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Avaliação de proficiência em português em processos de naturalização no Brasil

Portuguese proficiency assessment for citizenship in Brazil

RESUMO

O presente artigo objetiva discutir o uso de exames de proficiência em contextos de migrações internacionais, sobretudo, em processos de naturalização no Brasil. Especificamente, almeja analisar as previsões da legislação brasileira sobre essa matéria desde meados do século XX e avaliar a adequação de instrumentos adotados no país para a comprovação de proficiência em certas modalidades de naturalização. Particular atenção é dada ao Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras), que, desde 2018, tem sido usado, equivocadamente, nesse contexto, dificultando o processo de naturalização ordinária. Considerando que a ideologia monolíngue subjacente à exigência de proficiência em questão dificilmente pode ser superada juridicamente, argumentamos em favor do desenvolvimento de um teste válido, confiável e prático para esse contexto. Desenhado com base em uma análise de necessidades do público-alvo (Silva, 2019) e em uma perspectiva de educação linguística ampliada (Cavalcanti, 2013), esse teste poderia contribuir para a politização dos candidatos e a promoção da pluralidade cultural e linguística. Para a potencialização de efeitos retroativos positivos, deveria ser implementado de forma integrada a um curso de Português como Língua de Acolhimento, fomentado por uma política pública em nível nacional, subsidiando a garantia do direito à aprendizagem da língua oficial brasileira.

Palavras-chave:
migrações internacionais; naturalização; avaliação de proficiência; Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras).

ABSTRACT

This article aims at discussing the use of proficiency exams in international migration contexts, with a focus on naturalization processes in Brazil. More specifically, at analyzing the Brazilian legal provisions on this matter since the mid-twentieth century and at assessing the adequacy of instruments adopted in the country for proving proficiency in Portuguese in certain modalities of naturalization. Special attention is given to the Certificate of Proficiency in Portuguese for Foreigners (Celpe-Bras), which has been misused in this context since 2018 and, as a consequence, has hampered the process of ordinary naturalization. Considering that the monolingual ideology underlying the proficiency requirement in question can hardly be legally overcome, we advocate for the development of a valid, reliable and practical test for this context. Based on a needs analysis of the target group (Silva, 2019) and in an expanded language education perspective (Cavalcanti, 2013), this test could contribute to the politicization of candidates and to the promotion of cultural and linguistic plurality. In order to potentialize positive washback, it should be integrated with a course of Portuguese as a Welcoming Language, fostered by a public policy at the national level, supporting the guarantee of the right to learn the official Brazilian language.

Keywords:
international migrations; naturalization; proficiency assessment; Certificate of Proficiency in Portuguese for Foreigners (Celpe-Bras).

1. Introdução

Nas últimas décadas, tem sido possível observar, no campo acadêmico, o reconhecimento da dimensão política da avaliação, em especial, dos testes externos de alta relevância. Entre esses, os exames de proficiência, em particular - cada vez mais utilizados pelos Estados como mecanismos de poder e determinação de agendas políticas e educacionais -, têm levado especialistas em avaliação a ampliar suas preocupações e reflexões para além dos aspectos técnicos dos exames, indissociáveis de questões sociais, éticas, políticas e ideológicas. Tais exames têm assumido papel de destaque com o crescimento das migrações internacionais do século XXI, que se complexifica na esteira dos movimentos atuais da globalização: ao mesmo tempo em que se fortalece a migração de integrantes de elites econômicas, recrudescem os deslocamentos migratórios de crise (Simon, 1995Simon, G. (1995). Géodynamique des migrations internationales dans le monde. PUF.; Clochard, 2007Clochard, O. (2007). Les réfugiés dans le monde entre protection et illégalité. EchoGéo, 2.; Baeninger & Peres, 2017Baeninger, R. A., & Peres, R. G. (2017). Migração de crise: a imigração haitiana para o Brasil. Revista Brasileira de Estudos da População, 34(1), 119-143.), como efeito das violentas hierarquizações produzidas no bojo da colonialidade moderna (Mignolo, 2005Mignolo, W. (2005). A colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério ocidental no horizonte conceitual da modernidade. In E. Lander (Ed.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas (pp. 71-103). Clacso.; Quijano, 2007Quijano, A. (2007). Colonialidad del poder y clasificación social. In S. Castro-Gomez & R. Grosfoguel (Eds.), El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global (pp. 93-126). Siglo del Hombre.).

Ainda que não seja uma novidade, a exigência de comprovação de proficiência na(s) língua(s) oficial(ais) do país que recebe migrantes internacionais tem se tornado mais frequente neste século (Shohamy & McNamara, 2009aShohamy, E., & McNamara, T. (2009a). Editorial - Language tests for citizenship, immigration, and asylum. Language Assessment Quarterly , 6(1), 1-5. https://doi.org/10.1080/15434300802606440.
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). De formatos e conteúdos variados, incluindo, muitas vezes, também os chamados “testes cívicos” - que avaliam conhecimentos sobre aspectos históricos, culturais e legais, a partir de uma visão frequentemente homogeneizante -, exames de proficiência têm sido obrigatórios, em alguns casos, para migrantes internacionais para três fins principais: (i) entrada no país; (ii) obtenção de vistos de residência; e/ou (iii) obtenção da cidadania em processos de naturalização (Shohamy & Mcnamara, 2009aShohamy, E., & McNamara, T. (2009a). Editorial - Language tests for citizenship, immigration, and asylum. Language Assessment Quarterly , 6(1), 1-5. https://doi.org/10.1080/15434300802606440.
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). Entretanto, se há certo consenso em relação à importância que a proficiência na(s) língua(s) oficial(ais) pode ter para migrantes internacionais, em particular os de crise3 3 É importante destacar que o grau de importância da aprendizagem da(s) língua(s) oficial(is), segundo as perspectivas dos migrantes e de seu entorno, varia consideravelmente conforme o grupo de migrantes em questão. Para certos migrantes do Norte global vivendo no Brasil, por exemplo, aprender português pode ser visto como algo dispensável; para migrantes de crise, essa aprendizagem é, em geral, considerada uma condição sine qua non para sua vida no país. Longe de neutras, as próprias percepções sociais sobre os níveis de proficiência de migrantes - perceptíveis em afirmações como “Ela mora aqui há anos e não fala nossa língua”, “Ele fala português bem”, “Ela tem um sotaque muito pesado” ou “O sotaque dele é bonitinho” - resultam de, ao mesmo tempo em que reforçam, clivagens de raça, gênero, classe social, identidade de gênero e orientação sexual. , não podemos dizer o mesmo em relação à exigência de testes para esses três fins.

Antes observada, essencialmente no Norte global - espaço com maior tradição no uso de testes em contextos de migrações internacionais -, essa polêmica também tem movimentado alguns setores da sociedade brasileira. Isso porque, cabe lembrar, o Brasil se configura como novo destino das migrações Sul-Sul do século XXI (Baeninger, 2016Baeninger, R. (2016). Migração transnacional: elementos teóricos para o debate. In R. Baeninger, R. Peres, D. Fernandes, S. A. da Silva, G. de O. Assis, M. da C. Castro & M. P. Cotinguiba (Eds.), Migração haitiana no Brasil (pp. 13-43). Paco Editorial.). Conforme dados reunidos pelo Observatório das Migrações Internacionais - OBMigra (Cavalcanti et al., 2021Cavalcanti, L., Oliveira, T., & Silva, B. G. (2021). Imigração e refúgio no Brasil: retratos da década de 2010. Observatório das Migrações Internacionais, Ministério da Justiça e Segurança Pública/ Conselho Nacional de Imigração e Coordenação Geral de Imigração Laboral. OBMigra. https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/Obmigra_2020/Relat%C3%B3rio_Anual/Retratos_da_De%CC%81cada_-_Completo.pdf.
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) a partir de fontes do governo federal brasileiro, residiam, em 31 de julho de 2010, 592.570 migrantes no Brasil, com predomínio das nacionalidades portuguesa e japonesa. Esse número mais que dobrou ao longo da década de 2010: estimativas apontam que, ao fim do ano de 2020, residiam no país 1,3 milhão de migrantes, majoritariamente oriundos do Haiti e da Venezuela. Considerando-se os dez países que mais enviaram migrantes para o Brasil nesse período4 4 São eles, por ordem de representatividade demográfica no Brasil: Venezuela, Haiti, Bolívia, Colômbia, EUA, China, Argentina, Cuba, França e Peru. , sete são do Sul global (Cavalcanti et al., 2021Cavalcanti, L., Oliveira, T., & Silva, B. G. (2021). Imigração e refúgio no Brasil: retratos da década de 2010. Observatório das Migrações Internacionais, Ministério da Justiça e Segurança Pública/ Conselho Nacional de Imigração e Coordenação Geral de Imigração Laboral. OBMigra. https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/Obmigra_2020/Relat%C3%B3rio_Anual/Retratos_da_De%CC%81cada_-_Completo.pdf.
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).

Diferentemente do que, conforme mostraremos mais adiante, ocorre em outros países, o Brasil não exige, em geral, comprovação de proficiência em português para obtenção do visto ou para a entrada no país. Entretanto, essa exigência é feita para algumas modalidades de naturalização. Embora, como veremos, tal exigência esteja presente na legislação brasileira há décadas, a polêmica só ganhou força na comunidade acadêmica brasileira a partir de 2018, quando o Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras), exame desenvolvido e outorgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), passou a ser utilizado para fins de naturalização no Brasil - inicialmente, como a única possibilidade para comprovação de proficiência. O uso do Celpe-Bras para esse fim, bem como a própria exigência de comprovação de proficiência nesse contexto, tem sido fortemente criticado pela comunidade científica da área de Letras e Linguística em eventos e artigos científicos (Dias & Pinto, 2017Dias, A. L. K., & Pinto, J. P. (2017). Ideologias linguísticas e regimes de testes de língua para migrantes no Brasil. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, 17(1), 61-81. https://doi.org/10.1590/1984-6398201611006.
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; Diniz & Neves, 2018Diniz, L. R. A., & Neves, A. O. (2018). Políticas linguísticas de (in)visibilização de estudantes imigrantes e refugiados no Ensino Básico brasileiro. Revista X, 13, 87-110. http://dx.doi.org/10.5380/rvx.v13i1.61225.
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; Anunciação & Camargo, 2019Anunciação, R. F. M. de, & Camargo, H. R. E. (2019). O exame Celpe-Bras como política gatekeeping para a naturalização no Brasil. Muiraquitã: Revista de Letras e Humanidades, 7(2), 10-22. https://doi.org/10.29327/212070.7.2-2.
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; Henriques & Ruseishvili, 2019Henriques, A. S., & Ruseishvili, S. (2019). Migrantes russófonos no Brasil no século XXI: perfis demográficos, caminhos de inserção e projetos migratórios. Ponto e vírgula, 25, 83-96. https://doi.org/10.23925/1982-4807.2019i25p83-96.
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; Scaramucci et al., 2019Scaramucci, M. V. R., Santos Junior, E. S., & Diniz, L. R. A. (2019). Celpe-Bras: histórico, questões controversas e perspectivas. Em Aberto , 34(104), 167 - 181. https://doi.org/10.24109/2176-6673.emaberto.32i104.4284.
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; Sigales-Gonçalves & Zoppi-Fontana, 2021Sigales-Gonçalves, J. S., & Zoppi-Fontana, M. G. (2021). O direito como instrumento de políticas linguísticas no espaço de enunciação brasileiro: questões para a Análise materialista de Discurso. Linguagem & Ensino, 24, 625-645. https://https://doi.org/10.15210/RLE.V24I3.20068.
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).

A relevância dessa discussão reside no fato de que a obtenção da cidadania confere, entre outros benefícios percebidos pelos migrantes, essencialmente, os mesmos direitos de brasileiros natos, conforme discutiremos. O debate ganha ainda mais importância se tivermos em vista o recente crescimento no número de pedidos de naturalização deferidos no Brasil, parte dos quais envolve a comprovação de proficiência em português. Tal aumento pode ser observado no gráfico a seguir:

Figura 1
Pedidos de naturalização deferidos no Brasil (2014 - 2021)

Assim, o número de pedidos de naturalização deferidos saltou de 1.290 em 2014 para 2.198 em 2021, tendo alcançado seu pico - 7.627 - em 2019, ano em que uma série de medidas na administração pública permitiu reduzir fortemente o tempo de análise dessas solicitações (MigraMundo, 2020MigraMundo. (2020). Número de naturalizações cresce em 2019 e tempo de decisão cai para cinco dias, 16 jan. 2020. https://migramundo.com/numero-de-naturalizacoes-cresce-em-2019-e-tempo-de-decisao-cai-para-cinco-dias/.
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). Embora não tenhamos tido acesso a dados oficiais mais detalhados sobre os perfis dos naturalizandos no Brasil5 5 O site do DEMIG (https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/seus-direitos/migracoes/capa-migracoes) carece de informações sobre esses perfis. No Ofício 420/2022, da Divisão de Naturalidade e Nacionalização (Brasil, 2022a), anteriormente mencionado, explicou-se que “Quanto às informações relativas à nacionalidade, modalidade de naturalização, nível de escolaridade, idade e gênero desses migrantes, informamos que os sistemas de uso deste Departamento não possuem ferramentas que possibilitem a contabilização dos referidos dados”. , podemos afirmar que os migrantes de crise são aqueles que mais têm demandado a nacionalidade secundária no país6 6 Em 2019, foram os cubanos que mais obtiveram a nacionalidade secundária no Brasil, seguidos pelos sírios e libaneses (Pinho, 2019). Entre novembro de 2020, quando foi implementado o sistema online Naturalizar-se, e meados de janeiro de 2021, os haitianos (497), senegaleses (279), angolanos (161), cubanos (156) e venezuelanos (119) foram os que mais solicitaram naturalização no Brasil, conforme notícia publicada no portal R7 (Pinho, 2021). .

O presente artigo, inscrito na área de avaliação em contexto de línguas, tem como principal objetivo discutir o uso de exames de proficiência em contextos de migrações internacionais, sobretudo, em processos de naturalização no Brasil. Objetivamos, especificamente, analisar as previsões da legislação brasileira sobre essa matéria desde meados do século XX e avaliar a adequação de alguns instrumentos adotados no país para a comprovação de proficiência, concentrando-nos, em particular, no Celpe-Bras. Esperamos, desse modo, como linguistas aplicados e pesquisadores na área de avaliação, contribuir para que a questão seja abordada de maneira ética e justa - mesmo que, dado o funcionamento top-down que, em geral, tem marcado políticas linguísticas dessa natureza no Brasil, estejamos, assim como outros especialistas e os próprios migrantes internacionais residentes no Brasil, excluídos de reais possibilidades de interlocução com os responsáveis pelas tomadas de decisão.

Este texto encontra-se organizado em cinco partes, além da presente Introdução. Na seção 2, a partir de uma revisão bibliográfica, abordamos os principais aspectos dos debates em relação à exigência de comprovação de proficiência em contextos de migrações internacionais, assim como características dos testes utilizados em alguns países. Na seção 3, depois de uma breve discussão sobre o tratamento constitucional e infraconstitucional da matéria da nacionalidade brasileira, discorremos sobre as principais motivações para essas solicitações. Em seguida, na seção 4, apresentamos um panorama histórico dos dispositivos legais relativos à exigência de proficiência em português para fins de naturalização no Brasil. Discutimos, nesse momento, a adequação dos instrumentos avaliativos utilizados, com foco especial no Celpe-Bras. Nas Considerações Finais, além de sintetizarmos o percurso feito ao longo do artigo, apresentamos alguns encaminhamentos para o desenvolvimento de um exame de português para fins de naturalização no Brasil.

Dois conceitos serão particularmente importantes para esses encaminhamentos, razão pela qual os antecipamos aqui: o de educação linguística ampliada (Cavalcanti, 2013Cavalcanti, M. C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L. P. Moita Lopes (Ed.). Linguística Aplicada na modernidade recente (pp. 211-226). Parábola.) e o de educação do entorno para a interculturalidade e o plurilinguismo (Maher, 2007Maher, T. M. (2007). A educação do entorno para a interculturalidade e o plurilinguismo. In A. Kleiman & M. C. Cavalcanti (Eds.), Linguística Aplicada: suas faces e interfaces (pp. 255-270). Mercado de Letras.). O primeiro enfatiza a necessidade de formação de um professor de línguas “posicionado, responsável, cidadão, ético, leitor crítico, com sensibilidade à diversidade e pluralidade cultural, social e linguística etc., sintonizado com seu tempo [...]” (Cavalcanti, 2013Cavalcanti, M. C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L. P. Moita Lopes (Ed.). Linguística Aplicada na modernidade recente (pp. 211-226). Parábola., p. 212). Ainda que concebido, portanto, como parte de uma reflexão sobre a formação de docentes de línguas, acreditamos que tal conceito pode contribuir para o desenho de um teste de proficiência em português para naturalizandos. O segundo conceito, por sua vez, refere-se, conforme Maher (2007Maher, T. M. (2007). A educação do entorno para a interculturalidade e o plurilinguismo. In A. Kleiman & M. C. Cavalcanti (Eds.), Linguística Aplicada: suas faces e interfaces (pp. 255-270). Mercado de Letras.), a um pilar essencial para o empoderamento de grupos minoritarizados. Nas palavras da autora,

Sem que o entorno aprenda a respeitar e a conviver com diferentes manifestações lingüísticas e culturais, mesmo que fortalecidos politicamente e amparados legalmente, [...] os grupos que estão à margem do mainstream não conseguirão exercer, de forma plena, sua cidadania (Maher, 2007Maher, T. M. (2007). A educação do entorno para a interculturalidade e o plurilinguismo. In A. Kleiman & M. C. Cavalcanti (Eds.), Linguística Aplicada: suas faces e interfaces (pp. 255-270). Mercado de Letras., p. 257-258).

Posto isso, abordamos, na próxima seção, pontos fundamentais do debate sobre a avaliação de proficiência em contextos de migrações internacionais.

2. Debates sobre avaliação de proficiência em contextos de migrações internacionais

A discussão realizada nesta seção parte, principalmente, de alguns artigos de um volume especial do periódico Language Assessment Quarterly, intitulado Language Tests for Citizenship, Immigration, and Asylum, organizado por Shohamy e McNamara (2009bShohamy, E., & McNamara, T. (eds.) (2009b). Language tests for citizenship, immigration, and asylum. Language Assessment Quarterly , 6(1). ), que contou com a autoria de teóricos da área de avaliação em contexto de línguas. Embora a publicação date de 2009 e focalize políticas de países do Norte global, os aspectos nela abordados se mostram bastante relevantes para nossa discussão. A questão central nesse debate - formulada desde o texto de apresentação do volume, redigido por Shohamy e McNamara (2009aShohamy, E., & McNamara, T. (2009a). Editorial - Language tests for citizenship, immigration, and asylum. Language Assessment Quarterly , 6(1), 1-5. https://doi.org/10.1080/15434300802606440.
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), e retomada em outros textos - é se a proficiência na(s) língua(s) oficial(is) deve, ou não, ser um requisito para a entrada no país, o acesso a vistos de residência e/ou a obtenção da cidadania.

