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Análise contextual da construção [à medida que] conect

Contextual analysis of the construction [à medida que] conect

RESUMO

Este artigo propõe-se a investigar a formação da construção [à medida que] conect , à luz da Linguística Funcional Centrada no Uso. O foco é o estudo de contextos (normal, atípico, crítico e isolado) e o processo de construcionalização, que compreende a formação de um novo nó na língua. A partir do Corpus do Português, realizamos uma pesquisa de cunho qualiquantitativo, com dados coletados do século XV ao XX. Os resultados demonstram que a construção [à medida que] conect formou-se e convencionalizou-se em língua portuguesa, com valor proporcional, em sincronias mais recentes, por meio do processo de domínio geral denominado chunking.

Palavras-chave:
Construções proporcionais; Conectores; Contextos; LFCU

ABSTRACT

This paper proposes to investigate the formation of the construction [à medida que] conect , from the perspective of Usage-Based Functional Linguistics. The focus is the study of contexts (normal, atypical, critical and isolated) and the process of constructionalization, which includes the formation of a new language node. Based on data from the Corpus do Português, we conducted a research, in a qualitative and quantitative approach, from the 15th to the 20th century. The results show that the construction [à medida que] conect was formed and conventionalized in Portuguese, with proportional value, in more recent synchronies , through the general domain process called chunking.

Keywords:
Proportional constructions; Connectors; Contexts; LFCU

Considerações iniciais

Este artigo tem como propósito investigar o processo de construcionalização, bem como as propriedades sintático-semânticas da construção [à medida que] conect em língua portuguesa, à luz da Linguística Funcional Centrada no Uso (cf. Furtado da Cunha et al, 2013FURTADO DA CUNHA, Maria Angélica; BISPO, Edvaldo Balduíno; SILVA, José Romerito. 2013. Linguística funcional centrada no uso: conceitos básicos e categorias analíticas. In: CEZARIO, Maria Maura; CUNHA, Maria Angélica Furtado. Linguística centrada no uso: uma homenagem a Mário Martelotta. Rio de Janeiro, RJ: Mauad X: FAPERJ. p. 13-39.; Rosário & Oliveira, 2016ROSÁRIO, I. C.; OLIVEIRA, M. R. 2016. Funcionalismo e Abordagem Construcional da Gramática. Alfa: Revista de Linguística (UNESP.Online). São Paulo, 60(2), p. 233-259. Disponível em <Disponível em https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/8007/5854 >. Acesso em: 10 jul. 2018.
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), com foco no estudo de contextos, tal como proposto por Diewald (2002DIEWALD, G. 2002. A model of relevant types of contexts in grammaticalization. In: WISCHER, I.; DIEWALD, G. (eds.). New reflections on grammaticalization. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins. p. 103-120.; 2006______. 2006. Context types in grammaticalization as constructions. Constructions. Special Volume. Disponível em https://journals.linguisticsociety.org/elanguage/constructions/article/download/24/24-82-1-PB.pdf. Acesso em: 10 jul. 2018.
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). Segundo esta autora, os usos linguísticos historicamente partem do contexto normal, passam pelo atípico, depois pelo crítico até o contexto isolado. Diante desse postulado, analisaremos a trajetória de formação de [à medida que] conect , a partir da combinação dos seus elementos constituintes (à, medida e que).

As nossas questões de pesquisa podem ser traduzidas em duas perguntas que ensejam esta análise: (a) o processo de construcionalização de [à medida que] conect ocorre diacronicamente, de modo que a convencionalização dessa construção somente se efetiva em sincronias mais recentes? (b) [a medida que]3 3 . Ao longo deste trabalho, registramos qualquer ocorrência de à medida que, com suas diferentes grafias e sentidos, da seguinte forma: [a medida que]. Por convenção, essa será a maneira mais geral como vamos nos referir a essa expressão linguística. Por outro lado, quando fizermos referência ao uso construcionalizado de à medida que como conector proporcional, nós o grafaremos da seguinte forma: [à medida que]conect. passou pelo processo de chunking ao longo do tempo até chegar à função de conector de proporcionalidade?

Assim, queremos investigar como [a medida que] era empregado em sincronias passadas e comparar esse uso às sincronias mais atuais, especialmente no que diz respeito aos seus graus de composicionalidade (cf. Traugott & Trousdale, 2013TRAUGOTT, E.C.; TROUSDALE, G. 2013. Constructionalization and Constructional Changes. Oxford: Oxford University Press.).

Com o objetivo de iniciar a discussão acerca da temática apresentada, bem como delinear possíveis respostas para as questões apontadas, propomos a análise das ocorrências de [a medida que] a partir do levantamento de ocorrências ao longo dos séculos. Para isso, elegemos o Corpus do Português (disponível no site www.corpusdoportugues.org/) como fonte de dados. Como recorte temporal, selecionamos ocorrências que vão do século XV ao XX, pois é no século XV que encontramos as primeiras ocorrências de [a medida que].

