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O (in)esperado na descrição e compreensão da complexidade sociolinguística de práticas translíngues de alunos surdos

The (un)expected in describing and understanding sociolinguistic complexity in translingual practices of deaf students

RESUMO

Este artigo apresenta uma análise translíngue e multimodal de uma interação entre alunas surdas participantes de um curso de português para refletir sobre o uso não esperado de recursos no evento em questão. Para isso, recorreu-se a um conjunto de registros etnográficos para descrever e analisar a interação em função dos diferentes materiais contextuais e centros de normatividade orientando as ações dos envolvidos. O evento analisado revelou um conflito de escalas em que a complexidade e a imprevisibilidade do funcionamento linguístico relacionaram-se ao aspecto diverso da língua(gem) que é mobilizada e, ao mesmo tempo, ao campo das ideologias de linguagem. Desse modo, o (in)esperado, ao ser explicado, evidenciou-se como uma importante peça a compor a descrição e construção de entendimentos mais abrangentes sobre as formas de funcionamento da língua(gem) em sala de aula com surdos, com implicações para a pesquisa da educação de surdos afiliada ao campo aplicado de estudos da linguagem e para a formação de professores.

Palavras-chave:
translinguagem; multimodalidade; complexidade sociolinguística; ideologias linguísticas; surdez.

ABSTRACT

This article presents a translingual and multimodal analysis of an interaction between deaf students attending a Portuguese course in order to reflect about the unexpected use of resources in the event in question. For this purpose, a set of ethnographic recordings was used to describe and analyze the interaction event in relation to the different contextual materials and normativity centers orienting the participants’ actions. The analyzed event revealed different scales in conflict in which the complexity and unpredictability of linguistic functioning referred to the multi-layered aspects of the language that were mobilized and, at the same time, to the field of language ideologies. Thus, the (un)expected, when explained, proved to be a crucial key to describing and constructing a more comprehensive understanding of how language works in the classroom with deaf students, with implications for research on deaf education affiliated to the applied field of language studies and for teacher training.

Keywords:
translanguaging; multimodality; sociolinguistic complexity; language ideologies; deafness.

1. Introdução

Neste artigo, analiso uma situação de interação entre quatro jovens alunas surdas sinalizadoras2 2 Sinalizador/a é um termo utilizado para fazer referência aos falantes de línguas de sinais. realizando uma atividade de gravação de vídeo-convite em Libras, em um curso de português para surdos. Essa interação colocou-se como uma questão, porque, enquanto planejavam o vídeo-convite destinado a um youtuber surdo, elas tomaram a iniciativa3 3 As alunas não tinham sido diretamente instruídas a fazê-lo pela equipe (docentes e monitores) que atuava naquela aula, uma vez que a atividade não tinha sido previamente planejada e atendia a uma demanda momentânea surgida por parte dos alunos. de escrever em português. Essa ação ressoou nos outros dois grupos de alunos surdos que realizavam a mesma atividade e passaram a planejar tomando notas escritas, fazendo com que a professora ouvinte questionasse o que para ela figurou-se como inesperado: “Se a Libras é a língua deles, por que eles vão fazer em português?”.

As reflexões construídas neste artigo assumem como premissa: a) que os contextos de comunicação entre surdos, sociolinguisticamente complexos (Cavalcanti, 1999Cavalcanti, M.C. (1999). Estudos sobre educação bilíngue e escolarização em contextos de minorias linguísticas no Brasil. DELTA, 15(spe), 385-417. https://doi.org/10.1590/S0102-44501999000300015.
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, p. 388), são translíngues e multimodais, nos quais, com frequência, empregam-se múltiplas combinações de recursos linguísticos e semióticos (Nogueira 2015Nogueira, A.S. (2015). “O surdo não ouve, mas tem olho vivo.” - A leitura de imagens por alunos surdos em tempos de práticas multimodais. [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas. https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2015.957926.
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, 2018, 2020); b) no entanto, o que se naturaliza de e em tais contextos, muitas vezes, são “negações e apagamentos da diversidade e da diferença”, como Cavalcanti (1999Cavalcanti, M.C. (1999). Estudos sobre educação bilíngue e escolarização em contextos de minorias linguísticas no Brasil. DELTA, 15(spe), 385-417. https://doi.org/10.1590/S0102-44501999000300015.
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, p. 407) já tensionava. Por apresentar as comunidades de surdos como cenários complexos em termos socio-histórico e linguístico, o artigo de Cavalcanti (1999Cavalcanti, M.C. (1999). Estudos sobre educação bilíngue e escolarização em contextos de minorias linguísticas no Brasil. DELTA, 15(spe), 385-417. https://doi.org/10.1590/S0102-44501999000300015.
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) foi inovador. Essa contribuição, na mesma linha de suas publicações subsequentes (Cavalcanti, 2004Cavalcanti, M.C. (2004). Applied Linguistics: Brazilian perspectives. AILA Review, 17(1), 23-30. https://doi.org/10.1075/aila.17.05cav.
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, 2011Cavalcanti, M.C. (2011). Multilinguismo, transculturalismo e o (re)conhecimento de contextos minoritários, minoritarizados e invisibilizados. In M.C. Magalhães, & S.S. Fidalgo (Eds.), Questões de método e de linguagem na formação docente (pp. 171-185). Mercado de Letras. , 2013Cavalcanti, M.C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L.P. Moita Lopes (Ed.), Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani (pp. 211- 226). Parábola. , para citar algumas), foi fundamental para a pesquisa da educação de surdos afiliada ao campo aplicado de estudos da linguagem e inspira4 4 Além da inspiração como ponto de partida, neste artigo tenho em vista prestar minha homenagem à professora e pesquisadora Marilda Cavalcanti. Com orientações de diversas pesquisas que focalizaram a surdez - vinculadas ao programa de pós-graduação com área de concentração específica para a investigação em contextos bi/multilíngues (PPGLA/IEL) -, Marilda Cavalcanti contribuiu para a compreensão de diferentes questões relacionadas à educação de surdos, fazendo avançar a construção de entendimentos sobre esse cenário sociolinguisticamente complexo. Para citar exemplos: a pesquisa de Silva (2005) sobre a produção das identidades e representações sobre o surdo e a surdez em espaços de escolarização regular; o estudo das representações sobre o português e a língua de sinais por surdos adultos e professores participantes de um curso de educação de jovens adultos (EJA), na investigação de Favorito (2006); o estudo de Félix (2008) sobre a interação social entre alunos surdos e ouvintes em uma escola inclusiva; o trabalho de Pereira (2008) sobre a relação entre educador surdo, educador ouvinte e aluno surdo em contexto de apoio pedagógico; as pesquisas de Nogueira (2010) sobre o letramento de surdos e as representações de crianças surdas, seus professores e familiares sobre a leitura a escrita e de Nogueira (2015) sobre a visualidade de jovens surdos atuante em seus processos comunicativos e de letramento. Essas pesquisas também resultaram na produção de artigos e capítulos de livro em coautoria com orientandos/as e ex-orientando/as. a autora deste artigo em sua trajetória de pesquisa até os dias de hoje.

Nesse sentido, minha intenção é refletir sobre o que acontece quando é focalizado um evento sociolinguístico em sala de aula com surdos em que diferentes recursos linguísticos e semióticos são empregados para a produção de significados, mas nem todos os recursos são esperados pelos envolvidos na situação (no evento em questão, sobretudo o português escrito). O argumento é que o (in)esperado precisa ser explicado, pois revela-se como uma importante peça a compor a descrição e construção de entendimentos mais abrangentes sobre as formas reais de funcionamento da língua(gem) e da complexidade sociolinguística em sala de ensino de língua para alunos surdos, isto é, da diversidade no cenário analisado.