Conforme registra o volume em questão, exigências dessa natureza têm se tornado cada vez mais comuns, sobretudo para a naturalização, motivadas por razões muitas vezes não explicitadas, como medida de “contenção” de determinados grupos de migrantes, de segurança face ao “terrorismo internacional” e de proteção dos trabalhos dos cidadãos natos (Blackledge, 2009Blackledge, A. (2009). “As a country we do expect”: the further extension of language testing regimes in the United Kingdom. Language Assessment Quarterly, 6(1), 6-16. https://doi.org/10.1080/15434300802606465.
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; McNamara, 2009McNamara, T. (2009). Australia: The Dictation Test Redux? Language Assessment Quarterly, 6(1), 106-111. https://doi.org/10.1080/15434300802606663.
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). Um exemplo emblemático é o do teste vigente na Austrália entre a década de 1850 e a de 1930, implementado como parte de uma política conhecida como “White Australia Policy”, que consistia na aplicação, aos migrantes “não desejáveis”, de um ditado de 50 palavras em uma língua que já se sabia, antecipadamente, que lhes era desconhecida, de forma a impedir sua entrada (McNamara, 2009McNamara, T. (2009). Australia: The Dictation Test Redux? Language Assessment Quarterly, 6(1), 106-111. https://doi.org/10.1080/15434300802606663.
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). Ainda conforme McNamara (2009McNamara, T. (2009). Australia: The Dictation Test Redux? Language Assessment Quarterly, 6(1), 106-111. https://doi.org/10.1080/15434300802606663.
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), nesse mesmo país, em oposição às políticas de estímulo à migração nos cinquenta anos seguintes à Segunda Guerra Mundial - em que, em termos de exigências de proficiência, era suficiente conseguir responder, durante a entrevista de cidadania, perguntas como “Há quanto tempo você mora na Austrália?” e “Quais são os nomes dos seus filhos?”-, foi criado, na década de 1990, um novo teste de cidadania. Tal teste deve, na perspectiva do -autor, ser compreendido à luz da conjuntura mais ampla do período, marcada, entre outros elementos, pela implementação de políticas abertamente antimigratórias na esteira do fortalecimento da extrema-direita no poder.

É comum, como lembram diferentes autores (cf. Blackledge, 2009Blackledge, A. (2009). “As a country we do expect”: the further extension of language testing regimes in the United Kingdom. Language Assessment Quarterly, 6(1), 6-16. https://doi.org/10.1080/15434300802606465.
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; Cooke, 2009Cooke, M. (2009). Barrier or Entitlement? The language and citizenship agenda in the United Kingdom. Language Assessment Quarterly, 6(1), 71-77. https://doi.org/10.1080/15434300802606580.
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; De Jong et al., 2009De Jong, J. H. A. L., Lennig, M., Kerkhoff, A., & Poelmans, P. (2009). Development of a test of spoken Dutch for prospective immigrants. Language Assessment Quarterly, 6(1), 41-60. https://doi.org/10.1080/15434300802606564.
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; Kunnan, 2009Kunnan, A. J. (2009). Testing for citizenship: the U.S. naturalization test. Language Assessment Quarterly, 6(1), 89-97. https://doi.org/10.1080/15434300802606630.
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), o argumento de que a adoção de exames de proficiência em contextos de migrações internacionais, ao estimular a aprendizagem de determinada(s) língua(s), promoveria o sentimento de pertencimento e unidade nacional, bem como o conhecimento dos próprios direitos por parte dos naturalizandos. Nesse sentido, segundo autores como Kiwan (2008aKiwan, D. (2008a). Education for inclusive citizenship. Routledge. , 2008bKiwan, D. (2008b). A journey to citizenship in the United Kingdom. International Journal on Multicultural Societies, 9(2), 60-75., apud Cooke, 2009Cooke, M. (2009). Barrier or Entitlement? The language and citizenship agenda in the United Kingdom. Language Assessment Quarterly, 6(1), 71-77. https://doi.org/10.1080/15434300802606580.
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), tais testes contribuiriam para a coesão e integração sociais, evitando os efeitos negativos da segregação de grupos de migrantes. Daí esses exames serem, frequentemente, acompanhados pelos chamados “testes cívicos”, com conteúdos que variam dependendo do país, incluindo conhecimentos sobre a nação, suas instituições, sua história oficial, suas leis e certas normas culturais (Cooke, 2009Cooke, M. (2009). Barrier or Entitlement? The language and citizenship agenda in the United Kingdom. Language Assessment Quarterly, 6(1), 71-77. https://doi.org/10.1080/15434300802606580.
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)7 7 Em alguns casos, como o exame australiano implementado em 2007, considera-se que o teste cívico já demanda certa proficiência em uma dada língua, não havendo uma avaliação de língua à parte (McNamara, 2009). .

Afastando-se do argumento de que o uso de testes para fins de cidadania garantiria aos naturalizados o conhecimento dos seus direitos, evitando a formação de guetos, Cooke (2009Cooke, M. (2009). Barrier or Entitlement? The language and citizenship agenda in the United Kingdom. Language Assessment Quarterly, 6(1), 71-77. https://doi.org/10.1080/15434300802606580.
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) faz uma análise crítica dos testes utilizados no Reino Unido. Conforme a autora (2009, p. 73),

O teste de cidadania e o programa de educação foram apresentados pelos políticos e seus assessores (e.g., Kiwan, 2008bKiwan, D. (2008b). A journey to citizenship in the United Kingdom. International Journal on Multicultural Societies, 9(2), 60-75.) não como uma barreira, mas como um direito pensado para empoderar novos cidadãos. A justificativa liberal para o teste de língua e cidadania era, grosso modo, que os novos cidadãos têm o direito de participar da sociedade com um conjunto completo de direitos (e obrigações) que eles só poderão acessar aprendendo inglês e adquirindo conhecimento das leis, cultura e sistemas políticos britânicos; esses, por sua vez, serviriam como um forte elemento aglutinador dos diversos grupos que vivem juntos dentro das fronteiras do Reino Unido. [grifo do original].

Em sua crítica a essa justificativa liberal, Cooke (2009Cooke, M. (2009). Barrier or Entitlement? The language and citizenship agenda in the United Kingdom. Language Assessment Quarterly, 6(1), 71-77. https://doi.org/10.1080/15434300802606580.
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) argumenta que o programa britânico de cidadania não é percebido pelos migrantes como “empoderador”, e que a suposta preocupação com a garantia de direitos por meio da aprendizagem do inglês e de elementos da cultura britânica vai de encontro à legislação que procura restringir os direitos de migrantes não oriundos da União Europeia.

Ainda segundo Cooke (2009Cooke, M. (2009). Barrier or Entitlement? The language and citizenship agenda in the United Kingdom. Language Assessment Quarterly, 6(1), 71-77. https://doi.org/10.1080/15434300802606580.
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), há pesquisadores que consideram esse tipo de avaliação mais transparente do que decisões sobre proficiência e conhecimentos cívicos tomadas individualmente por funcionários públicos, como tem sido de praxe em muitos países - aí compreendido o Brasil, como veremos na seção 4. Segundo Kunnan (2009Kunnan, A. J. (2009). Testing for citizenship: the U.S. naturalization test. Language Assessment Quarterly, 6(1), 89-97. https://doi.org/10.1080/15434300802606630.
https://doi.org/10.1080/1543430080260663...
), essa foi, inclusive, uma das motivações para a elaboração de um exame padronizado nos Estados Unidos da América, onde, desde 1952, é condição para a naturalização a comprovação das capacidades de ler, escrever e falar em inglês, além de demonstração de conhecimentos sobre a história estadunidense, princípios e forma de governo. Apesar dos possíveis ganhos em termos de confiabilidade, Kunnan (2009Kunnan, A. J. (2009). Testing for citizenship: the U.S. naturalization test. Language Assessment Quarterly, 6(1), 89-97. https://doi.org/10.1080/15434300802606630.
https://doi.org/10.1080/1543430080260663...
) é bastante crítico em relação ao teste, mesmo em sua versão remodelada na primeira década do século XXI, por considerá-lo um mero obstáculo aos processos de obtenção de cidadania. Seus argumentos levam em conta tanto os requisitos do exame como seu propósito, conteúdo e aspectos operacionais e consequenciais: faltam, por exemplo, evidências de que ele avalia aquilo que se propõe a avaliar, ou de que ele pode fomentar o “nacionalismo cívico” e a “integração social”. Em vista disso, o pesquisador recomenda a substituição do teste de naturalização dos EUA8 8 A atual prova de naturalização estadunidense é composta por duas partes: (i) um exame de inglês, que inclui avaliação das capacidades de leitura, escrita e produção oral em inglês em nível básico; (ii) uma prova cívica, composta por questões sobre o governo e a história estadunidense. Para mais informações, cf. https://www.uscis.gov/citizenship/learn-about-citizenship/the-naturalization-interview-and-test. por cursos de inglês e de história e governo estadunidenses, o que considera uma posição ideológica intermediária para uma nação “onde não haveria nem uma política de monolinguismo nacional, nem uma política manifesta de direitos linguísticos individuais; onde não haveria defesa nem do patriotismo forte, nem do cosmopolitismo internacional manifesto” (Kunnan, 2009Kunnan, A. J. (2009). Testing for citizenship: the U.S. naturalization test. Language Assessment Quarterly, 6(1), 89-97. https://doi.org/10.1080/15434300802606630.
https://doi.org/10.1080/1543430080260663...
, p. 9).

Outro crítico voraz da exigência de comprovação de proficiência em contextos de migrações internacionais é Blackledge (2009Blackledge, A. (2009). “As a country we do expect”: the further extension of language testing regimes in the United Kingdom. Language Assessment Quarterly, 6(1), 6-16. https://doi.org/10.1080/15434300802606465.
https://doi.org/10.1080/1543430080260646...
), que analisa as exigências de comprovação de proficiência em inglês feitas não só a migrantes que almejam obter a cidadania britânica, mas também àqueles que desejam residir no Reino Unido por tempo indeterminado ou unir-se a seus cônjuges que lá já vivem9 9 Para informações sobre exigências britânicas de comprovação de proficiência para obtenção da cidadania ou residência por tempo indeterminado, cf. https://www.gov.uk/english-language. Para informações específicas sobre as exigências para familiares que desejam viver com seus cônjuges que já moram na Grã-Bretanha, cf. a regulamentação do Home Office (2021), departamento ministerial encarregado de questões relativas à migração. . Para o autor (2009, p. 8), tais exigências evidenciam “o constante falso reconhecimento da ‘proficiência em inglês’ como o meio de alcançar ‘coesão social’ e ‘unidade nacional’”, o que cria “as condições nas quais as línguas minoritárias que não o inglês, e os falantes dessas outras línguas, são sujeitos à coerção e discriminação”. Embora reconheça que a maioria dos migrantes internacionais no Reino Unido, ou até mesmo todos eles, queiram aprender inglês para ampliar suas possibilidades de mobilidade social, Blackledge argumenta contra qualquer política em que a aprendizagem da língua se constitua um mecanismo de gatekeeping. Em suas palavras, “há uma diferença entre coagir alguém a aprender uma língua e conceder-lhe acesso a um ambiente em que a aprendizagem possa ocorrer” (Blackledge, 2009Blackledge, A. (2009). “As a country we do expect”: the further extension of language testing regimes in the United Kingdom. Language Assessment Quarterly, 6(1), 6-16. https://doi.org/10.1080/15434300802606465.
https://doi.org/10.1080/1543430080260646...
, p. 14). Semelhantemente a Kunnan (2009Kunnan, A. J. (2009). Testing for citizenship: the U.S. naturalization test. Language Assessment Quarterly, 6(1), 89-97. https://doi.org/10.1080/15434300802606630.
https://doi.org/10.1080/1543430080260663...
), Blackledge propõe, então, como alternativa ao teste, o acesso gratuito a cursos de inglês desenhados com base na necessidade das comunidades locais, e que contem com facilidades como pessoas para cuidarem das crianças.

Zabrodskaja (2009Zabrodskaja, A. (2009). Language testing in the context of citizenship and asylum: the case of Estonia. Language Assessment Quarterly , 6(1), 61-70. https://doi.org/10.1080/15434300802606572.
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), por outro lado, assume uma posição distinta ao discutir os testes de proficiência no estônio - única língua oficial da Estônia-, exigidos para os que não concluíram o equivalente ao Ensino Fundamental, Médio ou Superior em uma escola onde essa não seja língua de instrução e que desejam trabalhar no país ou obter a cidadania. Para a naturalização - pleiteada também por grupos minoritarizados falantes de russo, uma vez que a cidadania é determinada no país não pelo local de nascimento, mas pela descendência de alguém que fosse um cidadão estoniano antes de 16 de junho de 1940-, é necessária, ainda, a aprovação em um teste de Constituição e Cidadania. A autora afirma que a maior parte da sociedade estoniana funciona basicamente na língua oficial do país, e, portanto, em sua visão, àqueles que não têm proficiência nessa língua “não podem ser conferidos os direitos que presumem que uma pessoa será politicamente informada, socialmente envolvida etc. - direitos esses que, via de regra, são obtidos por meio da competência linguística” (Zabrodskaja, 2009Zabrodskaja, A. (2009). Language testing in the context of citizenship and asylum: the case of Estonia. Language Assessment Quarterly , 6(1), 61-70. https://doi.org/10.1080/15434300802606572.
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, p. 67). Embora não considere o sistema de avaliação de proficiência injusto ou discriminatório contra os falantes de russo do país - possivelmente, a nosso ver, devido ao fato de que o estônio foi suplantado pelo russo em diferentes esferas da administração pública durante a ocupação soviética (1940-1941, 1944-1991)-, a autora reconhece que esse sistema tem se tornado um grande obstáculo para as gerações mais velhas, que, em sua experiência, têm maior dificuldade de aprender a língua.

Tomando como base para suas reflexões o contexto das políticas e práticas recentes do Reino Unido para o contexto de imigração, Saville (2009Saville, N. (2009). Language assessment in the management of international migration: a framework for considering the issues. Language Assessment Quarterly, 6(1), 17-29. https://doi.org/10.1080/15434300802606499.
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), diferentemente dos autores anteriormente citados, evita um posicionamento explícito sobre a questão, seja para defender, seja para criticar o uso de exames de proficiência em contextos de migrações internacionais. O autor propõe o desenvolvimento de um arcabouço teórico que possa ser utilizado para o desenvolvimento de políticas mais efetivas para migração e refúgio, bem como para a realização de pesquisas nessa área. Tal arcabouço deve ter clareza sobre o que denomina “jornada do imigrante”, tipicamente composta, em sua visão, por seis estágios na maioria dos países de destino: (i) pré-entrada; (ii) chegada e entrada; (iii) extensão da permanência; (iv) estabelecimento - licença indefinida de permanência; (v) pedido de naturalização; (vi) conquista da cidadania e obtenção do novo passaporte. Para o planejamento de uma política linguística que tenha em vista as especificidades desses diferentes estágios, Saville (2009Saville, N. (2009). Language assessment in the management of international migration: a framework for considering the issues. Language Assessment Quarterly, 6(1), 17-29. https://doi.org/10.1080/15434300802606499.
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) salienta a necessidade de um trabalho multidisciplinar, que inclua não só os responsáveis pelas políticas migratórias, mas também linguistas aplicados e especialistas em avaliação. Em suas palavras (2009, p. 28), profissionais responsáveis pelo desenvolvimento de testes devem assumir “um papel mais amplo na conscientização sobre a implicação das políticas nacionais para o desenvolvimento de testes válidos e confiáveis, levando em consideração diversos propósitos e contextos de uso”, de forma a garantir que tanto as necessidades dos responsáveis pelas políticas quanto as dos examinandos sejam levadas em consideração.

É possível observar, a partir dos testes abordados nos artigos que compõem o volume organizado por Shohamy e McNamara (2009bShohamy, E., & McNamara, T. (eds.) (2009b). Language tests for citizenship, immigration, and asylum. Language Assessment Quarterly , 6(1). ) e do levantamento de testes utilizados em outros países em contextos de migrações internacionais, que esses exames têm formatos distintos e avaliam diferentes habilidades conforme o país e sua política. Alguns envolvem produção e compreensão orais e escritas, como o teste utilizado na Estônia anteriormente mencionado (Zabrodskaja, 2009Zabrodskaja, A. (2009). Language testing in the context of citizenship and asylum: the case of Estonia. Language Assessment Quarterly , 6(1), 61-70. https://doi.org/10.1080/15434300802606572.
https://doi.org/10.1080/1543430080260657...
); outros apenas compreensão e produção orais, como o teste exigido na Holanda para aqueles que desejam fixar residência no país - aí excluídos os solicitantes de refúgio (De Jong et al., 2009De Jong, J. H. A. L., Lennig, M., Kerkhoff, A., & Poelmans, P. (2009). Development of a test of spoken Dutch for prospective immigrants. Language Assessment Quarterly, 6(1), 41-60. https://doi.org/10.1080/15434300802606564.
https://doi.org/10.1080/1543430080260656...
). Esse último teste é realizado por telefone, sem a necessidade de materiais escritos, para não prejudicar candidatos que não dominam o alfabeto latino. Alguns testes são em papel, como no caso da Itália10 10 https://www.europassitalian.com/it/esami-lingua-italiana/b1-per-cittadinanza/ ; outros são aplicados em computadores, como o do Reino Unido (Cooke, 2009Cooke, M. (2009). Barrier or Entitlement? The language and citizenship agenda in the United Kingdom. Language Assessment Quarterly, 6(1), 71-77. https://doi.org/10.1080/15434300802606580.
https://doi.org/10.1080/1543430080260658...
), o que demanda a familiaridade com certas práticas de letramento digital11 11 No caso do teste de cidadania australiano analisado por McNamara (2009), composto por vinte questões de múltipla escolha, os candidatos com baixa familiaridade com práticas de letramento em inglês ou em ambientes digitais podem solicitar a leitura em voz alta das perguntas e de suas alternativas. Para terem esse direito, precisam antes ser avaliados pelo Adult Migrant English Programme. . Esses exames podem, ainda, envolver questões discursivas, como o teste da Estônia (Zabrodskaja, 2009Zabrodskaja, A. (2009). Language testing in the context of citizenship and asylum: the case of Estonia. Language Assessment Quarterly , 6(1), 61-70. https://doi.org/10.1080/15434300802606572.
https://doi.org/10.1080/1543430080260657...
); alternativamente, podem ser apenas de múltipla escolha, como o exame australiano (McNamara, 2009McNamara, T. (2009). Australia: The Dictation Test Redux? Language Assessment Quarterly, 6(1), 106-111. https://doi.org/10.1080/15434300802606663.
https://doi.org/10.1080/1543430080260666...
).

