “acerta” a resposta, se sente mais confiante para continuar participando da aula, mas se “erra”, se sente inferiorizado diante dos colegas, por isso, tende a participar menos das discussões.

Como vimos, nesse tipo de atividade é essencial a articulação de múltiplos saberes docentes, desde os científicos - ligados ao conhecimento da funcionalidade dos textos - até os didáticos - relacionados ao como agir em sala de aula para que esses conhecimentos sejam internalizados pelos alunos.

5.2. Ponto de vista da mobilização da memória, regulação e institucionalização

Um episódio relevante que emergiu da atividade sobre as diferentes modalidades de carta pode ser analisado pelo viés do gesto de utilização da memória didática. Diz respeito à discussão gerada pela questão 12 do dispositivo: “Dentre todas as cartas, qual a mais informal? Qual seria o motivo dessa informalidade?”. Na discussão coletiva, a professora articula a resposta da pergunta à escrita da carta de reclamação. Ela confronta o tom da escrita da carta pessoal, bastante informal, ao tom da escrita da carta de reclamação, que requer uma formalidade por conta do contexto de produção que a envolve. Na sua argumentação, diz: “Olá diretor... existe?” - fazendo referência a algumas cartas dos alunos destinadas ao diretor da escola (primeira produção). Os alunos, acionando a memória do aprendizado já internalizado, respondem: “Não, tem que ser ‘prezado diretor’, ‘senhor diretor’”. Isso demonstra como o acionamento da memória didática, tanto por parte do professor como dos alunos, pode auxiliar na internalização do objeto de ensino, sobretudo, quando esse acionamento é para fins de articulação com outros objetos, como no exemplo dado.

Interessante que, ao mobilizar esse gesto didático de comparação entre duas modalidades de carta, um aluno, por imitação (no sentido vigotskiano), usa a mesma estratégia para participar da discussão. Ele compara a carta de reclamação com a carta que irá enviar a seu amigo secreto de textos10 10 . Amigo secreto de textos foi uma atividade que propomos para ser feita em sala de aula para criar eventos de letramento diversificados, sem vínculos diretos com o ensino. O objetivo era que cada aluno presenteasse seu amigo secreto com um texto qualquer, escrito por ele próprio ou coletado de livros, revistas, internet. . Diz: “já pensou como ficaria ridículo se eu escrevesse para o meu amigo secreto ‘prezado amigo’?”. A fala desse aluno mostra que ele conseguiu fazer uma boa representação dos dois contextos de produção: da carta pessoal, destinada a seu amigo secreto, e por isso, com grande proximidade do gênero “bilhete” e da carta de reclamação, destinada a uma autoridade pública, que requer, assim, certa formalidade.

Essa atividade de observação e análise de textos que mobiliza tarefas de reflexão (metacognitivas) também se configura como uma ótima oportunidade de regulação local, visto que, por meio das discussões de sala de aula, é possível o professor avaliar o aprendizado do aluno e, consequentemente, fazer reconcepções (cf. Barros 2014______. 2014. As reconcepções do trabalho docente no processo da transposição didática de gêneros. In: BARROS, Eliana Merlin D. de; RIOS-REGISTRO, Eliane Segati. Experiências com sequências didáticas de gêneros. São Paulo: Pontes Editores.) nas suas estratégias de ensino. No esquema de mediação formativa analisado, foi possível perceber que a institucionalização dos saberes referentes aos objetos mobilizados obteve bons resultados, pois os alunos, de forma geral, compreenderam a situacionalidade da escrita da carta de reclamação e seus efeitos na textualização, sobretudo, em razão do acionamento dos gestos de comparação com outras modalidades de carta, subjacentes às tarefas mobilizadas pelo dispositivo didático. A comparação, nesse caso, se mostrou um gesto didático específico relevante ao se trabalhar com o gênero “carta”.