A partir de uma análise orientada por uma perspectiva de língua(gem) translíngue e multimodal (Safar, 2019Safar, J. (2019). Translanguaging in Yucatec Maya signing communities. Applied Linguistics Review, 10(1), 31-53. https://doi.org/10.1515/applirev-2017-0082.
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; Canagarajah, 2018Canagarajah, S. (2018). Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, 39(1), 31-54. https://doi.org/10.1093/applin/amx041.
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; Perniss, 2018Perniss, P. (2018). Why we should study multimodal language. Frontiers in Psychology, 9(1109), 1-5. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.01109.
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; Blackledge & Creese, 2017Blackledge, A., & Creese, A. (2017). Translanguaging and the body. International Journal of multilingualism, 14(3), 250-268. https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1315809.
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; Kusters et al., 2017Kusters, A., Spotti, M., Swanwick, R., & Tapio, E. (2017). Beyond languages, beyond modalities: transforming the study of semiotic repertoires. International Journal of multilingualism, 14(3), p.219-232. https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1321651.
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) e por uma sociolinguística corporificada (Bucholtz & Hall, 2016Bucholtz, M., & Hall, K. (2016). Embodied sociolinguistics. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 173-198). Cambridge University Press.), aciono as noções de complexidade e imprevisibilidade da Sociolinguística da Complexidade, apresentadas por Blommaert (2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. ), para desvelar o (in)esperado como a sincronização de diferentes materiais contextuais e centros de normatividade orientando as ações dos envolvidos (alunas e alunos surdos e professora ouvinte) no evento analisado. Visualizo as implicações disso relacionadas aos modos como os objetos em estudo (interações entre recursos, textos, indivíduos) são sociolinguisticamente descritos/compreendidos, o que engloba o arsenal teórico-metodológico-analítico necessário para isso. Ao mesmo tempo, vislumbro implicações relacionadas a como o que se descreve/analisa pode se voltar à prática5 5 Afiliada a uma tradição de Linguística Aplicada, conforme Cavalcanti (1999, p. 386), de voltar-se para a prática. , por exemplo, na formação de professores para o ensino de língua(gem) para surdos.

O artigo encontra-se organizado em mais três partes. Na seção 2, apresento pontos teóricos que fundamentam a reflexão e são relevantes para a análise do evento de interação, apresentada em mais detalhes na seção 3 do artigo, seguida dos apontamentos finais.

2. Aspectos teóricos de interesse para a reflexão

Cenários de educação bilíngue, como é o caso do curso de português para surdos em que ocorreu a situação de interação analisada neste artigo, são repletos de eventos comunicativos de configurações variadas. Uma perspectiva translíngue para entender a língua(gem) em funcionamento nesses eventos vem se configurando como uma possibilidade para que repertórios comunicativos reais dos alunos sejam focalizados em lugar de expectativas e determinações prévias das línguas utilizadas na interação em sala de aula (Canagarajah, 2012Canagarajah, S..(2012). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge. , 2018; Creese & Blackledge, 2010Creese, A., & Blackledge, A. (2010). Translanguaging in the bilingual classroom: a pedagogy for learning and teaching? The Modern Language Journal, 94(1), 103-115. https://doi.org/10.1111/j.1540-4781.2009.00986.x.
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).

A translinguagem é um conceito teórico que emergiu de uma crítica à concepções de linguagem em que as línguas são vistas como entidades autônomas e delimitadas. Nessa esteira, o conceito permitiu mudar o foco analítico do “uso da língua” para os “processos ou práticas de linguagem” (Bonnin & Unamuno, 2021Bonnin, J.E., & Unamuno, V. (2021). Debating translanguaging. A contribution from the perspective of minority language speakers. Language, Culture and Society, 3(2), 231-254. https://doi.org/10.1075/lcs.20016.bon.
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, p. 232), de modo a matizar a compreensão da língua(gem) em funcionamento nas práticas analisadas. Assim, quando o bi/multilinguismo é abordado a partir de uma lente translíngue, o foco é voltado para as práticas de língua(gem) daqueles que se engajam em práticas discursivas bi/multilíngues (Creese & Blackledge, 2010Creese, A., & Blackledge, A. (2010). Translanguaging in the bilingual classroom: a pedagogy for learning and teaching? The Modern Language Journal, 94(1), 103-115. https://doi.org/10.1111/j.1540-4781.2009.00986.x.
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; García & Lin, 2017García, O., & Lin, A.M.Y. (2017) Translanguaging in bilingual education. In O. García, A.M.Y. Lin, & S. May (Eds.), Bilingual and Multilingual Education (pp. 1-20). Springer. ). Isto é, não apenas recursos linguísticos, mas uma ampla gama de recursos semióticos que compõem os repertórios comunicativos são focalizados (Canagarajah, 2012Canagarajah, S..(2012). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge. ), de modo a também englobar uma dimensão espacial (Canagarajah, 2018Canagarajah, S. (2018). Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, 39(1), 31-54. https://doi.org/10.1093/applin/amx041.
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) e corporificada da língua(gem) e dos corpos que translinguam (Blackledge & Creese, 2017Blackledge, A., & Creese, A. (2017). Translanguaging and the body. International Journal of multilingualism, 14(3), 250-268. https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1315809.
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).

Ao me ancorar em uma perspectiva translíngue para analisar o evento de interação em foco, no entanto, não deixo de atentar-me para duas importantes questões. A primeira delas é que a translinguagem também tem sido promovida, nas duas últimas décadas, como uma abordagem pedagógica para contextos bi/multilíngues sem que haja consenso em relação aos benefícios dessa pedagogia para diferentes contextos de minorias (Bonnin & Unamuno, 2021Bonnin, J.E., & Unamuno, V. (2021). Debating translanguaging. A contribution from the perspective of minority language speakers. Language, Culture and Society, 3(2), 231-254. https://doi.org/10.1075/lcs.20016.bon.
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; Charalambous et al., 2020Charalambous, C., Charalambous, P., Zembylas, M., & Theodorou, E. (2020). Translanguaging, (In)Security and Social Justice Education. In J. Panagiotopoulou, L. Rosen, & J. Strzykala (Eds.), Inclusion, Education and Translanguaging (pp. 105-126). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-658-28128-1_7.
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). Cabe esclarecer, nesse sentido, que assunção da perspectiva translíngue neste trabalho se refere exclusivamente ao âmbito descritivo das práticas de linguagem focalizadas e não prescritivo de uma pedagogia para o ensino de surdos (De Meulder et al., 2019De Meulder, M., Kusters, A., Moriarty, E., & Murray, J. J. (2019). Describe, don’t prescribe. The practice and politics of translanguaging in the context of deaf signers. Journal of Multilingual and Multicultural Development, 40(10), 892-906. https://doi.org/10.1080/01434632.2019.1592181.
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).

Como em suas interações os indivíduos bi/multilíngues lançam mão de uma gama ampla de recursos convenientes para os diferentes propósitos comunicativos (Canagarajah, 2018Canagarajah, S. (2018). Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, 39(1), 31-54. https://doi.org/10.1093/applin/amx041.
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), olhar a língua(gem) de alunos bi/multilíngues por uma lente translíngue tem possibilitado compreender que, na interação em sala de aula, a separação completa das línguas envolvidas é imaginada e pouco produtiva. Do alinhamento com uma perspectiva multimodal (Perniss, 2018Perniss, P. (2018). Why we should study multimodal language. Frontiers in Psychology, 9(1109), 1-5. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.01109.
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; Kusters et al., 2017Kusters, A., Spotti, M., Swanwick, R., & Tapio, E. (2017). Beyond languages, beyond modalities: transforming the study of semiotic repertoires. International Journal of multilingualism, 14(3), p.219-232. https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1321651.
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) e corporificada da língua(gem) (Bucholtz & Hall, 2016Bucholtz, M., & Hall, K. (2016). Embodied sociolinguistics. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 173-198). Cambridge University Press.), acrescento o fato de que, quando os alunos interagem, seja com o/a professor/a ou com seus/suas colegas, não o fazem lançando mão apenas de estruturas linguísticas para produzir significados, mas fazem, ao mesmo tempo, coisas com seus corpos, seus olhos, suas expressões faciais, entonação, gestos e objetos do ambiente (Blommaert, 2020Blommaert, J. (2020b, November 10). Jan Blommaert on repertoire: A brief explanation of the sociolinguistic notion of repertoire, and of how we can make it more precise and useful in analysis [Video]. https://www.youtube.com/watch?v=IGtmyEu5YO0.
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b). As informações expressas por meio da interação de diferentes modalidades (verbal, gestual, visual, sonora, etc) funcionam como pistas multimodais e indexicais (Perniss, 2018Perniss, P. (2018). Why we should study multimodal language. Frontiers in Psychology, 9(1109), 1-5. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.01109.
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) para a compreensão dos significados que os alunos intencionam produzir na situação de interação.