Os níveis de proficiência exigidos para a naturalização costumam variar entre A2 e B1 do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (QECR). Em Portugal, para aprovação na Prova do Conhecimento da Língua Portuguesa para Aquisição de Nacionalidade, exige-se pelo menos o nível A212 12 https://iave.pt/novidades/abertas-inscricoes-para-a-pan/ , assim como no exame de naturalização holandês13 13 https://www.netherlandsworldwide.nl/living-working/becoming-a-dutch-citizen/civic-integration-examination-for-naturalisation . Já para obter a cidadania na Estônia, é necessário atingir, ao menos, o nível correspondente ao B1 (Zabrodskaja, 2009Zabrodskaja, A. (2009). Language testing in the context of citizenship and asylum: the case of Estonia. Language Assessment Quarterly , 6(1), 61-70. https://doi.org/10.1080/15434300802606572.
https://doi.org/10.1080/1543430080260657...
), do mesmo modo que na França14 14 https://www.service-public.fr/particuliers/vosdroits/F11926 , na Itália15 15 https://www.europassitalian.com/it/esami-lingua-italiana/b1-per-cittadinanza/ e no Reino Unido16 16 https://www.gov.uk/english-language#:~:text=You%20might%20need%20to%20prove,taught%20or%20researched%20in%20English , exceto em casos específicos de dispensa dessa comprovação. Exigências mais baixas podem ser feitas para outras demandas. Por exemplo, na França, a assinatura do Contrato de Integração Republicana (CIR) implica a obrigação de realizar uma formação linguística se o nível de proficiência em francês for inferior ao A117 17 https://www.ofii.fr/procedure/accueil-integration/. Para informações sobre as formações linguísticas ofertadas aos signatários do CIR, cf. https://parlera.fr/wp/ressources/panorama/ofii-cir/. ; na Estônia, para obter permissão de residência de longa duração, é necessário, no mínimo, o correspondente ao nível A2 (Zabrodskaja, 2009Zabrodskaja, A. (2009). Language testing in the context of citizenship and asylum: the case of Estonia. Language Assessment Quarterly , 6(1), 61-70. https://doi.org/10.1080/15434300802606572.
https://doi.org/10.1080/1543430080260657...
).

Em resumo, alguns autores defendem o uso de exames de proficiência em contextos de migrações internacionais, por considerarem que eles favorecem a aprendizagem da/ de uma língua oficial e, nesse sentido, contribuem para a inserção dos migrantes. Em contraposição, outros autores defendem políticas que, sem estabelecerem obrigações legais, favoreçam essa aprendizagem, por meio da oferta de cursos de línguas - e, eventualmente, de aspectos cívicos -, que, em geral, são objeto de interesse dos migrantes. As críticas desses últimos pesquisadores ao uso de exames de proficiência nos contextos em tela incidem sobre dois aspectos principais: (i) à sua própria adoção, frequentemente entendida como mecanismo de fencekeeping ou gatekeeping que evidencia uma visão homogênea de sociedade, minoritarizando outras culturas e línguas; (ii) ao fato de que os construtos declarados, muitas vezes, não correspondem àqueles efetivamente operacionalizados nos testes, tornando inválido o argumento de sua necessidade. Em que pesem essas posições antagônicas, parece consensual a defesa da necessidade de que linguistas aplicados e especialistas em avaliação participem desse debate junto a outros atores, dada a alta relevância das decisões tomadas a partir dos testes em questão - cujo uso, nos parece, é problematizado antes no âmbito da academia do que no Estado.

Posto isso, passamos, na próxima seção, a discutir, especificamente, as questões concernentes ao Brasil.

3. Nacionalidade primária e secundária na legislação brasileira

Nesta seção, discorremos sobre as formas de concessão de nacionalidade conforme a Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988Brasil. Presidência da República. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
) e seu tratamento infraconstitucional, tendo em vista, particularmente, a Lei nº 13.445/2017 (Brasil, 2017aBrasil. Presidência da República. (2017a). Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Lei/L13445.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), que trata, atualmente, da matéria da nacionalidade brasileira. Ainda nesta seção, discutiremos os principais motivos pelos quais parte dos migrantes e refugiados no Brasil busca a nacionalidade brasileira.

A Constituição de 1988, em seu Título II (“Dos direitos e garantias fundamentais”), Capítulo III (“Da Nacionalidade”), art. 12, estabelece os critérios para a concessão da nacionalidade primária ou originária (inciso I) e da nacionalidade adquirida ou secundária (inciso II):

  • Art. 12. São brasileiros:

  • I - natos:

  • a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

  • b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

  • c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007)

  • II - naturalizados:

  • a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

  • b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

  • § 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994) (Brasil, 1988Brasil. Presidência da República. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
    ).

Como podemos observar no inciso I do artigo anterior, a nacionalidade primária, no Brasil, se configura a partir do critério do jus soli (“direito de solo”) ou jus sanguinis (“direito de sangue”). Já a nacionalidade derivada, de que trata o inciso II, é adquirida por naturalização.

Infraconstitucionalmente, a matéria da nacionalidade era tratada pela Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Brasil, 1980 Brasil. Presidência da República. (1980). Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6815.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
), conhecida como Estatuto do Estrangeiro, que regeu a política migratória no Brasil até 2017. Entre os requisitos exigidos para a naturalização, constavam alguns que, como destacam Nascimento e Sartorreto (2016Nascimento, D. B., & Sartorreto, L. M. (2016). Naturalização à brasileira: o processo kafkiano de aquisição de nacionalidade no Brasil - estudo de caso. In GAIRE - Grupo de Assessoria a Imigrantes e a Refugiados (Ed.). Múltiplos olhares: migração e refúgio a partir da extensão universitária (pp. 115-128). Faculdade de Direito da UFRGS.), claramente, iam de encontro a uma perspectiva de migração pautada pelos Direitos Humanos, a exemplo dos seguintes: o “exercício de profissão ou posse de bens suficientes à manutenção própria e da família”; o “bom procedimento”; e “boa saúde”18 18 A partir da Lei n.º 6.964, de 09 de dezembro de 1981, deixou-se de exigir a prova de boa saúde aos estrangeiros residentes no Brasil há mais de 24 meses. (art. 112). Outra exigência era a capacidade de “ler e escrever a língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando”, conforme inciso IV do mesmo artigo.

Implementado durante a ditadura militar brasileira, o Estatuto do Estrangeiro (Brasil, 1980 Brasil. Presidência da República. (1980). Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6815.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
) era fortemente marcado por uma visão xenofóbica, autoritária e discriminatória do estrangeiro, visto como uma ameaça ao Brasil e aos brasileiros. É o que podemos observar já em seus primeiros artigos:

  • Art. 1° Em tempo de paz, qualquer estrangeiro poderá, satisfeitas as condições desta Lei, entrar e permanecer no Brasil e dele sair, resguardados os interesses nacionais.

  • Art. 2º Na aplicação desta Lei atender-se-á precipuamente à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, sócio-econômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional [grifos nossos].

O referido Estatuto foi revogado pela Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017, que institui a Lei de Migração (Brasil, 2017aBrasil. Presidência da República. (2017a). Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Lei/L13445.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). Apesar dos vetos do então presidente Michel Temer a uma série de trechos do texto, a sanção da lei marca uma mudança de paradigma, agora pautado por uma concepção do migrante como sujeito de direitos. Conforme o art. 3º, as seguintes diretrizes, entre várias outras, passam a reger a política migratória brasileira: “I - universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos; II - repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação; III - não criminalização da migração” (Brasil, 2017aBrasil. Presidência da República. (2017a). Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Lei/L13445.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). Entre as alterações trazidas pela Lei de Migração, estão os requisitos para a naturalização.

O capítulo VI da Lei 13.445/2017, intitulado “Da opção de nacionalidade e naturalização”, em seu art. 64, estabelece quatro tipos de naturalização, cuja concessão compete exclusivamente ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP): ordinária, extraordinária, especial ou provisória. No quadro a seguir, reunimos as exigências para cada uma delas:

Quadro 1
Modalidades de naturalização no Brasil e previsão legal

A naturalização continua sendo almejada por migrantes internacionais residentes no Brasil, embora a Lei de Migração lhes assegure, “em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, entre outros direitos (art. 4º) [grifo nosso]. De fato, apesar dos avanços trazidos por essa lei, não existe equiparação plena entre os direitos de migrantes e os de brasileiros - o que demandaria, inclusive, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Uma vez que a Constituição de 1988 (Brasil, 1988Brasil. Presidência da República. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
) proíbe distinções entre brasileiros natos e naturalizados, exceto nos casos nela previstos19 19 Conforme o § 3º do art. 12 (Brasil, 1988), “são cargos privativos de brasileiros natos: “I - de Presidente e Vice-Presidente da República; II - de Presidente da Câmara dos Deputados; III - de Presidente do Senado Federal; IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal; V - da carreira diplomática; VI - de oficial das Forças Armadas. VII - de Ministro de Estado da Defesa. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)”. Além disso, brasileiros natos, ao contrário dos naturalizados, nunca podem ser extraditados (art. 82). Outra distinção entre brasileiros natos e naturalizados prevista na Constituição Federal de 1988 é a de que apenas após dez anos da naturalização esses últimos podem ser proprietários de “empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens”. , obter a nacionalidade secundária permite aceder a quase todos os direitos de brasileiros natos.

A esse respeito, destacamos, em primeiro lugar, que, via de regra, estrangeiros não podem votar, nem ser votados, no Brasil, considerando que o alistamento eleitoral de estrangeiros é vedado na Constituição de 1988 (art. 14, § 2º) - exceção feita a portugueses com igualdade de direitos inerentes ao brasileiro20 20 Art. 12, § 1º: “Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)” (Brasil, 1988). -, e que uma das condições de elegibilidade é a nacionalidade brasileira (art. 14, § 3º)21 21 Em 2012, foi apresentada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 25, cuja ementa “altera os arts. 5º, 12 e 14 da Constituição Federal para estender aos estrangeiros direitos inerentes aos brasileiros e conferir aos estrangeiros com residência permanente no País capacidade eleitoral ativa e passiva nas eleições municipais”. A tramitação dessa PEC foi encerrada em 2018, tendo sido arquivada ao final da Legislatura. https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/105568 . Dessa forma, salvo os portugueses, migrantes que desejem votar ou ser votados precisam se naturalizar. Nesse sentido, partindo da visão de que “cidadão, no direito brasileiro, é o indivíduo que seja titular dos direitos políticos”, tal como argumenta Silva (2006Silva, J. A. da. (2006). Curso de direito constitucional positivo. Malheiros., p. 344), Nascimento e Sartoretto (2016Nascimento, D. B., & Sartorreto, L. M. (2016). Naturalização à brasileira: o processo kafkiano de aquisição de nacionalidade no Brasil - estudo de caso. In GAIRE - Grupo de Assessoria a Imigrantes e a Refugiados (Ed.). Múltiplos olhares: migração e refúgio a partir da extensão universitária (pp. 115-128). Faculdade de Direito da UFRGS.) consideram que o migrante está excluído da qualidade de cidadão.

O exercício dos direitos políticos no Brasil é, de fato, uma motivação para parte dos pedidos de naturalização. Nas eleições municipais de 2016, segundo reportagem do G1 (Velasco, 2020Velasco, C. (2020). Número de candidatos que se declaram ‘estrangeiros’ cresce nas eleições de 2020. G1, 12 out. 2020. https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2020/eleicao-em-numeros/noticia/2020/10/12/numero-de-candidatos-que-se-declaram-estrangeiros-cresce-nas-eleicoes-de-2020.ghtml.
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), de um total de 496.927 candidatos, pouco mais de 1500 se registraram como brasileiros naturalizados, portugueses com igualdade de direitos ou estrangeiros22 22 Como esclarecem Ávila e Donato (2020), ainda que estrangeiros não possam ser eleitos, a opção “estrangeiros” é disponibilizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) devido ao período compreendido entre a data de inscrição da candidatura e a da posse, durante o qual o estrangeiro pode obter a naturalização. . Já em 2020, de um total de 551.552 candidatos, 2.693 se registaram dessa forma - um aumento de 76% em relação a 2016 -, 93% dos quais tentaram uma vaga para vereador. Nas eleições daquele ano, 94 candidatos registrados como brasileiros naturalizados ou portugueses concorreram a uma vaga de prefeito, e 85 a de vice-prefeito (Velasco, 2020Velasco, C. (2020). Número de candidatos que se declaram ‘estrangeiros’ cresce nas eleições de 2020. G1, 12 out. 2020. https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2020/eleicao-em-numeros/noticia/2020/10/12/numero-de-candidatos-que-se-declaram-estrangeiros-cresce-nas-eleicoes-de-2020.ghtml.
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). Conforme Ávila e Donato (2020Ávila, O., & Donato, E. (2020). Os estrangeiros nas eleições municipais de 2020. Relatório de pesquisa. Diaspotics, Escola de Comunicação/UFRJ, Faperj. Diaspotics. https://oestrangeiro.org/os-estrangeiros-nas-eleicoes-municipais-de-2020-relatorio-de-pesquisa/.
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), as eleições de 2020 contaram com representantes nascidos em 38 países além do Brasil. As cinco nacionalidades mais recorrentes entre os candidatos foram a portuguesa - possivelmente, impulsionada pelo fato de que os portugueses não precisam da naturalização para serem eleitos -, seguida pela paraguaia, libanesa, uruguaia e boliviana.

Outra motivação para pedidos de naturalização é a possibilidade de acesso a cargos, empregos e funções públicas, que, conforme o art. 37, inciso I, da Constituição Federal de 1988, “são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei”23 23 Segundo reportagem publicada no portal R7 (Pinho, 2020), os profissionais da área da Saúde são, após os que se declaram estudantes, aqueles que mais solicitaram naturalização no Brasil em 2019. Parte desses profissionais está interessada, justamente, em prestar concurso público nessa área, como é o caso de muitos cubanos que permaneceram no Brasil após o governo de Cuba anunciar, em novembro de 2018, a saída do programa Mais Médicos, lançado em julho de 2013 pelo Governo Dilma Rousseff. (Brasil, 1988Brasil. Presidência da República. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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). O art. 207, § 1º, estabelece: “É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei24 24 Incluído pela Emenda Constitucional nº 11, de 1996. ”. De modo análogo, a Lei 8112/1990 (Brasil, 1990Brasil. Presidência da República. (1990). Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm.
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), art. 5º, inciso I, estabelece a nacionalidade brasileira como requisito para investidura em cargo público, mas prevê, no § 3º desse mesmo artigo, que “As universidades e instituições de pesquisa científica e tecnológica federais poderão prover seus cargos com professores, técnicos e cientistas estrangeiros, de acordo com as normas e os procedimentos desta Lei”25 25 Incluído pela Lei nº 9.515, de 20.11.97. . Entretanto, outros migrantes, que atuam nas áreas da Medicina, Enfermagem, entre muitas outras, continuam precisando se naturalizar para realizarem concursos públicos, uma vez que a Lei de Migração (Brasil, 2017aBrasil. Presidência da República. (2017a). Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Lei/L13445.htm.
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) não avançou nesse sentido, tendo sido vetado, pelo então Presidente Michel Temer, o § 2º do art. 4º: “Ao imigrante é permitido exercer cargo, emprego e função pública, conforme definido em edital, excetuados aqueles reservados para brasileiro nato, nos termos da Constituição Federal”. O veto a esse parágrafo, bem como ao 3º do mesmo artigo e à alínea d do inciso II do art. 3026 26 Art. 4º, § 3º: Não se exigirá do migrante prova documental impossível ou descabida que dificulte ou impeça o exercício de seus direitos, inclusive o acesso a cargo, emprego ou função pública.” Art. 30, inciso II: “[A residência poderá ser autorizada, mediante registro, ao imigrante, ao residente fronteiriço ou ao visitante que se enquadre em uma das seguintes hipóteses:] d) tenha sido aprovada em concurso público para exercício de cargo ou emprego público no Brasil”. , foi justificado sob o argumento de que esses dispositivos seriam uma “afronta à Constituição e ao interesse nacional” (Brasil, 2017bBrasil. Presidência da República. (2017b). Mensagem nº 163, de 24 de maio de 2017. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Msg/VEP-163.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
).

Outra razão pela qual migrantes buscam a naturalização no Brasil é a possibilidade de obtenção do passaporte brasileiro. Segundo o Henley Passport Index, que classifica todos os passaportes mundiais segundo o número de destinos a que seus portadores podem ter acesso sem necessidade de visto, o passaporte brasileiro é o 19º mais bem avaliado, tendo permitido, em 2021, o acesso a 170 países27 27 https://www.henleyglobal.com/passport-index/ranking . Ainda conforme esse ranking, um migrante do Haiti e da Síria, por exemplo, têm acesso, respectivamente, a apenas 49 e 29 países com os passaportes de seus países de origem. Segundo entrevistas concedidas por migrantes russófonos em São Paulo (Henriques & Ruseishvili, 2019Henriques, A. S., & Ruseishvili, S. (2019). Migrantes russófonos no Brasil no século XXI: perfis demográficos, caminhos de inserção e projetos migratórios. Ponto e vírgula, 25, 83-96. https://doi.org/10.23925/1982-4807.2019i25p83-96.
https://doi.org/10.23925/1982-4807.2019i...
), viagens internacionais com familiares podem lhes ser muito desgastantes, visto que, para os que possuem passaporte russo, é necessário obter vistos para entrar em certos países - o que demanda tempo, esforços e investimento financeiro-, enquanto, para aqueles que têm passaporte brasileiro, isso não é necessário.

Por fim, destacamos uma última motivação para a busca pela naturalização brasileira: o desejo de ter a carteira de identidade brasileira. Lembramos, neste ponto, que, conforme Maher (2007Maher, T. M. (2007). A educação do entorno para a interculturalidade e o plurilinguismo. In A. Kleiman & M. C. Cavalcanti (Eds.), Linguística Aplicada: suas faces e interfaces (pp. 255-270). Mercado de Letras.), a aprovação de legislações favoráveis não é suficiente para romper com as opressões a que os grupos minoritarizados estão submetidos: ela precisa ser acompanhada pela politização desses grupos, bem como por aquilo que a autora chama de “educação do entorno”. Em um país onde migrantes têm direitos básicos desrespeitados em seu dia a dia, a obtenção do Registro Geral, para além dos significados simbólicos e identitários a que pode estar atrelada é, na perspectiva de alguns, um instrumento para minimizar a xenofobia e a violação de direitos, conforme relatos que já ouvimos.