O presente artigo organiza-se da seguinte forma: na próxima seção, são expostos os pressupostos teóricos que fundamentam a análise, calcados na Linguística Funcional Centrada no Uso, com especial ênfase no estudo de contextos de Diewald (2002DIEWALD, G. 2002. A model of relevant types of contexts in grammaticalization. In: WISCHER, I.; DIEWALD, G. (eds.). New reflections on grammaticalization. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins. p. 103-120.; 2006______. 2006. Context types in grammaticalization as constructions. Constructions. Special Volume. Disponível em https://journals.linguisticsociety.org/elanguage/constructions/article/download/24/24-82-1-PB.pdf. Acesso em: 10 jul. 2018.
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). Em seguida, são descritos os processos metodológicos de levantamento de dados e os procedimentos de análise. Após essa seção, são explicitadas as análises das ocorrências levantadas em corpus, com base no arcabouço teórico já explicitado. Por fim, são evidenciadas as considerações finais da investigação empreendida.

Pressupostos teóricos

A Linguística Funcional Centrada no Uso (LFCU) constitui a base teórica que norteia a análise contextual da construção [à medida que] conect nesta investigação. Essa corrente teórica representa a interface dos pressupostos teórico-metodológicos da Linguística Funcional de vertente norte-americana com a Linguística Cognitiva, principalmente via Gramática de Construções.

A Linguística Cognitiva compartilha pressupostos basilares com a Linguística Funcional, dentre eles a concepção de que há uma relação estreita entre a estrutura da língua e o uso que os falantes fazem dela em contextos reais de comunicação, o que significa que a organização gramatical é moldada pelo uso linguístico (Bybee, 2010BYBEE, J. 2010. Language usage and cognition. New York: Cambridge University press.). Assim, a gramática é entendida como conhecimento de um sistema linguístico, como representação cognitiva da experiência dos indivíduos com a língua; portanto, ela pode ser afetada pelo uso em situações cotidianas de interação comunicativa. A gramática é, pois, uma estrutura holística, em que nenhum nível é autônomo ou nuclear.

A fusão da Linguística Cognitiva com a Linguística Funcional expressa com maior clareza uma abordagem holística das análises, que incorpora semântica e pragmática, bem como rejeita a autonomia de qualquer nível linguístico. Com isso, à diferença da abordagem mais clássica do Funcionalismo, em que as análises eram mais voltadas para o exame de itens isolados e a trajetória desses itens era enquadrada no processo de gramaticalização, buscamos, na perspectiva da LFCU, uma investigação em perspectiva construcional, com maior atenção para os aspectos cognitivos envolvidos nos processos de mudança. Não estamos mais focados apenas em um item, mas em todo o entorno linguístico, bem como nas relações contextuais e nos fatores que licenciam ou não a ocorrência de uma dada construção.

Compreende-se o conceito de construção como um pareamento de forma e significado. Na perspectiva teórica aqui adotada, construções são consideradas unidades básicas e centrais da língua, ou, nos termos de Trousdale (2008TROUSDALE, G. 2008. Constructions in grammaticalization and lexicalization: Evidence from the history of a composite predicate construction in English. In: ______; GISBORNE, N. (eds.). Constructional Approaches to English Grammar. Berlin: Mouton de Gruyter. p. 33-67., p. 6), unidades simbólicas convencionais (conventional symbolic unit) que operam em diferentes níveis da gramática, desde instâncias mais esquemáticas até padrões totalmente preenchidos.

No escopo da LFCU, a esquematicidade, a produtividade e a composicionalidade são importantes fatores de análise na descrição das construções, segundo o modelo de Traugott & Trousdale (2013TRAUGOTT, E.C.; TROUSDALE, G. 2013. Constructionalization and Constructional Changes. Oxford: Oxford University Press.). Na presente análise, em maior medida, utiliza-se o fator de composicionalidade para identificar os distintos graus de transparência na composição de [a medida que] rumo à sua formatação como conector e também nas ocorrências em que as subpartes não formam um conector, mas elementos não associados semântico-pragmaticamente e, por isso, interpretados como itens separados.

Define-se composicionalidade como o fator de análise que consiste no grau de transparência entre forma e significado. Tomando a composicionalidade semântica como ponto de partida, se, em uma construção, o significado é recuperado a partir de cada item componente, então essa é uma construção mais composicional. Por outro lado, se a soma das partes isoladas que compõem a construção não recupera o significado geral, uma vez que esse sentido só é recuperado na leitura do todo, essa é uma construção menos composicional. Assim, os exemplos (1) e (2) a seguir são, respectivamente, usos mais e menos composicionais:

(1) O valor chega a cerca de R$ 350 mil. JC - Como o senhor pretende encaminhar a solução disso? Valle - Ontem, estive com o prefeito Izzo Filho, fazendo a comunicação oficial do problema. Enviei ofício relatando a situação da Câmara e solicitando, dentro das possibilidades do Executivo, o repasse das verbas. JC - O gabinete da vice-presidência foi fechado? Valle - Essa foi a primeira medida que tomamos. Aquela sala sempre foi a sala dos vereadores. Então, na gestão anterior, um acordo entre o Cláudio Petroni e o Walter Costa a transformou em sala da vice-presidência. Entendo que a vice-presidência é uma, como o de vice-prefeito, expectativa de cargo, tanto que não é um cargo da mesa. Na ausência do presidente é que responde. (Corpus do Português, séc. XX).