Analisado pelo enfoque anterior, um evento de interação em sala de aula já imprime um alto grau de enredamento. No entanto, como afirmei previamente, esses eventos não se constituem apenas dos recursos que neles são empregados, pois englobam diferentes crenças e materiais contextuais orientando as ações dos envolvidos. Eventos de interação translíngues em contextos de minorias são acompanhados de uma densa teia de relações de poder e estigmatização novas e antigas, dos contextos histórico e contemporâneo que condicionam escolhas linguísticas e semióticas (De Meulder et al., 2019De Meulder, M., Kusters, A., Moriarty, E., & Murray, J. J. (2019). Describe, don’t prescribe. The practice and politics of translanguaging in the context of deaf signers. Journal of Multilingual and Multicultural Development, 40(10), 892-906. https://doi.org/10.1080/01434632.2019.1592181.
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, p. 12).

Assim, a segunda importante questão se refere à própria definição do conceito de translinguagem. Por se tratar de um conhecimento que vem sendo construído pela análise de dados de linguagem situados e que refletem as especificidades das realidades estudadas (Hawkins & Mori, 2018Hawkins, M.R., & Mori, J. (2018). Considering ‘trans-’ perspectives in language theories and practices. Applied Linguistics, 39(1), 1-8. https://doi.org/10.1093/applin/amx056.
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), há que se considerar as diferenças no modo como autores e pesquisadores têm definido a translinguagem (e a têm promovido, ou não, como uma pedagogia). A partir dos registros que são analisados neste artigo, reconheço que há na translinguagem, para além de seu potencial espacial, corporificado e produtivo, uma dimensão ideológica (Blackledge & Creese, 2017Blackledge, A., & Creese, A. (2017). Translanguaging and the body. International Journal of multilingualism, 14(3), 250-268. https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1315809.
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), de tal modo que o potencial emancipatório de tomar conhecimento dos eventos de interação translíngues vem necessariamente acompanhado do reconhecimento de seu atravessamento pelas ideologias linguísticas.

Por ideologias linguísticas compreendo, conforme Silverstein (1979Silverstein, M. (1979). Language structure and linguistic ideology. In P.R. Clyne, W.F. Hanks, & C.L. Hofbauer (Eds.), The elements: a parasession on linguistic units and levels (pp. 193-247). Chicago Linguistic Society., p. 193), “quaisquer conjuntos de crenças sobre a linguagem articuladas pelos usuários como racionalização ou justificação de estrutura e uso linguístico percebidos”. São crenças e atitudes em relação à e/ou mesmo práticas de língua(gem) que podem atuar como forças propiciadoras ou restritivas de certas práticas comunicativas que poderão ou não ser realizadas em determinados espaços (Blackledge & Creese, 2017Blackledge, A., & Creese, A. (2017). Translanguaging and the body. International Journal of multilingualism, 14(3), 250-268. https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1315809.
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, p. 254).

Desse modo, afiliada à Sociolinguística da Complexidade, concordo com Blommaert (2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. , p. 242) que, para fazer justiça à complexidade dos fenômenos sociolinguísticos e entender o que os participantes realmente fazem em termos de produção de significados quando em interação, é igualmente necessário identificar os diferentes tipos de materiais contextuais que podem estar enquadrando suas ações. Há que se considerar que eventos sociolinguísticos de interação são transcontextualmente regidos por camadas de contextos relevantes (Blommaert, 2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. , p. 254). Trata-se de condições contextuais criadas anteriormente ou com potencial de moldar condições posteriores e que podem, por isso, estar invisíveis na interação em si, mas se fazerem presentes em “premissas, categorias de identidade, templates de ação ou enquadramentos de leitura e compreensão, apontando para participantes presentes ou ausentes” (Blommaert 2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. , p. 254).

Nessa perspectiva, a título de exemplo, uma determinada situação de ensino-aprendizagem em sala de aula, tal qual uma reunião médica exemplificada em Blommaert (2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. ), não é compreendida como uma atividade única e em desenvolvimento sequencial, mas sim como um aglomerado de “atividades interligadas que podem estar orientadas para o aqui-e-agora, apontar para diferentes participantes (ausentes ou presentes) ou antecipar etapas subsequentes” (Blommaert, 2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. , p. 254). Assim como uma única reunião médica carrega em si diferentes materiais contextuais, tais como discussões de caso previamente realizadas pela equipe médica, relatórios, publicações da área, arquivos de casos ou mesmo encontros posteriores com outros pacientes; numa situação de ensino-aprendizagem em sala de aula, as discussões prévias entre docente e a orientação pedagógica, os relatórios de desempenho da escola, as últimas publicações sobre ensino, os arquivos e relatórios individuais dos alunos, as crenças e experiências prévias do/da professor/a com sua disciplina, assim como aulas e conteúdos subsequentes “desempenham um papel na situação em si singularmente situada (micro), que adquire assim uma dimensão sistêmica (macro)” (Blommaert, 2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. , p. 254).

Eventos sociolinguísticos, de acordo com Blommaert (2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. ), também são multiescalares. Blommaert (2010Blommaert, J. (2010). The Sociolinguistics of Globalization. Cambridge University Press., p. 152) explica que escala é uma metáfora que descreve os movimentos de pessoas e textos que acontecem em espaços repletos de códigos, normas e expectativas. Para o autor, eventos sociolinguísticos se desenvolvem em um contínuo de escalas em camadas. Nesse sentido, funcionam como sistemas de sistemas complexos, fragmentados e dinâmicos, não apenas porque podem apresentar diferentes níveis escalares entre os quais indivíduos, textos e recursos se movem, mas também porque caracterizam-se por carregar o potencial de mudança. Alguns níveis operam como locais de normatividade, de modo que o caráter policêntrico de um evento também se manifesta quando as normas em funcionamento em um nível podem não ser as mesmas operando em outro. Voltando ao exemplo da situação em sala de aula, a policentricidade de um determinado evento de ensino-aprendizagem estaria no fato de esse se constituir não apenas de um contexto - o evento de ensino-aprendizagem em si -, mas de vários materiais contextuais e escalas relacionados, mesmo que muito diferentes entre si.

Dessa simultaneidade estratificada (Blommaert 2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. , p. 251) advém, portanto, o imprevisível. Ou seja, das diferentes historicidades e velocidades de mudança que podem ser juntadas, contornadas e/ou estar em colapso em momentos sincrônicos de ocorrência, o (in)esperado faz-se presente, com probabilidade de conflito entre tendências à uniformidade e tendências em direção à heterogeneidade (Blommaert, 2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. , p. 251). Por isso, para Blommaert (2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. ), numa interação, ainda que consideremos determinadas regras e normas sendo reiteradas, sua existência não é senão uma expectativa (de linguagem) ideologicamente entranhada; e um pequeno desvio da regra, isto é, o emprego do inesperado, pode tornar-se uma instância (ao menos potencial) de mudança a ser considerada. Olhar para a interação entre as diferentes escalas é essencial para entender eventos sociolinguísticos. Descrever e analisar a complexidade e o imprevisível da/na língua(gem) significa explicar as formas reais - diversas, instáveis, afetadas pela história e agência humana - de funcionamento da língua(gem), isto é, significa aceitar a diversidade como sendo o (in)esperado e a mudança (Blommaert, 2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. , p. 256).

