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A alternância parte-todo com verbos transitivos no PB: um caso de fatoração de argumento

Part-whole alternation with transitive verbs in BP: a case of argument factoring

RESUMO

Neste artigo, analisamos uma alternância que ocorre com uma série de verbos do português brasileiro. Ela nos permite expressar o constituinte complexo, que originalmente ocupa a posição de objeto direto, em duas posições sintáticas distintas, como ocorre no par de sentenças: o cachorro mordeu a perna da menina/o cachorro mordeu a menina na perna. Propomos que esse fenômeno decorre da fatoração do argumento verbal, sendo determinado por restrições semânticas, nominais e verbais, assim como por restrições de nível pragmático.

Palavras-chave:
alternância verbal; fatoração de argumento; propriedades semânticas; restrições pragmáticas

ABSTRACT

In this paper, we analyze an alternation which occurs with several verbs in Brazilian Portuguese. It allows to express the complex constituent, which originally occupies the direct object position, in two distinct syntactic positions such as in: o cachorro mordeu a perna da menina/ o cachorro mordeu a menina na perna ‘the dog bit the girl’s leg / the dog bit the girl on the leg’. We propose that this phenomenon arises from the verb argument factoring, which is determined by semantic nominal and verbal restrictions, and by pragmatic constraints.

Keywords:
verb alternation; argument factoring; semantic properties; pragmatic constraints

Introdução

No português brasileiro (PB), há verbos cujos argumentos que denotam uma relação semântica de parte-todo podem ser expressos de duas maneiras distintas: em um único constituinte sintático complexo, que ocupa uma só posição sintática, (sentenças em (a)) ou em duas posições sintáticas distintas (sentenças em (b)).

(1) a. O braço do menino quebrou (com o acidente).

b. O menino quebrou o braço (com o acidente).

(2) a. O cachorro mordeu a perna da menina.

b. O cachorro mordeu a menina na perna.

Ambos os sintagmas complexos o braço do menino e a perna da menina denotam a relação semântica entre uma parte (braço e perna) e o todo ao qual pertencem (menino e menina). Contudo, em (1), a alternância ocorre com a forma intransitiva do verbo quebrar, enquanto, em (2), temos o verbo morder, que é transitivo direto. O primeiro tipo de alternância já foi analisado nos trabalhos de Cançado (2010CANÇADO, M. 2010. Verbal alternations in Brazilian Portuguese: a lexical semanticapproach. Studies in Hispanic and Lusophone Linguistics, v. 3, n. 1, p. 1-23.), Cançado e Gonçalves (2016CANÇADO, M.; GONÇALVES, A. 2016. Lexical Semantics: verb classes and alternations. In: WETZELS, L.; MENUZZI, S.; COSTA, J. The Handbook of Portuguese Linguistics. Willey/Blackwell.) e de Meirelles (2018MEIRELLES, L. 2018. A fatoração de argumentos verbais no PB. 2018. Tese (Doutorado em Linguística Teórica e Descritiva) - Poslin, Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte.) e, portanto, não será explorado neste artigo. Focaremos nossa análise na alternância do segundo tipo, que possibilita ao argumento complexo, que ocupa a posição de objeto direto, ser expresso nessa posição ou em duas posições sintáticas distintas.

A seguir, evidenciamos, através da análise da forma passiva das sentenças com o verbo morder, que na sentença em (2a), o argumento complexo a perna da menina ocupa uma só posição sintática, enquanto em (2b), ele divide-se em duas posições distintas.

(3) a. A perna da menina foi mordida (pelo cachorro).

b. *A menina foi mordida da perna (pelo cachorro).

c. A menina foi mordida na perna (pelo cachorro).

d. *A menina na perna foi mordida (pelo cachorro).

É sabido que na forma passiva das sentenças, o objeto direto dos verbos desloca-se para a posição pré-verbal. Desse modo, em (3b), ao tentarmos separar o argumento complexo a perna da menina, que ocupa a posição de objeto direto na forma ativa, a sentença fica agramatical. Por outro lado, o mesmo não ocorre em (3c), em que apenas a menina ocupa a posição pré-verbal na forma passiva. Isso mostra que a perna da menina de fato é um constituinte sintático complexo que ocupa uma só posição sintática, enquanto a menina e na perna são dois constituintes distintos que ocupam duas posições sintáticas diferentes. A partir do exemplo em (3d), também podemos concluir que o sintagma na perna não é um adjunto do nome a menina, pois se o fosse, todo o sintagma nominal (núcleo e adjunto) poderia ocupar a posição pré-verbal na forma passiva, como ocorre na sentença a menina no canto da sala foi mordida pelo cachorro.

Levin (1993LEVIN, B. 1993. English Verb Classes and Alternations: A Preliminary Investigation. Chicago: University of Chicago Press.) propõe que a propriedade de um sintagma nominal complexo, localizado na posição pré-verbal de verbos experienciadores, poder se dividir em dois sintagmas nominais simples em posições distintas na sentença, como em arrogância do filho preocupa a mãe/ o filho preocupa a mãe com sua arrogância, é um tipo de “property factoring alternation”. Baseadas na autora, propomos também chamar a alternância que ocorre nos objetos diretos dos verbos que apresentamos neste artigo de “fatoração de argumento”. Como na sentença em (2a) há apenas um constituinte complexo ocupando a posição de objeto, chamamos essa sentença de “forma não fatorada”. Já a sentença em (2b), que apresenta dois constituintes ocupando posições sintáticas distintas, denominamos de “forma fatorada”.

Para analisarmos a fatoração que ocorre com o argumento complexo que ocupa a posição de objeto dos verbos transitivos, apontamos as restrições semânticas que licenciam a ocorrência dessa alternância e mostramos que também a pragmática atua nesse licenciamento, além de motivar a existência desse fenômeno linguístico. Para estabelecermos as restrições semânticas, baseamo-nos na proposta de papéis temáticos enquanto um grupo de propriedades semânticas discretas, apresentada em Cançado (2005CANÇADO, M. 2005. Propriedades semânticas e posições argumentais. DELTA, v. 21, n. 1, p. 23- 56.) e Cançado e Amaral (2016CANÇADO, M.; AMARAL, L. 2016. Introdução à Semântuca Lexical: Papéis Temáticos, aspecto lexial e decomposição de predicados. Editora Vozes, Petrópolis, RJ.), que é uma proposta de revisão dos protopapéis elaborados por Dowty (1989DOWTY, D. 1989. On the semantic content of the notion of thematic role. In: CHIERCHIA, G.; HALL-PARTEE, B.; TURNER, R. (Eds.) Properties, types and meaning. Dordrecht: Kluver, v. 2, p. 69-129., 1991DOWTY, D. 1991. Thematic proto-roles and argument selection. Language, v. 67, n. 3, p. 547-619.).

1. As posições sintáticas ocupadas pelo SN complexo fatorado

Como mostramos na seção anterior, na forma fatorada das sentenças, o argumento verbal complexo passa a ocupar duas posições sintáticas distintas. Uma parte do sintagma nominal (SN) continua em sua posição de origem, que é a posição de objeto direto, enquanto a outra, que pode ser chamada de parte descontínua, vai para o final da sentença como um sintagma preposicionado (SP) encabeçado pela preposição em. Propomos que esse SP está em adjunção ao sintagma verbal (SV). Com isso, estamos assumindo, seguindo Cançado (2009CANÇADO, M. 2009. Argumentos: complementos e adjuntos. ALFA, v. 53, n. 1.), que as relações de predicação não correspondem diretamente às funções sintáticas.4 4 Como um dos pareceristas anônimos notou, esse tipo de configuração sentencial viola o princípio sintático (Princípio A) de Ligação das anáforas, pois na sentença fatorada o cachorro mordeu a menina em sua perna, o antecedente a menina não c-comanda a anáfora sua perna. Contudo, há propostas, como as de Giorgi (1984), Lebeaux (1985) e, para o PB, a de Cançado e Franchi (1999), que discutem a possibilidade de o Princípio A não abranger todos os casos de anáforas existentes, de modo que explicações de outra natureza determinam o funcionamento das anáforas. Porém, como o objetivo deste artigo é propor as restrições semânticas e pragmáticas que regulam a fatoração do argumento verbal complexo que denota uma relação de parte-todo em verbos transitivos, deixaremos a discussão sobre o licenciamento da relação anafórica existente entre os constituintes fatorados para um trabalho futuro.