(2) Aquela região, por exemplo, do Gasparini, Colina Verde, Vila São Paulo, Pousada 1, Pousada 2. Aquela região merece uma Regional Administrativa. Jardim América. Isso está dividido no mapa. Eu não me lembro de cor, agora, todos. Por exemplo, aqui do lado do Jardim América, no Jardim Europa, merece uma regional. JC - O que mais deve ser feito nas regionais? Izzo - Aumentar. A descentralização já começou, informatizar. Por que a medida que você informatiza, você leva de verdade a prefeitura para lá. Informatizar na medida em que as pessoas possam ir para lá reivindicar, para pagar. Teria que ter um banco nas regionais. Na realidade, criar um polo ali no bairro, na região onde elas estão. JC - Você vai extinguir os cargos de secretários adjuntos? Izzo - Agora, que está de maneira moral, porque o que ele estava fazendo era imoral. (Corpus do Português, séc. XX)

Em (1), há um uso mais composicional da estrutura em destaque, pois é possível recuperar o significado de cada parte de [a medida que] de forma isolada. Cada elemento mantém sua integridade semântica. Já em (2), verifica-se que a interpretação é marcada pela leitura do todo, ou seja, é um uso menos composicional, tendo em vista que a medida que se configura como um conector que relaciona duas porções da construção (você informatiza e você leva de verdade a prefeitura para lá).

Na investigação dos usos mais composicionais aos menos composicionais, consideramos também o conceito de chunking, definido por Bybee (2010BYBEE, J. 2010. Language usage and cognition. New York: Cambridge University press.) como uma das habilidades cognitivas de domínio geral. O chunking faz referência a um processo no qual sequências de unidades próximas passam a ser lidas como unidades mais complexas e opacas. Com isso, há a formação de novas estruturas a partir de arranjos de elementos que frequentemente coocorrem. Em outras palavras, sequências repetidas são embaladas juntas em termos cognitivos, de modo que podem ser tomadas como unidades únicas.

A proposta de Diewald (2002DIEWALD, G. 2002. A model of relevant types of contexts in grammaticalization. In: WISCHER, I.; DIEWALD, G. (eds.). New reflections on grammaticalization. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins. p. 103-120.; 2006______. 2006. Context types in grammaticalization as constructions. Constructions. Special Volume. Disponível em https://journals.linguisticsociety.org/elanguage/constructions/article/download/24/24-82-1-PB.pdf. Acesso em: 10 jul. 2018.
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) está assentada no paradigma da gramaticalização. Como apontam Diewald e Smirnova (2012______; SMIRNOVA, E. 2012. Paradigmatic integration: the fourth stage in an expanded grammaticalization scenario. In: KRISTIN, D.; BREBAN, T.; BREMS, L.; MORTELMANS, T. (eds.). Grammaticalization and Language Change. New reflections, Amsterdam: Benjamins. p. 111-133. ), a gramaticalização ocorre em condições contextuais específicas; dessa forma, uma função gramatical recém-desenvolvida não surge de forma homogênea em todas as situações, mas é delimitada, em sua origem, com relação a contextos linguísticos específicos ou construções específicas. As autoras apontam ainda que essa abordagem tem integrado de forma produtiva os conceitos usados nas gramáticas de construções. Nessa linha, apesar de ter sido gestada no âmbito da gramaticalização, defendemos ser possível aplicar os contextos de Diewald (2002DIEWALD, G. 2002. A model of relevant types of contexts in grammaticalization. In: WISCHER, I.; DIEWALD, G. (eds.). New reflections on grammaticalization. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins. p. 103-120.; 2006______. 2006. Context types in grammaticalization as constructions. Constructions. Special Volume. Disponível em https://journals.linguisticsociety.org/elanguage/constructions/article/download/24/24-82-1-PB.pdf. Acesso em: 10 jul. 2018.
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) à abordagem construcional da gramática.

A ideia central que fundamenta esse modelo proposto pela autora é que um processo de mudança linguística pode ser desmembrado em três estágios ou passos sucessivos relacionados a contextos específicos, que são explicitados a seguir.

O estágio 1 é denominado contexto atípico e nele as precondições do processo de mudança se desenvolvem. O objeto em análise demonstra uma expansão incomum até então não verificada em contextos considerados típicos (em que há total composicionalidade), porém, ainda pode ser interpretado em seu sentido original, devido à estrutura mais composicional assumida.

O estágio 2, intitulado contexto crítico, marca o efetivo desencadeamento do processo da mudança. Nessa etapa, é possível depreender múltiplas ambiguidades estruturais e semânticas, o que motiva o surgimento de diferentes alternativas de interpretação e, dentre essas interpretações, o novo significado gramatical. É nesse estágio que surgem novas construções que não podem ser reduzidas a uma combinação de construções conhecidas sem perda de informação.

O estágio 3 é denominado contexto isolado, caracterizado como a etapa que demarca a consolidação do processo de mudança. Nesse estágio, o novo sentido gramatical é isolado, como um sentido separado do mais antigo, que é mais lexical. Dessa forma, as construções nos contextos isolados assemelham-se apenas parcialmente a outras construções existentes e apresentam uma correspondência forma-significado única. O quadro a seguir sistematiza os estágios delimitados:

Quadro 1
Tipos de contextos

Com base na instanciação dessas etapas, os elementos linguísticos mais próximos ao estágio 3 são construções cuja composicionalidade é reduzida, isto é, no mínimo, alguma parte da sua correspondência forma-significado tem de ser tratada holisticamente.