3. Encontrando respostas para a (im)previsibilidade

A partir do anteriormente exposto, para explicar o (in)esperado no evento em foco no artigo, somente uma análise da (língua)gem intimamente interligada com seu ambiente social real poderia ser capaz de capturar as áreas cinzentas de dinâmicas sociolinguísticas complexas (Blommaert, 2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. ; Blommaert & Rampton 2011Blommaert, J., & Ramptom, B. (2011). Language and superdiversity. Diversities, 13(2), 1-21. https://newdiversities.mmg.mpg.de/?page_id=2056.
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; Safar, 2019Safar, J. (2019). Translanguaging in Yucatec Maya signing communities. Applied Linguistics Review, 10(1), 31-53. https://doi.org/10.1515/applirev-2017-0082.
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). Neste caso, a ação de escrever em português para produzir um vídeo em língua de sinais que intrigou a professora. Essa professora é ouvinte, leciona suas aulas em Libras e se alinha com a demanda política da comunidade surda pelo reconhecimento e autonomia da Libras como língua.

Assim, para refletir sobre o que aconteceu quando, no evento de interação, diferentes recursos foram empregados, mas nem todos eram esperados pelos envolvidos na situação, de um conjunto maior de registros produzidos a partir de instrumentos etnográficos6 6 A pesquisa de cunho etnográfico da qual foram retirados os registros trazidos no artigo refere-se ao Projeto FAPESP 17/20256-0. Informações disponíveis em: https://bv.fapesp.br/pt/auxilios/98966/repertorios-semioticos-e-educacao-de-surdos-multilinguismo-e-multimodalidade-no-contexto-de-linguas-/ Projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o número CAAE: 73275317.0.0000.5404. , são analisados e apresentados: um recorte da filmagem da aula em que as quatro alunas surdas produzem o vídeo-convite, nota/entrada em diário de campo com registro da fala da professora ouvinte (também recuperada por meio de transcrição da aula videogravada), entrada em diário de campo referente ao encontro que precede a produção do vídeo-convite (ocasião em que os alunos surdos assistem à palestra de uma professora surda) e registro fotográfico do caderno escrito.

O procedimento metodológico de transcrição translíngue e multimodal do recorte de filmagem da aula, adaptado de Baldry e Thibault (2006Baldry, A., & Thibault, P. J. (2006). Multimodal transcription and text analysis. Equinox Publishing.) e Nogueira (2015Nogueira, A.S. (2015). “O surdo não ouve, mas tem olho vivo.” - A leitura de imagens por alunos surdos em tempos de práticas multimodais. [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas. https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2015.957926.
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), foi realizado com auxílio do software de anotação linguística ELAN versão 5.7-FX. Nesse processo, diferentes trilhas de anotação foram criadas para transcrever o uso dos recursos linguísticos e semióticos pelas alunas surdas no processo de gravação do vídeo-convite (as convenções de transcrição adotadas encontram-se no anexo Anexo Quadro 3 Convenções de transcrição Símbolos Especificações PALAVRA Fala em libras (sinais) P-A-L-A-V-R-A Fala em libras (soletração manual) palavra Fala e/ou movimento de boca em português (oral) p-a-l-a-v-r-a Fala e/ou movimento de boca em português pausado (acompanhando soletração manual) palavra Tradução de enunciados para o português escrito (( )) Comentários do transcritor (movimento, ênfase, repetição) ( ) Ação cinestésica em sequência (Baldry & Thibault, 2006) [ ] Ação cinestésica simultânea (Baldry & Thibault, 2006) Fonte: informações organizadas pela autora. do artigo). Mas, somente com a análise conjunta da transcrição e dos outros registros etnográficos (como sugerido por Blommaert, 2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. ) revelaram-se três aspectos que compreendo como relacionados ao que foi lido como (in)esperado no evento e que figuram a complexidade sociolinguística na situação de interação analisada:

i. uma mistura complexa de recursos linguísticos, semióticos, gêneros e registros marcando a natureza heterogênea da atividade de produção do convite em vídeo e das línguas(gens) empregadas, sendo os recursos da escrita em português apropriados produtivamente pelas alunas surdas;

ii. diferentes materiais contextuais influenciando as ações das alunas; em específico, identifico a palestra da professora surda e o próprio vídeo do youtuber surdo, destinatário do vídeo-convite, funcionando como enquadramentos para as ações de escrever em português e combinar diferentes língua(gens) e gêneros na produção do vídeo-convite;

iii. ao mesmo tempo, o caráter policêntrico do evento também manifestado na fala da professora ouvinte que, ao acionar outros níveis contextuais, materializa na interação em sala de aula a defesa política da autonomia da língua de sinais e ecoa ideologia de língua(gem) monolíngue que se articula fortemente a um senso de homogeneidade.

A Figura 1 a seguir é uma tentativa de demonstrar visualmente os aspectos anteriormente listados, em que se revela o caráter transcontextual e multiescalar (Blommaert, 2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. , p. 251-253) do evento em foco, no qual diferentes camadas de contextos de relevância e historicidades são acionadas. O uso do (in) no termo (in)esperado marca a sincronização dessas várias escalas, de modo que, a depender da escala que está sendo mobilizada, aquilo que pode ser considerado inesperado para um, pode ser o esperado para outro7 7 Em alusão à Charalambous et al. (2020, p. 108). . Trata-se de uma simultaneidade estratificada (Blommaert, 2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. , p. 251) que torna visível que a complexidade do evento analisado se relaciona ao aspecto diverso da língua(gem) e, ao mesmo tempo, ao campo das ideologias de língua(gem).

Figura 1
Transcontextualidade e multiescalaridade no evento de produção do vídeo-convite

Nas subseções seguintes (3.1, 3.2 e 3.3), descrevo em pormenores esses aspectos trazendo em mais detalhes os elementos que permitiram a construção de tais entendimentos.

3.1. O que e como as alunas fazem: língua(gens) e gêneros numa apropriação 8 8 O destaque na palavra apropriação se faz em referência ao termo utilizado pela professora surda a ser apresentado na subseção 3.2. A apropriação que as alunas fazem é entendida como [prática translíngue] criativa, com base em Blackledge e Creese (2017). criativa de recursos em português

Para produzir o vídeo-convite a ser destinado ao youtuber e arte educador surdo, Leonardo Castilho, as quatro alunas surdas organizaram-se discutindo em língua de sinais e escrevendo em um caderno. No momento da gravação do vídeo, duas participantes (identificadas como P1 e P2) foram filmadas e as outras duas (identificadas como P3 e P4), junto do caderno escrito, atuaram como equipe de apoio (ver Figura 2). Assim, de uma forma translíngue e multimodal, as alunas se expressaram empregando uma gama ampla de recursos linguísticos e semióticos em diferentes modalidades em um trabalho semiótico criativo e transformativo (Blackledge & Creese, 2017Blackledge, A., & Creese, A. (2017). Translanguaging and the body. International Journal of multilingualism, 14(3), 250-268. https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1315809.
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): sinais da Libras, movimentos de boca que se assemelham a partes de palavras ou palavras inteiras do português (acompanhados ou não de som quase inaudível), gestos (como movimentos de cabeça, posicionamento de corpo e das mãos, alguns com ênfase ou repetição do movimento), apontamentos, direcionamento do olhar e escrita em português para comunicar e produzir os significados desejados. Essa combinação de recursos permitiu que: a) as possibilidades do corpo sinalizante fossem gestualmente ampliadas pela tecnologia de vídeo (Bucholtz & Hall, 2016Bucholtz, M., & Hall, K. (2016). Embodied sociolinguistics. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 173-198). Cambridge University Press.; Keating, 2005Keating, E. (2005). Homo prostheticus: problematizing the notions of activity and computer-mediated interaction. Discourse Studies, 7(4-5), 527-545. https://doi.org/10.1177%2F1461445605054405.
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) e b) roteirizadas pelo material escrito, numa costura de língua(gens) e gêneros na produção do convite em vídeo.

