Acessibilidade / Reportar erro

Reflexões sobre a formação ampliada do professor de línguas para atuar em contexto multilíngue/multicultural de fronteira

Reflections on the teacher education to work in a multilingual/multicultural border context

RESUMO

Estando inserida na área da Linguística Aplicada, tenho como objetivo refletir sobre a formação linguística ampliada do professor para atuar no contexto escolar multilíngue e multicultural de fronteira. Como a maioria dos cidadãos passa um tempo considerável de suas vidas na escola, considero que o professor tem um papel importante na educação do entorno, no sentido de contribuir para a construção de sociabilidades para uma vida mais humana, mais delicada com o Outro e baseada no afeto. Os aportes teóricos e metodológicos se ancoram na etnografia da língua(gem), que preconiza o entendimento dos dados etnográficos como resultantes dos interconhecimentos construídos nos diálogos com os interlocutores. Os resultados destas reflexões evidenciaram a importância de um posicionamento político do professor para a compreensão das práticas translíngues dos alunos e dos seus significados culturais. Assim, torna-se possível entender as diferenças não como ameaças, mas como criatividade e riqueza, na busca pela sustentação da capacitação, da resistência e da emancipação dos sujeitos, principalmente daqueles que fazem parte de grupos minoritarizados, em contexto de fronteira.

Palavras-chave:
formação ampliada do professor; translinguagens; culturas plurais.

ABSTRACT

Located in the area of Applied Linguistics, I aim to reflect on the expanded linguistic formation of the teacher to work in the multilingual and multicultural frontier school context. As most citizens spend a considerable time of their lives at school, I consider that the teacher has an important role in the education of the surroundings, in the sense of contributing to the construction of sociability for a more human life, more delicate with the Other and based on affection. The theoretical and methodological contributions are anchored in the ethnography of language, which advocates the understanding of ethnographic data as a result of inter-knowledge built in dialogues with the interlocutors. The results of these reflections highlighted the importance of a political position on the part of the teacher for the understanding of students’ translingual practices and their cultural meanings. Thus, it becomes possible to understand differences not as threats, but as creativity and wealth, in the search for sustaining the empowerment, resistance and emancipation of subjects, especially those who are part of minority groups, in a border context.

Keywords:
teacher education; translanguages; plural cultures.

1. Introdução

Vivemos tempos complexos e paradoxais. Presenciamos a ampliação jamais vista da produção de conhecimentos em todas as áreas e contextos, além da proliferação de possibilidades de divulgação e de acesso em todos os continentes pela veiculação midiática impressa e online, que ampliam imensuravelmente todo tipo de (in)formação, o que contribui também para o estabelecimento de redes sociais que amalgamam diferentes povos, culturas e língua(gens). Simultaneamente, vivenciamos a perplexidade do acirramento da segregação de pessoas, da ampliação do preconceito, da estigmatização e da violência, causando sofrimento e rejeição em relação àqueles que fazem parte de grupos minoritarizados, como indígenas, sujeitos bi/multilíngues desprestigiados, quilombolas, migrantes, fronteiriços, surdos, negros, LGBTQIA+, não só aos sujeitos em si, mas as suas práticas culturais e de língua(gens).

Cavalcanti (1999Cavalcanti, M. do C. (1999). Estudos sobre Educação Bilíngue e escolarização em contextos de minorias linguísticas no Brasil. D.E.L.T.A., 15, 385-417. https://www.scielo.br/j/delta/a/JcJDbkyVZxZPHnJXJrDyWYn/?lang=pt&format=pdf. https://doi.org/10.1590/S0102-44501999000300015.
https://www.scielo.br/j/delta/a/JcJDbkyV...
), ao tratar de contextos educacionais minoritarizados bi/multilíngues, aponta para o pequeno número de pesquisas, embora ascendente naquele momento, realizadas nesses contextos, no Brasil. Após 22 anos dessa publicação, e o permanente engajamento da autora na luta pelos direitos sociais, linguísticos e educacionais dos grupos minoritarizados - a qual tem inspirado enormemente pesquisadores e professores não só no Brasil -, vem crescendo o número de pesquisas sob esse prisma no cenário brasileiro. Para exemplificar, cito a dissertação de Juliani (2021), a qual traz um levantamento das pesquisas que focalizam a pluralidade linguística e cultural nos ambientes escolares, realizadas no Oeste do Paraná e empreendidas a partir de 1999, obtendo como resultados preliminares o significativo número de 38 pesquisas. Embora estas se limitem principalmente ao cenário da Tríplice Fronteira Brasil/Paraguai/Argentina, acredito serem representativas do que vem acontecendo no restante do país.

No entanto, os resultados dessas pesquisas têm chegado de forma tímida ao contexto educacional, cuja orientação predominante continua voltada para o monolinguismo e o monoculturalismo, o que quase sempre resulta em preconceitos, fracassos e até mesmo evasão escolar (Pires-Santos, 1999Pires-Santos, M. E. (1999). Fatores de risco para o sucesso escolar de crianças “brasiguaia”s nas escolas de Foz do Iguaçu: uma abordagem sociolinguística. Programa de Pós-Graduação em Linguística da Língua Portuguesa., 2004Pires-Santos, M. E. (2004). O cenário multilíngue, multidialetal, multicultural de fronteira e o processo identitário “brasiguaio” na escola e no entorno social. [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas. , 2017Pires-Santos, M. E. (2017). “Portunhol Selvagem”: translinguagens em cenário translíngue/transcultural de fronteira. Gragoatá, 22(42), 523-539. https://doi.org/10.22409/gragoata.v22i42.33483.
https://doi.org/10.22409/gragoata.v22i42...
, 2018Pires-Santos, M. E. (2018). A multilingual life in transit between two monolingual orders: A ‘Braziguayan’ student, her linguistic repertoire and her translingual practice. In M. C. Cavalcanti & T. M. Maher (Eds.), Multilingual Brazil: Language resources, identities and ideologies in a globalized world (pp. 105-120). Routledge.; Pires-Santos & Cavalcanti, 2008Pires-Santos, M. E., & Cavalcanti, M. C. (2008). Identidades híbridas, língua(gens) provisórias - alunos “brasiguaios” em foco. Trabalhos em Linguística Aplicada, 47(2), 429-446. https://doi.org/10.1590/S0103-18132008000200010.
https://doi.org/10.1590/S0103-1813200800...
; Pires-Santos, 2017Pires-Santos, M. E. (2017). “Portunhol Selvagem”: translinguagens em cenário translíngue/transcultural de fronteira. Gragoatá, 22(42), 523-539. https://doi.org/10.22409/gragoata.v22i42.33483.
https://doi.org/10.22409/gragoata.v22i42...
). A partir dessas constatações, as quais impulsionam à resistência e à continuidade de pesquisas e de práticas pedagógicas voltadas para contextos fronteiriços e suas complexas práticas culturais e de língua(gem), trago como objetivo deste artigo refletir sobre uma “formação ampliada do professor de línguas” (conforme Cavalcanti, 2013Cavalcanti, M. C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Linguística Aplicada na modernidade recente (pp. 211-226). Parábola. , p. 2012) para atuar no contexto plurilíngue e pluricultural de fronteira, tendo como base o letramento político.