Na investigação contextual de [a medida que], ressaltamos que, além dos três níveis já especificados, emprega-se a nomenclatura contexto normal, para fazermos referência aos usos em que ainda não há incidência de implicaturas conversacionais que levem a uma leitura de contexto atípico. O contexto normal é o uso mais composicional de [a medida que], exemplificado em (1). Nele, os elementos são interpretados não como um todo significativo, mas cada parte assume sua própria significação, com grande transparência em termos de forma e significado.

Como já foi afirmado nesta seção, Diewald (2002DIEWALD, G. 2002. A model of relevant types of contexts in grammaticalization. In: WISCHER, I.; DIEWALD, G. (eds.). New reflections on grammaticalization. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins. p. 103-120.; 2006______. 2006. Context types in grammaticalization as constructions. Constructions. Special Volume. Disponível em https://journals.linguisticsociety.org/elanguage/constructions/article/download/24/24-82-1-PB.pdf. Acesso em: 10 jul. 2018.
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) propôs essa questão da abordagem contextual da mudança no âmbito dos estudos em gramaticalização. Por outro lado, nesta pesquisa, aplicamos sua proposta ao processo de construcionalização, sob o argumento de que são processos diferentes, mas análogos.

Traugott & Trousdale (2013TRAUGOTT, E.C.; TROUSDALE, G. 2013. Constructionalization and Constructional Changes. Oxford: Oxford University Press.) defendem a existência de dois processos de mudança linguística: construcionalização e mudanças construcionais. A construcionalização consiste na formação de um novo pareamento de forma e significado. Em outras palavras, a construcionalização prevê o surgimento de uma nova construção na língua. As mudanças construcionais, por sua vez, indicam algumas mudanças mais pontuais ou na forma ou no significado.

De uma forma geral, as mudanças construcionais antecedem e sucedem o processo de construcionalização. Logo, podemos hipotetizar que os contextos atípico e crítico espelham, de certa forma, mudanças construcionais rumo à construcionalização, que se dá, de forma plena, no contexto isolado.

Em estudos mais recentes, Diewald e Smirnova (2012______; SMIRNOVA, E. 2012. Paradigmatic integration: the fourth stage in an expanded grammaticalization scenario. In: KRISTIN, D.; BREBAN, T.; BREMS, L.; MORTELMANS, T. (eds.). Grammaticalization and Language Change. New reflections, Amsterdam: Benjamins. p. 111-133. ) propuseram, além dos contextos atípico, crítico e isolado, o estágio de (re)integração paradigmática. Esse estágio consiste no novo signo sendo integrado a um paradigma, assim, a (re)integração paradigmática configura o processo de estabilização do novo signo que o transforma em parte integrante de um paradigma.

Neste trabalho, defendemos que esse quarto estágio é de grande valor, pois, enquanto os três primeiros estágios descrevem o afastamento do novo significado do seu uso normal, o estágio de (re)integração paradigmática refere-se a um processo em que o novo signo se associa a um novo paradigma. No entanto, neste trabalho, voltado para a construcionalização de [à medida que] conect , por uma questão de recorte, serão abordados somente os três contextos iniciais, de modo que a incorporação do estágio de (re)integração paradigmática será investigada em desdobramentos desta pesquisa, em análises posteriores.

Procedimentos Metodológicos

Como já afirmado anteriormente, este artigo tem como objetivo investigar a construcionalização de [à medida que] conect a partir do contexto normal até o isolado, considerando-se esse último como aquele em que, de fato, a construção nova está formada e exerce a função de conector.

Com base na perspectiva teórico-metodológica adotada neste trabalho, são empregados dados extraídos de situações reais de comunicação, em que a língua tanto oral quanto escrita é utilizada em prol de diversos propósitos comunicativos. Em vista disso, o levantamento de dados foi empreendido com base na amostra do Corpus do Português, disponível no site www.corpusdoportugues.org.

Como o processo de construcionalização ocorre diacronicamente, o levantamento de dados de [a medida que] foi constituído a partir de amostras dos séculos XV a XX, com o rastreamento total de todos os dados disponíveis. A distribuição dos tokens entre as sincronias deu-se da seguinte forma: século XX (20 dados); século XIX (20 dados); século XVIII (2 dados); século XVII (4 dados); século XVI (6 dados); século XV (10 dados). No total, foram 62 dados encontrados.

Objetivamos, na seção seguinte, estabelecer uma investigação de caráter misto, aliando a metodologia qualitativa à quantitativa, com preponderância dos aspectos qualitativos. Conforme apontam Traugott & Trousdale (2013TRAUGOTT, E.C.; TROUSDALE, G. 2013. Constructionalization and Constructional Changes. Oxford: Oxford University Press.), a combinação entre os dois tipos de análise pode contribuir para a compreensão de como as inovações que emergem no fluxo da interação se regularizam na língua. Com base na quantificação dos dados, bem como na análise das ocorrências, passamos a examinar os sucessivos estágios do processo de construcionalização de [à medida que] conect .