Nossa proposta baseia-se nos trabalhos de Baker (2001BAKER, M. 2001. On the differences among the lexical categories. New Jersey: Rutgers University.), Franchi (2003FRANCHI, C.; CANÇADO, M. 2003 [1997]. Teoria generalizada dos papéis temáticos. Revista de Estudos da Linguagem. v. 11. n. 2.), Santorini e Kroch (2007SANTORINI, B.; KROCH, A. 2007. The syntax of natural language: an online introduction using the threes program. Disponível em: <Disponível em: www.ling.upenn.edu/~beatrice/ syntax-textbook >. Acessado em: 12 maio 2008.
www.ling.upenn.edu/~beatrice/ syntax-tex...
), e mais especificamente de Cançado (2009CANÇADO, M. 2009. Argumentos: complementos e adjuntos. ALFA, v. 53, n. 1.), no qual a noção de argumento é estritamente semântica, enquanto a noção de adjunção é estritamente sintática.5 5 Nessa proposta, a noção de argumento não está diretamente associada às posições sintáticas de sujeito e objeto e, por isso, não utilizamos em nosso artigo os termos “argumento externo” e “argumento interno”, que refletem essa associação. Para Cançado (2009CANÇADO, M. 2009. Argumentos: complementos e adjuntos. ALFA, v. 53, n. 1.), os argumentos verbais são todas as informações de sentido acarretadas lexicalmente por um verbo. Embora a noção de acarretamento seja entendida basicamente como uma relação entre duas sentenças, Dowty (1991DOWTY, D. 1991. Thematic proto-roles and argument selection. Language, v. 67, n. 3, p. 547-619.) propõe que os itens lexicais podem acarretar propriedades semânticas que não podem ser negadas. Cançado (2009CANÇADO, M. 2009. Argumentos: complementos e adjuntos. ALFA, v. 53, n. 1.) segue a ideia do autor e argumenta que o verbo comprar, por exemplo, toma quatro argumentos para ter seu sentido saturado, pois acarreta que “alguém compra algo de alguém por um determinado valor”. Assim, em uma sentença do tipo o Pablo comprou o computador da Joana por mil reais, os argumentos do verbo comprar são o Pablo, o computador, a Joana e mil reais. Contudo, apenas dois desses argumentos estão associados às posições de sujeito (quem compra - o Pablo) e de objeto (o que é comprado - o computador). Os demais argumentos (a Joana e mil reais) estão em adjunção. Evidência de que esses sintagmas são argumentos verbais em posição de adjunção é o fato de as preposições que os encabeçam serem de caráter funcional, ou seja, elas atribuem apenas Caso aos SNs, não lhes atribuindo papel temático.6 6 É importante ressaltar que estamos adotando as noções de preposições funcionais e lexicais propostas no trabalho de Cançado (2009). É o verbo comprar que atribui o papel temático conhecido como Fonte para o argumento Joana e o papel que pode ser chamado de Valor para o argumento mil reais, pois a existência de uma fonte daquilo que é comprado e de um valor para que o ato de compra se efetive são acarretadas pelo sentido do próprio verbo. As preposições de e por são semanticamente compatíveis com esses dois papéis temáticos atribuídos pelo verbo aos seus argumentos.

Cançado (2009CANÇADO, M. 2009. Argumentos: complementos e adjuntos. ALFA, v. 53, n. 1.) evidencia o caráter funcional dessas preposições, mostrando que elas só podem ser substituídas, quando possível, por preposições com o mesmo valor semântico: *o Pablo comprou o computador em/sobre a Joana em/sem/sobre mil reais. A sentença anterior nos mostra que não é possível substituirmos as preposições de e por, o que evidencia que elas aparecem apenas para atribuir Caso.

Por outro lado, quando o SN encabeçado por uma preposição não é argumento do verbo, essa preposição tem caráter lexical e atribui não só Caso, mas também papel temático ao SN que encabeça. De acordo com Berg (2005BERG, M. 2005. O Comportamento Semântico-Lexical das Preposições do PB. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) - Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Faculdade de Letras da UFMG, Belo Horizonte.), o que evidencia o caráter lexical da preposição é o fato de ela poder ser substituída por outras preposições de diferentes sentidos, mudando também o sentido da frase: “João leu o livro com/sem/sobre os óculos” (Cançado, 2009CANÇADO, M. 2009. Argumentos: complementos e adjuntos. ALFA, v. 53, n. 1., p. 50). O verbo ler toma apenas dois argumentos para ter seu sentido completo: alguém lê algo. Desse modo, os óculos é adjunto do verbo e a preposição que o encabeça pode indicar que ele foi o instrumento que o João utilizou para conseguir ler o livro (preposição com), pode indicar que o João conseguiu ler o livro sem fazer o uso de óculos (preposição sem) ou o local onde o João leu o livro (preposição sobre).

Vejamos agora a alternância que estamos analisando: o cachorro mordeu a perna da menina/ o cachorro mordeu a menina na perna. O verbo morder possui apenas dois argumentos, pois acarreta que alguém ou algum animal morde algo ou alguém. Um desses argumentos, aquele que é o agente, posição mais proeminente em uma hierarquia temática7 7 A noção de papel temático mais proeminente na estruturação sintática da sentença está relacionada ao Princípio da Hierarquia Temática, que, grosso modo, é um princípio que rege a interação entre os papéis temáticos recebidos pelos argumentos verbais e as posições sintáticas ocupadas pelos mesmos. Contudo, para este trabalho, nos basta saber que argumentos verbais também podem ocupar a posição sintática de adjunto. , ocupa a posição de sujeito (o cachorro), enquanto o segundo argumento ocupa a posição de objeto direto (a perna da menina). Contudo, na forma fatorada da sentença, o SN complexo a perna da menina passa a ocupar duas posições sintáticas: a de objeto (a menina) e a de adjunto verbal (em a perna). Evidenciamos o caráter argumental do SN a perna, presente na forma fatorada da sentença, mostrando que a preposição que o encabeça é funcional, uma vez que não pode ser substituída por nenhuma outra sem gerar um problema de interpretação da sentença: *o cachorro mordeu a menina sobre/até/em baixo de a perna.

Tendo mostrado que a parte descontínua do SN fatorado é um argumento verbal que ocupa a posição de adjunto, passemos para a descrição do papel temático que os verbos atribuem aos seus argumentos passíveis de serem fatorados.

2. Papéis temáticos como um conjunto de propriedades semânticas discretas

Dowty (1991DOWTY, D. 1991. Thematic proto-roles and argument selection. Language, v. 67, n. 3, p. 547-619.) propõe que papéis temáticos não são primitivos semânticos, como assumido por muitos autores na literatura, mas, sim, noções derivadas da relação semântica do item verbal com seus argumentos. O autor propõe a existência de protopapéis, como o protoagente e o protopaciente, que são compostos por conjuntos de propriedades acarretadas lexicalmente pelo item verbal. Cada protopapel é uma noção prototípica, de modo que um determinado argumento é classificado como protoagente ou como protopaciente de acordo com o número de propriedades que apresenta: se o argumento apresenta mais propriedades que compõem o protopapel de protoagente, então ele será classificado com esse protopapel; se o argumento apresenta mais propriedades que compõem o protopaciente, ele será classificado com esse papel temático prototípico.

Cançado (2005CANÇADO, M. 2005. Propriedades semânticas e posições argumentais. DELTA, v. 21, n. 1, p. 23- 56.), baseada nas análises de Franchi (2003FRANCHI, C. 2003 [1997]. Predicação. In: CANÇADO, M. (org). Predição, Relações semânticas e papéis temáticos: anotações de Carlos Franchi. Revista Estudos da Linguagem, v. 11, n. 2. [1997]) e de Franchi e Cançado (2003FRANCHI, C.; CANÇADO, M. 2003 [1997]. Teoria generalizada dos papéis temáticos. Revista de Estudos da Linguagem. v. 11. n. 2. [1997]), faz uma adaptação da proposta de Dowty (1991DOWTY, D. 1991. Thematic proto-roles and argument selection. Language, v. 67, n. 3, p. 547-619.), assumindo os acarretamentos lexicais como uma maneira mais formal e fina de se definir os papéis temáticos, mas não trabalhando com protopapéis, de modo que cada papel temático é único, sendo composto por um conjunto de propriedades semânticas discretas. Por sua vez, Cançado e Amaral (2016CANÇADO, M.; AMARAL, L. 2016. Introdução à Semântuca Lexical: Papéis Temáticos, aspecto lexial e decomposição de predicados. Editora Vozes, Petrópolis, RJ.) fazem uma revisão da proposta de Cançado (2005CANÇADO, M. 2005. Propriedades semânticas e posições argumentais. DELTA, v. 21, n. 1, p. 23- 56.), argumentando que, mesmo sendo possível atribuir um feixe maior de propriedades, apenas três propriedades principais são necessárias, no que as autoras chamam de “eixo eventivo”, para fazer a correspondência entre a semântica e a estruturação sintática das sentenças (Princípio da Hierarquia Temática ou Seleção Argumental, nos termos de Dowty (1991DOWTY, D. 1991. Thematic proto-roles and argument selection. Language, v. 67, n. 3, p. 547-619.)). Essas propriedades são: ser o desencadeador de um processo, ser afetado por um processo e estar em um determinado estado. Resumidamente, as autoras adotam os termos desencadeador, afetado e estativo.

As propriedades desencadeador e afetado são acarretadas pelos verbos que denotam ações e causações. Assim, em sentenças do tipo a mulher lavou a roupa (ação) e a ventania abriu a porta (causação), os argumentos que ocupam a posição de sujeito dos verbos recebem a propriedade desencadeador, enquanto aqueles que ocupam a posição de objeto direto recebem a propriedade afetado. Em verbos de processo, tem-se como acarretamento a propriedade afetado, atribuída ao argumento em posição de sujeito, como em o bebê da vizinha nasceu ontem. A propriedade estativo pode ser acarretada também por verbos de ação, atribuída ao argumento em posição de objeto, como em o estudante analisou toda a obra de Guimarães Rosa. Mas, também, a estatividade é acarretada, obviamente, por verbos estritamente de estado, como na sentença o João tem uma casa, em que o argumento o João e o argumento uma casa recebem a mesma propriedade estativo do verbo de estado ter. Nesse caso, há uma violação do Critério-Theta (CHOMSKY, 1981CHOMSKY, N. 1981. Lectures on Government and Binding. Dordrecht: Foris.)8 8 Critério-Theta: (i) cada argumento tem que receber um e um só papel temático; (ii) cada papel temático tem que ser atribuído a um e um só argumento. , em que é assumido que a cada posição argumental deve ser atribuído um único papel temático distinto. Para solucionar essa violação, Cançado e Amaral (2016CANÇADO, M.; GONÇALVES, A. 2016. Lexical Semantics: verb classes and alternations. In: WETZELS, L.; MENUZZI, S.; COSTA, J. The Handbook of Portuguese Linguistics. Willey/Blackwell.) apresentam outras três propriedades relevantes para a distinção de papéis temáticos, no nomeado “eixo estativo”, que são propriedades que devem se compor com a propriedade estativo, quando analisamos verbos estritamente de estado: condição mental, possuidor e objeto de referência.9 9 Não explicaremos de forma detalhada o que são os eixos eventivo e estativo, pois a existência desses eixos é mais importante para a Seleção Argumental, que não utilizaremos em nosso trabalho. Ressaltamos, nesse ponto, que dada a definição de papel temático como um grupo de propriedades de acarretamentos lexicais atribuídos aos argumentos de um item verbal, não há inconsistência teórica ao propormos a atribuição de duas propriedades para um mesmo argumento. Com essa proposta, as autoras resguardam o Critério-Theta, conseguindo distinguir semanticamente os argumentos de verbos de estado. Por exemplo, na sentença João tem uma casa, ambos os argumentos do verbo ter recebem a propriedade estativo no eixo eventivo, mas, no eixo estativo, João recebe a propriedade possuidor e uma casa a propriedade objeto de referência. Outro exemplo seria uma sentença do tipo o Maurício sabe inglês, em que ambos os argumentos do verbo saber recebem a propriedade estativo e essa combina-se com as propriedades, condição mental, no caso do argumento Maurício, e objeto de referência no caso do argumento inglês.