A partir do objetivo delineado nesta introdução, e que compõe sua primeira seção, este artigo está organizado em mais quatro seções, além das considerações finais. Na segunda seção, delineio as escolhas epistemológicas que ancoram as discussões propostas. Trago, na terceira, a complexa situação multilíngue/multicultural do cenário transfronteiriço. Em seguida, abordo a instituição educacional entre a homogeneização idealizada e a complexidade das práticas multilíngues e multiculturais para, na quarta seção, refletir sobre as implicações de uma formação ampliada do professor de línguas para atuar nesses contextos. Por último, apresento as considerações finais.

2. Escolhas epistemológicas: a teoria gerada na prática

Ancoro as reflexões aqui propostas na área da Linguística Aplicada (LA), uma vez que expressam movimentos epistemológicos em que a teoria é gerada na prática, o que possibilita o entendimento de práticas de língua(gem) situadas nas relações sociais, a partir da colaboração entre todo/as os/as participantes (Signorini & Cavalcanti, 1998Signorini, I., & Cavalcanti, M. C. (Eds.). (1998). Linguística Aplicada e transdisciplinaridade. Mercado de Letras.; Moita Lopes, 2006Moita Lopes, L. P. (Ed.). (2006). Por uma Linguística Aplicada indisciplinar . São Paulo: Parábola. , 2013Moita Lopes, L. P. (Ed.). (2013). O Português no século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico. Parábola.; Cavalcanti, 2006Cavalcanti, M. do C. (2006). Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em Linguística Aplicada: implicações éticas e políticas. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Por uma Linguística Aplicada indisciplinar (109-128). Parábola.; Kleiman & Cavalcanti, 2007Kleiman, A. B., & Cavalcanti, M. do C. (Eds.). (2007) Linguística Aplicada: Suas faces e interfaces. Mercado de Letras.; Cavalcanti & Maher, 2009Cavalcanti, M. C. & Maher, T. M. (2009). Diferentes diferenças: desafios interculturais na sala de aula. Campinas: IEL/CEFIEL/MEC.; Garcez & Schulz, 2015Garcez, P. M., & Schulz, L. (2015). Olhares circunstanciados: etnografia da língua(gem) e pesquisa em Linguística Aplicada no Brasil. D.E.L.T.A, 31, 1-34. http://dx.doi.org/10.1590/0102-445093806057590158.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-445093806...
; Pires-Santos et al. 2015Pires-Santos, M. E., Lunardelli, M., Jung, N., & Silva, R. (2015). “Vendo o que não se enxergava”: condições epistemológicas para construção de conhecimento coletivo e reflexivo da língua(gem) em contexto escolar. D.E.L.TA., 31, 36-66. http://dx.doi.org/10.1590/0102-4450761813738654418.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-445076181...
; Jordão, 2016Jordão, C. M. (Ed.). (2016). A Linguística Aplicada no Brasil: rumos e passagens. Pontes.).

A metodologia de pesquisa2 1 As reflexões aqui apresentadas constituem parte de pesquisas que venho realizando sobre a complexidade multilíngue e multicultural de fronteira em sua relação com a formação do professor e o contexto escolar, a partir dos anos 1990, e que, atualmente, correspondem ao projeto de pesquisa intitulado Políticas Linguísticas, Multiletramentos e a Formação do Professor em Contexto Plurilíngue/pluricultural de Fronteira. que tem orientado toda a minha trajetória acadêmica, e sustenta a geração e análise dos dados neste artigo, se constitui como experiência etnográfica, ou etnografias da língua(gem) (Blommaert, 2012Blommaert, J. (2012). Chronicles of Complexity: Ethnography, superdiversity, and linguistic landscapes. Multilingual Matters.; Blommaert & Rampton, 2011Blommaert, J., & Rampton, B. (2011). Language and superdiversity. Diversities, 13(2), 1-21.; Cavalcanti, 2013Cavalcanti, M. C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Linguística Aplicada na modernidade recente (pp. 211-226). Parábola. ; Garcez & Schulz, 2015Garcez, P. M., & Schulz, L. (2015). Olhares circunstanciados: etnografia da língua(gem) e pesquisa em Linguística Aplicada no Brasil. D.E.L.T.A, 31, 1-34. http://dx.doi.org/10.1590/0102-445093806057590158.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-445093806...
; Lucena, 2015Lucena, M. I. P. (2015). Práticas de Língua(gem) na realidade da sala de aula: contribuições da pesquisa de cunho etnográfico em Linguística Aplicada. D.E.L.T.A, 31, 67-95. https://doi.org/10.1590/0102-445056402228334085.
https://doi.org/10.1590/0102-44505640222...
; Jung & Silva; Pires-Santos, 2019Jung, N., Silva, R., & Pires-Santos, M. E. (2019). Etnografia da língua(gem) como política em ação. Calidoscópio, 17(1), 145-162.). Esta perspectiva contribui para o entendimento dos dados etnográficos como resultantes dos interconhecimentos construídos nos diálogos com os interlocutores, seus saberes e os meus saberes. Seguindo essas orientações, os dados aqui analisados foram gerados por meio de anotações em campo e entrevistas realizadas com 4 alunos de graduação dos cursos de Letras da Unioeste, campus de Foz do Iguaçu, conforme detalhado nas respectivas seções.

Com essas reflexões, almejo contribuir para o questionamento sobre as relações de poder subjacentes às orientações homogeneizadoras e hierarquizadoras referentes aos significados culturais e língua(gens) nos contextos educacionais e que se espraiam para a sociedade em geral. Essa configuração nos impele a indagar sobre a formação que estamos oferecendo ao professor para atuar em contextos multilíngues e multiculturais não só de fronteira, tanto nos cursos de licenciaturas como nos cursos de formação continuada. É importante considerar que o professor tem um papel importante na “educação do entorno” (Maher, 2008Maher, T. M. (2008). Em busca do conforto linguístico e metodológico no Acre indígena. Trabalhos em Linguística Aplicada, 47(2), 409-428. https://doi.org/10.1590/S0103-18132008000200009.
https://doi.org/10.1590/S0103-1813200800...
), no sentido da construção de outras sociabilidades para uma vida mais humana, mais delicada com o Outro e baseada no “afeto” (Krenac, 2020Krenak, A. (2020). Vozes da Floresta. Entrevista concedida ao Le Monde Diplomatique Brasil. https://www.youtube.com/watch?v=KRTJIh1os4w.
https://www.youtube.com/watch?v=KRTJIh1o...
), já que a maioria dos cidadãos passa um tempo considerável de suas vidas na escola.