Análise de dados

No levantamento de dados empreendido, foram encontradas 62 ocorrências de [a medida que] nos séculos XV a XX. Com vistas a analisar nosso objeto de investigação à luz da proposta de Diewald (2002DIEWALD, G. 2002. A model of relevant types of contexts in grammaticalization. In: WISCHER, I.; DIEWALD, G. (eds.). New reflections on grammaticalization. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins. p. 103-120.; 2006______. 2006. Context types in grammaticalization as constructions. Constructions. Special Volume. Disponível em https://journals.linguisticsociety.org/elanguage/constructions/article/download/24/24-82-1-PB.pdf. Acesso em: 10 jul. 2018.
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), os dados serão dispostos conforme o contexto em que estão inseridos. Nesse sentido, inicialmente são expostos os casos de contextos normais.

I. Contexto normal

(3) Naõ ha duvida ser causa superior a que lhe fes trocar as lagrimas da magoa, nos jubilos da alegria; ainda insepulta mandou o Marquez seu Irmaõ retratala, e naõ se achando pano aparelhado para a preça que pedia o aperto do tempo, por ultima deligencia aquelle memorauel pintor Felliciano, revolveo hum caixaõ a ver se descobria nelle alguma alg~ua cousa que para o intento lhe servisse; achou hum pano da mesma medida que o requeria a obra, com a circunstancia de ter pintada em o principio uma coroa de flores; esta servio de diadema ao retrato, prevenido daquella grande Providencia, que para illustrar aos seus servos lhe introduz nos subitos acontecidos as honras destinadas. Esta he a memoria que aqui posso deixar desta illustre Religiosa, cuja saudade ainda vive nas que a conhecemos, e cujas virtudes praticaõ as que a naõ conversaraõ, para que naõ sepulte o esquecimento a que deue encomendarse à posteridade. (Corpus do Português, séc. XVIII)

Esse dado representa um uso original de [a medida que], uma vez que não se atesta nenhum valor conector em cena. O arranjo sintático em destaque representa um uso mais composicional, ou seja, ainda não houve a ação do processo de chunking.

A carga semântica dos elementos a, medida e que está totalmente preservada em seus sentidos básicos. O pronome relativo que, por sua vez, retoma medida. Como vemos, é possível rastrear a expressão destacada de modo composicional, observando-se o valor sintático-semântico de cada elemento. Dessa forma, (3) representa um uso normal, na perspectiva de Diewald (2002DIEWALD, G. 2002. A model of relevant types of contexts in grammaticalization. In: WISCHER, I.; DIEWALD, G. (eds.). New reflections on grammaticalization. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins. p. 103-120.; 2006______. 2006. Context types in grammaticalization as constructions. Constructions. Special Volume. Disponível em https://journals.linguisticsociety.org/elanguage/constructions/article/download/24/24-82-1-PB.pdf. Acesso em: 10 jul. 2018.
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), o que também ocorre em (4):

(4) E nom se podem declarar os herdeiros por serem muytos & viuerem em diuerssas partes. Titollo de grilhado. MOstrou sse por os ditos liuros & por Juramento dos moradores da dita aldea auer em ella quatro casaes Reguemgos E pagam per comçerto que fizeram com Diogo lopez & com seu pay de cada casal vinte & quatro alqueires de pam meado conuem a saber çemteo & mjlho postos na tulha per Sam mjguel per esta medida que soma em todo nouemta & seis alqueires E em dinheiro cada casal sessenta Reaaes que fazem em soma dozemtos & coremta Reaaes pagos na tulha por natal E os casaees sam os seguîtes Item ho casal de pero gil Item ho casal de Ruy martïz Item ho casal de Joham martïz Item ho casal de pedre añes E disserã que nom tinham duujda nem comtradiçam a pagarem assy daquy em diante. Titollo de çidadelha. Mostrou sse por os ditos liuros & Juramento dos moradores da dita aldea auer em ella doze casaees. (Corpus do Português, séc. XVI)

Nesse dado (4), mais uma vez verificamos um caso de [a medida que] fora do escopo da conexão. De modo mais preciso, verifica-se [esta medida que], corroborando ainda mais a relativa independência morfossintática dos elementos em cena. Assim, a expressão é também composicional, à semelhança de (3). Identificamos, inclusive, que o dado revela um contexto em que estão inseridos elementos de caráter indiscutivelmente concretos, de base espacial, uma vez que se trata de uma medida que soma ao todo noventa e seis alqueires. Com isso, além de não configurar um uso conector, todo o ambiente linguístico é composto por termos que reforçam o seu caráter mais composicional.

Feita a apresentação do contexto normal, vejamos como se caracteriza o contexto atípico:

II. Contexto atípico

(5) Devendo ser pois o fôgo da Pronunciação sim ardente, mas sereno, isto não tira, que possa ser mais ou menos activo, segundo as occasiões; porque nesta materia ha diversos gráos de serenidade e de fôgo, que o Orador deve indispensavelmente mostrar: Para isto ha de primeiro sentir o seu espirito o mesmo, que pronuncia a lingua; pois, se assim não succeder, será fátuo todo o seu fôgo; de maneira que, á medida que,será fátuo o seu fôgo; de maneira que, á medida que elle se vir mais ou menos movido, e penetrado, assim seja a sua pronunciação mais ou menos viva, mais ou menos serena. Esta regra de se consultar primeiro o espirito, para assim saber o gráo de viveza, ou de serenidade, com que se ha de pronunciar, até serve para o Orador compôr a voz, de sorte que seja agradavel aos ouvidos, e pareça, não de homem rustico. (Corpus do Português, séc. XIX)

Em (5), verifica-se a ocorrência de dois exemplares de [a medida que] em contexto atípico, visto que há ambiguidades semânticas detectáveis no texto. Na primeira ocorrência, [a medida que] parece funcionar como conector semelhante a “de maneira que”, introduzido no discurso imediatamente antes. À diferença dos casos em que há usos normais, apresentados anteriormente, em (5), os termos não são tão composicionais, justamente devido à ambiguidade atestada.