A atribuição de cada uma das propriedades é evidenciada por testes de acarretamento lexical. Assim, dizemos que o argumento Maurício recebe as propriedades estativo e condição mental, pois não podemos afirmar que ele desencadeia ou é afetado pela eventualidade de saber inglês, o que evidencia a atribuição da propriedade estativo10 10 De acordo com Cançado e Amaral (2016), a existência da propriedade estativo é evidenciada pela ausência das propriedades desencadeador e afetado, pois “aquilo que não desencadeia algo ou não é afetado por algo é um estado” (CANÇADO; AMARAL, 2016, p. 115). . Contudo, dizer que “o Maurício sabe inglês, mas não está em um determinado estado mental de conhecimento” é uma declaração contraditória, o que evidencia que esse argumento do verbo saber recebe a propriedade semântica condição mental. Por outro lado, o argumento inglês recebe tanto a propriedade estativo, pois não desencadeia nem é afetado pela ação de saber, assim como a propriedade objeto de referência, pois representa aquilo que Maurício sabe.

As propriedades desencadeador e afetado, por sua vez, podem ser evidenciadas da seguinte forma: na sentença a mulher lavou a roupa, o argumento externo recebe a propriedade desencadeador, pois é contraditório dizermos que “a mulher lavou a roupa, mas ela não desencadeou esse evento”. Essa contradição presente na sentença mostra que a mulher é o desencadeador do evento de lavar. Também é contraditório dizermos que “a mulher lavou a roupa, mas a roupa não sofreu nenhum tipo de afetação”, o que evidencia que o argumento que ocupa a posição de objeto direto do verbo lavar é uma entidade afetada por esse evento.

Assim como ocorre com a propriedade estativo, as propriedades desencadeador e afetado também podem se combinar a outras propriedades semânticas, como é o caso da propriedade controle, que pode ser atribuída juntamente à propriedade de desencadeador, por exemplo. O controle, como definido por Cançado e Amaral (2016CANÇADO, M.; GONÇALVES, A. 2016. Lexical Semantics: verb classes and alternations. In: WETZELS, L.; MENUZZI, S.; COSTA, J. The Handbook of Portuguese Linguistics. Willey/Blackwell.), é atribuído ao indivíduo que controla o desencadeamento de um processo, como em a mulher lavou a roupa, em que o argumento a mulher recebe as propriedades desencadeador e controle, pois representa um indivíduo que necessariamente controla sua ação.

Para a análise da fatoração do argumento verbal que analisamos neste artigo, propomos a existência de outra propriedade semântica relevante, além das apresentadas por Cançado e Amaral (2016CANÇADO, M.; GONÇALVES, A. 2016. Lexical Semantics: verb classes and alternations. In: WETZELS, L.; MENUZZI, S.; COSTA, J. The Handbook of Portuguese Linguistics. Willey/Blackwell.). Essa é a propriedade que chamamos de “local de contato”, atribuída ao argumento verbal que é afetado através de algum tipo de contato físico entre o argumento que ocupa a posição de sujeito e o que ocupa a posição de objeto ou entre um instrumento usado pelo sujeito e o argumento objeto. Portanto, local de contato é uma propriedade que se combina à propriedade afetado. Evidenciamos a atribuição dessas propriedades ao argumento complexo dos verbos a partir dos testes de acarretamento lexical.

(4) a. ╞ O cachorro mordeu a perna da menina, mas a perna da menina não foi afetada pelo evento de morder.11 11 O símbolo ╞ indica contradição (CANN, 1993).

b. ╞ O cachorro mordeu a perna da menina, mas a perna da menina não é o local de contato da afetação, pois não houve contato entre o cachorro e a perna da menina.

O fato de as sentenças em (4) serem sentenças contraditórias mostra que o verbo morder atribui as propriedades afetado e local de contato para o seu argumento que ocupa a posição de objeto direto. O argumento que ocupa a posição de sujeito desse verbo recebe as propriedades desencadeador e controle, que são evidenciadas pela contradição existente nas sentenças a seguir.

(5) a. ╞ O cachorro mordeu a perna da menina, mas o cachorro não desencadeou o evento de morder.

b. ╞ O cachorro mordeu a perna da menina, mas o cachorro não teve controle sobre a realização do evento de morder.

Pelos testes apresentados em (4) e (5), podemos concluir que os verbos em questão apresentam a seguinte estrutura argumental, em termos de propriedades semânticas discretas:

(6) v: {desencadeador/controle, afetado/local de contato}

Na forma não fatorada das sentenças, o argumento complexo recebe, ao mesmo tempo, as propriedades afetado e local de contato e, na forma fatorada, essas mesmas propriedades encontram-se igualmente distribuídas pelos dois sintagmas descontínuos que surgem a partir do processo de fatoração. Por isso, Brunson (1992BRUNSON, B. 1992. Thematic Discontinuity. Toronto working papers in linguistics., 1993BRUNSON, B. 1993. The instrumental role: argument or adjunct?. Toronto Working Papers in Linguistics, v 12, n. 1, p. 13-25.) chama fenômenos desse tipo de “descontinuidade temática”.

(7) a. O cachorro mordeu a perna da menina.

afetado/ local de contato

b. O cachorro mordeu a menina em a perna.

↓ ↓

afetado/ local de contato afetado/ local de contato

Evidenciamos que, na forma fatorada das sentenças, os dois sintagmas oriundos do argumento complexo recebem as mesmas propriedades temáticas através dos testes de acarretamento lexical a seguir.

(8) a. O cachorro mordeu a menina na perna.

b. ╞ O cachorro mordeu a menina na perna, mas a menina não foi afetada pelo evento de morder.

c. ╞ O cachorro mordeu a menina na perna, mas a perna (da menina) não foi afetada pelo evento de morder.

d. ╞ O cachorro mordeu a menina na perna, mas a menina não é o local de contato da afetação, pois não houve contato entre a menina e o cachorro.

e. ╞ O cachorro mordeu a menina na perna, mas a perna não é o local de contato da afetação, pois não houve contato entre a perna (da menina) e o cachorro.

A contradição presente nas sentenças em (8b) e (8c) mostra que tanto a menina quanto a perna recebem a propriedade semântica afetado, enquanto o fato de as sentenças em (8d) e (8e) expressarem situações contraditórias evidencia que esses mesmos sintagmas recebem a propriedade local de contato.

É importante mencionar que, como já aponta Brunson (1992BRUNSON, B. 1992. Thematic Discontinuity. Toronto working papers in linguistics.), embora, no fenômeno da fatoração de argumento, dois sintagmas, que ocupam duas posições sintáticas distintas, recebam o mesmo papel temático, isso não constitui uma violação do Critério Theta, pois a atribuição do papel temático ocorre na estrutura básica da sentença, que é a forma não fatorada, e, nessa forma, a premissa (i) do Critério-Theta se mantém: cada argumento tem que receber um e um só papel temático.12 12 Seguimos a tradição dos autores em Interface Sintaxe-Semântica Lexical que trabalham com a noção de forma básica e forma derivada (FILLMORE, 1970; PINKER, 1989; HASPELMATH, 1993; LEVIN; RAPPAPORT HOVAV, 2005). Assim, em pares de sentenças alternadas, uma delas, a menos marcada, é a forma básica e a outra é a forma derivada, como ocorre na alternância causativo-incoativa, em que a forma básica causativa (o menino quebrou o vaso) dá origem à forma incoativa (o vaso se quebrou). O clítico se é a marca que evidencia que a sentença incoativa é a forma derivada (CANÇADO; AMARAL, 2016). Além disso, na forma fatorada das sentenças, um mesmo argumento verbal distribui-se por duas posições sintáticas, ou seja, não há dois argumentos distintos recebendo as mesmas propriedades temáticas, o que, portanto, não fere a premissa (ii) do Critério-Theta: cada papel temático tem que ser atribuído a um e um só argumento.