Posto isso, apresentaremos e discutiremos, na próxima seção, o histórico das exigências de proficiência em língua portuguesa para fins de naturalização no Brasil. Lembramos que, ao contrário do que ocorre em outros países, o Brasil não exige, em geral, proficiência em língua portuguesa para a entrada no país, ou para a concessão de autorização de residência28 28 Para mais informações sobre autorizações de residência, cf. https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/imigracao/autorizacao-residencia/documentos/capa. , exceto em casos específicos, como o de estudantes que desejam se matricular em uma Instituição de Ensino Superior (IES) brasileira no âmbito do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G)29 29 Sem o Celpe-Bras, candidatos ao PEC-G oriundos de países onde o exame é aplicado não conseguem o visto de estudante, conforme o Decreto 7.948, de 12 de março de 2013 (Brasil, 2013). Já candidatos provenientes de países sem postos aplicadores do exame podem realizar o teste no Brasil uma única vez, após a realização de um curso de Português como Língua Adicional (PLA) em uma IES credenciada. Se reprovados, não podem ingressar no PEC-G, sendo “vedada a prorrogação de seu registro e do prazo de estada no Brasil”. Tal vedação, cumpre destacar, está amparada em dois instrumentos legais já revogados: a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Brasil, 1980), e o Decreto nº 86.715, de 10 de dezembro de 1981 (Brasil, 1981). , ou de médicos estrangeiros interessados em atuarem no projeto Mais Médicos para o Brasil30 30 O projeto Mais Médicos para o Brasil foi instituído em 2013, com o principal objetivo de prover emergencialmente médicos para atuação no Sistema Único de Saúde em regiões brasileiras carentes desses profissionais (encurtador.com.br/ijFGP). A participação no projeto estava condicionada à aprovação no chamado Módulo de Acolhimento e Avaliação (MAAv), com uma carga-horária mínima de 120 horas, distribuídas em dois eixos: Saúde e Língua Portuguesa. Nas edições do MAAv ocorridas em algumas cidades brasileiras em 2013 e 2014, que contaram com a participação de centenas de médicos cubanos, os candidatos estrangeiros reprovados deveriam voltar a seus países. No caso das edições do MAAv ocorridas em Cuba de 2015 a 2018, os reprovados no MAAv não tinham autorização para entrada no Brasil por meio do projeto Mais Médicos. Para uma discussão sobre um teste de português em formato de role-play utilizado nas primeiras edições do MAAv, cf. Diniz & Bizon (2019). . Por outro lado, a proficiência em português tem sido, historicamente, exigida no Brasil para algumas modalidades de naturalização, conforme mostraremos na sequência.

4. Naturalização no Brasil e proficiência em português: um percurso diacrônico

Na seção anterior, citamos o art. 12 da Constituição Federal (Brasil, 1988Brasil. Presidência da República. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
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), que estabelece quem são os brasileiros natos e os naturalizados. Gostaríamos de chamar a atenção, neste momento, para o fato de que, no mesmo capítulo em que se encontra este artigo - o Capítulo III, intitulado “Da Nacionalidade”-, se encontra o art. 13, segundo o qual “A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”31 31 Conforme o § 1º desse artigo, “São símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais”. . Assim, embora não apareça como requisito para a nacionalidade primária32 32 Lembramos, nesse sentido, que a Constituição de 1988 reconhece que comunidades indígenas podem ter outras línguas maternas. Conforme o art. 210, § 2º, “O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”. ou secundária no art. 12, a língua portuguesa determina, indiretamente, o objeto jurídico “nacionalidade brasileira”. Em outras palavras, a presença do art. 13 no capítulo “Da Nacionalidade” produz, como efeito, o sentido de que português - e não outras constitutivas de um Brasil multilíngue (Cavalcanti & Maher, 2018Cavalcanti, M. C., & Maher, T. M. (2018). Contemporary Brazilian perspectives on multilingualism: an introduction. In M. C. Cavalcanti & T. M. Maher, Multilingual Brazil (pp. 1-15). Routledge.) - não é apenas a língua oficial da República Federativa do Brasil, mas também a língua dos cidadãos brasileiros, natos ou naturalizados. Esse artigo exerce, portanto, um papel crucial no processo histórico por meio do qual “a língua toma um contorno basicamente político, em que se sedimenta o nacionalismo” (César & Cavalcanti, 2007César, A. L., & Cavalcanti M. C. (2007). Do singular para o multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In M. C. Cavalcanti & S. M. Bortoni-Ricardo (Eds.), Transculturalidade, linguagem e educação (pp. 45-66). Mercado de Letras., p. 49).

Buscando traçar um percurso diacrônico das exigências de proficiência para fins de naturalização no Basil, organizamos esta seção em três subseções. Na primeira delas, concentramo-nos sobre as exigências estabelecidas de 1949 a 2018; na segunda, no uso do Celpe-Bras, única opção possível para comprovação de proficiência após a publicação das Portarias Interministeriais 5/2018 e 11/2018; na terceira, nas últimas portarias e na legislação vigente.

Exigências de proficiência entre 1949 e 2018

A exigência de proficiência em língua portuguesa em processos de naturalização já era uma realidade antes da Constituição de 1988. Na Lei n.º 818/1949 (Brasil, 1949Brasil. Presidência da República. (1949). Lei n.º 818, de 18 de setembro de 1949. Regula a aquisição, a perda e a reaquisição da nacionalidade, e a perda dos direitos políticos. https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1940-1949/lei-818-18-setembro-1949-364080-norma-pl.html.
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei...
), estabelece-se, como uma das condições para naturalização, “ler e escrever a língua portuguesa, levada em conta a condição do naturalizando” (art. 8º, inciso III). Semelhantemente, a Lei nº 6.815/1980, que regeu a política migratória no Brasil até 2017, estabelece o mesmo pré-requisito para a naturalização: “ler e escrever a língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando” (Brasil, 1980 Brasil. Presidência da República. (1980). Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6815.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
, art. 112, inciso IV). O Decreto nº 86.715 (Brasil, 1981Brasil. Presidência da República. (1981). Decreto nº 86.715, de 10 de dezembro de 1981. Regulamenta a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, que Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d86715.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
), por sua vez, que regulamenta a Lei nº 6.815/1980, determina, em seu art. 125, § 3º, inciso IV, que o órgão local do Departamento de Polícia Federal, ao processar o pedido de naturalização, “certificará se o requerente lê e escreve a língua portuguesa, considerada a sua condição” [grifo nosso]. O art. 129 desse mesmo Decreto determina, ainda:

  • Art. 129 - A entrega do certificado [relativo a cada naturalizando, emitido pelo Departamento Federal de Justiça após a publicação da Portaria de Naturalização no Diário Oficial da União] constará de termo lavrado no livro audiência, assinado pelo juiz e pelo naturalizado, devendo este:

  • I - demonstrar que conhece a língua portuguesa, segundo a sua condição, pela leitura de trechos da Constituição; (Revogado pelo Decreto nº 8.757, de 2016)

  • [...]

  • §1º - Ao naturalizado de nacionalidade portuguesa não se aplica o disposto no item I deste artigo. (Brasil, 1981Brasil. Presidência da República. (1981). Decreto nº 86.715, de 10 de dezembro de 1981. Regulamenta a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, que Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d86715.htm.
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    ) [grifo nosso]

O artigo em questão faz, portanto, referência a um teste de leitura, sem explicitar seu formato ou sua natureza. Por se exigir a leitura de trechos da constituição no momento da entrega do documento de concessão da cidadania, trata-se, possivelmente, de um teste de leitura em voz alta - leitura que, cumpre sublinhar, não necessariamente envolve compreensão e, nesse sentido, não permite avaliar se o naturalizando “conhece a língua portuguesa”, como objetiva o exame.

Entre os documentos relativos à exigência de proficiência em português para fins de naturalização publicados após a Constituição de 1988, temos a Instrução de Serviço n.º 003 da Divisão de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras, de 29 de setembro de 1997, que estabelece, entre as providências a serem adotadas na instrução do processo de naturalização, “Avaliar o conhecimento do naturalizando sobre o idioma nacional, através de teste escrito, e de leitura, o qual deverá ser anexado ao processo” (Brasil, 1997Brasil. Divisão de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras. (1997). Instrução de Serviço nº 003, de 29 de setembro de 1997. , art. 114, inciso II). Chamamos a atenção para o fato de que o sintagma “o conhecimento do naturalizando sobre o idioma nacional” parece indicar a filiação a um paradigma de língua totalizador e homogêneo, fortemente criticado por autores como César e Cavalcanti (2007César, A. L., & Cavalcanti M. C. (2007). Do singular para o multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In M. C. Cavalcanti & S. M. Bortoni-Ricardo (Eds.), Transculturalidade, linguagem e educação (pp. 45-66). Mercado de Letras.), em que a multiplicidade linguística é apartada das práticas sociais. Nesse paradigma, tradicionalmente, a avaliação de proficiência não se dá pela demonstração direta dessa capacidade.

Por outro lado, o Decreto nº 9.199, de 20 de novembro de 2017 (Brasil, 2017cBrasil. Presidência da República. (2017c). Decreto n.º 9.199, de 20 de novembro de 2017. Regulamenta a Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, que Institui a Lei de Migração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/d9199.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), atualmente vigente, que regulamenta a Lei de Migração (Brasil, 2017aBrasil. Presidência da República. (2017a). Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Lei/L13445.htm.
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), estabelece:

  • Art. 222. A avaliação da capacidade do naturalizando de se comunicar em língua portuguesa será regulamentada por ato do Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública.

  • Parágrafo único. Para fins do disposto no inciso III do caput do art. 233 e no inciso II do caput do art. 241, as condições do naturalizando quanto à capacidade de comunicação em língua portuguesa considerarão aquelas decorrentes de deficiência, nos termos da legislação vigente. [negritos do original; itálico nosso]

Conforme o parágrafo único do artigo anteriormente reproduzido, “as condições do naturalizando quanto à capacidade de comunicação em língua portuguesa” dizem respeito, tão somente, a pessoas com deficiência, de forma que a legislação não abre espaço para considerar a diversidade de perfis migratórios, por exemplo, no que diz respeito ao nível de escolarização. Segundo dados gerados entre 13 de junho de 2018 e 20 de fevereiro de 2019 junto a 487 refugiados no Brasil (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, 2019), se, por um lado, 34,4% dos informantes concluíram o Ensino Superior, 2,7% não completaram o Ensino Fundamental, e 0,6% se declararam analfabetos. Assim, se “a capacidade de comunicação” a que se refere o parágrafo único do artigo em questão necessariamente incluir leitura e produção escritas, uma parte dos migrantes, ainda que pequena, terá grandes obstáculos para obter a naturalização33 33 Trata-se de um mecanismo de exclusão semelhante ao que se deu por cem anos com os analfabetos brasileiros, que só alcançaram o direito ao voto em maio de 1985 (Westin, 2016). .

Nos incisos III dos arts. 233 e 241 do Decreto 9.199/2017 (Brasil, 2017cBrasil. Presidência da República. (2017c). Decreto n.º 9.199, de 20 de novembro de 2017. Regulamenta a Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, que Institui a Lei de Migração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/d9199.htm.
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), determina-se, para a concessão da naturalização ordinária e especial, respectivamente, a necessidade de comprovação da “capacidade de se comunicar em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando”. O art. 234, por sua vez, estabelece que “O pedido de naturalização ordinária se efetivará por meio da: [...] IIII - demonstração do naturalizando de que se comunica em língua portuguesa, consideradas as suas condições”, enquanto o art. 242, inciso II, dispõe sobre esse mesmo aspecto no que concerne à naturalização especial. Para “imigrantes originários de países de língua portuguesa”, conforme o art. 237, nenhuma exigência de proficiência em língua portuguesa é feita (Brasil, 2017cBrasil. Presidência da República. (2017c). Decreto n.º 9.199, de 20 de novembro de 2017. Regulamenta a Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, que Institui a Lei de Migração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/d9199.htm.
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)34 34 Essa dispensa se contrasta com a exigência do Celpe-Bras para candidatos ao PEC-G oriundos da CPLP, criticada por Diniz e Bizon (2015), Scaramucci et al. (2019), Tosatti (2021) e Bizon e Diniz (no prelo). .

O Decreto 9.199/2017 (Brasil, 2017cBrasil. Presidência da República. (2017c). Decreto n.º 9.199, de 20 de novembro de 2017. Regulamenta a Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, que Institui a Lei de Migração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/d9199.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
) representa, portanto, uma mudança na política linguística em tela. Se, nas Leis n.º 818/1949 (Brasil, 1949Brasil. Presidência da República. (1949). Lei n.º 818, de 18 de setembro de 1949. Regula a aquisição, a perda e a reaquisição da nacionalidade, e a perda dos direitos políticos. https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1940-1949/lei-818-18-setembro-1949-364080-norma-pl.html.
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei...
) e 6.815/1980 (Brasil, 1980 Brasil. Presidência da República. (1980). Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6815.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
), assim como no Decreto nº 86.715 (Brasil, 1981Brasil. Presidência da República. (1981). Decreto nº 86.715, de 10 de dezembro de 1981. Regulamenta a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, que Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d86715.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
) e na Instrução de Serviço n.º 003/1997 da Divisão de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras (Brasil, 1997Brasil. Divisão de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras. (1997). Instrução de Serviço nº 003, de 29 de setembro de 1997. ), a proficiência exigida diz respeito à leitura e à escrita, no Decreto nº 9.19/2017 (Brasil, 2017cBrasil. Presidência da República. (2017c). Decreto n.º 9.199, de 20 de novembro de 2017. Regulamenta a Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, que Institui a Lei de Migração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/d9199.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), ela passa a dizer respeito à comunicação em língua portuguesa. Sigales-Gonçalves e Zoppi-Fontana (2021Sigales-Gonçalves, J. S., & Zoppi-Fontana, M. G. (2021). O direito como instrumento de políticas linguísticas no espaço de enunciação brasileiro: questões para a Análise materialista de Discurso. Linguagem & Ensino, 24, 625-645. https://https://doi.org/10.15210/RLE.V24I3.20068.
https://https://doi.org/10.15210/RLE.V24...
, p. 14) identificam nessa mudança a tensão entre duas dimensões da memória da língua portuguesa no Brasil: a da língua oficial, “constituída a partir da regulação jurídica, sustentada historicamente no discurso escrito (Gallo, 1992Gallo, S. L. (1992). Discurso da escrita e ensino. Unicamp.) e seus efeitos de estabilização do sentido e dos sujeitos em espaços de não contradição (Gadet & Pêcheux, 2010Gadet, F., & Pêcheux, M. (2010). A língua inatingível: o discurso na história da lingüística. Pontes.)”; e a da língua nacional, “fruto de um processo de gramatização que trabalha a constituição da cidadania em relação a um Estado nacional, com seus efeitos de interpelação”.

Destacamos, ainda, que, embora a demonstração da capacidade de comunicar-se pressuponha uma visão mais contemporânea de língua/linguagem - em que o desempenho, e não o conhecimento, seja avaliado-, o construto “capacidade de comunicação em língua portuguesa” é vago. Trata-se da comunicação oral e/ou escrita? Em que situações? Com que propósitos? Em que níveis? Estaria em jogo, aqui, uma visão não técnica de proficiência, vista como uma capacidade única, absoluta, monolítica, que dispensaria maiores qualificações e detalhamentos (Scaramucci, 2000Scaramucci, M. V. R. (2000). Proficiência em LE: considerações terminológicas e conceituais. Trabalhos em Linguística Aplicada, 36, 11-22. )?

Na tentativa de obter dados complementares para entender melhor como a legislação tem sido aplicada, tivemos acesso a três modelos de testes, disponíveis nos Anexos 1 a 3, utilizados em períodos distintos, desenvolvidos e aplicados localmente por agentes da Polícia Federal35 35 Por motivos éticos, foram suprimidos os dados de identificação dos candidatos, dos agentes policiais que aplicaram o teste e dos fiscais, bem como o local e data de aplicação. .

O primeiro modelo (Anexo 1), utilizado no período de 2010 a 2013, embora denominado “teste de conhecimento sobre o idioma nacional”, especifica, mais adiante, ser uma avaliação em leitura e escrita. O exame carece de instruções escritas, porém, conforme informações institucionais que recebemos da Polícia Federal, essas eram repassadas oralmente. Trata-se de uma prova de leitura em voz alta de um texto - no caso, um trecho da Constituição de 1988-, seguida pela cópia desse mesmo texto. A leitura é reduzida, assim, à oralização de um texto; a escrita, à cópia desse mesmo texto.

O segundo modelo de teste a que tivemos acesso (Anexo 2) é datado de 2016. Denominado “Teste para aferição de conhecimentos sobre a língua portuguesa”, abrange duas partes: um “teste de leitura” e um “teste de escrita”. O primeiro consiste na leitura em voz alta de um texto de 15 linhas sobre o Brasil, cuja fonte não é identificada. O segundo consiste na reprodução (cópia) de um dos parágrafos do texto e na resposta aberta a três perguntas de localização de informações. As três perguntas (“Qual é a população do Brasil?”; “Em quantas regiões o Brasil é dividido?”; “Qual é a capital do Estado de Mato Grosso do Sul?”), em especial as duas últimas, são passíveis de serem respondidas sem a leitura do texto, a depender do conhecimento prévio do naturalizando. Curiosamente, apesar de o solicitante ter respondido corretamente às questões, sua nota foi “regular” no chamado “teste de escrita”, o que talvez possa ser explicado pela caligrafia ruim na reprodução do parágrafo em questão.

O terceiro modelo (Anexo 3), de 2017, contém três perguntas iniciais, que, como no teste anterior, devem ser respondidas por escrito nos espaços disponíveis. Tais perguntas têm como ponto de partida um texto sobre o combate à dengue, publicado no site Sua Pesquisa. São propostas as seguintes questões: “1 - De que assunto trata a notícia jornalística?”; “2 - Em sua opinião, o que poderia ser feito para evitar ou solucionar o problema noticiado na notícia?”; “3 - Algum fato semelhante ao da notícia aconteceu em seu país? Em caso afirmativo ou negativo, comente a resposta”. Um quarto comando solicita a descrição dos motivos do solicitante para naturalização, e um quinto e último requer a transcrição de um texto escolhido e ditado pelo fiscal da prova.