Nesse dado (5), há um contexto menos concreto, em que se trata principalmente de fogo (primeira ocorrência), mas também de serenidade e espírito (segunda ocorrência). Com relação às duas ocorrências indicadas, na primeira, a ambiguidade estrutural é maior, já que [a medida que] parece “interrompida” pelo ponto e vírgula; já a segunda está mais completa, calcada em uma relação de causa e efeito, porém o contexto ainda é muito ambíguo. A repetição de á medida que compõe um ambiente de crescendum argumentativo no sentido de que o fogo não seja fátuo.

No dado, não se pode afirmar que haja um conector, porém também não se pode afirmar que ainda haja um uso normal ou típico de [a medida que]. Com isso, reafirmamos a própria característica do contexto atípico, ou seja, aquele em que as construções aparecem em contextos/combinações novos e em que as implicaturas conversacionais incidem, espelhando precondições para o processo de mudança. Vejamos mais um caso:

(6) Certas, nos outros, que somos, nos pecados alheos, cruees e sensabores uízo, nom veemos as traves que tragemos metidas nos olhos nossos. E ainda nom uízo os grandes, mas os pequeninos tam solicitamente escoldrinhamos, que todo nosso tempo degastamos em condempnar todolos outros; do qual pecado nom acharas escusado e quite homem do mundo, nem monge alguû ou religioso”. Estas cousas Crisostomo. E per qual juiz, justo ou injusto, misericordioso ou uízo, julgardes os outros, per tal seredes julgados de Deus, e na medida que medirdes aos outros agora, sera medido a vos” no outro mundo. O uízo ameaçado de que aqui he feita mençom se refere quanto aa qualidade da culpa e da pena, e a medida ou mensura se refere quanto aa quantidade da dita culpa ou pena. E, se nos sandiamente julgarmos, que Deus hase nos sandiamente julgarmos, que Deus haja de julgar-nos per aquela guisa, neiciamente ou sandiamente; ou que, se nos medirmos maa medida, que acerca de Deus nos sera medido assi per (Corpus do Português, séc. XV)

Em (6), há um outro exemplo de contexto atípico, no qual se identifica que são correlacionados os atos de medir (no sentido de julgar) a si mesmo e aos demais, em um ambiente semântico de elementos de conteúdo religioso, bastante abstratos, como julgamento, Deus, culpa e pena. Esse dado demonstra uma expansão incomum até então não verificada em contextos considerados normais, o que marca o efetivo desencadeamento do processo de mudança.

III. Contexto crítico

(7) Quantas dores há, que se formam do gosto, e quantos gostos, que resultam da dor! Essa infinita variedade dos objectos tem a mesma causa por origem: as diferentes produções, que vemos, todas se compõem dos mesmos princípios, e se formam com os mesmos instrumentos. Algumas cousas degeneram à proporção, que se afastam do seu primeiro ser; outras se dignificam, e quási todas vão mudando de forma à medida, que vão ficando distantes de si mesmas. As águas de uma fonte a cada passo mudam; porque apenas deixam a brenha, ou rocha donde nascem, quando em uma parte ficam sendo limo, em outra flor, e em outra diamante. Que outra cousa mais é a natureza, do que uma perpétua, e singular metamorfósis? (Corpus do Português, séc. XVIII)

Em (7), verificamos um contexto crítico, em que há ambiguidade semântica, contudo, também se verifica uma aproximação da expressão em destaque ao conteúdo proporcional, tendo em vista que são correlacionados os fatos de algumas coisas mudarem de forma com ficam distantes de si mesmas. Além disso, o contexto já favorece a leitura proporcional, visto que, na linha anterior, já há uma construção veiculando esse sentido (à proporção). O uso do gerúndio, no trecho quase todas vão mudando, também reforça o sentido proporcional, visto que essa forma nominal do verbo é muito frequente nessas construções (cf. Fernandes, 2017FERNANDES, Thaís Pedretti Lofeudo Marinho. 2017. Construções correlatas proporcionais sob a perspectiva da Linguística Funcional Centrada no Uso. Dissertação de Mestrado em Estudos de Linguagem. Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem. Instituto de Letras da UFF.).

No entanto, em (7), ainda identificamos certa ambiguidade estrutural, inclusive por conta do emprego da vírgula logo depois de medida, separando-a de que. Esse texto do século XVIII é um exemplar da modalidade escrita da língua, logo a opção por demarcar a vírgula foi efetivada em um ambiente de formalidade, motivado, provavelmente, pelo fato de o processo de mudança do conector ainda estar em andamento e seu uso ainda não ser plenamente normatizado na gramática.