Figura 2
Início do vídeo-convite com alunas P1 e P2 se apresentando

Logo no início do vídeo, as duas remetentes, P1 e P2, se apresentam dizendo seus nomes por meio da soletração manual e os seus sinais pessoais, como é comum às pessoas que sinalizam9 9 Além da apresentação pessoal, a contextualização se dá a partir da estrutura pergunta-resposta, um formato bastante comum aos vídeos em língua de sinais. A tradução do que P2 diz é: “Sobre o que se trata ((esse vídeo))? Um convite ao Léo Castilho.” e aos vídeos em língua de sinais. Com gestualidade e movimentos de corpo e olho, vão estabelecendo os turnos e passagens de turno, ao mesmo tempo em que guiam o olhar do interlocutor-destinatário para qual deve ser o foco de atenção em cada momento do vídeo. Por exemplo (Figura 2-A), enquanto P1 se apresenta, olhando diretamente para a câmera10 10 Direcionamento do olhar para a câmera - estabelecimento de relação pessoal, de demanda, quando o participante olha diretamente para o interlocutor. , sorrindo e sinalizando, P2 olha para P1, inclina levemente seu corpo em direção a ela e balança levemente a cabeça de maneira afirmativa.

Ao passar o turno para que P2 também se apresente, P1 lança mão de um gesto que confere fluidez ao vídeo como um “efeito de transição”. Ela estende as duas palmas das mãos para cima e gira o corpo, direcionando-as para P2 (Figura 2-B). Enquanto olha sua colega se apresentar, ela sorri, também balança afirmativamente sua cabeça e mantém suas mãos entrelaçadas à frente do corpo (Figura 2-C), remetendo à posição de repouso (gesto para indicar pausa momentânea da sinalização). Com sua corporalidade e gestualidade, P1 reafirma quem deve receber atenção visual no momento.

Essa forma típica de compor um início de vídeo em língua de sinais foi combinada com a declaração do convite roteirizada pela escrita, conforme pode ser observado na fotografia do caderno das alunas (Figura 3) e na transcrição do trecho (Quadro 1) a seguir. Ao se apropriarem criativamente da escrita em português, as alunas P1, P2, P3 e P4 agiram em sequência e simultaneamente, combinaram recursos que julgaram necessários à produção de significados desejados, enquanto orquestraram os objetos do ambiente, como o foco da câmera e o caderno com o conteúdo escrito.

Figura 3
Fotografia do caderno escrito pelas alunas surdas

Quadro 1
Transcrição translíngue e multimodal de trecho do vídeo-convite

Na interpretação conjunta da transcrição do Quadro 1 e do texto da Figura 3, vê-se que o material escrito foi aproveitado com destreza pelas alunas. Em um primeiro movimento, compreendo que a língua de sinais, utilizada pelas alunas durante o planejamento do vídeo, estruturou a escrita do texto do convite. Isso porque, os recursos na modalidade escrita do português serviram para as alunas como um sistema de notação do que iam sinalizando enquanto interagiam para organizar o material. Trata-se, portanto, de uma prática translíngue criativa e transformativa (Blackledge & Creese, 2017Blackledge, A., & Creese, A. (2017). Translanguaging and the body. International Journal of multilingualism, 14(3), 250-268. https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1315809.
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) das alunas surdas, se apropriando da escrita como uma forma de registro e visualização11 11 Semelhante ao que analisam Holmström e Schönström (2018). de uma língua na modalidade de outra.

Ainda sobre o texto escrito, é relevante destacar que, em termos de forma e conteúdo, este texto se aproxima muito do gênero carta-convite. Conforme as três partes identificadas na Figura 3, inicialmente há uma justificativa e menção ao local para o qual o destinatário estava sendo convidado, em seguida a motivação e considerações sobre as atividades a serem desenvolvidas e, por fim, um detalhamento do público interessado (uma estratégia de convencimento também “Aqui temos surdos e surdos oralizado por favor queremos convite você”).

Já num segundo movimento, conforme transcrito no Quadro 1, vejo que o conteúdo escrito se manifestou nos sinais que P3 realizou para que P1 e P2 os reproduzissem enquanto estavam sendo filmadas. Esse é o momento em que P3 e P4 atuam como equipe de apoio e P4, enquanto segura o caderno, se mantém atenta à adequação do que P1 e P2 sinalizam. O português escrito volta a tornar-se visualizável na língua de sinais e, além disso, funciona muito bem como suporte de memória e roteiro no momento da gravação. Enquanto gravavam o convite, a corporalidade e gestualidade das alunas revelavam modos de performar (em língua de sinais) próprios para mídias de vídeo, de modo que os conteúdos sinalizados pudessem ser reconhecidos pelo interlocutor-destinatário como um convite.

Para não incorrer no risco de reduzir a complexidade da intricada relação que as alunas estabelecem entre os recursos mobilizados, enfatizo que não se trata de considerar a interação que promoveram entre língua de sinais e português (no texto escrito) como interlíngua, muito menos de interpretar o momento da gravação como uma prática de verter o conteúdo de uma língua para outra. A interlíngua, na definição de Selinker (1972), se refere a uma realidade comunicativa transitória por se tratar de um sistema alternativo desenvolvido pelo aprendiz em seu processo de aprendizado de segunda língua. Esse sistema não se refere, segundo o autor, nem à primeira língua (que o estudante utilizaria como base para o aprendizado) e nem à segunda língua (que seria o alvo do estudante), revelando-se, assim, o sentido teleológico desse conceito (uma espécie de estágio/passagem de língua, com a segunda língua [padrão] como finalidade última).

Diferentemente, o que a situação analisada revela, é uma dimensão translíngue da língua de sinais (em concordância com Safar, 2019Safar, J. (2019). Translanguaging in Yucatec Maya signing communities. Applied Linguistics Review, 10(1), 31-53. https://doi.org/10.1515/applirev-2017-0082.
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). É a combinação complexa de recursos e gêneros marcando a natureza heterogênea da atividade de produção de um convite em vídeo e das línguas(gens) empregadas. Assim, o que está em questão não é interlíngua12 12 Sobre este respeito, Blommaert e Rampton (2011) alertaram para os necessários cuidados e esclarecimentos sobre a incompatibilidade de termos naturalizados em outras tradições de pesquisa no estudo da complexidade em cenários sociolinguísticos. Interlíngua, nos estudos surdos, é um desses termos. Cavalcanti e Silva (2016) referiram o mesmo sobre o conceito de bilinguismo. , mas sim translinguagem, uma prática de linguagem complexa, situada, constituída pelo emprego de um repertório dinâmico de diferentes recursos - e também multiescalar, como pretendo evidenciar nas seções seguintes.

3.2. Por que fazer em português

Ao tentar compreender a ideia de produção do vídeo-convite da forma como foi realizada, não descarto a possibilidade de que as alunas já tivessem vivenciado situação semelhante, uma vez que esse tipo de estratégia de apoio em equipe é comumente utilizado por intérpretes de Libras-Português. No entanto, para fazer sentido, em específico, do uso do português escrito, chamou a atenção a possibilidade de diferentes materiais contextuais, mesmo que nem todos visíveis no momento da interação, agindo como possíveis enquadramentos para a ação das alunas surdas. Em especial, a palestra de uma professora surda e o próprio vídeo do youtuber surdo, destinatário do vídeo-convite, foram identificados como possíveis enquadres para a ação de usar o português e inspiração para combinar diferentes língua(gens) e gêneros na produção do vídeo-convite. Ações que apontam, portanto, conforme explica Blommaert (2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. ), para a existência de forças/influências de participantes presentes e ausentes quando analisamos eventos de interação.