Não pretendo, com essa afirmação, atribuir a responsabilidade pelo que estou denominando “cenário complexo e paradoxal”, apenas ao professor, pois sabemos o importante papel da sociedade como um todo na constituição de suas práticas sociais e de seus princípios éticos. Argumento, sim, em favor de uma formação que, ultrapassando os conteúdos curriculares das disciplinas, inclua “uma educação linguística ampliada”, seguindo o que propõe Cavalcanti (2013Cavalcanti, M. C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Linguística Aplicada na modernidade recente (pp. 211-226). Parábola. ), de forma a interferir nessa configuração, justamente porque não é justo exigir do professor um posicionamento sobre questões que não foram incluídas nos projetos pedagógicos dos respectivos cursos de licenciatura. Esta proposição, a ser desenvolvida a partir de uma perspectiva em diálogo com outras áreas do conhecimento e pautada nas orientações da Linguística Aplicada transdisciplinar, assim é delineada pela autora:

Nessa visão de educação ampliada, entendo que um curso de licenciatura neste mundo de diáspora, imigração e migração, de mobilidade social cada vez mais emergente, precisaria enfatizar a formação de um professor posicionado, responsável, cidadão, ético, leitor crítico, com sensibilidade à diversidade e pluralidade cultural, social e linguística etc., sintonizado com seu tempo, seja em relação aos avanços tecnológicos, seja em relação aos conflitos que causam qualquer sofrimento ou de rejeição a seus pares, lembrando que essas questões são cambiantes, fluidas, assim como as construções identitárias nas salas de aula (Cavalcanti, 2013Cavalcanti, M. C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Linguística Aplicada na modernidade recente (pp. 211-226). Parábola. , p. 2012).

Essa afirmação desvela sua notável e inspiradora trajetória como pesquisadora e professora, que preconiza uma visão de mundo sustentada em uma ética voltada para a solidariedade universal e pela sacralidade de cada ser humano, independentemente de gênero, raça, religião, práticas de língua(gem), idade, etc. Sua perspectiva motiva práticas colaborativas e participativas que vão para além do contexto educacional, dando sustentação à capacitação, à resistência e à emancipação dos cidadãos, sempre ancorada numa perspectiva crítica e nas reflexões que buscam se afastar de práticas hierarquizadoras e naturalizadas, em direção a práticas libertadoras.

Compreendo que uma proposição de formação ampliada do professor se coaduna à proposta de Freire e Shor (1987Freire, P., & Shor, I. (1986). Medo e ousadia: cotidiano do professor. Paz e Terra. , p. 36) quando argumentam que os “educadores libertadores não são missionários, nem técnicos, nem meros professores; pelo contrário, têm de tornar-se, cada vez mais, militantes! Devem tornar-se militantes no sentido político dessa palavra. Algo mais do que um ‘ativista’. Um militante é um ativista crítico”. Ainda de acordo com os autores (Freire e Shor, 1987Freire, P., & Shor, I. (1986). Medo e ousadia: cotidiano do professor. Paz e Terra. , p. 37) “militância” constitui “uma espécie de esforço permanente de crescimento, de criação, até mesmo sem dormir! Porque nós não podemos dormir (rindo). Você sabe, devemos estar constantemente atentos ao que está acontecendo, lutando para transpor os limites”.

São esses posicionamentos que reacendem o “esperançar” - como um verbo de ação, no sentido que lhe atribui Paulo Freire -, impulsionando-me a resistir e a dar continuidade às pesquisas e práticas pedagógicas voltadas aos contextos minoritarizados. Contextos que compreendo como centrais na formação linguística ampliada do professor para atuar no contexto escolar multilíngue e multicultural de fronteira tendo, como base, os letramentos políticos.

Para compreender a formação ampliada do professor aliada aos letramentos políticos, me ancoro em Estevão (2017Estevão, M. R. (2017). Anais do Congresso Nacional Universidade, EAD e Software Livre. Universidade UEaDSL, UFMG. http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/ueadsl/article/view/12851.
http://www.periodicos.letras.ufmg.br/ind...
). Para o autor, letramentos se referem à apropriação de conhecimentos referentes às temáticas, demandas e interesses sociais dos cidadãos em contextos sociais, políticos e econômicos mais amplos. Contextos que refletem a organização e o funcionamento das relações de poder em uma sociedade democrática, englobando o reconhecimento das diferenças e as lutas por igualdade de direitos, respeito e afeto pelo Outro.

Para fazer jus a esta perspectiva de forma a contemplar uma formação ampliada do professor, considero central, como propõe Cavalcanti (2013Cavalcanti, M. C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Linguística Aplicada na modernidade recente (pp. 211-226). Parábola. ), ressignificar conceitos com que trabalhamos em nossas pesquisas com minorias, para não correr o risco da utilização de conceitos naturalizados, com uma visão carregada de preconceitos que discriminam essas populações.

Considerando que todo conceito é ambivalente, ou seja, se recobre de diferentes significações ao longo da sua história, trago Rancière (1996Rancière, J. (1996). O desentendimento. Editora 34., p. 11) quanto à compreensão do “desentendimento”:

Por desentendimento entenderemos um tipo de situação da palavra: aquela em que um dos interlocutores ao mesmo tempo entende e não entende o que diz o outro. O desentendimento não é o conflito entre aquele que diz branco e aquele que diz preto. É o conflito entre aquele que diz branco e aquele que diz branco mas não entende a mesma coisa, ou não entende de modo nenhum que o outro diz a mesma coisa com o nome de brancura.

O desentendimento não incide apenas sobre a imprecisão e opacidade da língua(gem), mas também sobre o contexto em que estão os interlocutores, revelando a inexistência de um mundo comum. A perspectiva do desentendimento nos ajuda a compreender o antagonismo entre a garantia de direitos das minorias e as apropriações de uma maioria escrituradas nas práticas homogeneizadoras, sendo necessário que se focalize o “nó” para tecer relações entre uma situação e outra.

Em relação à língua(gem), por exemplo, uma perspectiva colonialista, no sentido de estar voltada para uma visão homogênea, monolítica e imutável, muito comum no cenário educacional, legitima os significados culturais de grupos dominantes como forma de conhecimento privilegiado. Legitimação que também se estende para interlocutores legitimados, sob condições em que se impõem certas formas de uma língua convencionada como padrão, deixando à margem uma parcela significativa de alunos e demais cidadãos, principalmente quando em contexto de fronteira.

Contestando essa concepção homogeneizadora e a ambivalência dos conceitos com que trabalhamos, César e Cavalcanti (2007Cesar, A., & Cavalcanti, M. (2007). Do singular para o multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In M. Cavalcanti & S. M. Bortoni-Ricardo (Eds.), Transculturalidade, Linguagem e Educação (pp. 45-66). Mercado de Letras. , p. 65) retratam a característica multifacetada da língua(gem) por meio da metáfora do caleidoscópio. A exemplo do caleidoscópio, a cada movimento, a língua(gem) desvela novas possibilidades e combinações, que, no momento seguinte, já se transformaram em outros múltiplos. Entendemos esta como uma postura ‘decolonial’, no sentido de uma desaprendizagem das imposições coloniais para, a partir das bases, “resistir, transgredir e subverter a dominação, para seguir sendo, sentindo, fazendo, pensando e vivendo - decolonialmente - apesar do poder colonial” (Walsh, 2013Walsh, C. (2013). Lo pedagógico y lo decolonial: Entretejiendo caminhos. In C. Walsh (Ed.), Pedagogías decoloniales: práticas insurgentes de resistir, (re)existir e (re)vivir (pp. 23-68). Ediciones Abya-Yala., p. 25).