IV. Contexto isolado

(8) Num poial húmido e cheio de covas, rimas de pratos sujos, de almoços antigos, estavam para ali de semanas; sobre o peito da janela, uma palmatória de barro tinha um coto de sebo; a miséria enrodilhava-se pelas cousas, numa frialdade canalha e vilíssima, em que se acusava uma existência sem destino, sem direcção, sem o exemplo de outra. Nenhum móvel no seu lugar, o lavatório vazio, uma bacia numa cadeira, saias enxovalhadas nos ferros dos leitos e o gato lambendo-se sobre um xale. E à medida que passava o tempo e os dois conviviam, Carolina que, no começo, por pudor, fora um pouco cuidadosa, entrou em entregar tudo ao acaso, para ali, ao deixa-te estar que estás bem. Enquanto só, era ela quem lavava a sua roupa, de mês a mês. Quando o João se ligou com ela, foi impossível continuar aquilo. (Corpus do Português, séc. XIX)

Em (8), há um caso de contexto isolado, em que já temos uma ocorrência de [à medida que] conect , que se comporta plenamente como conector, inclusive, assumindo sua forma validada pela norma, atuando no plano das relações sintático-textuais da proporção.

O conector à medida que articula as ações 1 (passava o tempo e os dois conviviam) e 2 (Carolina […] entrou em entregar tudo ao acaso). As fronteiras morfossintáticas foram totalmente reestruturadas, a partir do processo de chunking, pois que não é mais pronome relativo, nem medida faz referência a elementos concretos. Identificamos, nesse dado (8), o distanciamento da nova construção em relação aos contextos anteriores, já que o conteúdo é menos composicional. Nesse dado, à medida que configura-se como conector canônico, integrando uma construção maior, no âmbito da sentença complexa, impactando as relações sintático-semânticas.

Assim, o estágio 3 mostra a consolidação do processo de mudança, em que o novo sentido gramatical é isolado, como um sentido separado do mais antigo, que é mais lexical. Em outras palavras, consolida-se o processo de construcionalização, tendo em vista o nascimento de um novo pareamento de forma e significado, o que foi precedido de realinhamentos atestados nos contextos anteriores. Em (9), há outro exemplar do contexto isolado:

(9) O que há de concreto em termos de novos planos de voôs para o Ceará? MT - Não é apenas uma maneira de dizer, veja bem, o mercado tem que se desenvolver em conjunto. Não adianta desenvolver somente a parte de vôo se não tiver desenvolvido toda a estrutura. Temos informação de que o Ceará está desenvolvendo sua infra-estrutura e temos planos de, em breve, aumentar vôos para os Estados Unidos. Já temos vôos do Ceará para a Europa e, à medida que o mercado vai crescendo também vamos aumentando, tanto na área internacional como nacional. O Ceará começou a crescer agora no mercado doméstico. Parece que o brasileiro está descobrindo o Ceará. OP - E há perspectiva de aumento do vôos da Varig para o Ceará? MT - Sim, para o futuro. OP - Este futuro ainda está longe, será lá para o ano 2005? MT - Não, não é tão futuro assim, mas também não é neste ano. (Corpus do Português, séc. XX)

Em (9), há um contexto isolado em que [à medida que] conect atua relacionando as informações 1 (o mercado vai crescendo) e 2 (também vamos aumentando, tanto na área internacional como na nacional). Desse modo, verificamos a veiculação de conteúdo proporcional, em que o conector à medida que cumpre o papel de integrar duas informações, ao estabelecer a semântica de que uma ação enseja a outra, sendo as duas interconectadas e normalmente concomitantes. No plano sintático, destacamos que o uso do gerúndio (crescendo / aumentando) também reforça essa interpretação.

No conector à medida que, verificamos uma composicionalidade reduzida, o que aponta para a consolidação do processo de construcionalização, com novo pareamento de forma e significado estabelecido na língua. De fato, no plano formal, há um novo conectivo no campo da hipotaxe estruturado por meio de chunking, haja vista seu empacotamento como uma nova unidade na língua; no plano funcional, à medida que consolida sua semântica de proporcionalidade. Assim, essa construção assemelha-se apenas parcialmente aos arranjos existentes em estágios anteriores, já que apresenta uma correspondência forma-significado única.

A partir da análise dos dados das distintas sincronias, com base nos contextos sucessivos instaurados por Diewald (2002DIEWALD, G. 2002. A model of relevant types of contexts in grammaticalization. In: WISCHER, I.; DIEWALD, G. (eds.). New reflections on grammaticalization. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins. p. 103-120., 2006______. 2006. Context types in grammaticalization as constructions. Constructions. Special Volume. Disponível em https://journals.linguisticsociety.org/elanguage/constructions/article/download/24/24-82-1-PB.pdf. Acesso em: 10 jul. 2018.
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), chegamos à seguinte distribuição:

Quadro 2
Distribuição de dados por tipo de contexto

Verificamos que, no corpus analisado, o contexto isolado ocorre de forma mais marcante somente em sincronias mais recentes, ou seja, nos séculos XIX e XX, compondo a maior parte dos dados desses séculos. Afinal, no século XIX, dos 20 dados, 15 são de contexto isolado; no século XX, de 20 dados, 18 são isolados. Nos séculos XV, XVI e XVIII, por outro lado, não há ocorrências de contextos isolados; nessas sincronias, os contextos normais são muito mais frequentes.