A recuperação dos registros em diário de campo possibilitaram reestabelecer duas conexões entre a palestra proferida pela professora surda e a produção do vídeo-convite. Convidada para compartilhar suas experiências de vida e de pesquisa como docente em uma Universidade Pública Federal, o trecho de diário de campo (Quadro 2), a seguir, apresenta um pouco do que a professora disse aos alunos durante a palestra:

Quadro 2
Trecho de diário de campo da pesquisadora

Analisando conjuntamente o que diz a professora surda (Quadro 2) e o que fazem as alunas surdas para organizar e gravar o vídeo (Figura 2, Quadro 1 e Figura 3), como exposto na subseção 3.1 anterior, interpreto suas ações com o português escrito como o desenvolvimento desse contato íntimo a que se referiu a professora surda, cuja apropriação de um recurso linguístico para produzir os significados desejados para o vídeo-convite se deu de uma forma bastante produtiva (Canagarajah, 2018Canagarajah, S. (2018). Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, 39(1), 31-54. https://doi.org/10.1093/applin/amx041.
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; Blackledge & Creese, 2017Blackledge, A., & Creese, A. (2017). Translanguaging and the body. International Journal of multilingualism, 14(3), 250-268. https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1315809.
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; Blommaert, 2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. ).

Além da identificação e valoração do incentivo da professora surda, que se reflete na ação das alunas surdas, a palestra em si também se mostrou como um material contextual importante, uma vez que a motivação para produção do vídeo-convite surgiu de tal atividade. Isso porque, as alunas e alunos surdos ficaram muito animados com a visita recebida e solicitaram receber outros palestrantes surdos no curso de português, conforme registro em diário de campo. Desse desejo, surgiu dos alunos a ideia de convidar algum youtuber surdo. A sala foi, então, divida em grupos para gravação dos vídeos que seriam enviados ao potencial palestrante via WhatsApp ou outra rede social.

De outro lado, voltando-se ao cenário da gravação do vídeo-convite (rever Figura 2), nota-se que as alunas escolheram filmar tendo como pano de fundo o vídeo intitulado “Os surdos têm voz” de Leonardo Castilho, youtuber surdo a quem endereçariam o convite. Dentre as justificativas para ele ter sido escolhido, estava sua “ótima performance linguística”. O vídeo pausado (reproduzido na Figura 4) mostra Leonardo Castilho sinalizando em língua de sinais e contém uma legenda em português (a fala em português oral também é utilizada no vídeo). Além do título e da escolha em usar os três recursos linguísticos, chama a atenção o trecho em que Leonardo Castilho diz: “A comunicação entre os surdos geralmente é visual, com expressão facial, com o corpo, com as mãos, também com leitura labial […] A sociedade sempre chama os surdos de mudos. Por quê? Os surdos têm voz. Vem aqui. Vou gritar. […] Aaahhh!”.

Figura 4
Captura de tela (vídeo Leonardo Castilho)

A partir do que as alunas dizem sobre o youtuber, compreendo que há uma identificação por parte delas em relação a esse surdo que passa pelo aspecto linguístico performado por ele - cuja hibridez não pode ser desconsiderada, nem em como ele se comunica em seu vídeo, nem em como ele apresenta a comunicação entre os surdos, conforme mencionado anteriormente. De acordo com Blommaert (2020Blommaert, J. (2020b, November 10). Jan Blommaert on repertoire: A brief explanation of the sociolinguistic notion of repertoire, and of how we can make it more precise and useful in analysis [Video]. https://www.youtube.com/watch?v=IGtmyEu5YO0.
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a), a maneira como ajustamos e selecionamos os recursos para a produção de significados quando nos comunicamos é altamente influenciada pela forma como desejamos que os outros nos entendam (e nos vejam). Portanto, compreendo o trabalho semiótico criativo das alunas como tendo sido inspirado ou contextualizado também pela presença/força deste youtuber surdo virtualmente projetada por meio de seu vídeo e como destinatário do convite. Com isso, as alunas ainda mostram que é possível ser translíngue e, ao mesmo tempo, reivindicar Libras como língua natural, na mesma esteira do youtuber surdo, que invoca ambas as ideologias ao reconhecer a Libras como língua visual e mostrar que ela também é criolizada (“A comunicação entre os surdos geralmente é visual [...] A sociedade sempre chama os surdos de mudos. Por quê? Os surdos têm voz. Vem aqui. Vou gritar”).

Vejo semelhança entre esse dado e de outras minorias, como os indígenas na pesquisa de Bonnin & Unamuno (2021Bonnin, J.E., & Unamuno, V. (2021). Debating translanguaging. A contribution from the perspective of minority language speakers. Language, Culture and Society, 3(2), 231-254. https://doi.org/10.1075/lcs.20016.bon.
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). Os wichi, em sua comunicação cotidiana, misturam e mudam da língua indígena para o espanhol, mas reivindicam uma identidade social e linguística como bilíngues, “marcando uma clara distinção entre duas línguas delimitadas”. Nesse caso, a ideologia da homogeneidade não é necessariamente de apagamento da minoria, mas, como discutem Bonnin & Unamuno (2021Bonnin, J.E., & Unamuno, V. (2021). Debating translanguaging. A contribution from the perspective of minority language speakers. Language, Culture and Society, 3(2), 231-254. https://doi.org/10.1075/lcs.20016.bon.
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, p. 240), um caminho para argumentarem contra a) a visão de que sua língua seria um “dialeto” ou uma realidade comunicativa amorfa e “bagunçada” e b) o discurso discriminatório em torno de sua competência linguística (“quando misturam não usam bem nenhuma língua”). Outros exemplos de ideologias de homogeneidade que servem de lutas de minorias são: o gênero discursivo kiva entre os Tewa do Arizona (Kroskrity, 2000Kroskrity, P.V. (2000). Language ideologies in the expression and representation of Arizona Tewa identity. In P. V. Kroskrity (Ed.), Regimes of language: ideologies, polities, and identities (pp. 329-359). SAR Press. https://sarweb.org/wp-content/uploads/2017/07/sar_press_regimes_language_chapter9.pdf.
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) e o uso e ensino do turco como código “não-indexical” para evitar o conflito entre minorias turcas e maiorias gregas no Chipre (Charalambous et al., 2020Charalambous, C., Charalambous, P., Zembylas, M., & Theodorou, E. (2020). Translanguaging, (In)Security and Social Justice Education. In J. Panagiotopoulou, L. Rosen, & J. Strzykala (Eds.), Inclusion, Education and Translanguaging (pp. 105-126). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-658-28128-1_7.
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).

3.3. Por que [não se espera o] fazer em português

Sobre os eventos sociolinguísticos de interação, Blommaert (2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. ) refere não apenas o caráter transcontextual e multiescalar (retratado na subseção 3.2 anterior), mas a policentricidade que pode se revelar quando analisamos os recursos, textos e/ou os indivíduos em interação. Trata-se de uma simultaneidade de camadas em que diferentes historicidades e centros de normatividade sincronizam-se num momento de redução da complexidade - o que pode gerar tensão.

O questionamento da professora ouvinte “Se a Libras é a língua deles, por que eles vão fazer em português?” traz à tona o imprevisível. Sua pergunta revela uma quebra de expectativa porque o (in)esperado se faz presente. Surge a tensão pela visibilização da diversidade, isto é, da complexidade e multiescalaridade do evento em questão.

Quando pergunta por que as alunas vão fazer em português, o caráter inesperado do evento, para a professora, se realiza no fato de as alunas surdas escolherem utilizar o recurso escrito e não somente a língua de sinais. Sua fala aponta para a historicidade dessa língua em relação às pessoas surdas e recupera a difícil relação com o português que o período de Oralismo impôs aos surdos. Ao mesmo tempo, seu questionamento indexicaliza como esperável que a Libras fosse o recurso eleito pelas alunas. Ainda que estando em um curso de ensino de português para surdos - o que poderia muito bem reverter a questão da professora como sendo o inesperado do evento -, a sua expectativa é que as alunas interagissem em Libras, muito provavelmente porque se tratava de uma atividade para produção de um vídeo em Libras, feito por alunas que se expressam nessa língua e destinado a um surdo que também se comunica com a mesma língua.