Cançado (2005CANÇADO, M. 2005. Propriedades semânticas e posições argumentais. DELTA, v. 21, n. 1, p. 23- 56.) e Cançado e Amaral (2016CANÇADO, M.; GONÇALVES, A. 2016. Lexical Semantics: verb classes and alternations. In: WETZELS, L.; MENUZZI, S.; COSTA, J. The Handbook of Portuguese Linguistics. Willey/Blackwell.), baseadas em Dowty (1991DOWTY, D. 1991. Thematic proto-roles and argument selection. Language, v. 67, n. 3, p. 547-619.), tratam do Critério-Theta em sua proposta de papéis temáticos enquanto propriedades semânticas discretas através da postulação de duas restrições que regulam a atribuição dessas propriedades pelos itens predicadores: Completude e Distinção. A primeira prevê que “a todo argumento tem de ser atribuída, através da relação de acarretamento lexical, pelo menos uma das propriedades desencadeador, afetado ou estativo” (CANÇADO; AMARAL, 2016CANÇADO, M.; AMARAL, L. 2016. Introdução à Semântuca Lexical: Papéis Temáticos, aspecto lexial e decomposição de predicados. Editora Vozes, Petrópolis, RJ., p. 112), o que garante a premissa (i) do Critério-Theta. Por sua vez, a Distinção prevê que “todo argumento se distingue de outro por pelo menos uma propriedade acarretada” (CANÇADO; AMARAL, 2016CANÇADO, M.; AMARAL, L. 2016. Introdução à Semântuca Lexical: Papéis Temáticos, aspecto lexial e decomposição de predicados. Editora Vozes, Petrópolis, RJ., p.112), o que garante a premissa (ii).

Desse modo, no par de sentenças o cachorro mordeu a perna da menina/ o cachorro mordeu a menina na perna, a restrição da Completude é obedecida, pois cada um dos argumentos verbais recebe uma propriedade do eixo eventivo: o argumento que ocupa a posição de sujeito recebe a propriedade desencadeador e o que ocupa a posição de objeto direto, seja na forma não fatorada ou fatorada, recebe a propriedade afetado. Na forma fatorada, a restrição da Distinção não é violada, pois, como já mencionado, nesse tipo de sentença temos um único argumento verbal que se distribui por duas posições sintáticas distintas, de modo que as mesmas propriedades semânticas não são atribuídas a mais de um argumento verbal.

3. Restrições semânticas e pragmáticas para a alternância parte-todo com verbos transitivos

Tendo mostrado como funciona a atribuição de papéis temáticos na alternância parte-todo com verbos transitivos, apresentamos a seguir as restrições semânticas e pragmáticas que licenciam a ocorrência desse fenômeno. As restrições semânticas são de dois tipos: a restrição primeira, que é de caráter argumental/nominal e a segunda, que se dá no nível verbal.

3.1. A restrição do SN complexo

A restrição primeira para a ocorrência da alternância que analisamos neste artigo encontra-se no tipo do argumento que ocupa a posição de objeto direto, pois se ele não for um SN complexo, a fatoração não pode ser realizada.

Vejamos os exemplos com os verbos golpear, morder e chicotear, focalizando agora o tipo do SN que ocupa a posição de objeto direto.

(9) O boxeador golpeou o queixo do adversário.

(10) O cachorro mordeu a perna da menina.

(11) O capitão do mato chicoteou as costas do escravo.

O que os argumentos complexos dos verbos de (9) a (11) apresentam em comum é o fato de serem SNs formados, em ordem linear, por um nome, que denota uma parte do corpo, acrescido de um SP que denota o indivíduo possuidor dessa parte.

Em inglês, a alternância que analisamos em nosso artigo é chamada de body-part possessor ascension alternation (FILLMORE, 1970FILLMORE, C. 2003 [1970]. The grammar of hitting and breaking. In: FILLMORE, C. Form and meaning in language: papers on semantics roles. Stanford: CSLI Publications. p. 123-139.; PINKER, 1989PINKER, S. 1989. Learnability and Cognition: The acquisition of argument structure. Cambridge: MIT Press.; LEVIN, 1993LEVIN, B. 1993. English Verb Classes and Alternations: A Preliminary Investigation. Chicago: University of Chicago Press.) e ocorre com verbos que denotam contato físico e que aceitam um argumento complexo composto por um ser animado e parte de seu corpo, como em the dog bit the girl’s leg /the dog bit the girl on her leg ‘o cachorro mordeu a perna da menina/o cachorro mordeu a menina em sua perna.’

Contudo, no PB, mesmo verbos que apresentam um argumento complexo que não denota a relação entre parte do corpo e indivíduo participam da alternância. Isso acontece, pois, em nossa língua, basta que o argumento seja composto por um SN complexo que denota a relação genérica de parte-todo para que a alternância se realize.

(12) a. A queda rachou a beirada do espelho.

b. A queda rachou o espelho na beirada.

(13) a. A passadeira não passou a gola da camisa.

b. A passadeira não passou a camisa na gola.

(14) a. O fazendeiro irrigou apenas o lado direito da horta.

b. O fazendeiro irrigou a horta apenas no lado direito.

Essa é uma relação de posse inalienável, pois os nomes que denotam as partes (queixo, perna, costas, beirada, gola e lado direito) são nomes intrinsecamente relacionais (FILLMORE, 1968FILLMORE, C. 1968. The case for case. In: BACH, E.; HARMS, R. Universals in linguistic theory. New York, New York: Holt, Rinehart and Winston. p. 1-90.; VERGNAUD; ZUBIZARRETA, 1992VERGNAUD, J.; ZUBIZARRETA, M. L. 1992. The definite determiner and the inalienable constructions in French and in English. Linguistic Inquiry n 23, p. 595-652.; ALEXIADOU, 2003ALEXIADOU, A. 2003. Some notes on the structure of alienable and inalienable possessors. In: COENE, M.; D’HULST, Y. (eds.). From NP to DP: The expression of possession in noun phrases (pp. 167-188). Amsterdam/ Philadelphia: John Benjamins Publishing Company. p. 167-188.; BRUYN, 2014BRUYN, B. L. 2014. Inalienable possession: the status of the definite article. In: GUEVARA, A.; BRUYN, B. L.; ZWARTS, J. (eds.). Weak referentiality. Amsterdam/ Philadelphia: John Benjamins Publishing Company. p. 311-334.), ou seja, remetem necessariamente a outra entidade, que é o todo do qual fazem parte.

Entretanto, é importante ressaltar que não é qualquer relação de posse inalienável que pode ser fatorada em dois constituintes sintáticos distintos:

(15) a. O cachorro mordeu o filho da vizinha.

b. !O cachorro mordeu a vizinha no filho.13 13 Estamos utilizando o símbolo “!” para indicar que a sentença apresenta um problema de má formação semântica.

Embora o nome filho seja considerado um nome intrinsecamente relacional, o SN complexo o filho da vizinha não pode ser fatorado em duas posições sintáticas, o que é mais uma evidência de que, para que a fatoração ocorra, essa relação de posse inalienável deve ser especificamente entre uma parte e seu todo.

Outra questão a ser observada, ainda no âmbito do SN complexo, é que, na forma fatorada das sentenças, há uma relação anafórica entre os constituintes, uma vez que os SNs que denotam a parte relacionam-se àqueles que ocupam a posição de objeto direto, que, por sua vez, denotam o todo. De acordo com Haag e Othero (2003HAAG, C. R.; OTHERO, G. 2003. A. Anáforas associativas nas análises das descrições definidas. Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL. v. 1, n. 1.), essa relação anafórica estabelecida entre dois sintagmas nominais, sem uma relação de correferência entre os elementos, é chamada de anáfora associativa. Vejamos os seguintes exemplos:

(16) Há um filme i muito bom em cartaz. O filme i fala sobre a lenda do Rei Artur. → anáfora direta: um filme e o filme são correferentes.

(17) Nós visitamos um museu fantástico. As esculturas eram belíssimas, e os quadros eram todos de pintores renomados. → anáfora associativa: as expressões definidas as esculturas e os quadros estão ancoradas numa expressão já mencionada no texto, um museu.

(HAAG; OTHERO, 2003HAAG, C. R.; OTHERO, G. 2003. A. Anáforas associativas nas análises das descrições definidas. Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL. v. 1, n. 1., pgs. 1 e 2)

A diferença entre a anáfora direta e a associativa é que na primeira, a expressão definida refere-se à mesma entidade já introduzida por seu antecedente (são correferentes), enquanto na segunda, ela é ativada por outra entidade mencionada no texto, com a qual não estabelece uma relação de correferência (KLEIBER, 2002KLEIBER, G. 2002. The possessive via associative anaphor. In: COENE, M.; D’HULST, Y. (eds.). From NP to DP. Volume II: The expression of possession in noun phrases. John Benjamins Publishing Company. Amsterdam, Philadelphia.; HAAG; OTHERO, 2003HAAG, C. R.; OTHERO, G. 2003. A. Anáforas associativas nas análises das descrições definidas. Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL. v. 1, n. 1.). A entidade que ativa a anáfora associativa é chamada de “âncora textual” (representada pela letra ‘a’ em subescrito) e o elemento anafórico é chamado de “referente” (representado pela letra ‘r’ em subescrito) (MARCUSCHI, 2000MARCUSCHI, L. 2000. A. Aspectos da progressão referencial na fala e na escrita do português brasileiro. In: GÄRTNER, E et al. (editores). Estudos de lingüística textual do português. Frankfurt am Main: TFM.; HAAG; OTHERO, 2003HAAG, C. R.; OTHERO, G. 2003. A. Anáforas associativas nas análises das descrições definidas. Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL. v. 1, n. 1.). De acordo com Kleiber (2002KLEIBER, G. 2002. The possessive via associative anaphor. In: COENE, M.; D’HULST, Y. (eds.). From NP to DP. Volume II: The expression of possession in noun phrases. John Benjamins Publishing Company. Amsterdam, Philadelphia.) e Haag e Othero (2003HAAG, C. R.; OTHERO, G. 2003. A. Anáforas associativas nas análises das descrições definidas. Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL. v. 1, n. 1.), as anáforas associativas são desencadeadas por diferentes tipos de relações entre o referente e sua âncora textual. Nos SNs que denotam parte-todo há uma relação meronímica entre os sintagmas, na qual o referente em questão é parte integrante de sua âncora textual, que corresponde ao todo (HAAG; OTHERO, 2003HAAG, C. R.; OTHERO, G. 2003. A. Anáforas associativas nas análises das descrições definidas. Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVEL. v. 1, n. 1.).