Esta perspectiva está em consonância com as práticas translíngues (Garcia, 2009Garcia, O. (2009). Bilingual Education in the 21st. Century: a global perspective. Wiley-Blackwell.; Canagarajah, 2013Canagarajah, S. (2013). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.), pois, considerando a intensa mobilidade de pessoas ao redor do mundo e o avanço das tecnologias, as práticas de língua(gem) se encontram em combinações bastante complexas, ou seja, os falantes não têm competências separadas das línguas, pois estas estão emaranhadas em seus “repertórios linguísticos” (Busch, 2012Busch, B. (2012). The linguistic repertoire revisited. Applied Linguistics, 35(5), 503-523. ). Desta forma, os significados surgem por meio de práticas de negociação em situações locais, estando sempre abertas à renegociação e reconstrução pelos sujeitos como recursos móveis. Essa compreensão da língua(gem) deixa implícita a indissocialibilidade entre esta e a sociedade, incluindo automaticamente as culturas, também compreendidas como mutáveis, em permanente fluxo, no sentido que lhes atribuem Cavalcanti e Maher (2009Cavalcanti, M. C. & Maher, T. M. (2009). Diferentes diferenças: desafios interculturais na sala de aula. Campinas: IEL/CEFIEL/MEC.). As autoras argumentam que as culturas são os significados que uma coletividade atribui a tudo que existe em um determinado momento histórico e, por isso, está em constante processo de mutação e deslocamentos, assim como a sociedade e a língua(gem).

Alinhada às concepções de translíngua(gem) e cultura, numa perspectiva da complexidade e da impossibilidade de traçar linhas de fronteiras que separam e compartimentalizam, o sujeito se coloca como sendo performatizado no discurso e no corpo, construindo identidades complexas, provisórias, em constantes transformações (Butler, 2010Butler, J. (2010). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Civilização Brasileira.; Pennycook, 2006Pennycook, A. (2006). Uma Linguística Aplicada transgressiva. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Por uma Linguística Aplicada indisciplinar (pp. 67-84). Parábola). Essa complexidade se acentua no cenário de fronteira.

3. O Cenário transfronteiriço e sua complexidade multilíngue e multicultural

Excerto 1

“Em Foz do Iguaçu me tratam como paraguaia; em Ciudad del Este, como paraguaia e brasileira; em Asunción, quando visito meus parentes de lá, como brasileira.” (Entrevista com Iara. Setembro, 2016; arquivos da autora).

Essa autodescrição de Iara, aluna do Curso de Letras Português/Espanhol da Unioeste, campus de Foz do Iguaçu à época da entrevista, ilustra o dilema de muitos “transfronteiriços”, denominação que, conforme prescreve a Nova Lei de Migração no. 13.445, de 24 de maio de 2017 (BRASIL, 2017Brasil. (2017). Portal da Imigração. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Nova Lei da Migração. Lei n. 13.445, de 24 de maio de 2017. https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/nova-legislacao/item/13760-lei-n-13-445-de-24-de-maio-de-2017.
https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/n...
), se refere a “estrangeiros que residem em países limítrofes e obtêm autorização para circular nos municípios brasileiros contíguos às fronteiras com seus países de origem, por motivo de trabalho, bem como para acessar comércio ou serviço”.

Essa aluna, filha de pai paraguaio e mãe brasileira, como muitos outros no sistema educacional da Tríplice Fronteira, transita entre os dois países e suas diferentes línguas-culturas: português, guarani, jopará3 2 Jopará é a denominação utilizada para designar as práticas de língua(gem) em que se entrelaçam o guarani e o castelhano e, em casos de migrantes e/ou filhos de brasileiros, também o português (Pires-Santos, 2018). , castelhano, inglês, alemão, italiano, mandarim, árabe, entre outras.

Embora predomine, nesse relato, a língua portuguesa - provavelmente motivada por ter uma brasileira como interlocutora -, observamos que a denominação da capital do Paraguai é pronunciada em castelhano e não em português “Asunción/Assunção”, conforme costumeiramente ocorre na fronteira. De acordo com sua narrativa, em Foz do Iguaçu, ela é reconhecida como paraguaia, porque, embora fale português, este se apresenta com traços do castelhano. Já a expectativa dos interlocutores é que, para ser considerada brasileira, é necessário trazer a “pureza” da língua. Da mesma forma, em Ciudad del Este, suas práticas translíngues - jopará, castelhano, português - fazem com que seja considerada ora brasileira, ora paraguaia.

Quando indaguei sobre o seu reconhecimento como brasileira, em Assunção, ela explicou que os parentes a criticam, dizendo que ela fala português e age como brasileira, mesmo quando está falando em castelhano. Fica subentendido que, em Assunção, não fala o jopará, provavelmente pelo preconceito maior em relação a essa língua, na capital. Embora ela tenha a percepção das diferentes línguas como separadas, estas estão entrelaçadas em suas práticas, conforme percebido por seus interlocutores ao lhe atribuírem diferentes nacionalidades.

Nesse exemplo, da mesma forma que se diluem as fronteiras linguísticas, também se diluem as fronteiras geográficas, coadunando com a ótica de Rushdie (2007Rushdie, S. (2007). Cruze esta linha. Cia das Letras. , p. 342), quando o autor se refere à fronteira “como uma linha fugidia, visível e invisível, física e metafísica, amoral e moral”, embora sua travessia possa ser motivo de punição, pelas delimitações estabelecidas por normas legislativas específicas emanadas do poder do Estado/Nação. Se, por um lado, a fronteira é passível de fiscalização e punição, por outro, se constitui, por meio das relações que os povos estabelecem entre si, como espaços permeáveis e fluidos, onde se estabelecem encontros e diálogos, dando margem à transnacionalização de pessoas, comércios, trabalhos, educação, culturas e língua(gens), como ocorre com Iara.

Na área educacional, por exemplo, é comum alunos transfronteiriços virem diariamente para o Brasil para aqui estudar no período matutino, retornando ao Paraguai para dar continuidade aos seus estudos, em outras línguas, no contraturno (Melo, 2014Melo, T. B. (2014). As identidades que nos habitam: representações, culturas e língua(gens) no contexto escolar transfronteiriço. [Dissertação de Mestrado]. Unioeste. ). Outro exemplo é quanto ao trânsito de brasileiros que vão cursar, principalmente Medicina, em universidades paraguaias próximas à fronteira, como em Presidente Franco - cidade distante 28 km de Foz do Iguaçu/Brasil e que faz divisa com Ciudad del Este/Paraguai. Embora não haja dados estatísticos precisos, estima-se que cerca de 18.000 estudantes de medicina (Webber, 2018Webber, M. A. (2018). Estudantes brasileiros de medicina em Presidente Franco (PY): motivações e tensões de um fluxo universitário transfronteiriço. [Dissertação de Mestrado]. Universidade Federal do Paraná.) fazem, diariamente, essa travessia entre os dois países, sendo que muitos brasileiros optam por residir temporariamente no Paraguai, sem desfazer os vínculos com o Brasil.