Em resumo, os três modelos de teste evidenciam, além de visões bastante redutoras de leitura e escrita, uma concepção de língua fortemente grafocêntrica, em que a oralidade não tem espaço, a não ser enquanto oralização de textos escritos. Esse grafocentrismo, associado à natureza dos textos utilizados - em particular, no caso do trecho da Constituição de 1988 e de um texto bastante escolarizado sobre o Brasil (Anexos 1 e 2, respectivamente)-, escancara o que está em jogo na exigência de proficiência em questão, sob a ótica do Estado Nacional: o conhecimento da língua oficial, sustentada pela escrita. Sintomaticamente, em um flagrante apagamento da diversidade linguística constitutiva do Brasil - e da qual fazem parte, entre outras, as línguas que integram os repertórios dos migrantes que buscam a naturalização-, afirma-se no modelo de teste de 2016 (Anexo 2): “Sua área [do Brasil] é de 8.511.966 km2, tendo o português como língua única e oficial” [grifo nosso].

A exigência do Celpe-Bras nas Portarias Interministeriais 5/2018 e 11/2018

As Portarias Interministeriais n.º 5, de 27 de fevereiro de 2018 (Brasil, 2018aBrasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. (2018a). Portaria Interministerial nº 5, de 27 de fevereiro de 2018. Dispõe sobre o procedimento de reconhecimento da condição de apatridia e da naturalização facilitada dela decorrente. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 40, p. 34-39, 28 fev. 2018. http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/doc.php?file=fileadmin/Documentos/BDL/2018/11593.
http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/d...
), e n.º 11, de 3 de maio de 2018 (Brasil, 2018bBrasil. Ministério da Justiça. (2018b). Portaria Interministerial nº. 11, de 03 de maio de 2018. Dispõe sobre os procedimentos para solicitação de naturalização, de igualdade de direitos, de perda, de reaquisição de nacionalidade brasileira e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira e dá outras providências. Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, DF, n. 85, p. 46, 04 mai. 2018. https://www.jusbrasil.com.br/diarios/188991340/dou-secao-1-04-05-2018-pg-46.
https://www.jusbrasil.com.br/diarios/188...
), vieram exercer poder regulamentar previsto pelo art. 222 do Decreto 9.199/2017 (Brasil, 2017cBrasil. Presidência da República. (2017c). Decreto n.º 9.199, de 20 de novembro de 2017. Regulamenta a Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, que Institui a Lei de Migração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/d9199.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), anteriormente transcrito. Tais portarias, publicadas pelo Ministro de Estado da Justiça e pelo Ministro Extraordinário da Segurança Pública, são um marco na política linguística aqui analisada, por terem introduzido, em algumas modalidades de naturalização, o Celpe-Bras, “único certificado de proficiência em língua portuguesa reconhecido oficialmente pelo governo brasileiro” (Brasil, 2020aBrasil. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2020a). Documento base do exame Celpe-Bras. Inep. , p. 13), aplicado no Brasil e no exterior desde 199836 36 Para informações sobre o exame, ver Documento Base do Exame Celpe-Bras (Brasil, 2020a) e o Acervo do Celpe-Bras (https://www.ufrgs.br/acervocelpebras/acervo/). . No inciso IV do art. 16 da primeira portaria, uma das exigências estabelecidas para que aqueles que tiverem sua condição de apatridia reconhecida possam requerer a naturalização ordinária é a “capacidade de se comunicar em língua portuguesa, consideradas suas condições, comprovada por meio do Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa [sic] (Celpe-Bras), emitido pelo Ministério da Educação, independente do nível alcançado” (Brasil, 2018aBrasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. (2018a). Portaria Interministerial nº 5, de 27 de fevereiro de 2018. Dispõe sobre o procedimento de reconhecimento da condição de apatridia e da naturalização facilitada dela decorrente. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 40, p. 34-39, 28 fev. 2018. http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/doc.php?file=fileadmin/Documentos/BDL/2018/11593.
http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/d...
). A mesma exigência é feita no artigo 5º da Portaria Interministerial n.º 11, de 3 de maio de 2018 (Brasil 2018bBrasil. Ministério da Justiça. (2018b). Portaria Interministerial nº. 11, de 03 de maio de 2018. Dispõe sobre os procedimentos para solicitação de naturalização, de igualdade de direitos, de perda, de reaquisição de nacionalidade brasileira e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira e dá outras providências. Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, DF, n. 85, p. 46, 04 mai. 2018. https://www.jusbrasil.com.br/diarios/188991340/dou-secao-1-04-05-2018-pg-46.
https://www.jusbrasil.com.br/diarios/188...
), relativa à tramitação dos processos de naturalização ordinária.

Parte da comunidade da área de PLA tomou conhecimento do uso do exame para esse fim no Encontro de Coordenadores do Celpe-Bras ocorrido na sede do Inep, em Brasília, entre 25 e 27 e julho de 2018 - especificamente, durante a mesa-redonda “A Nova Lei de Migração (Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017)”, realizada na manhã do primeiro dia do evento, conforme programação do encontro (ENCCELPE, 2018ENCCELPE 2018 - Encontro de Coordenadores do Celpe-Bras. (2018). Programação. Brasília, DF: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 25 a 27 jul. 2018.). Naquele momento, representantes do então denominado Ministério da Justiça (Departamento de Naturalização) e do Ministério Especial da Segurança Pública (Polícia Federal) que integravam a mesa deram, com satisfação, a notícia de que o Celpe-Bras passaria a ser utilizado em substituição às provas anteriores utilizadas na Polícia Federal para fins de naturalização, a fim de se garantir maior uniformidade e imparcialidade às avaliações. Ao fim da mesa, bem como em outros momentos do evento, houve manifestações públicas de diferentes participantes - em particular, de membros da Comissão Técnico-Científica do Celpe-Bras, incluindo os autores do presente texto - contra o uso desse exame para fins de naturalização. Conforme relata Martins (2020Martins, P. A. (2020). Lutando por legislações emancipadoras na área do Refúgio, Migração e Apatridia - análise da atuação da CSVM na UFPR no processo de elaboração da Lei do CERMA, Lei de Migrações e Portaria MJ sobre Celpe-Bras. In J. A. P. Gediel & T. S. Friedrich (Eds.), Movimentos, memórias e refúgio: ensaios sobre as boas práticas da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (ACNUR) na Universidade Federal do Paraná (pp. 258-263). InVerso.), o tema também foi debatido no Seminário da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, realizado na Universidade Federal do Paraná em 2018, o que foi decisivo para a mudança na legislação.

Face ao que discutimos na subseção relativa às exigências de proficiência para fins de naturalização entre 1949 e 2018, não é difícil entender o grande atrativo exercido, nos elaboradores das Portarias 5/2018 e 11/2018, pela possibilidade de se usar um exame padronizado como o Celpe-Bras como um requisito de proficiência. Em termos de confiabilidade, sem dúvida alguma, o ganho foi enorme, na medida em que os critérios e as condições estabelecidos são os mesmos para todos os solicitantes. Todavia, pela falta de diálogo com especialistas em avaliação, os responsáveis por esse gesto de política linguística não levaram em consideração que exames não são “de tamanho único” (one size fits all), mas desenvolvidos para públicos-alvo específicos. No caso do Celpe-Bras, as necessidades linguísticas do público-alvo inicial - graduandos e pós-graduandos estrangeiros matriculados em IES brasileiras-, em conjunto com a possibilidade de criação de um instrumento redirecionador do ensino de PLA no Brasil e no exterior, foram responsáveis “pela definição da natureza do Exame, de seus conteúdos, das habilidades avaliadas e dos pesos dados a cada uma delas” (Brasil, 2020aBrasil. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2020a). Documento base do exame Celpe-Bras. Inep. , p. 17). Desse modo, embora não seja um teste com fins acadêmicos, o Celpe-Bras “pressupõe a familiaridade com diferentes práticas de letramento de que participam cidadãos escolarizados” (Brasil, 2020aBrasil. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2020a). Documento base do exame Celpe-Bras. Inep. , p. 32).

Em que pese a grande heterogeneidade dos migrantes que têm chegado ao Brasil, dados do Relatório Anual do OBMigra (Calvalcanti et al., 2021) indicam que, em 2020, quase 50% dos migrantes inseridos no mercado de trabalho formal tinham Ensino Médio, ao passo que trabalhadores com Ensino Superior reduziram sua participação em cerca de 20% ao longo da década de 2010. As necessidades linguísticas desses migrantes, diversas, não são contempladas no Celpe-Bras, que, por não ter sido desenvolvido para o contexto das migrações internacionais, pode conter, em seu construto, variações irrelevantes ou que sub-representam um construto que seria adequado para esse público alvo. Tais variações são ameaças potenciais à validade do exame, comprometendo as inferências feitas sobre o desempenho dos candidatos com base em seus resultados, assim como as decisões tomadas com base nesses desempenhos. Para que inferências adequadas possam ser feitas sobre os níveis de proficiência dos examinandos, é necessário envolvê-los em situações avaliativas que representem aquelas com que se depararão no futuro. Nessa perspectiva, o grau de proximidade das situações do exame com as de uso real é um elemento chave no julgamento do grau de adequação e validade das inferências sobre o desempenho dos examinandos.

As implicações da violação de um dos princípios teóricos mais básicos da avaliação - o uso de um exame em outro contexto (test misuse) -pode ser sentida de forma bastante significativa na prática. Estimamos que a porcentagem de migrantes de crise reprovada no Celpe-Bras seja alta, a julgar pela nossa própria experiência como coordenadores de postos aplicadores no Brasil e membros da equipe de coordenadores de eventos de correção do exame organizados pelo Inep. Segundo matéria publicada no MigraMundo (2019MigraMundo. (2019). Como a proficiência em língua portuguesa virou empecilho para naturalização de migrantes, 17 out. 2019. https://migramundo.com/como-a-proficiencia-em-lingua-portuguesa-virou-empecilho-para-naturalizacao-de-migrantes/.
https://migramundo.com/como-a-proficienc...
), em 2018, 56 dos 84 inscritos no Celpe-Bras na Universidade Federal de Santa Catarina realizaram o exame para fins de naturalização; desses 56, somente três atingiram o nível mínimo para certificação. Em 2019, nessa mesma universidade, dos 97 inscritos, 48 realizaram o Celpe-Bras para a naturalização, e 17 desses obtiveram o nível Intermediário. Como os especialistas da área anteviram, o novo uso do Celpe-Bras impactou negativamente os processos de naturalização, e a exigência de proficiência em português, tal como feita atualmente, tem funcionado, assim, como uma política de gatekeeping (Anunciação & Camargo, 2019Anunciação, R. F. M. de, & Camargo, H. R. E. (2019). O exame Celpe-Bras como política gatekeeping para a naturalização no Brasil. Muiraquitã: Revista de Letras e Humanidades, 7(2), 10-22. https://doi.org/10.29327/212070.7.2-2.
https://doi.org/10.29327/212070.7.2-2...
) -ainda que, possivelmente, essa não tenha sido a intenção dos responsáveis pela introdução do exame em processos de obtenção da nacionalidade secundária.

Na Parte Escrita, as dificuldades que explicam esse baixo desempenho podem se dar não apenas pela pouca familiaridade de parte do público com os gêneros, propósitos e relações de interlocução estabelecidos em cada uma das quatro tarefas, mas também pelas temáticas dos textos, que nem sempre fazem parte de seus universos. Na Parte Oral, semelhantemente, os Elementos Provocadores - textos curtos, em geral multimodais, por meio dos quais se objetiva “contextualizar um determinado tema, apresentando informações e/ou pontos de vista com potencial para alimentar a interação sobre um assunto ao longo de cinco minutos” (Brasil, 2020aBrasil. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2020a). Documento base do exame Celpe-Bras. Inep. , p. 45) -são, frequentemente, inadequados para mobilizar os naturalizandos, o que prejudica as possibilidades de que eles contribuam para o desenvolvimento da interação. Outra dificuldade está relacionada às expectativas de desempenho na Parte Oral. Ainda que, ao longo dessa interação, se busquem criar condições para que o examinando se expresse com liberdade e espontaneidade, “essa conversa ocorre em uma situação de avaliação e, nesse sentido, se aproxima de conversas que acontecem em esferas de atuação letradas que não são de avaliação, mas que também demandam usos amplos e adequados de recursos expressivos da língua portuguesa”37 37 Curso de Formação de Avaliadores da Parte Oral do Celpe-Bras - edições 2020 e 2021, solicitado pelo Inep/ Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe), desenvolvido, implementado e validado por Margarete Schlatter, Matilde V. R. Scaramucci, Cirlene S. Sanson, Ellen Y. Nagasawa, Gabrielle R. Sirianni, Kaiane Mendel, Kétina A. S. Timboni, Moisés Sousa e Patrícia M. C. Almeida, sob a coordenação das duas primeiras. .

Ademais, o nível intermediário do Celpe-Bras é o nível mínimo de proficiência exigido na portaria, ainda que não explicitado38 38 Conforme o Documento Base do Celpe-Bras (Brasil, 2020a, p. 70), “O examinando que atinge o nível Intermediário é capaz de produzir textos escritos sobre assuntos variados que, com dificuldade, podem ser reconhecidos como pertencentes a determinados gêneros discursivos, podendo não configurar adequadamente a interlocução. Os recursos lexicais e gramaticais mobilizados são limitados, podendo apresentar problemas de clareza e coesão e/ou inadequações frequentes que comprometem mais frequentemente a fluidez da leitura. É capaz de selecionar algumas informações a partir da interpretação de textos de diferentes gêneros orais e escritos, evidenciando problemas de compreensão e dificuldades no trabalho de recontextualização que podem levar ao cumprimento parcial dos propósitos dos textos produzidos. É capaz de interagir oralmente para a expressão de ideias e opiniões sobre assuntos variados. Apresenta poucas hesitações, com algumas interrupções no fluxo da conversa. Seu vocabulário pode apresentar limitações que podem comprometer o desenvolvimento da interação. Utiliza variedade limitada de estruturas, com algumas inadequações em estruturas complexas e poucas inadequações em estruturas básicas. Sua pronúncia contém inadequações e/ou interferências frequentes de outras línguas. Demonstra alguns problemas de compreensão do fluxo da fala, com necessidade frequente de repetição e/ou reestruturação ocasionada por palavras de uso frequente em nível normal de fala”. . Essa informação é importante por nos permitir inferir o que seria o nível mínimo subentendido na legislação no que se refere a “comunicar-se em língua portuguesa”, uma vez que os outros documentos legais elencados não oferecem informações nesse sentido. Embora o nível de proficiência exigido para aprovação no Celpe-Bras seja o mais baixo do exame (intermediário), é inadequado, porque os níveis, assim como as grades de avaliação utilizadas, são operacionalizações de um mesmo construto que, nesse caso, como já pontuamos, não levou em conta as necessidades comunicativas do público de naturalizandos.

Exigências de proficiência nas últimas portarias e na legislação vigente

Como resultado da mobilização no meio acadêmico e da sociedade civil, as Portarias Interministeriais 05/2018 (Brasil, 2018aBrasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. (2018a). Portaria Interministerial nº 5, de 27 de fevereiro de 2018. Dispõe sobre o procedimento de reconhecimento da condição de apatridia e da naturalização facilitada dela decorrente. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 40, p. 34-39, 28 fev. 2018. http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/doc.php?file=fileadmin/Documentos/BDL/2018/11593.
http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/d...
) e 11/2018 (Brasil, 2018bBrasil. Ministério da Justiça. (2018b). Portaria Interministerial nº. 11, de 03 de maio de 2018. Dispõe sobre os procedimentos para solicitação de naturalização, de igualdade de direitos, de perda, de reaquisição de nacionalidade brasileira e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira e dá outras providências. Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, DF, n. 85, p. 46, 04 mai. 2018. https://www.jusbrasil.com.br/diarios/188991340/dou-secao-1-04-05-2018-pg-46.
https://www.jusbrasil.com.br/diarios/188...
) foram alteradas pela Portaria Interministerial nº 16, de 3 de outubro de 2018 (Brasil, 2018cBrasil. Ministério da Justiça. (2018c). Portaria interministerial nº 16, de 3 de outubro de 2018. Altera a Portaria Interministerial nº 5, de 27 de fevereiro de 2018, e a Portaria Interministerial nº 11, de 3 de maio de 2018. Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, DF, ed. 192, p. 58, 04 out. 2018. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/43885878/do1-2018-10-04-portaria-interministerial-n-16-de-3-de-outubro-de-2018-43885761.
https://www.in.gov.br/materia/-/asset_pu...
), que ampliou as possibilidades de comprovação de proficiência em português para fins de naturalização. A Portaria 11/2018 (Brasil, 2018bBrasil. Ministério da Justiça. (2018b). Portaria Interministerial nº. 11, de 03 de maio de 2018. Dispõe sobre os procedimentos para solicitação de naturalização, de igualdade de direitos, de perda, de reaquisição de nacionalidade brasileira e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira e dá outras providências. Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, DF, n. 85, p. 46, 04 mai. 2018. https://www.jusbrasil.com.br/diarios/188991340/dou-secao-1-04-05-2018-pg-46.
https://www.jusbrasil.com.br/diarios/188...
) acabou revogada pela Portaria nº 623, de 13 de novembro de 2020 (Brasil, 2020bBrasil. Ministério da Justiça. (2020b). Portaria nº 623, de 13 de novembro de 2020. Dispõe sobre os procedimentos de naturalização, de igualdade de direitos, de perda da nacionalidade, de reaquisição da nacionalidade e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 219, p. 66, 17 nov. 2020. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-623-de-13-de-novembro-de-2020-288547519.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/porta...
), a qual continuava vigente quando da publicação do presente artigo.