(18) O cachorro mordeu [a menina]a em [a perna]r.

(19) A passadeira não passou [a camisa]a em [a gola]r.

Nas sentenças fatoradas acima, os SNs a perna e a gola, que denotam a parte, são os referentes ancorados aos SNs a menina e a camisa, que denotam o todo, sendo, portanto, exemplos de anáforas associativas por meronímia.

Por fim, é importante ressaltar que nem toda anáfora associativa por meronímia constitui um caso de fatoração de argumento verbal. Em sentenças do tipo [a menina]a lavou [o cabelo]r com água quente, temos uma relação anáforica meronímica, mas não podemos dizer que a menina e o cabelo são constituintes fatorados oriundos de um sintagma complexo, pois a seguinte sentença é agramatical: *o cabelo da menina lavou com água quente.

Tendo descrito as propriedades do argumento complexo que delimitam a ocorrência da alternância parte-todo com verbos transitivos no PB, passamos para a descrição das restrições que se encontram no nível verbal.

3.2. Restrições de nível verbal

De acordo com Meirelles (2018MEIRELLES, L. 2018. A fatoração de argumentos verbais no PB. 2018. Tese (Doutorado em Linguística Teórica e Descritiva) - Poslin, Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte.), no PB, 145 verbos de diferentes tipos realizam a fatoração do seu argumento complexo que recebe as propriedades semânticas afetado e local de contato.14 14 Todos os verbos e suas respectivas sentenças nas formas fatorada e não fatorada encontram-se no Apêndice do trabalho de Meirelles (2018) e, em breve, serão disponibilizados no trabalho de Cançado, Amaral e Meirelles (2017). Esses verbos foram coletados a partir do dicionário de verbos de Borba (1990) e do banco de dados de VerboWeb. Para descrever esses verbos, seguimos a classificação de Cançado, Amaral e Meirelles (2017CANÇADO, M.; GODOY, L.; AMARAL, L. 2017. Catálogo de verbos do português brasileiro: classificação verbal segundo a decomposição de predicados. Vol I. Verbos de mudança, 2 ed. Edição Revisada Amazon.), que apresenta uma ampla análise sintático-semântica do léxico verbal do PB, baseada em uma série de trabalhos existentes para nossa língua, assim como em propostas de autores que analisam línguas estrangeiras. Vejamos, então, quais verbos transitivos do PB podem realizar a alternância parte-todo e como eles são classificados de acordo com Cançado, Amaral e Meirelles (2017).

  • - “Verbos de ação que denotam um evento mediado pelo corpo” (CANÇADO; AMARAL; MEIRELLES, 2017CANÇADO, M.; GODOY, L.; AMARAL, L. 2017. Catálogo de verbos do português brasileiro: classificação verbal segundo a decomposição de predicados. Vol I. Verbos de mudança, 2 ed. Edição Revisada Amazon.): são verbos transitivos diretos que denotam que o argumento verbal, que ocupa a posição de sujeito, age sobre o argumento que ocupa a posição de objeto, através de um evento mediado pelo corpo do próprio sujeito: morder, golpear, beijar, abraçar, acariciar, beliscar, entre outros. A alternância nessa classe já foi exemplificada no decorrer deste artigo através dos exemplos com os verbos morder e golpear. Meirelles (2018MEIRELLES, L. 2018. A fatoração de argumentos verbais no PB. 2018. Tese (Doutorado em Linguística Teórica e Descritiva) - Poslin, Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte.) mostra que pelo menos 25 verbos dessa classe realizam a fatoração de seu argumento: o menino beijou a bochecha da menina/o menino beijou a menina na bochecha; a mãe beliscou o braço do filho/ a mãe beliscou o filho no braço.

  • - “Verbos de causação que denotam um evento de mudança de estado” (LAKOFF, 1970LAKOFF, G. 1970. Irregularity in Syntax. New York: Holt, Rinehart and Winston.; FILLMORE, 1970FILLMORE, C. 2003 [1970]. The grammar of hitting and breaking. In: FILLMORE, C. Form and meaning in language: papers on semantics roles. Stanford: CSLI Publications. p. 123-139.; LEVIN; RAPPAPORT HOVAV, 1994LEVIN, B.; RAPPAPORT HOVAV, M. 1994. A Preliminary Analysis of Causative Verbs in English, Lingua 92, p. 35-77.; CANÇADO; GODOY; AMARAL, 2017CANÇADO, M.; GODOY, L.; AMARAL, L. 2017. Catálogo de verbos do português brasileiro: classificação verbal segundo a decomposição de predicados. Vol I. Verbos de mudança, 2 ed. Edição Revisada Amazon. [2013]; CANÇADO; AMARAL, 2016CANÇADO, M.; AMARAL, L. 2016. Introdução à Semântuca Lexical: Papéis Temáticos, aspecto lexial e decomposição de predicados. Editora Vozes, Petrópolis, RJ.; CANÇADO; AMARAL; MEIRELLES, 2017CANÇADO, M.; AMARAL, L.; MEIRELLES, L. e cols. 2017. Banco de DadosLexicais VerboWeb: classificação sintático-semântica dos verbos do português brasileiro. UFMG. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/verboweb/
    http://www.letras.ufmg.br/verboweb/...
    ): são verbos que denotam que o argumento verbal, que ocupa a posição de objeto, passa a ficar em algum estado. A alternância ocorre com a forma transitiva desses verbos, como no exemplo dado em (12), para o verbo rachar. Meirelles (2018MEIRELLES, L. 2018. A fatoração de argumentos verbais no PB. 2018. Tese (Doutorado em Linguística Teórica e Descritiva) - Poslin, Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte.) encontrou 32 verbos dessa classe que realizam a fatoração de seu argumento: a queda quebrou a beirada da tela do celular/a queda quebrou a tela do celular na beirada; a menina rasgou a manga da camisa/a menina rasgou a camisa na manga.

  • - “Verbos de ação que denotam um evento mediado por um instrumento incorporado ao nome do verbo” (KIPARSKY, 1982KIPARSKY, P. 1982. Word formation and the lexicon. In: Proceedings of the Mid-America Linguistics Conference, ed. F. Ingeman. University of Kansas. p. 3-29.; RAPPAPORT HOVAV; LEVIN, 1998RAPPAPORT HOVAV, M.; LEVIN, B. 1998. Building Verb Meanings. In: BUTT, M.; GEUDER, W. The projection of arguments: Lexical and Syntactic Constraints. Stanford: CSLI Publications, Stanford University. p. 97-134.; HARLEY; HAUGEN, 2007HARLEY, H; HAUGEN, J. 2007. Are there really two classes of instrumental denominal verbs in English? Snippets 16, p. 6-7.; MEIRELLES; CANÇADO, 2015MEIRELLES, L.; CANÇADO, M. 2015. Os verbos instrumentais no português brasileiro. Revista de Estudos Linguísticos Veredas, v 19, n. 2.; CANÇADO; AMARAL; MEIRELLES, 2017CANÇADO, M.; AMARAL, L.; MEIRELLES, L. e cols. 2017. Banco de DadosLexicais VerboWeb: classificação sintático-semântica dos verbos do português brasileiro. UFMG. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/verboweb/
    http://www.letras.ufmg.br/verboweb/...
    ): são verbos transitivos que denotam que o argumento verbal, que ocupa a posição de objeto, é afetado por meio de um instrumento que está presente no nome do verbo. Meirelles (2018MEIRELLES, L. 2018. A fatoração de argumentos verbais no PB. 2018. Tese (Doutorado em Linguística Teórica e Descritiva) - Poslin, Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte.) aponta 21 verbos dessa classe que realizam a fatoração do seu argumento, como: o capitão do mato chicoteou as costas do escravo/ o capitão do mato chicoteou o escravo nas costas; o marceneiro lixou as laterais da peça de madeira/ o marceneiro lixou a peça de madeira nas laterais.

  • - “Verbos de ação que denotam um evento mediado por um instrumento” (CANÇADO; AMARAL; MEIRELLES, 2017CANÇADO, M.; AMARAL, L.; MEIRELLES, L. e cols. 2017. Banco de DadosLexicais VerboWeb: classificação sintático-semântica dos verbos do português brasileiro. UFMG. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/verboweb/
    http://www.letras.ufmg.br/verboweb/...
    ): são verbos transitivos diretos, necessariamente agentivos, que denotam que o argumento verbal, que ocupa a posição de sujeito, age sobre o argumento que ocupa a posição de objeto, utilizando um instrumento. São verbos como passar e irrigar, já mostrados no decorrer do artigo, que nomeiam ações que só podem ser realizadas através de instrumentos, mas que, diferentemente dos verbos do tipo chicotear, não apresentam o nome desse instrumento em sua morfologia. Assim, quando dizemos, por exemplo, que a faxineira passou a camisa, essa sentença descreve um evento em que a faxineira agiu, através de um instrumento, sobre a camisa, passando-a. Meirelles (2018MEIRELLES, L. 2018. A fatoração de argumentos verbais no PB. 2018. Tese (Doutorado em Linguística Teórica e Descritiva) - Poslin, Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte.) encontrou 38 verbos dessa classe que realizam a fatoração de seu argumento.