Assim, a Tríplice Fronteira Brasil/Paraguai/Argentina, cenário em que há uma intensa mobilidade de pessoas em todas as direções - seja motivada pelo estudo, turismo, comércio ou por outras razões -, apresenta características que podem ser vistas como compostas por uma superdiversidade (Vertovec, 2007Vertovec, S. (2007). Super-diversity and its implications. Ethnic and Racial Studies, 30(6), 1024-1054. https://doi.org/10.1080/01419870701599465.
https://doi.org/10.1080/0141987070159946...
). A área comercial fronteiriça de cada um dos três países, embora separados pela Ponte da Amizade (Brasil/Paraguai) e Ponte da Fraternidade (Brasil/Argentina) e respectivas aduanas, se encontra em um contínuo urbano, constituindo uma população em torno de 800.000 habitantes: Foz do Iguaçu/Brasil, com 256.088 habitantes4 3 https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pr/foz-do-iguacu/panorama. ; Puerto Iguazú/Argentina, com 42.849 habitantes5 4 https://pt.db-city.com/Argentina--Misiones--Iguaz%C3%BA--Puerto-Iguaz%C3%BA. ; Ciudad del Este/Paraguai, com 312.652 habitantes6 5 http://www.altoparana.gov.py/v0/index.php/ciudad-del-este. . Além dessa população, a região recebe um grande contingente de visitantes de todas as partes do mundo, atraído pelo intenso comércio e pelo importante polo turístico, principalmente as Cataratas do Iguaçu, no Rio Iguaçu. Em 2019, só do lado brasileiro, as Cataratas receberam 2.020.358 visitantes. Encontra-se nesse cenário, também, a Usina de Itaipu.

O Paraguai tem como línguas oficiais o castelhano7 6 A opção pela denominação “castelhano” e não espanhol se deve ao fato de ser esta a forma preferencial dos habitantes dos países vizinhos para designar sua língua. e o guarani, fazendo parte das práticas de língua(gem) também o jopará e o português. A língua oficial da Argentina é o castelhano. No Brasil, a língua oficial é o português. Mas, nesse cenário de fronteiras, muitas outras línguas circulam intensamente, como línguas árabes, chinesas, italianas, inglesas, coreanas, etc. Mais recentemente, a fronteira vem recebendo novas levas de migrantes, deslocados por guerras (sírios), catástrofes (haitianos), questões políticas (venezuelanos) ou, ainda, por problemas sociais e econômicos (países africanos). Isso faz com que as fronteiras se diluam e as diferentes línguas-culturas se entrelacem mais. É importante lembrar, ainda, que as diferentes mídias circulam intensamente para além das fronteiras, favorecendo que as língua(gens)-culturas se espraiem imensuravelmente.

Nesse complexo contexto, o dilema de Iara, que se estabelece pela percepção de seus repertórios linguísticos diferenciados, relacionados aos estados/nações, é vivenciado por incontáveis moradores da fronteira, como exemplificarei a seguir.

4. A homogeneização idealizada versus as complexas práticas translíngues

Excerto 2

Maria:

- Felicidades ppis do pedaço, muchas felicidades ((felicidades papais do pedaço, muitas felicidades))8 7 Optei por colocar as traduções - feitas pela própria participante da pesquisa - entre parênteses duplos, em conformidade com as convenções mais utilizadas.

- Que guapa parece que nei lhoro? ((Que valente, parece que nem chorou?))

- Que delícia de risada, ovevetantemavoi pé kunha ((Que delícia de risada, está quase voando essa menina))

Lara:

- Todo el día case oke ((dorme quase todos os dias))

- Verdade mesmo, ela es muitu parecida con você, Maria ((Verdade mesmo, ela é muito parecida com você, Maria.))

Maria:

- Maenati, como queria tar ali pa ver isto many. Parabéins hasype oimbatama ((Que pena, como queria estar ali para ver isto, many. Parabéns, por fim ficará pronto)) (março, 2018; arquivos da autora).

Esse diálogo, realizado via aplicativo WhatsApp, por chamada de vídeo, foi mantido entre duas irmãs “brasiguaias”9 8 A denominação “brasiguaio” é atribuída a brasileiros que se deslocaram para o Paraguai, principalmente na década de 1970 e que permanecem no país vizinho ou, de forma intermitente, têm retornado ao Brasil; ou, ainda, àqueles que mantêm a dinâmica transnacional de ir e vir. Para maiores esclarecimentos sobre esses deslocamentos, ver Pires-Santos (1999, 2004). . Uma delas, Maria, foi minha aluna do Curso de Letras Português/Espanhol-PR, no Brasil. No momento da geração dos dados aqui analisados, estava cursando o doutorado em Letras, em uma Universidade pública do Paraná. A outra, aqui nominada Lara, é irmã de Maria e ainda reside no Paraguai.

Maria e Lara, filhas de agricultores brasileiros que se deslocaram para o Paraguai na década de 1970, nasceram naquele país. Maria cursou toda a escolaridade básica em uma escola rural, próxima à residência dos pais, que ainda moram no mesmo local. Após esse período escolar, Maria veio para o Brasil e se naturalizou brasileira, para dar continuidade aos seus estudos. Conforme suas narrativas, durante esse período passou por muitas dificuldades decorrentes de suas práticas de língua(gem), especialmente na escrita. Embora já tivesse concluído essa etapa no Paraguai, decidiu retomar o último ano do Ensino Médio no Brasil, de modo a se familiarizar com a língua portuguesa escrita e ser aprovada no vestibular da Unioeste/PR.

Essa escolha, segundo Maria, foi motivada pela compreensão de que poderia se aperfeiçoar nas línguas que já faziam parte de seu repertório linguístico. Após essa aprovação, no entanto, as dificuldades redobraram, pois, segundo narra, a maioria de seus professores do curso de Letras afirmava que não poderia concluir o curso se mantivesse sua escrita. Uma afirmação que evidencia o valor à hierarquização das línguas, pois é justamente na escrita que o entrelaçamento entre a língua portuguesa e a língua castelhana torna-se mais visível. De acordo com as avaliações feitas por Maria sobre suas próprias práticas de língua(gem), a proximidade das duas línguas - que têm a mesma origem histórica - dificulta essa separação, embora o mesmo não ocorra com o guarani, que se diferencia enormemente do português e do castelhano.

No entanto, como no diálogo em cena, não é possível estabelecer fronteiras entre o português, o castelhano, o guarani e o jopará. Maria esclarece que o formato desse diálogo só é possível entre ela e a irmã ou pessoas da família e mesmo outras que compartilham esses repertórios linguísticos. Essa constatação se coaduna com os resultados de pesquisas realizadas por Canagarajah (2013Canagarajah, S. (2013). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.), ao mostrar que os sujeitos da interação constroem estratégias discursivas em que adotam uma voz particular, em uma determinada situação, para a negociação de significados que facilitem a compreensão. Ainda segundo o autor, essas estratégias relacionam-se principalmente às práticas culturais e estão a serviço da performatização de identidades.

Maria, por suas características bi/multilíngues e multiculturais, constrói estratégias diferenciadas para outros contextos e interlocutores, como pode ser observado nas reflexões metalinguísticas tecidas sobre esse diálogo com sua irmã. Conforme suas explicações sobre as mensagens de WhatsApp, a conversa girou em torno do crescimento saudável da sobrinha, que é também sua afilhada, filha de sua irmã. A sobrinha/afilhada estava crescendo longe dos olhos da tia/madrinha, por estar residindo no Brasil.