Para a valoração do português como o imprevisível, como a quebra de uma norma que desarmoniza sua leitura esperada da situação de interação vivenciada, a professora ouvinte ainda aciona, no evento, outros níveis contextuais. Ao verbalizar que “Libras é a língua deles” , a fala da professora, a um só tempo: a) aponta para um importante movimento socio-histórico e político das pessoas surdas em defesa da língua de sinais como estruturante de suas subjetividades - movimento que tem fundamentado um projeto de educação bilíngue que reafirma o necessário reconhecimento da língua dos surdos a partir de seu status de primeira língua - e b) ecoa uma ideologia de língua(gem) de caráter monolíngue de longa tradição, que se articula fortemente em um senso de homogeneidade e delimita uma língua a algo pertencido por um grupo identitário definível e delimitável13 13 Conforme Blommaert (2016, p. 245), pressupõe-se que esses grupos compartilham de imensa quantidade de conhecimento contextual, sendo papeis e expectativas claros e bem entendidos por aqueles que fazem parte. . Uma ideologia de língua(gem) que historicamente tem operado nos apagamentos da diversidade em cenários sociolinguisticamente complexos, desconsiderando outros recursos e modalidades que gravitam em torno de corpos/indivíduos bi/multilíngues - para além da(s) língua(s) geralmente reconhecidas - e suas agências na utilização desses recursos na interação (Blackledge & Creese, 2017Blackledge, A., & Creese, A. (2017). Translanguaging and the body. International Journal of multilingualism, 14(3), 250-268. https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1315809.
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).

4. Considerações finais

A análise do evento de interação entre as quatro alunas surdas colocou em destaque a compreensão do (in)esperado como uma importante peça na descrição e na construção de entendimentos dos cenários sociolinguísticos de sala de aula com surdos que sejam mais abrangentes, isto é, que encampem aquilo que é diverso (o (in)esperado) como constitutivo da complexidade que se apresenta e que passa, ao mesmo tempo: pelas intricadas combinações de recursos em diferentes repertórios comunicativos (o que envolve tecnologias, objetos e ambientes tendo parte na comunicação), pelas escalas/níveis contextuais aos quais os indivíduos estão se orientando e pelas ideologias de língua(gem) que são indexicalizadas.

O evento de interação analisado se desenvolveu em diferentes escalas e revelou um conflito de escalas - conflito este que toca num debate fundamental no campo da translinguagem. O conflito pode ser traduzido do seguinte modo: por um lado, há um movimento no Brasil, semelhante a outros contextos de lutas de minorias, de luta política pelo reconhecimento de Libras como uma “língua natural”, isto é, uma língua como qualquer outra, com diferentes domínios (sintaxe, morfologia, semântica, pragmática). Essa escala é mobilizada pela professora ouvinte, que esperava que as alunas surdas, na atividade analisada, mobilizassem repertórios em Libras, mas elas o fazem em português (e outros recursos semióticos). As alunas situam seus repertórios, assim, numa outra escala.

O comentário da professora ouvinte, a um só tempo, parece invocar a reivindicação de autonomia de uma língua minoritária (em linha com a discussão de Bonnin & Unamuno, 2021Bonnin, J.E., & Unamuno, V. (2021). Debating translanguaging. A contribution from the perspective of minority language speakers. Language, Culture and Society, 3(2), 231-254. https://doi.org/10.1075/lcs.20016.bon.
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) e ecoar discursos modernistas de homogeneidade. Essa ambiguidade, com diferentes nuances, também ocorre em outros casos etnográficos de reivindicação de autonomia em contextos de línguas/práticas comunicativas minoritárias - particularmente Charalambous, et al. (2020Charalambous, C., Charalambous, P., Zembylas, M., & Theodorou, E. (2020). Translanguaging, (In)Security and Social Justice Education. In J. Panagiotopoulou, L. Rosen, & J. Strzykala (Eds.), Inclusion, Education and Translanguaging (pp. 105-126). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-658-28128-1_7.
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) e Kroskrity (2000Kroskrity, P.V. (2000). Language ideologies in the expression and representation of Arizona Tewa identity. In P. V. Kroskrity (Ed.), Regimes of language: ideologies, polities, and identities (pp. 329-359). SAR Press. https://sarweb.org/wp-content/uploads/2017/07/sar_press_regimes_language_chapter9.pdf.
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). Enquanto isso, o (in)esperado na prática das alunas pode ser lido como instância em que a translinguagem ocorre a despeito das (ou conjuntamente com as) reivindicações de autonomia/uniformidade.

Desse modo, o conflito escalar em questão no artigo, assim como os relatos etnográfico de Bonnin & Unamuno (2021Bonnin, J.E., & Unamuno, V. (2021). Debating translanguaging. A contribution from the perspective of minority language speakers. Language, Culture and Society, 3(2), 231-254. https://doi.org/10.1075/lcs.20016.bon.
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), Charalambous, et al. (2020Charalambous, C., Charalambous, P., Zembylas, M., & Theodorou, E. (2020). Translanguaging, (In)Security and Social Justice Education. In J. Panagiotopoulou, L. Rosen, & J. Strzykala (Eds.), Inclusion, Education and Translanguaging (pp. 105-126). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-658-28128-1_7.
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) e Kroskrity (2000Kroskrity, P.V. (2000). Language ideologies in the expression and representation of Arizona Tewa identity. In P. V. Kroskrity (Ed.), Regimes of language: ideologies, polities, and identities (pp. 329-359). SAR Press. https://sarweb.org/wp-content/uploads/2017/07/sar_press_regimes_language_chapter9.pdf.
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) são casos em que a ideologia de homogeneidade não necessariamente reifica/essencializa práticas/repertórios/línguas - talvez o faça de forma estratégica (na chave do essencialismo estratégico). São, assim, casos que apontam para a importância da análise empírica e da etnografia para entender o que está em questão, política e ideologicamente, nos cenários sociolinguisticamente complexos.

As implicações do que se discutiu no artigo, portanto, estão relacionadas às lentes teórico-metodológico-analíticas para focalizar as interações em cenários surdos. Assim como já apontaram Blommaert e Rampton (2011Blommaert, J., & Ramptom, B. (2011). Language and superdiversity. Diversities, 13(2), 1-21. https://newdiversities.mmg.mpg.de/?page_id=2056.
https://newdiversities.mmg.mpg.de/?page_...
) e Blommaert (2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. ), a complexidade dos eventos comunicativos precisa estar refletida nos instrumentos que utilizamos para estudá-los, e o caso não me parece diferente nas pesquisas sobre a comunicação e a produção de significados pelos surdos, como já venho argumentando em trabalhos anteriores (Nogueira, 2015Nogueira, A.S. (2015). “O surdo não ouve, mas tem olho vivo.” - A leitura de imagens por alunos surdos em tempos de práticas multimodais. [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas. https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2015.957926.
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, 2018, 2020). Para contribuições futuras nessa questão, acredito que perspectivas translíngues e a noção de repertórios comunicativos poderiam abrir novos caminhos para pesquisas mais multifacetadas (Blommaert 2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. , p. 255), para dar visibilidade ao diverso e dinâmico e, quem sabe, possibilitar desenhar novas e outras ferramentas analíticas (Blommaert, 2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. ), próprias aos contextos altamente visuais surdos, que tenham mais precisão na descrição das interações estudadas.