  • - “Verbos de causação que denotam um evento de mudança de posse” (CLARK; CLARK, 1979CLARK, E. V.; CLARK, H. H. 1979. When nouns surface as verbs. Language, v. 55, p. 767- 811.; LEVIN, 1993LEVIN, B. 1993. English Verb Classes and Alternations: A Preliminary Investigation. Chicago: University of Chicago Press.; CANÇADO; GODOY; AMARAL, 2017CANÇADO, M.; GODOY, L.; AMARAL, L. 2017. Catálogo de verbos do português brasileiro: classificação verbal segundo a decomposição de predicados. Vol I. Verbos de mudança, 2 ed. Edição Revisada Amazon. [2013]; CANÇADO; AMARAL; MEIRELLES, 2017CANÇADO, M.; AMARAL, L.; MEIRELLES, L. e cols. 2017. Banco de DadosLexicais VerboWeb: classificação sintático-semântica dos verbos do português brasileiro. UFMG. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/verboweb/
    http://www.letras.ufmg.br/verboweb/...
    ): são verbos que denotam que o argumento verbal, que ocupa a posição de objeto, passa a possuir algo, como acorrentar e murar. Assim, a sentença o policial acorrentou o bandido acarreta que o bandido passou a ficar com correntes. Meirelles (2018MEIRELLES, L. 2018. A fatoração de argumentos verbais no PB. 2018. Tese (Doutorado em Linguística Teórica e Descritiva) - Poslin, Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte.) apresenta 22 verbos dessa classe que realizam a fatoração de seu argumento: o policial acorrentou as pernas do bandido/ o policial acorrentou o bandido nas pernas; o pedreiro murou a parte da frente do terreno/ o pedreiro murou o terreno na parte da frente.

  • - “Verbos de causação que denotam um evento de mudança de estado de posse” (CANÇADO; GODOY; AMARAL, 2017CANÇADO, M.; GODOY, L.; AMARAL, L. 2017. Catálogo de verbos do português brasileiro: classificação verbal segundo a decomposição de predicados. Vol I. Verbos de mudança, 2 ed. Edição Revisada Amazon. [2013]; CANÇADO; AMARAL; MEIRELLES, 2017CANÇADO, M.; AMARAL, L.; MEIRELLES, L. e cols. 2017. Banco de DadosLexicais VerboWeb: classificação sintático-semântica dos verbos do português brasileiro. UFMG. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/verboweb/
    http://www.letras.ufmg.br/verboweb/...
    ): são verbos que apresentam 3 argumentos, pois denotam que o argumento que ocupa a posição de sujeito age, fazendo com que o argumento que ocupa a posição de objeto direto passe a ficar em determinado estado, com alguma coisa, que é o terceiro argumento do verbo: cobrir, tingir, etc. Em uma sentença como a mãe cobriu a criança com uma coberta de lã, temos o acarretamento de que a criança ficou coberta com uma coberta de lã. Meirelles (2018MEIRELLES, L. 2018. A fatoração de argumentos verbais no PB. 2018. Tese (Doutorado em Linguística Teórica e Descritiva) - Poslin, Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte.) encontrou apenas 4 verbos dessa classe que realizam a fatoração de seu argumento (cobrir, tingir, lambuzar, molhar): a mãe cobriu as perninhas da criança com uma coberta de lã/ a mãe cobriu a criança nas perninhas com uma coberta de lã; a cabeleireira tingiu as pontas do cabelo da modelo com uma tinta rosa/ a cabeleireira tingiu o cabelo da modelo nas pontas com uma tinta rosa; o menino sapeca lambuzou a bochecha da menina com picolé/ o menino sapeca lambuzou a menina na bochecha com picolé; a passadeira molhou a gola da camisa com água quente/a passadeira molhou a camisa na gola com água quente.

A partir dos exemplos mostrados até então, podemos perceber que tanto verbos que possuem apenas dois argumentos (beijar, quebrar, chicotear, lavar, acorrentar, embalar, entre outros) quanto verbos com três argumentos (cobrir e tingir) realizam a alternância parte-todo. Embora pertençam a classes distintas, os verbos que apresentamos podem ser agrupados em uma única grande classe, em um nível mais amplo, chamado de nível coarse-grained, pois todos atribuem o mesmo papel temático para o argumento que ocupa a posição de objeto (LEVIN, 2010LEVIN, B. 2010. What is the best grain-size for defining verb classes? Conference on Word Classes: nature, Typology, Computational Representations, Second TRiPLE international Conference, Università Roma Tre, Rome, March 24-26.; CANÇADO; GONÇALVES, 2016CANÇADO, M.; GONÇALVES, A. 2016. Lexical Semantics: verb classes and alternations. In: WETZELS, L.; MENUZZI, S.; COSTA, J. The Handbook of Portuguese Linguistics. Willey/Blackwell.; CANÇADO; AMARAL, 2016CANÇADO, M.; AMARAL, L. 2016. Introdução à Semântuca Lexical: Papéis Temáticos, aspecto lexial e decomposição de predicados. Editora Vozes, Petrópolis, RJ.).15 15 Cançado e Gonçalves (2016) e Cançado e Amaral (2016) propõem, baseadas em Levin (2010), que as classes verbais podem ser analisadas em diferentes níveis, de acordo com seu grau de especificidade. Classes no nível coarse-grained são aquelas compostas por verbos que compartilham apenas uma parte de sua estrutura argumental, como ocorre com os verbos transitivos que realizam a alternância parte-todo no PB. Esse papel é composto pela propriedade afetado e pela propriedade local de contato. A atribuição dessas propriedades já foi evidenciada na seção 1, nos testes de acarretamento lexical mostrados em (4) e (5).

Portanto, a estrutura argumental, em termos de grade temática, dos verbos que participam da fatoração do argumento que analisamos neste artigo pode ser representada da seguinte forma:

(20) v: {X, afetado/local de contato, (Z)}

A partir dessa representação, podemos ver que os verbos transitivos que realizam a alternância parte-todo constituem uma classe no nível coarse-grained, pois compartilham apenas as propriedades semânticas atribuídas ao seu argumento que ocupa a posição de objeto. Na estrutura, a variável X representa o argumento que ocupa a posição de sujeito, enquanto Z, entre parênteses, representa a possibilidade da existência de um terceiro argumento (classe de tingir). Os papéis temáticos atribuídos a esses dois argumentos não são relevantes para a realização da alternância.

A atribuição das propriedades afetado e local de contato para o argumento que ocupa a posição de objeto direto é, portanto, uma restrição verbal de caráter semântico. Podemos relacionar a propriedade local de contato à restrição apresentada por Fillmore (1970), Pinker (1989PINKER, S. 1989. Learnability and Cognition: The acquisition of argument structure. Cambridge: MIT Press.) e Levin (1993LEVIN, B. 1993. English Verb Classes and Alternations: A Preliminary Investigation. Chicago: University of Chicago Press.) para a alternância body-part possessor ascension do inglês. Segundo os autores, os verbos do inglês que realizam essa alternância denotam contato físico entre seus participantes. Essa mesma restrição é válida para o PB, uma vez que todos os verbos transitivos que exibem a alternância parte-todo denotam algum tipo de contato entre o seu sujeito e o seu objeto direto (seja um contato direto ou mediado por algum instrumento). A restrição de o verbo denotar um evento de contato é lexicalmente representada através da atribuição da propriedade local de contato ao argumento que ocupa a posição de objeto direto.

3.3. Restrições de nível pragmático

Tendo mostrado que verbos transitivos que realizam a alternância parte-todo acarretam a existência de contato físico entre os participantes do evento e atribuem as propriedades afetado e local de contato para o seu argumento que ocupa a posição de objeto direto, passemos para a descrição das restrições pragmáticas que delimitam a ocorrência dessa alternância. Para isso, vejamos os seguintes exemplos:

(21) a. A babá palitou os dentes da criança.

b. !A babá palitou a criança nos dentes.

c. !A babá palitou a criança.

(22) a. O bandido cegou os olhos do rei com uma agulha.

b. !O bandido cegou o rei nos olhos com uma agulha.

c. O bandido cegou o rei com uma agulha.

Embora os verbos palitar e cegar atribuam as propriedades afetado e local de contato para o seu argumento complexo que ocupa a posição de objeto, como evidenciamos a seguir, eles não realizam a fatoração desse argumento.

(23) a. ╞ A babá palitou os dentes da criança, mas os dentes da criança não foram afetados.

b. ╞ A babá palitou os dentes da criança, mas os dentes da criança não são o local de contato da afetação, pois não houve contato entre o palito e os dentes.

(24) a. ╞ O bandido cegou os olhos do rei com uma agulha, mas os olhos do rei não foram afetados.

b. ╞ O bandido cegou os olhos do rei com uma agulha, mas os olhos do rei não são o local de contato da afetação, pois não houve contato entre os olhos do rei e a agulha.

Propomos que isso ocorre, pois os verbos palitar e cegar denotam ações que são realizadas em partes prototípicas dos seus argumentos que ocupam a posição de objeto direto: a ação de palitar ocorre prototipicamente nos dentes e a de cegar só pode ocorrer nos olhos. Assim, não há necessidade de se especificar a parte na qual a ação foi realizada e, por isso, a alternância é barrada. No entanto, essa não é uma restrição de caráter semântico, pois não está relacionada a nenhuma propriedade de sentido que os verbos atribuem aos seus argumentos. Além disso, um mesmo verbo pode ou não fatorar seu argumento complexo, dependendo do fato de o sintagma verbal (verbo mais argumento que ocupa a posição de objeto) exibir ou não uma interpretação prototípica.