Para exemplificar, trago análise, embora não exaustiva, do “repertório linguístico” (Busch, 2012Busch, B. (2012). The linguistic repertoire revisited. Applied Linguistics, 35(5), 503-523. ) das interlocutoras. Para tanto, tomo como base as descrições metalinguísticas e discursivas e as traduções realizadas por Maria, atendendo a um pedido meu:

  • a) ‘Felicidades ppis do pedaço, muchas felicidades’ ((Felicidades ppis do pedaço, muitas felicidades))

- a palavra ‘felicidades’ é a mesma, tanto em português como em castelhano; ‘ppis/papis/papais do pedaço’: ‘ppis’ é uma abreviatura carinhosa e indicativa de familiaridade, comum nas mensagens rápidas das mídias digitais; seguida da expressão ‘do pedaço’ procura significar, na língua(gem) cotidiana da língua portuguesa, a relevância daquele pai, naquele espaço; ‘muchas’: castelhano, o mesmo que ‘muitas’ em português.

  • b) ‘Que guapa parece que nei lhoro?’ ((Que valente, parece eu nem chorou))

- as palavras ‘que’ e ‘parece’ têm a mesma grafia e o mesmo significado em português e em castelhano; ‘guapa’ (castelhano) significa ‘bonita’; para a ocorrência ‘nei’, são diferentes as hipóteses, isto é, pode ser uma analogia com a pronúncia de ‘nem’, em português, ou uma semelhança entre a palavra em português e a correspondente em castelhano, ‘ni’; o mesmo ocorre com ‘lhoro’, que em castelhano seria ‘lloro”; mas, por analogia com a grafia em português e a pronúncia em espanhol, resultou em ‘lhoro’.

  • c) ‘Que delícia de risada, ovevetantemavoi pé kunha’ ((Que delícia de risada, está quase voando essa menina))

- ‘que delícia de risada’, em português; ‘ovevetantemavoi pé’, em guarani; ‘kunha’, em guarani seria ‘kuña/menina’, mas houve aí a eliminação do til sobre a letra -n (que não faz parte da grafia em português) e a inclusão do -h, para marcar a nasalidade, como acontece em português, mas não em guarani ou castelhano. É importante sinalizar que, nessas interações, está presente também o jopará que, como já mencionamos, é a denominação atribuída ao entrelaçamento entre o guarani e o castelhano. Nesse exemplo temos também a língua portuguesa. Embora haja uma tentativa de separar essas línguas, para fins de análise, elas estão aí emaranhadas, sendo impossível separá-las sem que se percam os sentidos e as identidades.

  • d) ‘Todo el día case oke’ ((Dorme quase todos os dias))

- ‘todo el día case’ está grafado em castelhano, embora ‘case’ seja grafado com -i (casi); a grafia com -e pode ser explicada pela escrita rápida no WhatsApp, ou pela analogia com a língua portuguesa; ‘oke’, em guarani, corresponde a ‘dorme’.

  • e) ‘Verdade mesmo, ela es muitu parecida con você, Maria’ ((Verdade mesmo, ela é muito parecida com você, Maria.))

- ocorrências translíngues muito comuns na escrita de alunos que estudaram no Paraguai. Na escrita em português, são incluídas algumas palavras em castelhano, principalmente aquelas que têm uma semelhança com a escrita em português, como é o caso de ‘es’ e ‘con’; a letra -u, em ‘muitu’, é também comum a alunos brasileiros, pela analogia com a oralidade. Embora seja de fácil compreensão para um falante de português e também do castelhano, essa frase traz um emaranhado do castelhano e do português - em castelhano, por exemplo, seria ‘ella se parece mucho a ti, Maria’ - em português seria ‘ela é muito parecida com você, Maria’.

  • f) ‘Maenati, como queria tar ali pa ver isto many. Parabéins hasype oimbatama’ ((Que pena, como queria tar ali pa ver isto, many. Parabéns, por fim ficará pronto.))

- ‘maenati’, em guarani; ‘como queria tar ali pa ver isto’, em português, exemplificando ocorrências da língua(gem) mais próxima das práticas rurais, como em ‘tar/estar’ e ‘pa/pra/para’; ‘many’, corresponde ao tratamento para mana/irmã. “Many” não encontra correspondência em nenhuma das línguas, pois em português seria “mana”, forma carinhosa usada em família, comum no oeste do Paraná. Essa é uma expressão carinhosa de tratamento para ‘mana/irmã’, retirada do filme A Era do Gelo. Em ‘parabéins’, ocorre uma transferência da oralidade para a escrita com a intercalação do -i, fato compreensível, considerando que a escrita, no WhatsApp, traz muitos traços do diálogo oral. ‘hasype oimbatama: guarani.

As práticas translíngues desses alunos, como no diálogo em foco, são geralmente estigmatizadas, principalmente pelos professores de línguas, por serem consideradas erros e não “repertórios linguísticos” (Busch, 2012Busch, B. (2012). The linguistic repertoire revisited. Applied Linguistics, 35(5), 503-523. ) criativos de sujeitos bi/multilíngues e multiculturais.

Nas pesquisas que tenho realizado (Pires-Santos, 1999Pires-Santos, M. E. (1999). Fatores de risco para o sucesso escolar de crianças “brasiguaia”s nas escolas de Foz do Iguaçu: uma abordagem sociolinguística. Programa de Pós-Graduação em Linguística da Língua Portuguesa., 2004Pires-Santos, M. E. (2004). O cenário multilíngue, multidialetal, multicultural de fronteira e o processo identitário “brasiguaio” na escola e no entorno social. [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas. , 2017Pires-Santos, M. E. (2017). “Portunhol Selvagem”: translinguagens em cenário translíngue/transcultural de fronteira. Gragoatá, 22(42), 523-539. https://doi.org/10.22409/gragoata.v22i42.33483.
https://doi.org/10.22409/gragoata.v22i42...
, 2018Pires-Santos, M. E. (2018). A multilingual life in transit between two monolingual orders: A ‘Braziguayan’ student, her linguistic repertoire and her translingual practice. In M. C. Cavalcanti & T. M. Maher (Eds.), Multilingual Brazil: Language resources, identities and ideologies in a globalized world (pp. 105-120). Routledge., entre outras), os alunos “brasiguaios” são visibilizados no contexto educacional de fronteira, em todos os níveis educacionais, principalmente pela expressão escrita da língua(gem) em sua norma culta, por esta continuar sendo, salvo raras exceções, a única altamente valorizada no cenário educacional. Não pretendo argumentar que o acesso à norma culta não seja importante, pois ela representa um recurso social valorizado e ocupa um lugar relevante nos programas de ensino. O que defendo é o deslocamento de uma perspectiva que foca na pureza das línguas para que se considere a complexidade dos processos sociais, culturais, políticos, históricos e afetivos subjacentes às práticas translíngues. Também considero central que se busque entender as diferenças não como ameaças, mas como criatividade e riqueza em que as práticas de língua(gem) e culturais locais têm um papel central, de modo a encontrarmos um caminho mais democrático para a formação ampliada do professor de línguas.