Considerações finais

Para a efetivação da pesquisa, mobilizamos categorias teórico-metodológicas de distintas áreas do conhecimento, numa postura transdisciplinar. Isso ocorreu em função da análise de um objeto complexo de investigação: uma aula de uma docente iniciante, colaboradora da pesquisa, num processo de transposição didática interna de um módulo da Sequência Didática do gênero carta de reclamação. Para fazer a análise do gênero da atividade docente “aula” sob diversos pontos de vista, inicialmente, analisamos um recorte da SD, mais especificamente o módulo 5, instrumentalizado pelo dispositivo didático intitulado “Leitura e identificação de tipos diferentes de cartas” (ver Apêndice A APÊNDICE A Dispositivo Didático: “Leitura e Identificação de Tipos Diferentes de Cartas” ASSUNTO: Leitura e identificação de tipos diferentes de cartas CARTA 1 CARTA 2 Fonte: Folha de Londrina, 14/08/2009. CARTA 3 CARTA 4 CARTA 5 ATIVIDADES 1. Leia as 4 cartas. Agora identifique o tipo de cada carta, fazendo a correspondência correta: CARTA1 ( ) carta comercial ( ) carta pessoal CARTA 2 ( ) carta do editor ( ) carta de reclamação CARTA 3 ( ) carta do leitor ( ) carta aberta CARTA 4 ( ) carta de pedido de conselho ( ) carta de pedido de desculpas CARTA 5 ( ) carta de amor ( ) carta de reivindicação 2. Identifique em cada carta o emissor (quem escreveu) e o destinatário (para quem foi escrita) - não é o nome da pessoa, mas quem ela representa: um cidadão, um gerente de banco, uma empresa, um espectador. EMISSOR DESTINATÁRIO CARTA 1 CARTA 2 CARTA 3 CARTA 4 CARTA 5 3. Pense, agora, no objetivo de cada carta. Você consegue identificar o objetivo de cada carta pela relação abaixo? ( ) Fazer uma reclamação para uma empresa ( ) Comunicar-se com uma pessoa íntima (amigos, parentes...) ( ) Tornar pública uma opinião a respeito de algo que foi publicado na imprensa ( ) Tornar pública as ideias de um jornal ( ) Fazer uma comunicação empresarial/comercial ( ) Tornar pública uma opinião/denúncia ( ) Solicitar algo 4. Qual o assunto de cada carta? 5. Qual das cartas traz explicitado o assunto? Em vez de “assunto” qual o termo usado pela carta? Está abreviado? 6. Quais cartas estão defendendo uma ideia/opinião/tese? Identifique as cartas e a opinião defendida. 7. Essas cartas que defendem ideias podem ser chamadas de argumentativas? Por quê? 8. Observe a estrutura de cada carta, o que todas elas têm em comum? 9. Como você interpreta isso? Qual seria o motivo dessas semelhanças? 10. Agora, observe as semelhanças entre as cartas de reclamação, comercial e pessoal e descreva essas semelhanças. 11. Qual a principal semelhança entre a carta do leitor e a carta aberta? 12. Dentre todas as cartas, qual a mais informal? Qual seria o motivo dessa informalidade? Copie trechos que demonstram essa informalidade. ). A noção de gestos didáticos fundadores e específicos e a categoria “imitação” de Vigotski foram essenciais para a análise do processo de ensino selecionado pelo trabalho.

O primeiro foco da investigação foi o gesto fundador de mobilização das atividades, tarefas e dispositivos didáticos. As tarefas analisadas foram denominadas de metacognitivas por demandar do aluno reflexões para sua resolução, ou seja, não eram tarefas de simples memorização ou de aplicação de conhecimentos. Por fim, o mesmo dispositivo didático foi alvo da análise dos gestos didáticos de mobilização da memória das aprendizagens, de regulação local e de institucionalização.

Fica evidente, por meio das análises feitas nesse microcontexto de ensino e aprendizagem que o trabalho com SD requer não apenas o domínio do docente no gênero que está sendo didatizado, mas de outras práticas linguageiras que podem dialogar, seja por semelhanças, seja por diferenças com o gênero focalizado. E, para isso, o docente precisa mobilizar gestos didáticos específicos que deem conta dos vários subobjetos de ensino que vão emergindo do objeto unificador da SD, muitas vezes não planificados no projeto de ensino.