(25) a. A mãe penteou o cabelo da filha.

b. !A mãe penteou a filha no cabelo.

(26) a. A menina penteou as patinhas do cachorro.

b. A menina penteou o cachorro nas patinhas.

A sentença em (25b) é malformada semanticamente, pois a ação de pentear alguém ocorre prototipicamente no cabelo. Por outro lado, um cachorro pode ser penteado em várias partes e, por isso, a sentença em (26b) é aceitável. Propomos que essa é uma restrição de nível pragmático, pois, para que a alternância parte-todo com verbos transitivos aconteça, as sentenças devem denotar ações que não são realizadas em partes prototípicas de seus objetos.16 16 Há algumas sentenças cujo argumento complexo denota a relação semântica parte-todo, mas não pode ser fatorado: o cabeleireiro lavou o cabelo da cliente/!o cabeleireiro lavou a cliente no cabelo. Acreditamos que o bloqueio da ocorrência dessa fatoração também é uma restrição de nível pragmático, pois parece que quando dizemos que o cabeleireiro lavou o cabelo da cliente, entendemos que ele teve contato apenas com o cabelo, afetando somente essa parte e não a cliente como um todo. Contudo, esses casos precisam ser mais bem investigados.

Tendo mostrado que a interpretação pragmática da sentença também influencia na realização da alternância parte-todo com verbos transitivos, descrevemos, na seção seguinte, a motivação para a ocorrência dessa fatoração, que também é de caráter pragmático.

4. Motivação pragmática para a ocorrência da alternância

Quando trabalhamos com alternâncias verbais, um dos nossos objetivos é descobrir porque temos duas formas linguísticas distintas de se expressar o mesmo evento no mundo. A escolha da forma a ser utilizada (forma básica ou alternada) está relacionada à mudança de perspectiva do evento, como ocorre na alternância causativo-incoativa, através da omissão de um argumento verbal: o menino quebrou o vaso/ o vaso (se) quebrou (FILLMORE, 1970FILLMORE, C. 2003 [1970]. The grammar of hitting and breaking. In: FILLMORE, C. Form and meaning in language: papers on semantics roles. Stanford: CSLI Publications. p. 123-139.; LAKOFF, 1970LAKOFF, G. 1970. Irregularity in Syntax. New York: Holt, Rinehart and Winston.; LEVIN, 1993LEVIN, B. 1993. English Verb Classes and Alternations: A Preliminary Investigation. Chicago: University of Chicago Press.; HASPELMATH, 1993HASPELMATH, M. 1993. More on typology of inchoative/causative verb alternations. In: COMRIE, B.; POLINSKY, M. Causatives and transitivity. Amsterdam: John Benjamins. p. 87-120.; AMARAL, 2015AMARAL, L. 2015. A alternância transitivo - intransitiva no português brasileiro: fenômenos semânticos. Tese (Doutorado em Linguística Teórica e Descritiva) - Poslin, Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte.; CANÇADO; GODOY; AMARAL, 2017CANÇADO, M.; GODOY, L.; AMARAL, L. 2017. Catálogo de verbos do português brasileiro: classificação verbal segundo a decomposição de predicados. Vol I. Verbos de mudança, 2 ed. Edição Revisada Amazon. [2013], dentre uma série de outros autores). De modo geral, assume-se que a sentença na forma causativa (o menino quebrou o vaso) trata do evento sob a perspectiva da ação realizada pelo menino, enquanto a forma incoativa trata da mudança sofrida pelo vaso.

A alternância que analisamos neste artigo também ocorre para expressar uma mudança de perspectiva no evento descrito pelo verbo. Propomos descrever essa mudança através da estrutura informacional dos enunciados.

De acordo com Roisenberg e Menuzzi (2009ROISENBERG, G.; MENUZZI, S. 2009. Estrutura Informacional. Manuscrito. Disponível em: https://msu.edu/~rodri445/gabriel/Papers,_etc._files/roisenberg%20e%20menuzzi%202 009%20estrutura%20informacional%204a-1- 1.%20versao%20%28com%20cortes%29.pdf
https://msu.edu/~rodri445/gabriel/Papers...
), um enunciado é composto por conteúdo proposicional e por conteúdo pragmático. O primeiro diz respeito ao significado estritamente semântico de uma sentença, desconsiderando o contexto extralinguístico em que a mesma foi enunciada. A proposição refere-se, portanto, ao valor de verdade das sentenças. Por conteúdo pragmático do enunciado, entendem-se os atos de fala, que são as ações verbalizadas por meio da linguagem, e a articulação informacional da sentença, ou seja, como o falante organiza o enunciado em termos de informações velhas, geralmente chamadas de tópico, e novas, geralmente chamadas de foco ou comentário (GUNDEL & FRETHEIM, 2004GUNDEL, J.; FRETHEM, T. 2004. Topic and Focus. In: L. Horn & G. Ward (eds.), Handbook of Pragmatics. Oxford: Blackwell. apud ROISENBERG E MENUZZI, 2009ROISENBERG, G.; MENUZZI, S. 2009. Estrutura Informacional. Manuscrito. Disponível em: https://msu.edu/~rodri445/gabriel/Papers,_etc._files/roisenberg%20e%20menuzzi%202 009%20estrutura%20informacional%204a-1- 1.%20versao%20%28com%20cortes%29.pdf
https://msu.edu/~rodri445/gabriel/Papers...
). Um mesmo conteúdo proposicional, veiculado por um conjunto específico de itens lexicais, pode ser expresso de diversas formas sem que as condições de verdade da sentença sejam alteradas.

(27) a. O Roberto deu um anel para a Sônia.

b. Foi para a Sônia que o Roberto deu um anel.

c. Foi um anel que o Roberto deu para a Sônia.

As sentenças em (27), embora apresentadas de diferentes formas, possuem o mesmo conteúdo proposicional, ou seja, todas descrevem uma situação em que o Roberto dá um anel para a Sônia. Porém, embora elas possuam o mesmo significado semântico, o seu significado pragmático não é o mesmo. Evidenciamos isso através do fato de as sentenças não funcionarem como respostas para as mesmas perguntas.

(28) O que aconteceu?

a. O Roberto deu um anel para a Sônia.

#b. Foi para a Sônia que o Roberto deu um anel.17 17 Seguindo Roisenberg e Menuzzi (2009), utilizamos o símbolo “#” para indicar inadequação da frase ao contexto.

# c. Foi um anel que o Roberto deu para a Sônia.

(29) Para quem o Roberto deu um anel? Foi para a Inês?

#a. O Roberto deu um anel para a Sônia.

b. Foi para a Sônia que o Roberto deu um anel.

# c. Foi um anel que o Roberto deu para a Sônia.

(30) O que o Roberto deu para a Sônia? Foi um colar?

#a. O Roberto deu um anel para a Sônia. (sem entonação marcada em um anel)

#b. Foi para a Sônia que o Roberto deu um anel.

c. Foi um anel que o Roberto deu para a Sônia.

Nos exemplos de (28) a (30) apenas uma das sentenças de (a) a (c) respondem adequadamente cada pergunta em questão, o que evidencia que, embora os enunciados tenham o mesmo conteúdo semântico, eles apresentam articulações informacionais distintas, ou seja, possuem diferentes significados pragmáticos. Em (28), a sentença em (a) responde adequadamente a questão, pois o foco, ou seja, a informação nova pedida engloba toda a proposição. Em (29), (b) funciona como a resposta mais adequada para a pergunta, pois focaliza a informação nova pedida, que é a confirmação de quem ganhou um anel do Roberto. Por fim, a resposta adequada para a pergunta em (30) é a letra (c), pois focaliza o que foi dado à Sônia pelo Roberto, que é a informação nova pedida pela pergunta.

Voltando à analise da alternância parte-todo com verbos transitivos, podemos observar que, do ponto de vista semântico, as formas não fatorada e fatorada são paráfrases, o que é evidenciado pelo fato de a junção da afirmação de uma sentença com a negação da outra formarem sentenças contraditórias, como mostramos a seguir:

(31) a. ╞ O cachorro mordeu a perna da menina, mas não mordeu a menina na perna.

b. ╞ O cachorro mordeu a menina na perna, mas não mordeu a perna da menina.

Sendo paráfrases, a motivação para a existência dessa alternância é de caráter pragmático e pode ser explicada a partir da estrutura informacional dos enunciados. Propomos que a forma fatorada das sentenças é utilizada quando queremos focalizar o constituinte extraído do argumento complexo, como pode ser evidenciado pelos exemplos seguintes:

(32) O que o cachorro mordeu?

a. O cachorro mordeu a perna da menina.

#b. O cachorro mordeu a menina na perna.

(33) Em que parte do corpo o cachorro mordeu a menina?

#a. O cachorro mordeu a perna da menina.

b. O cachorro mordeu a menina na perna.

A sentença em (a) responde adequadamente a pergunta em (32), pois focaliza todo o argumento complexo. Já (b) responde a pergunta em (33), pois focaliza a parte específica que o cachorro mordeu. Tendo mostrado que a alternância parte-todo com verbos transitivos no PB ocorre para proporcionar uma mudança no foco informacional, finalizamos a descrição desse fenômeno de fatoração e, portanto, concluímos nosso artigo.