Nas Portarias 16/2018 (Brasil, 2018cBrasil. Ministério da Justiça. (2018c). Portaria interministerial nº 16, de 3 de outubro de 2018. Altera a Portaria Interministerial nº 5, de 27 de fevereiro de 2018, e a Portaria Interministerial nº 11, de 3 de maio de 2018. Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, DF, ed. 192, p. 58, 04 out. 2018. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/43885878/do1-2018-10-04-portaria-interministerial-n-16-de-3-de-outubro-de-2018-43885761.
https://www.in.gov.br/materia/-/asset_pu...
) e 623/2020 (Brasil, 2020bBrasil. Ministério da Justiça. (2020b). Portaria nº 623, de 13 de novembro de 2020. Dispõe sobre os procedimentos de naturalização, de igualdade de direitos, de perda da nacionalidade, de reaquisição da nacionalidade e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 219, p. 66, 17 nov. 2020. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-623-de-13-de-novembro-de-2020-288547519.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/porta...
), tal como nas anteriores, o construto “comunicar-se em língua portuguesa” permanece vago. Entretanto, o Celpe-Bras deixa de ser a única opção para a comprovação dessa capacidade para fins de naturalização ordinária, inclusive por parte dos apátridas, uma vez que outros documentos passaram a ser elencados para essa comprovação. Para fins de análise, classificamos esses documentos em duas categorias distintas, com base em suas características e natureza: (i) documentos comprobatórios de reconhecimento de proficiência em português, em que essa, embora não avaliada diretamente, está pressuposta; (ii) documentos de comprovação de proficiência na língua oficial do Brasil que, contrariamente aos da primeira categoria, são específicos e centrados na aprendizagem/avaliação. No Quadro 2, a seguir, reunimos esses documentos:

Quadro 2
Classificação dos documentos aceitos para “a comprovação da capacidade de se comunicar em língua portuguesa” na Portaria nº 623, de 13 de novembro de 2020 (Brasil, 2020bBrasil. Ministério da Justiça. (2020b). Portaria nº 623, de 13 de novembro de 2020. Dispõe sobre os procedimentos de naturalização, de igualdade de direitos, de perda da nacionalidade, de reaquisição da nacionalidade e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 219, p. 66, 17 nov. 2020. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-623-de-13-de-novembro-de-2020-288547519.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/porta...
)

Parte dos documentos do primeiro grupo diz respeito à conclusão de uma etapa da educação formal (Ensino Fundamental, Médio, Educação de Jovens e Adultos, graduação ou pós-graduação) no Brasil - o que pressupõe o uso do português como (única) língua de instrução e, em geral, uma vivência longa no país. Outra parte dos documentos está relacionada à aprovação em exames oficiais. No caso do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do ENCCEJA, a comprovação da aprovação no exame é suficiente para fins de comprovação de proficiência em português; no caso dos médicos, é preciso apresentar o diploma revalidado após aprovação no REVALIDA.

Já para os aprovados em concurso público para docente, técnico ou cientista promovido por universidade brasileira, a mera comprovação de aprovação não é aceita. Exige-se a nomeação para o cargo, o que retarda desnecessariamente o processo de naturalização por parte de aprovados que ainda não foram nomeados; além disso, impede que aprovados, mas não classificados dentro do número de vagas disponíveis para o cargo em questão, comprovem proficiência em português por meio de aprovação em concurso público. Destacamos, ainda, que a Portaria 623/2020 (Brasil, 2020bBrasil. Ministério da Justiça. (2020b). Portaria nº 623, de 13 de novembro de 2020. Dispõe sobre os procedimentos de naturalização, de igualdade de direitos, de perda da nacionalidade, de reaquisição da nacionalidade e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 219, p. 66, 17 nov. 2020. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-623-de-13-de-novembro-de-2020-288547519.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/porta...
), assim como a Portaria 16/2018 (Brasil, 2018cBrasil. Ministério da Justiça. (2018c). Portaria interministerial nº 16, de 3 de outubro de 2018. Altera a Portaria Interministerial nº 5, de 27 de fevereiro de 2018, e a Portaria Interministerial nº 11, de 3 de maio de 2018. Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, DF, ed. 192, p. 58, 04 out. 2018. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/43885878/do1-2018-10-04-portaria-interministerial-n-16-de-3-de-outubro-de-2018-43885761.
https://www.in.gov.br/materia/-/asset_pu...
), não prevê a possibilidade de comprovação de proficiência em português por meio da aprovação em concurso público para cargos em Institutos Federais e nos Centros Federais de Educação Tecnológica. A nosso ver, seria mais adequado, portanto, que, no lugar de “nomeação para o cargo de professor, técnico ou cientista decorrente de aprovação em concurso promovido por universidade pública” [grifos nosso], constasse “aprovação em concurso público para o cargo de professor, técnico ou cientista promovido por uma Instituição de Ensino Superior pública, mediante apresentação de publicação no Diário Oficial da União ou atestado de aprovação no certamente emitido pela instituição responsável pelo concurso”.

Pelo fato de não serem pré-requisitos, mas possibilidades de reconhecimento, os documentos do primeiro grupo do Quadro 2 não precisam, necessariamente, ser equivalentes. Embora essas possibilidades tenham variações e envolvam níveis distintos de escolarização - e, portanto, familiaridade com práticas de letramento diferentes-, todas pressupõem níveis de proficiência em português superiores, por exemplo, aos níveis mínimos exigidos em outros países para fins de naturalização, como mostramos na seção 2. Consideramos, nesse sentido, que a ampliação das possibilidades é um avanço na legislação.

Salientamos, ainda, que a Portaria 623/2020 (Brasil, 2020bBrasil. Ministério da Justiça. (2020b). Portaria nº 623, de 13 de novembro de 2020. Dispõe sobre os procedimentos de naturalização, de igualdade de direitos, de perda da nacionalidade, de reaquisição da nacionalidade e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 219, p. 66, 17 nov. 2020. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-623-de-13-de-novembro-de-2020-288547519.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/porta...
), assim como a Portaria 16/2018 (Brasil, 2018cBrasil. Ministério da Justiça. (2018c). Portaria interministerial nº 16, de 3 de outubro de 2018. Altera a Portaria Interministerial nº 5, de 27 de fevereiro de 2018, e a Portaria Interministerial nº 11, de 3 de maio de 2018. Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, DF, ed. 192, p. 58, 04 out. 2018. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/43885878/do1-2018-10-04-portaria-interministerial-n-16-de-3-de-outubro-de-2018-43885761.
https://www.in.gov.br/materia/-/asset_pu...
), dispensa a comprovação de proficiência em português “aos requerentes nacionais de países de língua portuguesa”. Trata-se de uma dispensa importante, que beneficia, por exemplo, os angolanos, que estiveram entre os maiores solicitantes de naturalização em 2021 (Pinho, 2021Pinho, M. (2021). Crescem pedidos de naturalização de estrangeiros; haitianos lideram. R7 , 24 jan. 2021. https://noticias.r7.com/brasil/crescem-pedidos-de-naturalizacao-de-estrangeiros-haitianos-lideram-25012021.
https://noticias.r7.com/brasil/crescem-p...
). Além disso, os certificados de conclusão de graduação ou pós-graduação, bem como o histórico escolar ou outro comprovante de conclusão de ensino fundamental, médio ou de Educação de Jovens e Adultos nesses países, são aceitos, contanto que legalizados no Brasil. Também consideramos essa iniciativa positiva, na medida em que beneficia, por exemplo, migrantes africanos que, antes de virem para o Brasil, residiram em algum País Africano de Língua Oficial Portuguesa e concluíram alguma etapa de sua escolarização nesse país.

Se compararmos a Portaria 16/2018 (Brasil, 2018cBrasil. Ministério da Justiça. (2018c). Portaria interministerial nº 16, de 3 de outubro de 2018. Altera a Portaria Interministerial nº 5, de 27 de fevereiro de 2018, e a Portaria Interministerial nº 11, de 3 de maio de 2018. Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, DF, ed. 192, p. 58, 04 out. 2018. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/43885878/do1-2018-10-04-portaria-interministerial-n-16-de-3-de-outubro-de-2018-43885761.
https://www.in.gov.br/materia/-/asset_pu...
) com a 623/2020 (Brasil, 2020bBrasil. Ministério da Justiça. (2020b). Portaria nº 623, de 13 de novembro de 2020. Dispõe sobre os procedimentos de naturalização, de igualdade de direitos, de perda da nacionalidade, de reaquisição da nacionalidade e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 219, p. 66, 17 nov. 2020. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-623-de-13-de-novembro-de-2020-288547519.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/porta...
), observamos duas exclusões importantes concernentes às possibilidades de comprovação de proficiência em português. Essa última portaria deixa de aceitar certificados de “aprovação em avaliação da capacidade de comunicação em língua portuguesa aplicado [sic] por instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação na qual seja oferecido curso de idioma mencionado na alínea “d [“curso de idioma português direcionado a imigrantes”]”, tal como era previsto na Portaria 16/2018 (Brasil, 2018cBrasil. Ministério da Justiça. (2018c). Portaria interministerial nº 16, de 3 de outubro de 2018. Altera a Portaria Interministerial nº 5, de 27 de fevereiro de 2018, e a Portaria Interministerial nº 11, de 3 de maio de 2018. Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, DF, ed. 192, p. 58, 04 out. 2018. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/43885878/do1-2018-10-04-portaria-interministerial-n-16-de-3-de-outubro-de-2018-43885761.
https://www.in.gov.br/materia/-/asset_pu...
). Imaginamos que a exclusão dessa possibilidade se deva, entre outros motivos, à preocupação com a falta de padronização desses exames - o que fora, como mencionado anteriormente, um elemento central na decisão, equivocada, de uso do Celpe-Bras como única forma de comprovação de proficiência nas Portarias 05/2018 (Brasil, 2018aBrasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. (2018a). Portaria Interministerial nº 5, de 27 de fevereiro de 2018. Dispõe sobre o procedimento de reconhecimento da condição de apatridia e da naturalização facilitada dela decorrente. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 40, p. 34-39, 28 fev. 2018. http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/doc.php?file=fileadmin/Documentos/BDL/2018/11593.
http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/d...
) e 11/2018 (Brasil, 2018bBrasil. Ministério da Justiça. (2018b). Portaria Interministerial nº. 11, de 03 de maio de 2018. Dispõe sobre os procedimentos para solicitação de naturalização, de igualdade de direitos, de perda, de reaquisição de nacionalidade brasileira e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira e dá outras providências. Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, DF, n. 85, p. 46, 04 mai. 2018. https://www.jusbrasil.com.br/diarios/188991340/dou-secao-1-04-05-2018-pg-46.
https://www.jusbrasil.com.br/diarios/188...
).

A Portaria 623/2020 (Brasil, 2020bBrasil. Ministério da Justiça. (2020b). Portaria nº 623, de 13 de novembro de 2020. Dispõe sobre os procedimentos de naturalização, de igualdade de direitos, de perda da nacionalidade, de reaquisição da nacionalidade e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 219, p. 66, 17 nov. 2020. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-623-de-13-de-novembro-de-2020-288547519.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/porta...
) também deixa de aceitar “matrícula em instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação decorrente de aprovação em vestibular ou de aproveitamento de nota obtida no Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM” (Brasil, 2018cBrasil. Ministério da Justiça. (2018c). Portaria interministerial nº 16, de 3 de outubro de 2018. Altera a Portaria Interministerial nº 5, de 27 de fevereiro de 2018, e a Portaria Interministerial nº 11, de 3 de maio de 2018. Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, DF, ed. 192, p. 58, 04 out. 2018. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/43885878/do1-2018-10-04-portaria-interministerial-n-16-de-3-de-outubro-de-2018-43885761.
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). Dessa forma, deixam de ter essa possibilidade de comprovação de proficiência migrantes que ingressam na graduação por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que seleciona os estudantes com base na nota do Enem, ou por meio de processos seletivos específicos para migrantes de crise, que fazem, ou não, uso desse exame39 39 Segundo Relatório Anual da Cátedra Sérgio Vieira de Mello de 2021 (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, 2021), nos anos de 2020 e 2021, 17 universidades brasileiras ofereceram a migrantes de crise vagas em cursos de graduação ou pós-graduação por meio de ingresso facilitado. Para uma discussão sobre processos seletivos para esse público, cf. Gonçalves (2019). .

Ademais, enquanto a Portaria 16/2018 (Brasil, 2018cBrasil. Ministério da Justiça. (2018c). Portaria interministerial nº 16, de 3 de outubro de 2018. Altera a Portaria Interministerial nº 5, de 27 de fevereiro de 2018, e a Portaria Interministerial nº 11, de 3 de maio de 2018. Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, DF, ed. 192, p. 58, 04 out. 2018. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/43885878/do1-2018-10-04-portaria-interministerial-n-16-de-3-de-outubro-de-2018-43885761.
https://www.in.gov.br/materia/-/asset_pu...
) previa, para a comprovação de proficiência em português, certificado de “conclusão de curso de idioma português direcionado a imigrantes realizado em instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação”, a portaria vigente (Brasil, 2020bBrasil. Ministério da Justiça. (2020b). Portaria nº 623, de 13 de novembro de 2020. Dispõe sobre os procedimentos de naturalização, de igualdade de direitos, de perda da nacionalidade, de reaquisição da nacionalidade e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 219, p. 66, 17 nov. 2020. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-623-de-13-de-novembro-de-2020-288547519.
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) é mais restritiva. Essa última especifica que a conclusão desse tipo de curso deve ser “com aproveitamento satisfatório” (art. 5º, inciso I, alínea d) e que, se as aulas são ofertadas a distância, o estudante deve realizar “pelo menos uma avaliação presencial no estabelecimento responsável ou, no caso de discente domiciliado em local diverso da sede, em instituição de educação superior a ele conveniado e também credenciada pelo Ministério da Educação” (art. 5º, § 4º). Também se passa a exigir que o certificado de conclusão do curso seja “acompanhado do histórico escolar e do conteúdo programático da capacitação realizada” (art. 5º, § 5º). A esse respeito, ressaltamos que, com a pandemia de covid-19, muitos cursos de Português como Língua de Acolhimento (PLAc) passaram a ser integralmente online, o que facilitou o acesso para parte dos migrantes de crise, a despeito de dificuldades frequentes de conexão40 40 Em 2020, ocorreu uma única edição do Celpe-Bras, em dezembro; entretanto, devido à pandemia de covid-19, quase nenhum posto no Brasil aderiu à aplicação. Em 2021, novamente, ocorreu uma única edição do exame, também em dezembro, com redução significativa no número de vagas abertas em alguns postos, em razão da pandemia. Desse modo, muitos migrantes não tiveram, por quase dois anos, oportunidade de dar andamento a seus processos de naturalização pela impossibilidade de comprovarem proficiência em português. De modo análogo, a maior parte dos candidatos ao PEC-G que chegaram a IES brasileiras no início do ano de 2020 só pôde realizar o Celpe-Bras - pré-requisito para sua entrada na graduação - no final de 2021, tendo, assim, o início de suas graduações atrasado em mais de um ano. Apesar de diferentes solicitações de IES para que, dado o contexto pandêmico, esses candidatos pudessem, excepcionalmente, entrar na graduação sem o Celpe-Bras - apresentando o diploma posteriormente-, nenhuma medida concreta foi tomada pelo MRE ou MEC, gestores do PEC-G, ao mesmo tempo em que o Inep não avançou na criação de uma edição online do exame (cf. Diniz & Bizon, 2021). . Entretanto, a exigência de avaliação presencial tem impossibilitado que os certificados emitidos ao fim de tais cursos sejam utilizados para fins de naturalização. Destacamos, ainda, que, apesar de a portaria não estabelecer uma carga-horária mínima para o curso, algumas unidades da Polícia Federal têm estipulado, por exemplo, 45 horas.

Por fim, salientamos que, conforme o § 6º da Portaria 623/2020, “Admite-se prova em contrário da capacidade de se comunicar em língua portuguesa fundada na apresentação de um dos documentos previstos neste artigo”. Em relação a esse aspecto, o Roteiro de Naturalização da Polícia Federal (Brasil, 2021Brasil. Polícia Federal (2021). Roteiro naturalização, 06 jul. 2021. https://pfgov.br/sharepoint.com/sites/imigracao/regularizacao-migratoria/SitePages/Roteiro-Naturalização.aspx.
https://pfgov.br/sharepoint.com/sites/im...
) traz uma seção específica dedicada à “capacidade de comunicação em língua portuguesa”:

  • CAPACIDADE DE COMUNICAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA

  • • Caso o servidor, no momento do atendimento presencial de candidato à NATURALIZAÇÃO ORDINÁRIA, desconfiar da inexistência de capacidade para comunicação em língua portuguesa, poderá realizar de imediato diligência para confirmação da habilidade, independente da apresentação de documento indicado em regulamento [...].

  • A diligência pode consistir em entrevista ou declaração do imigrante gravada em vídeo (registrando-se no vídeo o expresso consentimento do naturalizando), com tempo aproximado de 1 minuto (a filmagem será incluída no processo SEI correspondente, que aceita vídeos em formato .mp4 gravados com celular). Ou ainda solicitação ao naturalizando do preenchimento de formulário escrito ou ditado de texto de reportagem do dia, de veículo de circulação nacional. Caso o naturalizando não consinta com a realização da diligência que lhe foi proposta, registrar o fato na INFORMAÇÃO CONSOLIDADA (Anexo V) que será acostada para instrução do expediente.

  • A diligência também poderá consistir em contato com a instituição (por e-mail, telefone ou pessoalmente) para confirmação da autenticidade de documento e da identidade do imigrante que se submeteu ao exame.

  • A descrição e o resultado da diligência deverão ser registrados no processo e, em caso de haver indícios de fraude (falsidade documental ou ideológica), devem ser tomadas as medidas de polícia judiciária cabíveis (registrando na INFORMAÇÃO CONSOLIDADA o número da notícia crime ou do inquérito policial, se o caso), além da remessa do processo de naturalização com o Relatório Opinativo recomendando o indeferimento do pedido.

  • • Observação: aos nacionais de Países da CPLP (Comunidade de Língua Portuguesa) não é necessária a comprovação de capacidade de comunicação, estando dispensados da apresentação de documentos referentes a este requisito. Entretanto, se for observado que não se comunicam em língua portuguesa, sugere-se a adoção das diligências acima, no que for aplicável, com registro na INFORMAÇÃO CONSOLIDADA (Anexo V) [sublinhados do original; itálicos nossos].

Dessa forma, embora a Portaria 623/2020 (Brasil, 2020bBrasil. Ministério da Justiça. (2020b). Portaria nº 623, de 13 de novembro de 2020. Dispõe sobre os procedimentos de naturalização, de igualdade de direitos, de perda da nacionalidade, de reaquisição da nacionalidade e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 219, p. 66, 17 nov. 2020. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-623-de-13-de-novembro-de-2020-288547519.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/porta...
) não preveja a aplicação de avaliações de língua portuguesa pela Polícia Federal, isso pode ocorrer se um servidor dessa instituição “desconfiar da inexistência de capacidade para comunicação em língua portuguesa” apesar da apresentação de um documento previsto pela portaria. Essa “desconfiança”, que abre espaço para a discricionariedade de agentes da Polícia, parece evidenciar a falta de confiabilidade dos procedimentos utilizados para a comprovação da proficiência - particularmente, no que diz respeito à falta de clareza do construto “comunicar-se em língua portuguesa” e à falta de ajuste dos instrumentos propostos para avaliar esse construto.