O translinguajar castelhano, guarani e português, como no excerto em análise, também é denominado jopará, justamente pela impossibilidade de estabelecimento de fronteiras linguísticas entre essas diferentes práticas de língua(gem), comuns em regiões do Paraguai em que residem “brasiguaios”. Essa construção nos mostra que a idealização colonizadora de uma língua homogênea e pura não condiz com as infinitas práticas de língua(gem) que emergem na vida cotidiana, e que são adotadas nas interações como estratégias criativas para a constituição de vozes e subjetividades.

Para Garcia (2009Garcia, O. (2009). Bilingual Education in the 21st. Century: a global perspective. Wiley-Blackwell.) e Canagarajah (2013Canagarajah, S. (2013). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.), as práticas translíngues são próprias do repertório linguístico dos sujeitos bi/multilíngues e correspondem à capacidade de se usar os processos dinâmicos e flexíveis de práticas de língua(gem) complexas, utilizadas pelas pessoas nas interações sociais para darem sentido a seus mundos. Garcia (2009Garcia, O. (2009). Bilingual Education in the 21st. Century: a global perspective. Wiley-Blackwell.) argumenta em favor de uma pedagogia translíngue para o ensino de línguas, que preconiza a compreensão da capacidade dos sujeitos de usar seu repertório linguístico de forma flexível para a construção de significados, com a finalidade de se ajustarem às situações comunicativas.

Além da hibridação das diferentes línguas, muitos desses alunos, por sua origem rural, trazem também traços linguísticos altamente estigmatizados na zona urbana como, por exemplo, as formas tar e pa em “como queria tar ali pa ver isto many”. Como se sabe, discursos valorativos sobre o padrão linguístico tendem a reforçar a visão de que estes seriam alunos “fracos”, desinteressados ou que não sabem língua alguma. Muitas vezes, o “fracasso” e até mesmo a evasão escolar estão relacionados a essas visões valorativas. Esse posicionamento preconceituoso legitima o letramento escolar em norma padrão, apagando a multiplicidade linguístico-cultural de atores sociais cujas práticas comunicativas e sociais não são privilegiadas no cenário educacional.

O mesmo posicionamento preconceituoso quanto às práticas translíngues dos alunos “brasiguaios”, no contexto educacional, pode ser observado em relação a alunos falantes de castelhano na Tríplice Fronteira, provenientes de outros países da América Latina, limítrofes com o Brasil. Porém, é importante reforçar que, às práticas translíngues, estão subjacentes questões históricas, políticas, ideológicas, sociais e afetivas que ativam estratégias para a construção e geração de sentidos de seus mundos, por vezes invisibilizados, em que as identidades não estão pré-formadas, mas são performatizadas no discurso e na corporificação dos sujeitos.

Por outro lado, essa avaliação negativa não se aplica às línguas consideradas de prestígio, como o inglês ou o espanhol da Espanha, aprendido em escolas de idioma, ou ainda às línguas árabes ou orientais, como o mandarim, devido à ampla migração desses povos que, em sua maioria, movimentam o intenso comércio prioritariamente de eletro-eletrônicos em Ciudad del Este. Essa relação assimétrica em que o bi/multilinguismo de prestígio é aceito, e até mesmo incentivado, reforça a compreensão de que a avaliação negativa não se refere às línguas e às respectivas culturas, mas a seus falantes que, por meio delas, são estigmatizados. Portanto, compreender a característica multiforme e fugaz das complexas práticas de língua(gem) contribuiria para romper com a hierarquização dos sujeitos que, por meio delas, são estigmatizados, num mundo baseado na lógica de reprodução de semelhanças para se consolidar a homogeneização (César e Cavalcanti, 2007Cesar, A., & Cavalcanti, M. (2007). Do singular para o multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In M. Cavalcanti & S. M. Bortoni-Ricardo (Eds.), Transculturalidade, Linguagem e Educação (pp. 45-66). Mercado de Letras. ).

Compreendermos, como Canagarajah (2013Canagarajah, S. (2013). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.), que o monolinguismo tem um significado ideológico, pois mesmo aqueles que falam uma língua são proficientes em diferentes registros, dialetos e discursos dessa mesma língua. Conforme o autor, todos nós somos translíngues em diferentes graus, pois todas as comunidades e comunicações são heterogêneas e, portanto, se influenciam mutuamente. Disso decorre que todas as línguas estão em constante processo de mudança e de hibridização, principalmente no complexo mundo atual, em que se intensifica a compressão do espaço/tempo e, consequentemente, o contato de pessoas e suas línguas-culturas.

Conforme escrevi em meu diário de campo, registrado no excerto a seguir, olhar para a biografia de Maria de forma ampliada ajudaria a nos desviar da solidificação de crenças sobre língua e identidade homogêneas, para estabelecer linhas de fugas em direção às complexas práticas de língua(gem) (César e Cavalcanti, 2007Cesar, A., & Cavalcanti, M. (2007). Do singular para o multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In M. Cavalcanti & S. M. Bortoni-Ricardo (Eds.), Transculturalidade, Linguagem e Educação (pp. 45-66). Mercado de Letras. ) e performatização de identidades complexas e provisórias (Butler, 2010Butler, J. (2010). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Civilização Brasileira.; Pennycook, 2007):

Maria, como muitos outros alunos no cenário da Tríplice Fronteira, transita física e virtualmente entre Brasil e Paraguai. Sua experiência na graduação foi conduzida por uma sombra estendida às suas práticas, atribuídas por alguns como português “mal” falado e escrito. Em seu depoimento audiogravado, ela afirma ter sentido a pressão principalmente sobre sua escrita e enfatiza que isso também acontecia em relação ao seu português oral. Essa pressão está presente em suas memórias, com base nas observações calcadas na ideologia do monolinguismo em português padrão, registradas por professores, em seus trabalhos, durante o curso de Letras. São, de alguma forma, ameaças reiteradas da impossibilidade de finalização do curso de graduação e de profissionalização na área da educação como professora de línguas, o que trouxe sofrimento e, muitas vezes, vontade de desistir, o que só não aconteceu, segundo sua narrativa, pela oportunidade de ter acesso, em projeto de iniciação científica e grupo de estudos, às teorias que tratam da pluralidade linguística e cultural, passando a compreender que é a partir de situações concretas de práticas de língua(gem), em suas diferentes modalidades, que criamos contextos de ação no mundo social, bem como compreendeu as relações de poder que estão subjacentes à hierarquização das práticas de língua(gem). Maria conseguiu superar os muitos obstáculos e terminou o curso de graduação em Letras, incluindo em seu amplo repertório linguístico também a norma culta da língua portuguesa e da língua castelhana, saindo da estatística que indica o insucesso e a evasão escolar de outros “brasiguaios”. Foi além da graduação e concluiu o mestrado. Para sua dissertação, desenvolveu um estudo etnográfico na escola em que cursou o ensino fundamental e médio, no Paraguai. Foi professora de Língua Portuguesa em escolas públicas e privadas de Foz do Iguaçu e, atualmente, está cursando o doutorado em Letras, em uma Universidade pública do Paraná (Diário de campo).