5. Considerações Finais

Neste artigo descrevemos a alternância parte-todo com verbos transitivos no PB. Mostramos que esse fenômeno decorre da fatoração do argumento verbal, que ocupa a posição de objeto, em duas posições sintáticas distintas: na posição original de objeto e na posição de adjunto do verbo. As restrições semânticas que delimitam a realização dessa fatoração são de dois níveis: argumental/nominal e verbal. No nível nominal, o argumento passível de ser fatorado deve ser um constituinte complexo formado por duas entidades que estabelecem uma relação de parte-todo entre si. No nível verbal, os verbos devem denotar a existência de contato físico entre os participantes do evento, o que é evidenciado pela atribuição da propriedade semântica local de contato ao argumento complexo. Esse mesmo argumento também recebe a propriedade afetado. Porém, a ocorrência da alternância que analisamos não é restringida apenas por questões semânticas, mas também pela interpretação pragmática das sentenças. Sentenças que expressam uma ação realizada protopicamente em uma parte específica de uma entidade não realizam a alternância (*a mãe penteou a filha no cabelo). Por fim, propusemos que essa fatoração de argumento existe no PB para propiciar uma mudança do foco informacional, de modo que a forma fatorada da sentença focaliza o constituinte sintático extraído do argumento complexo.

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  • 4
    Como um dos pareceristas anônimos notou, esse tipo de configuração sentencial viola o princípio sintático (Princípio A) de Ligação das anáforas, pois na sentença fatorada o cachorro mordeu a menina em sua perna, o antecedente a menina não c-comanda a anáfora sua perna. Contudo, há propostas, como as de Giorgi (1984GIORGI, A. 1984. Toward a theory of long distance anaphors: A GB approach. The Linguistic Review 3, pgs. 307-361.), Lebeaux (1985LEBEAUX, D. 1985. Localit y an d anaphoric binding. The Linguistic Review 4, pgs 343-363.) e, para o PB, a de Cançado e Franchi (1999CANÇADO, M.; FRANCHI, C. 1999. Exceptional Binding with Psych-Verbs? Linguistic Inquiry, v. 30, n. 1.), que discutem a possibilidade de o Princípio A não abranger todos os casos de anáforas existentes, de modo que explicações de outra natureza determinam o funcionamento das anáforas. Porém, como o objetivo deste artigo é propor as restrições semânticas e pragmáticas que regulam a fatoração do argumento verbal complexo que denota uma relação de parte-todo em verbos transitivos, deixaremos a discussão sobre o licenciamento da relação anafórica existente entre os constituintes fatorados para um trabalho futuro.
  • 5
    Nessa proposta, a noção de argumento não está diretamente associada às posições sintáticas de sujeito e objeto e, por isso, não utilizamos em nosso artigo os termos “argumento externo” e “argumento interno”, que refletem essa associação.
  • 6
    É importante ressaltar que estamos adotando as noções de preposições funcionais e lexicais propostas no trabalho de Cançado (2009CANÇADO, M. 2009. Argumentos: complementos e adjuntos. ALFA, v. 53, n. 1.).
  • 7
    A noção de papel temático mais proeminente na estruturação sintática da sentença está relacionada ao Princípio da Hierarquia Temática, que, grosso modo, é um princípio que rege a interação entre os papéis temáticos recebidos pelos argumentos verbais e as posições sintáticas ocupadas pelos mesmos. Contudo, para este trabalho, nos basta saber que argumentos verbais também podem ocupar a posição sintática de adjunto.
  • 8
    Critério-Theta: (i) cada argumento tem que receber um e um só papel temático; (ii) cada papel temático tem que ser atribuído a um e um só argumento.
  • 9
    Não explicaremos de forma detalhada o que são os eixos eventivo e estativo, pois a existência desses eixos é mais importante para a Seleção Argumental, que não utilizaremos em nosso trabalho.
  • 10
    De acordo com Cançado e Amaral (2016CANÇADO, M.; GODOY, L.; AMARAL, L. 2017. Catálogo de verbos do português brasileiro: classificação verbal segundo a decomposição de predicados. Vol I. Verbos de mudança, 2 ed. Edição Revisada Amazon.), a existência da propriedade estativo é evidenciada pela ausência das propriedades desencadeador e afetado, pois “aquilo que não desencadeia algo ou não é afetado por algo é um estado” (CANÇADO; AMARAL, 2016CANÇADO, M.; GODOY, L.; AMARAL, L. 2017. Catálogo de verbos do português brasileiro: classificação verbal segundo a decomposição de predicados. Vol I. Verbos de mudança, 2 ed. Edição Revisada Amazon., p. 115).
  • 11
    O símbolo ╞ indica contradição (CANN, 1993CANN, R. 1993. Formal Semantics: An introduction. Cambridge: Cambridge University Press.).
  • 12
    Seguimos a tradição dos autores em Interface Sintaxe-Semântica Lexical que trabalham com a noção de forma básica e forma derivada (FILLMORE, 1970FILLMORE, C. 2003 [1970]. The grammar of hitting and breaking. In: FILLMORE, C. Form and meaning in language: papers on semantics roles. Stanford: CSLI Publications. p. 123-139.; PINKER, 1989PINKER, S. 1989. Learnability and Cognition: The acquisition of argument structure. Cambridge: MIT Press.; HASPELMATH, 1993HASPELMATH, M. 1993. More on typology of inchoative/causative verb alternations. In: COMRIE, B.; POLINSKY, M. Causatives and transitivity. Amsterdam: John Benjamins. p. 87-120.; LEVIN; RAPPAPORT HOVAV, 2005LEVIN, B.; RAPPAPORT HOVAV, M. 2005. Argument Realization. Cambridge: Cambridge University Press .). Assim, em pares de sentenças alternadas, uma delas, a menos marcada, é a forma básica e a outra é a forma derivada, como ocorre na alternância causativo-incoativa, em que a forma básica causativa (o menino quebrou o vaso) dá origem à forma incoativa (o vaso se quebrou). O clítico se é a marca que evidencia que a sentença incoativa é a forma derivada (CANÇADO; AMARAL, 2016CANÇADO, M.; AMARAL, L.; MEIRELLES, L. e cols. 2017. Banco de DadosLexicais VerboWeb: classificação sintático-semântica dos verbos do português brasileiro. UFMG. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/verboweb/
    http://www.letras.ufmg.br/verboweb/...
    ).
  • 13
    Estamos utilizando o símbolo “!” para indicar que a sentença apresenta um problema de má formação semântica.
  • 14
    Todos os verbos e suas respectivas sentenças nas formas fatorada e não fatorada encontram-se no Apêndice do trabalho de Meirelles (2018MEIRELLES, L. 2018. A fatoração de argumentos verbais no PB. 2018. Tese (Doutorado em Linguística Teórica e Descritiva) - Poslin, Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte.) e, em breve, serão disponibilizados no trabalho de Cançado, Amaral e Meirelles (2017CANÇADO, M.; AMARAL, L.; MEIRELLES, L. e cols. 2017. Banco de DadosLexicais VerboWeb: classificação sintático-semântica dos verbos do português brasileiro. UFMG. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/verboweb/
    http://www.letras.ufmg.br/verboweb/...
    ). Esses verbos foram coletados a partir do dicionário de verbos de Borba (1990BORBA, F. (Coord). 1990. Dicionário gramatical de verbos do português contemporâneo do Brasil. 2. Ed. São Paulo: Editora da Unesp.) e do banco de dados de VerboWeb.
  • 15
    Cançado e Gonçalves (2016CANÇADO, M.; GONÇALVES, A. 2016. Lexical Semantics: verb classes and alternations. In: WETZELS, L.; MENUZZI, S.; COSTA, J. The Handbook of Portuguese Linguistics. Willey/Blackwell.) e Cançado e Amaral (2016CANÇADO, M.; AMARAL, L. 2016. Introdução à Semântuca Lexical: Papéis Temáticos, aspecto lexial e decomposição de predicados. Editora Vozes, Petrópolis, RJ.) propõem, baseadas em Levin (2010LEVIN, B. 2010. What is the best grain-size for defining verb classes? Conference on Word Classes: nature, Typology, Computational Representations, Second TRiPLE international Conference, Università Roma Tre, Rome, March 24-26.), que as classes verbais podem ser analisadas em diferentes níveis, de acordo com seu grau de especificidade. Classes no nível coarse-grained são aquelas compostas por verbos que compartilham apenas uma parte de sua estrutura argumental, como ocorre com os verbos transitivos que realizam a alternância parte-todo no PB.
  • 16
    Há algumas sentenças cujo argumento complexo denota a relação semântica parte-todo, mas não pode ser fatorado: o cabeleireiro lavou o cabelo da cliente/!o cabeleireiro lavou a cliente no cabelo. Acreditamos que o bloqueio da ocorrência dessa fatoração também é uma restrição de nível pragmático, pois parece que quando dizemos que o cabeleireiro lavou o cabelo da cliente, entendemos que ele teve contato apenas com o cabelo, afetando somente essa parte e não a cliente como um todo. Contudo, esses casos precisam ser mais bem investigados.
  • 17
    Seguindo Roisenberg e Menuzzi (2009ROISENBERG, G.; MENUZZI, S. 2009. Estrutura Informacional. Manuscrito. Disponível em: https://msu.edu/~rodri445/gabriel/Papers,_etc._files/roisenberg%20e%20menuzzi%202 009%20estrutura%20informacional%204a-1- 1.%20versao%20%28com%20cortes%29.pdf
    https://msu.edu/~rodri445/gabriel/Papers...
    ), utilizamos o símbolo “#” para indicar inadequação da frase ao contexto.

Disponibilidade de dados

Citações de dados

CANÇADO, M.; AMARAL, L.; MEIRELLES, L. e cols. 2017. Banco de DadosLexicais VerboWeb: classificação sintático-semântica dos verbos do português brasileiro. UFMG. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/verboweb/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2019
  • Aceito
    05 Mar 2020
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