Com relação à primeira pergunta enunciada neste artigo, concluímos que a verificação empírica corrobora a construcionalização de [à medida que] conect no recorte diacrônico, partindo do contexto normal até o isolado ao longo do tempo. Considerando que a organização gramatical é moldada por meio do uso da língua, entendemos que o surgimento do conector à medida que se deu de maneira gradual ao longo dos séculos.

No que tange à segunda questão de pesquisa, confirmamos que à medida que passou por chunking. Isso pôde ser verificado empiricamente, já que em contextos normais não se identifica a leitura dessa expressão linguística como unidade mais complexa, o que só ocorre em contextos isolados. Com isso, assumimos que a sequência à medida que passa a ser lida como unidade complexa em razão da frequência com que esses elementos aparecem próximos, o que reforça a tese de que sequências linguísticas repetidamente associadas são embaladas juntas em termos cognitivos, passando, assim, a integrar um todo e não mais partes decomponíveis.

A relação entre composicionalidade e o processamento do chunking é inversamente proporcional, uma vez que quanto mais evidente é a leitura complexa, menor é a transparência de forma e significado. Nesse sentido, os elementos têm sua composicionalidade reduzida à proporção que se desenvolve a mudança linguística em contextos críticos e, principalmente, em contextos isolados.

Considerações Finais

Na introdução deste artigo, apresentamos as seguintes questões de pesquisa: (a) o processo de construcionalização de [à medida que] conect ocorre diacronicamente, de modo que a convencionalização dessa construção somente se efetiva em sincronias mais recentes? (b) a construção [a medida que] passou pelo processo de chunking ao longo do tempo até chegar à função de conector de proporcionalidade?

Verificamos que, a partir da análise dos dados, podemos confirmar que a resposta para ambas as questões é afirmativa. Como vimos, foram identificados contextos isolados (via chunking) somente nos séculos XIX e XX, ao passo que, nos séculos XV, XVI e XVII, os contextos normais são mais frequentes.

Nesse sentido, como pontuam Diewald e Smirnova (2012______; SMIRNOVA, E. 2012. Paradigmatic integration: the fourth stage in an expanded grammaticalization scenario. In: KRISTIN, D.; BREBAN, T.; BREMS, L.; MORTELMANS, T. (eds.). Grammaticalization and Language Change. New reflections, Amsterdam: Benjamins. p. 111-133. ), uma função gramatical recém-desenvolvida não surge de forma homogênea em todos os usos linguísticos; ao contrário, é delimitada em sua origem, relacionando-se a contextos linguísticos específicos ou a construções específicas. Com relação a [a medida que], o processo de mudança ocorreu do contexto normal ao contexto isolado, de modo gradual, ao longo dos séculos verificados. Assim, os estágios descrevem o surgimento de uma nova forma (uso conector) com um novo significado (expressão da proporcionalidade), no uso isolado. Em outras palavras, confirmamos que a construcionalização de [à medida que] conect ocorre no contexto isolado, de forma mais recente no português.

Em uma postura holística de investigação, reiteramos que a análise dos contextos é essencial na verificação da trajetória dos elementos linguísticos em língua portuguesa. Assim como ocorreu com a análise de [à medida que] conect , também devemos ressaltar que essa base teórico-metodológica pode ser muito útil ao estudo da gênese de outros conectores em nossa língua.

Antes de encerrarmos este artigo, é importante ressaltar que esta é uma primeira contribuição voltada para esse objeto de estudo à luz da construcionalização e dos contextos de Diewald (2002DIEWALD, G. 2002. A model of relevant types of contexts in grammaticalization. In: WISCHER, I.; DIEWALD, G. (eds.). New reflections on grammaticalization. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins. p. 103-120., 2006______. 2006. Context types in grammaticalization as constructions. Constructions. Special Volume. Disponível em https://journals.linguisticsociety.org/elanguage/constructions/article/download/24/24-82-1-PB.pdf. Acesso em: 10 jul. 2018.
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). Logo, há necessidade de elaborarmos análises mais aprofundadas, que se proponham a examinar o processo de mudança do conector à medida que, inclusive, incorporando o estágio de (re)integração paradigmática de Diewald e Smirnova (2012______; SMIRNOVA, E. 2012. Paradigmatic integration: the fourth stage in an expanded grammaticalization scenario. In: KRISTIN, D.; BREBAN, T.; BREMS, L.; MORTELMANS, T. (eds.). Grammaticalization and Language Change. New reflections, Amsterdam: Benjamins. p. 111-133. ), o que será acompanhado também de uma análise mais detida dos dados.

Referências

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  • 3
    . Ao longo deste trabalho, registramos qualquer ocorrência de à medida que, com suas diferentes grafias e sentidos, da seguinte forma: [a medida que]. Por convenção, essa será a maneira mais geral como vamos nos referir a essa expressão linguística. Por outro lado, quando fizermos referência ao uso construcionalizado de à medida que como conector proporcional, nós o grafaremos da seguinte forma: [à medida que]conect.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2019
  • Aceito
    03 Ago 2020
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