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  • 1
    . Conceitos trabalhados nas seções seguintes.
  • 2
    . O que denominamos “esquema de mediação formativa” não se confunde com os esquemas de utilização dos artefatos.
  • 3
    . O problema de se restringir à aplicação das atividades do livro didático é que o professor pode se anular nessa fase da transposição didática.
  • 4
    . Texto original em francês : «La transposition interne concerne non seulement le passage des savoirs disciplinaires à enseigner aux objets enseignés, mais la dynamique même de création et de transformation de ces derniers dans les situations didactiques».
  • 5
    . Nesta pesquisa, estamos compreendendo os gestos didáticos do professor como um subconjunto dos gestos profissionais, por considerarmos a atividade do professor dentro do âmbito profissional – como trabalho.
  • 6
    . Termos usados em francês: “pointage/élémentarisation”.
  • 7
    . Texto original em francês : « [...] la prise d’information, l’interprétation et, l ecas échéant, la correction de l’objet enseigné dans une séquence d’enseignement » (tradução nossa).
  • 8
    . Texto original em francês: “Dans Ce cadre, c’est par les gestes didactiques que l’enseignant délimite l’objet, qu’il le montre, qu’il le décompose, qu’il l’ajuste aux besoins des élèves, c’est-à-dire qu’il le transforme en vue de l’apprentissage. » (tradução nossa).
  • 9
    . Esses jornais foram também levados para sala de aula para que os alunos conhecessem as suas seções e entrassem em contato com os gêneros veiculados por esse suporte – gesto de presentificação dessas práticas linguageiras.
  • 10
    . Amigo secreto de textos foi uma atividade que propomos para ser feita em sala de aula para criar eventos de letramento diversificados, sem vínculos diretos com o ensino. O objetivo era que cada aluno presenteasse seu amigo secreto com um texto qualquer, escrito por ele próprio ou coletado de livros, revistas, internet.

APÊNDICE A

Dispositivo Didático: “Leitura e Identificação de Tipos Diferentes de Cartas”

ASSUNTO: Leitura e identificação de tipos diferentes de cartas

CARTA 1

CARTA 2

CARTA 3

CARTA 4

CARTA 5

ATIVIDADES

1. Leia as 4 cartas. Agora identifique o tipo de cada carta, fazendo a correspondência correta:

CARTA1 ( ) carta comercial ( ) carta pessoal CARTA 2 ( ) carta do editor ( ) carta de reclamação CARTA 3 ( ) carta do leitor ( ) carta aberta CARTA 4 ( ) carta de pedido de conselho ( ) carta de pedido de desculpas CARTA 5 ( ) carta de amor ( ) carta de reivindicação

2. Identifique em cada carta o emissor (quem escreveu) e o destinatário (para quem foi escrita) - não é o nome da pessoa, mas quem ela representa: um cidadão, um gerente de banco, uma empresa, um espectador.

EMISSOR DESTINATÁRIO CARTA 1 CARTA 2 CARTA 3 CARTA 4 CARTA 5

3. Pense, agora, no objetivo de cada carta. Você consegue identificar o objetivo de cada carta pela relação abaixo?

( ) Fazer uma reclamação para uma empresa

( ) Comunicar-se com uma pessoa íntima (amigos, parentes...)

( ) Tornar pública uma opinião a respeito de algo que foi publicado na imprensa

( ) Tornar pública as ideias de um jornal

( ) Fazer uma comunicação empresarial/comercial

( ) Tornar pública uma opinião/denúncia

( ) Solicitar algo

4. Qual o assunto de cada carta?

5. Qual das cartas traz explicitado o assunto? Em vez de “assunto” qual o termo usado pela carta? Está abreviado?

6. Quais cartas estão defendendo uma ideia/opinião/tese? Identifique as cartas e a opinião defendida.

7. Essas cartas que defendem ideias podem ser chamadas de argumentativas? Por quê?

8. Observe a estrutura de cada carta, o que todas elas têm em comum?

9. Como você interpreta isso? Qual seria o motivo dessas semelhanças?

10. Agora, observe as semelhanças entre as cartas de reclamação, comercial e pessoal e descreva essas semelhanças.

11. Qual a principal semelhança entre a carta do leitor e a carta aberta?

12. Dentre todas as cartas, qual a mais informal? Qual seria o motivo dessa informalidade? Copie trechos que demonstram essa informalidade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    01 Out 2014
  • Aceito
    01 Jun 2015
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