Visando a alinhamentos técnico e operacional na análise de pedidos de naturalização, foi divulgada a Informação 2/2022 da Coordenação-Geral de Política Migratória (CGPMIG), DEMIG e Secretaria Nacional de Justiça (SENAJUS), segundo a qual

  • “1. É indicativo da capacidade de se comunicar em língua portuguesa, consideradas as condições do requerente, a apresentação de um dos documentos previstos art. 5º da Portaria nº 623, de 13 de novembro de 2020, admitindo-se prova em contrário (conforme previsto no § 6º do citado artigo).

  • Exemplos:

  • a) Se o requerente apresentou documento previsto na Portaria e não houve prova em contrário pela administração: Requisito cumprido.

  • b) Se o requerente apresentou documento previsto na Portaria e houve prova em contrário pela administração (ex: demonstrada a incapacidade do naturalizando em se comunicar em língua portuguesa): Requisito não cumprido. Obs. Sempre que necessário e com objetivo de analisar o cumprimento do requisito, poderá ser realizada entrevista gravada, mediante consentimento expresso do naturalizando.

  • c) Se o requerente não apresentou documento previsto na Portaria: Requisito não cumprido, não cabendo comprovação por outros meios diversos daqueles previstos no normativo (Brasil, 2022bBrasil. Coordenação-Geral de Política Migratória (CGPMIG), Departamento de Migrações (DEMIG) e Secretaria Nacional de Justiça (SENAJUS). (2022b). Informação 2/2022.).

Em síntese, após uma série de mudanças em um curto período, os pedidos de naturalização no Brasil devem, atualmente, observar as disposições da Lei n° 13.445/2017 (Brasil, 2017aBrasil. Presidência da República. (2017a). Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Lei/L13445.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), do Decreto n° 9.199/2017 (Brasil, 2017cBrasil. Presidência da República. (2017c). Decreto n.º 9.199, de 20 de novembro de 2017. Regulamenta a Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, que Institui a Lei de Migração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/d9199.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
) e da Portaria 623/2020 (Brasil, 2020bBrasil. Ministério da Justiça. (2020b). Portaria nº 623, de 13 de novembro de 2020. Dispõe sobre os procedimentos de naturalização, de igualdade de direitos, de perda da nacionalidade, de reaquisição da nacionalidade e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 219, p. 66, 17 nov. 2020. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-623-de-13-de-novembro-de-2020-288547519.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/porta...
).

5. Considerações finais

Conforme vimos, historicamente, países do Norte têm solicitado comprovação de proficiência em sua(s) língua(s) oficial(ais) para autorizar a entrada no país, para emitir vistos de residência e/ou para conceder a cidadania (Shohamy & Mcnamara, 2009aShohamy, E., & McNamara, T. (2009a). Editorial - Language tests for citizenship, immigration, and asylum. Language Assessment Quarterly , 6(1), 1-5. https://doi.org/10.1080/15434300802606440.
https://doi.org/10.1080/1543430080260644...
), sendo a última exigência a mais frequente. No caso do Brasil, as duas primeiras exigências não são feitas - exceto em casos pontuais, como no âmbito do PEC-G-, mas a comprovação de proficiência em português é obrigatória em duas modalidades de naturalização, a saber, a ordinária e a especial, conforme estabelecido na Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017 (Brasil, 2017aBrasil. Presidência da República. (2017a). Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Lei/L13445.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
).

Argumentamos que a exigência de proficiência para fins de naturalização se sustenta na ideologia monolíngue sobre a qual se fundam os Estados Nacionais Modernos. Sublinhamos, a esse respeito, que é no capítulo “Da Nacionalidade” da Constituição Federal (Brasil, 1988Brasil. Presidência da República. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
), que define quem são os brasileiros natos e os naturalizados, que se encontra o artigo segundo o qual “A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”. Essa língua determina, portanto, o objeto jurídico “nacionalidade brasileira”. Nesse sentido, diríamos que o dispositivo legal em questão, assim como políticas de apagamento que escancaradamente buscaram apagar a diversidade linguística no Brasil - a exemplo daquelas implementadas durante o Estado Novo (1937-1945) contra o alemão, o italiano e o japonês-, “não apenas moldou a paisagem da diversidade sociolinguística no Brasil, mas também as maneiras pelas quais os indivíduos e as identidades coletivas de falantes de línguas de imigrantes, línguas indígenas e línguas de sinais foram representadas no país” (Cavalcanti & Maher, 2018Cavalcanti, M. C., & Maher, T. M. (2018). Contemporary Brazilian perspectives on multilingualism: an introduction. In M. C. Cavalcanti & T. M. Maher, Multilingual Brazil (pp. 1-15). Routledge., p. 4).

Essa ideologia monolíngue dificilmente é superada juridicamente, mesmo em legislações reconhecidamente vanguardistas, como a Lei de Migração (Brasil, 2017aBrasil. Presidência da República. (2017a). Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Lei/L13445.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), que revogou o Estatuto do Estrangeiro (Brasil, 1980 Brasil. Presidência da República. (1980). Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6815.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
). Destacamos, a esse respeito, que tal lei não estabelece nenhum direito linguístico concernente à língua majoritária do Brasil, exceto no que diz respeito à possibilidade de o naturalizando “requerer a tradução ou adaptação de seu nome à língua portuguesa”, prevista pelo § 1º do art. 71. Por outro lado, os arts. 65 e 69 determinam, como uma das condições para a concessão da naturalização ordinária e especial, “comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando” (Brasil, 2017aBrasil. Presidência da República. (2017a). Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Lei/L13445.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). Ao mesmo tempo, a lei não traz uma palavra sequer sobre as línguas integrantes dos repertórios dos migrantes. Assim, parece-nos que a exigência de comprovação de proficiência na(s) língua(s) oficial(is) de um dado país para fins de naturalização, a despeito das posições divergentes que possamos sustentar, dificilmente deixará de ser feita.

Como mostramos, desde pelo menos meados do século XX, o requisito “proficiência em português” está presente na legislação brasileira referente a processos de naturalização, muito embora de maneira não suficientemente explicitada. Do ponto de vista de especialistas de avaliação, é necessário conhecer bem a natureza da exigência para justificar ou contestar os instrumentos avaliativos utilizados, elaborando outros quando necessário. A validade dos instrumentos adotados no Brasil nesses processos tem, assim, sido fortemente comprometida pela falta de clareza quanto às (supostas) necessidades linguísticas dos naturalizandos cuja proficiência em português precisa, do ponto de vista do Estado brasileiro, ser avaliada, o que gera injustiças e distorções.

A falta de padronização dos testes de leitura e escrita aplicados em processos de naturalização até 2018 impedia uma avaliação justa, equânime, válida e confiável. Essa foi, possivelmente, a principal razão pela qual se estabeleceu, nas Portarias Interministeriais 5/2018 (Brasil, 2018aBrasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. (2018a). Portaria Interministerial nº 5, de 27 de fevereiro de 2018. Dispõe sobre o procedimento de reconhecimento da condição de apatridia e da naturalização facilitada dela decorrente. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 40, p. 34-39, 28 fev. 2018. http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/doc.php?file=fileadmin/Documentos/BDL/2018/11593.
http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/d...
) e 11/2018 (Brasil, 2018bBrasil. Ministério da Justiça. (2018b). Portaria Interministerial nº. 11, de 03 de maio de 2018. Dispõe sobre os procedimentos para solicitação de naturalização, de igualdade de direitos, de perda, de reaquisição de nacionalidade brasileira e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira e dá outras providências. Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, DF, n. 85, p. 46, 04 mai. 2018. https://www.jusbrasil.com.br/diarios/188991340/dou-secao-1-04-05-2018-pg-46.
https://www.jusbrasil.com.br/diarios/188...
), o Celpe-Bras como única possibilidade de comprovação de proficiência. A despeito de seus impactos negativos, a introdução do Celpe-Bras nesses processos teve, a nosso ver, um aspecto positivo: o de envolver a comunidade acadêmica brasileira na questão, o que, ao que nos consta, nunca havia acontecido anteriormente, apesar de a comprovação de proficiência estar presente em nossa legislação desde pelo menos meados do século XX.

Esse envolvimento foi decisivo para a ampliação das possibilidades de comprovação de proficiência em processos de naturalização na Portaria 623/2020 (Brasil, 2020bBrasil. Ministério da Justiça. (2020b). Portaria nº 623, de 13 de novembro de 2020. Dispõe sobre os procedimentos de naturalização, de igualdade de direitos, de perda da nacionalidade, de reaquisição da nacionalidade e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 219, p. 66, 17 nov. 2020. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-623-de-13-de-novembro-de-2020-288547519.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/porta...
), que continua vigente. Os documentos atualmente aceitos podem, conforme discutimos, ser classificados em dois grupos: (i) o daqueles que pressupõem certa proficiência em português, mas não sua avaliação direta; (ii) o daqueles propriamente centrados na aprendizagem/avaliação do português. Apesar dessa ampliação, o Celpe-Bras continua sendo, para grande parte dos que pleiteiam a naturalização brasileira, o instrumento mais acessível, quando comparado às demais possibilidades previstas pela Portaria em vigor. Conforme exposto em matéria do MigraMundo (2019MigraMundo. (2019). Como a proficiência em língua portuguesa virou empecilho para naturalização de migrantes, 17 out. 2019. https://migramundo.com/como-a-proficiencia-em-lingua-portuguesa-virou-empecilho-para-naturalizacao-de-migrantes/.
https://migramundo.com/como-a-proficienc...
), migrantes de crise que buscam a naturalização, frequentemente, “realizam longas jornadas de trabalho e não possuem condições reais de serem certificados no Exame Celpe-Bras. Ainda assim, o exame é a alternativa mais rápida, dentre as demais”. Ademais, pelo fato de o Celpe-Bras ser um instrumento padronizado e oficial, tem menores chances de ser rejeitado por um agente da Polícia Federal - possibilidade que, apesar de abrir margens para atos arbitrários, está prevista na Portaria 623/2020 (Brasil, 2020bBrasil. Ministério da Justiça. (2020b). Portaria nº 623, de 13 de novembro de 2020. Dispõe sobre os procedimentos de naturalização, de igualdade de direitos, de perda da nacionalidade, de reaquisição da nacionalidade e de revogação da decisão de perda da nacionalidade brasileira. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. 219, p. 66, 17 nov. 2020. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-623-de-13-de-novembro-de-2020-288547519.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/porta...
).

É certo, entretanto, que o uso do Celpe-Bras nesse contexto representa um sério problema de validade, na medida em que as inferências feitas a partir dos resultados no exame, quando aplicadas para o público de migrantes, se tornam automaticamente inválidas. Isso é particularmente grave pela alta relevância da decisão tomada: expedir, ou não, um certificado que pode ser utilizado no processo de naturalização. Embora faltem dados oficiais, a nossa percepção, como coordenadores de postos aplicadores do Celpe-Bras e membros da equipe de coordenadores da correção de algumas edições do exame, é que o índice de reprovação de migrantes de crise tende a ser alto. O exame parece, assim, vir se configurando como um poderoso mecanismo de exclusão à nacionalidade brasileira.

Em vista das consequências nefastas que esse uso equivocado tem tido nas vidas de pessoas já frequentemente sujeitas a processos de minoritarização, defendemos a necessidade de desenvolvimento de um teste específico para esse contexto, aceito em nível federal, que seja válido, confiável e prático. Ainda que um exame dessa natureza reflita, inevitavelmente, concepções de língua e identidade calcadas em “concepções de nação e território estabilizadas politicamente” (César & Cavalcanti, 2007César, A. L., & Cavalcanti M. C. (2007). Do singular para o multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In M. C. Cavalcanti & S. M. Bortoni-Ricardo (Eds.), Transculturalidade, linguagem e educação (pp. 45-66). Mercado de Letras., p. 61), que apagam as múltiplas línguas e culturas constitutivas do Brasil, ele nos parece a alternativa mais viável para um tratamento mais justo e equânime das questões de proficiência em processos de naturalização. Somente com esse propósito um exame poderia ser justificado nesse contexto.

Tal teste poderia ser desenvolvido por um consórcio de universidades, em parceria com líderes migrantes, bem como com atores governamentais e da sociedade civil que têm desenvolvido políticas para esse público. Alinhado às noções de boas práticas em avaliação, seria elaborado com base na análise das necessidades específicas de uso do português por parte do público-alvo (Silva, 2019Silva, A. L. B. C. (2019). O inglês necessário aos pilotos da “Esquadrilha da Fumaça”: quão específica pode ser a língua para fins específicos? Estudos Linguísticos, 48(1), 118-139. https://doi.org/10.21165/el.v48i1.2131.
https://doi.org/10.21165/el.v48i1.2131...
; Knoch & Macqueen, 2020Knoch, U., & Macqueen, S. (2020). Assessing English for professional purposes. Routledge.), realizada a partir da percepção de atores diversos - incluindo, evidentemente, os próprios migrantes. Essa análise precisaria ter em vista, entre outros elementos, os vários perfis dos naturalizandos, as nacionalidades, os repertórios linguísticos, os status socioeconômicos, o tempo de residência no Brasil, os níveis de proficiência em português e de escolarização, as práticas de letramento em que estão inseridos e desejam/precisam se inserir, os objetivos e as motivações para aprenderem português. Tal análise de necessidades possibilitaria a definição dos objetivos e conteúdos do exame, das habilidades a serem avaliadas e do nível mínimo de proficiência para aprovação, além de seus descritores e escalas de avaliação, que fariam parte das especificações do exame como um roteiro para seu desenvolvimento, ou para a elaboração dos itens e tarefas propriamente ditos, em que essas demandas possam ser traduzidas. Seria importante desenvolver um modelo específico de teste para pessoas com baixo nível de escolarização, ou mesmo analfabetas, ainda que a minoria dos migrantes que demandam naturalização se enquadre nesse perfil.

Para ser educacionalmente benéfico, o teste buscaria favorecer a elevação real dos níveis de proficiência no uso do português dos naturalizandos (Scaramucci, 2005Scaramucci, M. V. R. (2005). Prova de redação nos vestibulares: educacionalmente benéfica para o ensino-aprendizagem da escrita? In V. do N. Flores et al. (Eds.), A redação no contexto do Vestibular 2005 - a avaliação em perspectiva (pp. 35-57). UFRGS. ), considerando suas necessidades. Além disso, seria desenhado em uma perspectiva de educação linguística ampliada (Cavalcanti, 2013Cavalcanti, M. C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L. P. Moita Lopes (Ed.). Linguística Aplicada na modernidade recente (pp. 211-226). Parábola.), de modo a contribuir, potencialmente, em alguma medida, para a politização dos candidatos e para a promoção da diversidade, em seus diferentes matizes. No lugar dos conhecimentos cívicos frequentemente avaliados em processos de naturalização, seria possível criar, por exemplo, itens cujos textos-base digam respeito a direitos de migrantes ou que explorem aspectos das construções culturais não só brasileiras, mas também dos povos que mais têm buscado naturalização no país. Dada a expressiva diversidade linguística desses povos, seria provavelmente inviável trazer outras línguas para o teste em si - por exemplo, por meio de itens que envolvessem tradução, prática muito frequente no cotidiano de migrantes (por exemplo, para ajudar familiares/amigos menos proficientes em português em diferentes demandas no Brasil)-, ao contrário do que se pode dar em cursos de PLAc41 41 Para a operacionalização de uma proposta plurilíngue em materiais didáticos de PLAc, cf. a coleção didática “Vamos juntos(as)! Curso de Português como Língua de Acolhimento”, coordenada por Ana Cecília Cossi Bizon e Leandro Rodrigues Alves Diniz. https://www.nepo.unicamp.br/resultado-busca/?_sf_s=Vamos%20juntos . Entretanto, seria possível que informações sobre os testes, disponibilizadas publicamente, fossem traduzidas para as línguas mais faladas pelos solicitantes de naturalização no Brasil. Características como essas poderiam, além de impactar a formação dos naturalizandos, exercer um papel relevante na “educação do entorno para a interculturalidade e o plurilinguismo” (Maher, 2007Maher, T. M. (2007). A educação do entorno para a interculturalidade e o plurilinguismo. In A. Kleiman & M. C. Cavalcanti (Eds.), Linguística Aplicada: suas faces e interfaces (pp. 255-270). Mercado de Letras.), especificamente, dos envolvidos na aplicação da prova e de docentes de PLAc.

O exame seria aplicado e avaliado de forma descentralizada, nas várias unidades da Polícia Federal e universidades conveniadas. Para viabilizar a divulgação imediata de seus resultados, todos os itens, ou pelo menos sua maior parte, precisaria ser passível de correção automática. Embora, pela praticidade, o formato digital seja o mais desejável, seria importante que os migrantes tivessem a opção de realizar o teste em papel, caso desejassem, considerando a pouca familiaridade com práticas de letramento digital por parte do público. Um curso autoinstrucional online, de curta duração, poderia capacitar os aplicadores - incluindo os agentes da Polícia Federal sem formação em Letras - para a avaliação da produção oral, que envolveria situações de uso do português simples do cotidiano, definidas conforme a análise de necessidades anteriormente mencionada.

Para a potencialização de efeitos retroativos positivos, o teste deveria ser implementado de forma integrada a um curso de PLAc em nível nacional. Tal curso, cujos objetivos seriam determinados pela mesma análise de necessidades do público-alvo conduzida para o desenho do exame, se valeria da ampla experiência acumulada em uma série de iniciativas de ONGs, Igrejas e universidades no ensino de PLAc, e seria flexível o suficiente para se adaptar às demandas locais. Desse modo, o dever linguístico (Sigales-Gonçalves & Zoppi-Fontana, 2021Sigales-Gonçalves, J. S., & Zoppi-Fontana, M. G. (2021). O direito como instrumento de políticas linguísticas no espaço de enunciação brasileiro: questões para a Análise materialista de Discurso. Linguagem & Ensino, 24, 625-645. https://https://doi.org/10.15210/RLE.V24I3.20068.
https://https://doi.org/10.15210/RLE.V24...
) imposto pelo Estado Nacional brasileiro a uma parte dos naturalizandos - comprovar proficiência em português - viria acompanhado de uma política linguística pública federal, atualmente inexistente. Seria um passo crucial em busca da garantia daquilo que, a nosso ver, deve ser compreendido antes como um direito linguístico dos migrantes internacionais: o direito à aprendizagem da língua oficial e majoritária do Brasil.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Divisão de Nacionalidade e Naturalização (DINAT), vinculada à Secretaria Nacional de Justiça (SENAJUS) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJ), pelo compartilhamento de dados relativos ao número de solicitações de naturalização deferidas nos últimos anos no Brasil, apresentados na Introdução. Agradecem, ainda, a Polícia Federal pelo compartilhamento de valiosas informações e documentos apresentados na seção 4. A responsabilidade pelas discussões feitas ao longo do artigo é, entretanto, inteiramente dos autores.