Para além disso, quero destacar aqui, recuperando Cavalcanti (1999Cavalcanti, M.C. (1999). Estudos sobre educação bilíngue e escolarização em contextos de minorias linguísticas no Brasil. DELTA, 15(spe), 385-417. https://doi.org/10.1590/S0102-44501999000300015.
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, 2013Cavalcanti, M.C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L.P. Moita Lopes (Ed.), Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani (pp. 211- 226). Parábola. ), que as implicações também poderiam se voltar para a prática, por exemplo, na formação de professores para o ensino de língua(gem) para surdos. Nesse caso, percebo nos dados que analiso uma complexidade sociolinguística nas práticas translíngues de alunos surdos que poderia ser objeto de reflexão na formação de professores. Vejo isso como potencial para reverberar numa formação complexa e ampliada, porque encampa a diversidade/o (in)esperado na leitura crítica da língua(gem) na surdez e das ideologias, negações e apagamentos que podem estar presentes nesse contexto. Nessa linha, pesquisas futuras que examinem como (e se) o que se descreve e analisa em termos de objeto de pesquisa tem se voltado para a formação de professores de surdos também poderiam trazer importantes contribuições.

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  • 2
    Sinalizador/a é um termo utilizado para fazer referência aos falantes de línguas de sinais.
  • 3
    As alunas não tinham sido diretamente instruídas a fazê-lo pela equipe (docentes e monitores) que atuava naquela aula, uma vez que a atividade não tinha sido previamente planejada e atendia a uma demanda momentânea surgida por parte dos alunos.
  • 4
    Além da inspiração como ponto de partida, neste artigo tenho em vista prestar minha homenagem à professora e pesquisadora Marilda Cavalcanti. Com orientações de diversas pesquisas que focalizaram a surdez - vinculadas ao programa de pós-graduação com área de concentração específica para a investigação em contextos bi/multilíngues (PPGLA/IEL) -, Marilda Cavalcanti contribuiu para a compreensão de diferentes questões relacionadas à educação de surdos, fazendo avançar a construção de entendimentos sobre esse cenário sociolinguisticamente complexo. Para citar exemplos: a pesquisa de Silva (2005Silva, I. R. (2005). As representações do surdo na escola e na família: entre a (in)visibilização da diferença e da “deficiência”. [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas]. http://10.0.186.133/T/UNICAMP.2005.341270.
    http://10.0.186.133/T/UNICAMP.2005.34127...
    ) sobre a produção das identidades e representações sobre o surdo e a surdez em espaços de escolarização regular; o estudo das representações sobre o português e a língua de sinais por surdos adultos e professores participantes de um curso de educação de jovens adultos (EJA), na investigação de Favorito (2006Favorito, W. (2006). O difícil são as palavras: representações de/sobre estabelecidos e outsiders na escolarização de jovens e adultos surdos. [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas. Repositório Institucional da Unicamp. https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2006.366501.
    https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2006....
    ); o estudo de Félix (2008Félix, A. (2008). Surdos e ouvintes em uma sala de aula inclusiva: interações sociais, representações e construções de identidades. 2008 [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas. Repositório Institucional da Unicamp. https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2008.421868.
    https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2008....
    ) sobre a interação social entre alunos surdos e ouvintes em uma escola inclusiva; o trabalho de Pereira (2008) sobre a relação entre educador surdo, educador ouvinte e aluno surdo em contexto de apoio pedagógico; as pesquisas de Nogueira (2010Nogueira, A.S. (2010). Representações acerca do trabalho da leitura e da escrita em grupo de apoio a crianças surdas. [Dissertação de Mestrado]. Universidade Estadual de Campinas]. https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2010.769911.
    https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2010....
    ) sobre o letramento de surdos e as representações de crianças surdas, seus professores e familiares sobre a leitura a escrita e de Nogueira (2015Nogueira, A.S. (2015). “O surdo não ouve, mas tem olho vivo.” - A leitura de imagens por alunos surdos em tempos de práticas multimodais. [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas. https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2015.957926.
    https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2015....
    ) sobre a visualidade de jovens surdos atuante em seus processos comunicativos e de letramento. Essas pesquisas também resultaram na produção de artigos e capítulos de livro em coautoria com orientandos/as e ex-orientando/as.
  • 5
    Afiliada a uma tradição de Linguística Aplicada, conforme Cavalcanti (1999Cavalcanti, M.C. (1999). Estudos sobre educação bilíngue e escolarização em contextos de minorias linguísticas no Brasil. DELTA, 15(spe), 385-417. https://doi.org/10.1590/S0102-44501999000300015.
    https://doi.org/10.1590/S0102-4450199900...
    , p. 386), de voltar-se para a prática.
  • 6
    A pesquisa de cunho etnográfico da qual foram retirados os registros trazidos no artigo refere-se ao Projeto FAPESP 17/20256-0. Informações disponíveis em: https://bv.fapesp.br/pt/auxilios/98966/repertorios-semioticos-e-educacao-de-surdos-multilinguismo-e-multimodalidade-no-contexto-de-linguas-/ Projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o número CAAE: 73275317.0.0000.5404.
  • 7
    Em alusão à Charalambous et al. (2020Charalambous, C., Charalambous, P., Zembylas, M., & Theodorou, E. (2020). Translanguaging, (In)Security and Social Justice Education. In J. Panagiotopoulou, L. Rosen, & J. Strzykala (Eds.), Inclusion, Education and Translanguaging (pp. 105-126). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-658-28128-1_7.
    https://doi.org/10.1007/978-3-658-28128-...
    , p. 108).
  • 8
    O destaque na palavra apropriação se faz em referência ao termo utilizado pela professora surda a ser apresentado na subseção 3.2. A apropriação que as alunas fazem é entendida como [prática translíngue] criativa, com base em Blackledge e Creese (2017Blackledge, A., & Creese, A. (2017). Translanguaging and the body. International Journal of multilingualism, 14(3), 250-268. https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1315809.
    https://doi.org/10.1080/14790718.2017.13...
    ).
  • 9
    Além da apresentação pessoal, a contextualização se dá a partir da estrutura pergunta-resposta, um formato bastante comum aos vídeos em língua de sinais. A tradução do que P2 diz é: “Sobre o que se trata ((esse vídeo))? Um convite ao Léo Castilho.”
  • 10
    Direcionamento do olhar para a câmera - estabelecimento de relação pessoal, de demanda, quando o participante olha diretamente para o interlocutor.
  • 11
    Semelhante ao que analisam Holmström e Schönström (2018Holmström, I., & Schönström, K. (2018). Deaf lectures’ translanguaging in a higher education setting. A multimodal multilingual perspective. Applied Linguistics Review, 9(1), 89-11. https://doi.org/10.1515/applirev-2017-0078.
    https://doi.org/10.1515/applirev-2017-00...
    ).
  • 12
    Sobre este respeito, Blommaert e Rampton (2011Blommaert, J., & Ramptom, B. (2011). Language and superdiversity. Diversities, 13(2), 1-21. https://newdiversities.mmg.mpg.de/?page_id=2056.
    https://newdiversities.mmg.mpg.de/?page_...
    ) alertaram para os necessários cuidados e esclarecimentos sobre a incompatibilidade de termos naturalizados em outras tradições de pesquisa no estudo da complexidade em cenários sociolinguísticos. Interlíngua, nos estudos surdos, é um desses termos. Cavalcanti e Silva (2016Cavalcanti, M.C., & Silva, I. R. (2016). Transidiomatic practices in a deaf-hearing scenario and language ideologies. Revista da Anpoll, 1(40), 33-45. https://doi.org/10.18309/anp.v1i40.1013.
    https://doi.org/10.18309/anp.v1i40.1013...
    ) referiram o mesmo sobre o conceito de bilinguismo.
  • 13
    Conforme Blommaert (2016Blommaert, J. (2016). From mobility to complexity in sociolinguistic theory and method. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 242-259). Cambridge University Press. , p. 245), pressupõe-se que esses grupos compartilham de imensa quantidade de conhecimento contextual, sendo papeis e expectativas claros e bem entendidos por aqueles que fazem parte.

Anexo

Quadro 3
Convenções de transcrição

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    12 Dez 2021
  • Aceito
    20 Fev 2022
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