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  • 3
    É importante destacar que o grau de importância da aprendizagem da(s) língua(s) oficial(is), segundo as perspectivas dos migrantes e de seu entorno, varia consideravelmente conforme o grupo de migrantes em questão. Para certos migrantes do Norte global vivendo no Brasil, por exemplo, aprender português pode ser visto como algo dispensável; para migrantes de crise, essa aprendizagem é, em geral, considerada uma condição sine qua non para sua vida no país. Longe de neutras, as próprias percepções sociais sobre os níveis de proficiência de migrantes - perceptíveis em afirmações como “Ela mora aqui há anos e não fala nossa língua”, “Ele fala português bem”, “Ela tem um sotaque muito pesado” ou “O sotaque dele é bonitinho” - resultam de, ao mesmo tempo em que reforçam, clivagens de raça, gênero, classe social, identidade de gênero e orientação sexual.
  • 4
    São eles, por ordem de representatividade demográfica no Brasil: Venezuela, Haiti, Bolívia, Colômbia, EUA, China, Argentina, Cuba, França e Peru.
  • 5
    O site do DEMIG (https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/seus-direitos/migracoes/capa-migracoes) carece de informações sobre esses perfis. No Ofício 420/2022, da Divisão de Naturalidade e Nacionalização (Brasil, 2022aBrasil. Divisão de Nacionalidade e Naturalização (DINAT) / Coordenação-Geral de Política Migratória (CPMIG) / Departamento de Migrações (DEMIG) / Secretaria Nacional de Justiça (SENAJUS) / Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJ). (2022a). Ofício 470, de 09 de maio de 2022, redigido em resposta à solicitação feita por Leandro Rodrigues Alves Diniz via https://www.gov.br/acessoainformacao/pt-br (protocolo nº 08198.011896/2022-18).
    https://www.gov.br/acessoainformacao/pt-...
    ), anteriormente mencionado, explicou-se que “Quanto às informações relativas à nacionalidade, modalidade de naturalização, nível de escolaridade, idade e gênero desses migrantes, informamos que os sistemas de uso deste Departamento não possuem ferramentas que possibilitem a contabilização dos referidos dados”.
  • 6
    Em 2019, foram os cubanos que mais obtiveram a nacionalidade secundária no Brasil, seguidos pelos sírios e libaneses (Pinho, 2019Pinho, M. (2019). Naturalização de estrangeiros sobe 358% no ano; cubanos lideram. R7, 31 dez. 2019. https://noticias.r7.com/brasil/naturalizacao-de-estrangeiros-sobe-358-no-ano-cubanos-lideram-31122019.
    https://noticias.r7.com/brasil/naturaliz...
    ). Entre novembro de 2020, quando foi implementado o sistema online Naturalizar-se, e meados de janeiro de 2021, os haitianos (497), senegaleses (279), angolanos (161), cubanos (156) e venezuelanos (119) foram os que mais solicitaram naturalização no Brasil, conforme notícia publicada no portal R7 (Pinho, 2021Pinho, M. (2021). Crescem pedidos de naturalização de estrangeiros; haitianos lideram. R7 , 24 jan. 2021. https://noticias.r7.com/brasil/crescem-pedidos-de-naturalizacao-de-estrangeiros-haitianos-lideram-25012021.
    https://noticias.r7.com/brasil/crescem-p...
    ).
  • 7
    Em alguns casos, como o exame australiano implementado em 2007, considera-se que o teste cívico já demanda certa proficiência em uma dada língua, não havendo uma avaliação de língua à parte (McNamara, 2009McNamara, T. (2009). Australia: The Dictation Test Redux? Language Assessment Quarterly, 6(1), 106-111. https://doi.org/10.1080/15434300802606663.
    https://doi.org/10.1080/1543430080260666...
    ).
  • 8
    A atual prova de naturalização estadunidense é composta por duas partes: (i) um exame de inglês, que inclui avaliação das capacidades de leitura, escrita e produção oral em inglês em nível básico; (ii) uma prova cívica, composta por questões sobre o governo e a história estadunidense. Para mais informações, cf. https://www.uscis.gov/citizenship/learn-about-citizenship/the-naturalization-interview-and-test.
  • 9
    Para informações sobre exigências britânicas de comprovação de proficiência para obtenção da cidadania ou residência por tempo indeterminado, cf. https://www.gov.uk/english-language. Para informações específicas sobre as exigências para familiares que desejam viver com seus cônjuges que já moram na Grã-Bretanha, cf. a regulamentação do Home Office (2021Home Office, The. (2021). English language requirement: family members under Part 8, Appendix FM and Appendix Armed Forces, 8 dez. 2021. https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/1039271/English_language_requirement_family_members.pdf.
    https://assets.publishing.service.gov.uk...
    ), departamento ministerial encarregado de questões relativas à migração.
  • 10
  • 11
    No caso do teste de cidadania australiano analisado por McNamara (2009McNamara, T. (2009). Australia: The Dictation Test Redux? Language Assessment Quarterly, 6(1), 106-111. https://doi.org/10.1080/15434300802606663.
    https://doi.org/10.1080/1543430080260666...
    ), composto por vinte questões de múltipla escolha, os candidatos com baixa familiaridade com práticas de letramento em inglês ou em ambientes digitais podem solicitar a leitura em voz alta das perguntas e de suas alternativas. Para terem esse direito, precisam antes ser avaliados pelo Adult Migrant English Programme.
  • 12
  • 13
  • 14
  • 15
  • 16
  • 17
    https://www.ofii.fr/procedure/accueil-integration/. Para informações sobre as formações linguísticas ofertadas aos signatários do CIR, cf. https://parlera.fr/wp/ressources/panorama/ofii-cir/.
  • 18
    A partir da Lei n.º 6.964, de 09 de dezembro de 1981, deixou-se de exigir a prova de boa saúde aos estrangeiros residentes no Brasil há mais de 24 meses.
  • 19
    Conforme o § 3º do art. 12 (Brasil, 1988), “são cargos privativos de brasileiros natos: “I - de Presidente e Vice-Presidente da República; II - de Presidente da Câmara dos Deputados; III - de Presidente do Senado Federal; IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal; V - da carreira diplomática; VI - de oficial das Forças Armadas. VII - de Ministro de Estado da Defesa. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)”. Além disso, brasileiros natos, ao contrário dos naturalizados, nunca podem ser extraditados (art. 82). Outra distinção entre brasileiros natos e naturalizados prevista na Constituição Federal de 1988 é a de que apenas após dez anos da naturalização esses últimos podem ser proprietários de “empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens”.
  • 20
    Art. 12, § 1º: “Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)” (Brasil, 1988).
  • 21
    Em 2012, foi apresentada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 25, cuja ementa “altera os arts. 5º, 12 e 14 da Constituição Federal para estender aos estrangeiros direitos inerentes aos brasileiros e conferir aos estrangeiros com residência permanente no País capacidade eleitoral ativa e passiva nas eleições municipais”. A tramitação dessa PEC foi encerrada em 2018, tendo sido arquivada ao final da Legislatura. https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/105568
  • 22
    Como esclarecem Ávila e Donato (2020Ávila, O., & Donato, E. (2020). Os estrangeiros nas eleições municipais de 2020. Relatório de pesquisa. Diaspotics, Escola de Comunicação/UFRJ, Faperj. Diaspotics. https://oestrangeiro.org/os-estrangeiros-nas-eleicoes-municipais-de-2020-relatorio-de-pesquisa/.
    https://oestrangeiro.org/os-estrangeiros...
    ), ainda que estrangeiros não possam ser eleitos, a opção “estrangeiros” é disponibilizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) devido ao período compreendido entre a data de inscrição da candidatura e a da posse, durante o qual o estrangeiro pode obter a naturalização.
  • 23
    Segundo reportagem publicada no portal R7 (Pinho, 2020), os profissionais da área da Saúde são, após os que se declaram estudantes, aqueles que mais solicitaram naturalização no Brasil em 2019. Parte desses profissionais está interessada, justamente, em prestar concurso público nessa área, como é o caso de muitos cubanos que permaneceram no Brasil após o governo de Cuba anunciar, em novembro de 2018, a saída do programa Mais Médicos, lançado em julho de 2013 pelo Governo Dilma Rousseff.
  • 24
    Incluído pela Emenda Constitucional nº 11, de 1996.
  • 25
    Incluído pela Lei nº 9.515, de 20.11.97.
  • 26
    Art. 4º, § 3º: Não se exigirá do migrante prova documental impossível ou descabida que dificulte ou impeça o exercício de seus direitos, inclusive o acesso a cargo, emprego ou função pública.” Art. 30, inciso II: “[A residência poderá ser autorizada, mediante registro, ao imigrante, ao residente fronteiriço ou ao visitante que se enquadre em uma das seguintes hipóteses:] d) tenha sido aprovada em concurso público para exercício de cargo ou emprego público no Brasil”.
  • 27
  • 28
    Para mais informações sobre autorizações de residência, cf. https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/imigracao/autorizacao-residencia/documentos/capa.
  • 29
    Sem o Celpe-Bras, candidatos ao PEC-G oriundos de países onde o exame é aplicado não conseguem o visto de estudante, conforme o Decreto 7.948, de 12 de março de 2013 (Brasil, 2013Brasil. Presidência da República. (2013). Decreto n.º 7.948, de 12 de março de 2013. Dispõe sobre o Programa de Estudantes-Convênio de Graduação - PEC-G. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d7948.htm.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
    ). Já candidatos provenientes de países sem postos aplicadores do exame podem realizar o teste no Brasil uma única vez, após a realização de um curso de Português como Língua Adicional (PLA) em uma IES credenciada. Se reprovados, não podem ingressar no PEC-G, sendo “vedada a prorrogação de seu registro e do prazo de estada no Brasil”. Tal vedação, cumpre destacar, está amparada em dois instrumentos legais já revogados: a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Brasil, 1980), e o Decreto nº 86.715, de 10 de dezembro de 1981 (Brasil, 1981).
  • 30
    O projeto Mais Médicos para o Brasil foi instituído em 2013, com o principal objetivo de prover emergencialmente médicos para atuação no Sistema Único de Saúde em regiões brasileiras carentes desses profissionais (encurtador.com.br/ijFGP). A participação no projeto estava condicionada à aprovação no chamado Módulo de Acolhimento e Avaliação (MAAv), com uma carga-horária mínima de 120 horas, distribuídas em dois eixos: Saúde e Língua Portuguesa. Nas edições do MAAv ocorridas em algumas cidades brasileiras em 2013 e 2014, que contaram com a participação de centenas de médicos cubanos, os candidatos estrangeiros reprovados deveriam voltar a seus países. No caso das edições do MAAv ocorridas em Cuba de 2015 a 2018, os reprovados no MAAv não tinham autorização para entrada no Brasil por meio do projeto Mais Médicos. Para uma discussão sobre um teste de português em formato de role-play utilizado nas primeiras edições do MAAv, cf. Diniz & Bizon (2019Diniz, L. R. A., & Bizon, A. C. C. (2019). O modelo de role-play para a avaliação em português para fins específicos do Projeto Mais Médicos para o Brasil. Em Aberto, 32(104), 46-66. https://doi.org/10.24109/2176-6673.emaberto.32i104.4291.
    https://doi.org/10.24109/2176-6673.emabe...
    ).
  • 31
    Conforme o § 1º desse artigo, “São símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais”.
  • 32
    Lembramos, nesse sentido, que a Constituição de 1988 reconhece que comunidades indígenas podem ter outras línguas maternas. Conforme o art. 210, § 2º, “O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”.
  • 33
    Trata-se de um mecanismo de exclusão semelhante ao que se deu por cem anos com os analfabetos brasileiros, que só alcançaram o direito ao voto em maio de 1985 (Westin, 2016Westin, R. (2016). Por 100 anos, analfabeto foi proibido de votar no Brasil. Senado Notícias, 04 nov. 2016. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/11/04/por-100-anos-analfabeto-foi-proibido-de-votar-no-brasil.
    https://www12.senado.leg.br/noticias/mat...
    ).
  • 34
    Essa dispensa se contrasta com a exigência do Celpe-Bras para candidatos ao PEC-G oriundos da CPLP, criticada por Diniz e Bizon (2015Diniz, L. R. A., & Bizon, A. C. C. (2015). Discursos sobre a relação Brasil/África “lusófona” em políticas linguísticas e de cooperação educacional. Línguas e instrumentos linguísticos, 36, 125-165.), Scaramucci et al. (2019Scaramucci, M. V. R., Santos Junior, E. S., & Diniz, L. R. A. (2019). Celpe-Bras: histórico, questões controversas e perspectivas. Em Aberto , 34(104), 167 - 181. https://doi.org/10.24109/2176-6673.emaberto.32i104.4284.
    https://doi.org/10.24109/2176-6673.emabe...
    ), Tosatti (2021Tosatti, N. M. (2021). O desempenho de estudantes de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa no Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras) [Tese de doutorado]. Universidade Federal de Minas Gerais.) e Bizon e Diniz (no preloBizon, A. C. C., & Diniz, L. R. A. (no prelo). “Esta prova é um chumbo ao ensino do português em Cabo Verde”: ideologias linguísticas na exigência do Celpe-Bras para examinandos da CPLP. In M. H. Araújo e Sá, P. Feytor Pinto & S. Pinto (Eds.), Mobilidade internacional de estudantes do ensino superior na CPLP: questões de língua e cultura. Peter Lang.).
  • 35
    Por motivos éticos, foram suprimidos os dados de identificação dos candidatos, dos agentes policiais que aplicaram o teste e dos fiscais, bem como o local e data de aplicação.
  • 36
    Para informações sobre o exame, ver Documento Base do Exame Celpe-Bras (Brasil, 2020a) e o Acervo do Celpe-Bras (https://www.ufrgs.br/acervocelpebras/acervo/).
  • 37
    Curso de Formação de Avaliadores da Parte Oral do Celpe-Bras - edições 2020 e 2021, solicitado pelo Inep/ Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe), desenvolvido, implementado e validado por Margarete Schlatter, Matilde V. R. Scaramucci, Cirlene S. Sanson, Ellen Y. Nagasawa, Gabrielle R. Sirianni, Kaiane Mendel, Kétina A. S. Timboni, Moisés Sousa e Patrícia M. C. Almeida, sob a coordenação das duas primeiras.
  • 38
    Conforme o Documento Base do Celpe-Bras (Brasil, 2020a, p. 70), “O examinando que atinge o nível Intermediário é capaz de produzir textos escritos sobre assuntos variados que, com dificuldade, podem ser reconhecidos como pertencentes a determinados gêneros discursivos, podendo não configurar adequadamente a interlocução. Os recursos lexicais e gramaticais mobilizados são limitados, podendo apresentar problemas de clareza e coesão e/ou inadequações frequentes que comprometem mais frequentemente a fluidez da leitura. É capaz de selecionar algumas informações a partir da interpretação de textos de diferentes gêneros orais e escritos, evidenciando problemas de compreensão e dificuldades no trabalho de recontextualização que podem levar ao cumprimento parcial dos propósitos dos textos produzidos. É capaz de interagir oralmente para a expressão de ideias e opiniões sobre assuntos variados. Apresenta poucas hesitações, com algumas interrupções no fluxo da conversa. Seu vocabulário pode apresentar limitações que podem comprometer o desenvolvimento da interação. Utiliza variedade limitada de estruturas, com algumas inadequações em estruturas complexas e poucas inadequações em estruturas básicas. Sua pronúncia contém inadequações e/ou interferências frequentes de outras línguas. Demonstra alguns problemas de compreensão do fluxo da fala, com necessidade frequente de repetição e/ou reestruturação ocasionada por palavras de uso frequente em nível normal de fala”.
  • 39
    Segundo Relatório Anual da Cátedra Sérgio Vieira de Mello de 2021 (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, 2021), nos anos de 2020 e 2021, 17 universidades brasileiras ofereceram a migrantes de crise vagas em cursos de graduação ou pós-graduação por meio de ingresso facilitado. Para uma discussão sobre processos seletivos para esse público, cf. Gonçalves (2019Gonçalves, J. S. S. (2019). Direitos linguísticos e políticas linguísticas no Brasil: uma análise de processos seletivos para acesso à universidade pública por migrantes forçados. Línguas e instrumentos linguísticos, 43, 192-216. https://doi.org/10.20396/lil.v0i43.8658348.
    https://doi.org/10.20396/lil.v0i43.86583...
    ).
  • 40
    Em 2020, ocorreu uma única edição do Celpe-Bras, em dezembro; entretanto, devido à pandemia de covid-19, quase nenhum posto no Brasil aderiu à aplicação. Em 2021, novamente, ocorreu uma única edição do exame, também em dezembro, com redução significativa no número de vagas abertas em alguns postos, em razão da pandemia. Desse modo, muitos migrantes não tiveram, por quase dois anos, oportunidade de dar andamento a seus processos de naturalização pela impossibilidade de comprovarem proficiência em português. De modo análogo, a maior parte dos candidatos ao PEC-G que chegaram a IES brasileiras no início do ano de 2020 só pôde realizar o Celpe-Bras - pré-requisito para sua entrada na graduação - no final de 2021, tendo, assim, o início de suas graduações atrasado em mais de um ano. Apesar de diferentes solicitações de IES para que, dado o contexto pandêmico, esses candidatos pudessem, excepcionalmente, entrar na graduação sem o Celpe-Bras - apresentando o diploma posteriormente-, nenhuma medida concreta foi tomada pelo MRE ou MEC, gestores do PEC-G, ao mesmo tempo em que o Inep não avançou na criação de uma edição online do exame (cf. Diniz & Bizon, 2021Diniz, L. R. A., & Bizon, A. C. C. (2021). Programa de Estudantes-Convênio de Graduação: vozes documentadas em favor de um outro PEC-G. In A. C. C. Bizon & L. R. A. Diinz (Eds.), Português como Língua Adicional em uma perspectiva indisciplinar: pesquisas sobre questões emergentes (pp. 151-171). Pontes.).
  • 41
    Para a operacionalização de uma proposta plurilíngue em materiais didáticos de PLAc, cf. a coleção didática “Vamos juntos(as)! Curso de Português como Língua de Acolhimento”, coordenada por Ana Cecília Cossi Bizon e Leandro Rodrigues Alves Diniz. https://www.nepo.unicamp.br/resultado-busca/?_sf_s=Vamos%20juntos

Anexo 1 - Modelo de teste de proficiência em português para fins de naturalização (2010 - 2013)

Anexo 2 - Modelo de teste de proficiência em português para fins de naturalização (2016)

Anexo 3 - Modelo de teste de proficiência em português para fins de naturalização (2017)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Jun 2022
  • Aceito
    10 Jul 2022
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