Ao olharmos para as práticas translíngues como estratégias de construção de sentidos e de performatização de identidades, torna-se possível também compreender que a construção de significados está imbuída de recursos semióticos que nos ajudam a entender as políticas culturais que ditam diferentes formas de aceitação, nos desviando do egocentrismo de um sistema coeso, autônomo e separado do ambiente de produção que considera relevantes apenas suas normas. Dessa forma, entendendo que, por meio de práticas de negociação em situações locais, é possível capturar os processos subjacentes comuns e as estratégias utilizadas para negociar inteligibilidades na co-construção de diálogos multilíngues.

Uma proposta de educação ampliada do professor de línguas, voltada para o letramento político do professor, contribuiria para garantir esse processo, pois como defende Canagarajah (2013Canagarajah, S. (2013). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.), as implicações do letramento translíngue não abrangem apenas as capacidades multilíngues e as normas consideradas relevantes, mas, principalmente, a capacidade de envolvimento com as diferenças como formas produtivas para se compreender as políticas culturais que prescrevem essas diferentes formas de aceitação.

5. As culturas extraviadas em seus múltiplos significados

Excerto 3

João - Na verdade é uma ignorância; às vezes não tem maldade nenhuma, mas quando vê já está fora de controle: “O paraguaio é vagabundo, só toma tererê”. Uma vez um amigo meu chegou na minha casa e eu tava comendo carne e ele falou “Oh, cara, você não comia mandioca?” Na verdade... não existe uma verdade..., só uma verdade. O paraguaio come mandioca, toma tererê, mas também come outras coisas.

Márcia - É a mesma coisa de lá pra cá também: “o brasileiro só come feijão”, falam que o brasileiro só come feijão.

João - Um amigo meu na escola, a professora tava falando sobre as diferenças, ele falou assim: “o Paraguai é um comedor de mandioca, de manhã, de tarde e de noite”. Imagina!!! (risadas)

Maria Elena - Haja mandioca! (risadas)

João - Aí eu falei “num pode uma coisa dessa!!! No tempo que eu morei no Paraguai, eu nunca comi mandioca no café da manhã”. Aí a professora falou que ninguém tem uma só característica “o baiano come acarajé, por exemplo”. Mas, não é todo baiano que come acarajé, é???!!!

Maria Elena - Mas ela explicou pra ele que os paraguaios não comem só mandioca, nem o tempo todo, como os baianos também não comem só acarajé e que outras pessoas também comem?

João - Não, ela só concordou com ele! Ela falou que a mãe dela é baiana e falou que é cultural, né, que cada região tem um costume, né. Ela só concordou!!! Eu fiquei muito chateado... Até entendo quando os colegas tecem esses comentários porque eles não têm ainda compreensão dessas atitudes. Mas, a professora???!!!! (entrevista gravada em áudio; 2014; arquivos da autora).

Como nas narrativas de Iara (excerto 1) e de Maria (excerto 2), a narrativa de João e Márcia (excerto 3) reitera a importância de uma educação ampliada no sentido de um letramento político do professor.

João e Márcia, protagonistas desse diálogo, à época, eram alunos do Curso de Letras. Márcia, que se identificava como “brasiguaia”, era aluna do Curso de Letras Português/Espanhol. João, paraguaio residente no Brasil, era aluno do Curso de Letras Português/Inglês.

Neste evento narrativo, João rememora suas experiências educacionais no ensino fundamental, com sua professora do 6º. ano, quando esta traz para discussão, em sala de aula, reflexões sobre diferenças culturais. Correlacionando os significados culturais às práticas gastronômicas, João evoca comentários por ele ouvidos de que os habitantes de um determinado território partilhariam de características comuns.

Nesse caso, o desentendimento (Ranciére, 1996Rancière, J. (1996). O desentendimento. Editora 34.) estrutura o diálogo entre a professora e João. A professora, embora bem intencionada ao colocar em discussão as diferenças culturais - temática extremamente importante a ser problematizada na sala de aula, principalmente em contexto multilíngue e multicultural de fronteira -, traz, subjacente a seu posicionamento, uma percepção das culturas como homogêneas, estáticas, imutáveis e compartimentalizadas em fronteiras intransponíveis. Nas palavras de João: “Ela falou que a mãe dela é baiana e falou que é cultural, né, que cada região tem um costume, né. Ela só concordou!!!”. Por outro lado, a indignação de João sinaliza a compreensão da cultura como plural, sem fronteiras que a delimitem ou fixem no tempo e no espaço.

Não se trata, nesta análise, de culpabilizar a professora pelos problemas no sistema educacional, que são mais amplos e complexos. Pelo contrário, o que busco problematizar é a formação oferecida ao professor que, salvo raras exceções, não proporciona discussões sobre a pluralidade linguística e cultural do país, conforme constatado por Juliani (2021) em sua pesquisa. Uma formação ampliada possibilitaria a problematização das questões linguísticas, culturais, sociais e afetivas subjacentes a esses fatos, fundamentais para uma sociabilidade mais cuidadosa com o Outro.

A identificação homogeneizada do paraguaio como “comedor de mandioca” se torna recurso para estereotipar e minoritarizar. Por outro lado, Márcia chama a atenção para a estigmatização do brasileiro, pelos paraguaios, como “comedor de feijão”: “É a mesma coisa de lá pra cá também”. Essas designações, além de homogeneizar e estereotipar, encobrem as margens difusas transfronteiriças do entrelaçamento de língua(gens), identidades e significados culturais.

A concepção de cultura da professora e também das vozes referenciadas por Márcia é amplamente compartilha e reforçada no cotidiano social. Trago como exemplo um evento comum na cidade de Foz do Iguaçu, que é a Festa das Nações. Nesse evento, é festejada a gastronomia de diferentes países, com a apresentação de seus pratos eleitos como típicos e a estilização de suas danças e vestimentas tradicionais como sendo exclusividades de um povo e com características eternizadas, mesmo que não encontrem correspondência nos países de origem, na atualidade, pois todas as culturas são plurais, dinâmicas e estão em constante transformação.

Para Cavalcanti e Maher (2009Cavalcanti, M. C. & Maher, T. M. (2009). Diferentes diferenças: desafios interculturais na sala de aula. Campinas: IEL/CEFIEL/MEC., p. 7), a escola, como um microcosmo da sociedade, é também habitada pela diferença como, por exemplo, as “diferenças linguísticas, éticas, de classe social, de credos religiosos, de orientação sexual, de faixa etária, etc.”. Mas, nesse cenário, geralmente essas diferenças são ignoradas, prevalecendo uma visão da homogeneidade. As autoras alertam para a importância de rompermos com essa percepção homogeneizante enquanto professores, para que possamos contribuir para a formação de alunos mais cientes e mais respeitosos em relação às diferenças, já que é a partir das práticas discursivas que são performatizadas as identidades de si e do Outro.

Concordo com Canclini (2009Canclini, N. G. (2009). Diferentes, desiguais e desconcectados. Editora UFRJ.) quando afirma que as culturas e as identidades são indissociáveis. Não só no posicionamento da professora de João, mas também na multiplicidade de vozes evocadas por João e Márcia, as percepções essencialistas e estereotipadas de cultura e identidade desconsideram as relações assimétricas de poder e os estranhamentos e conflitos presentes nos contatos entre as pessoas e seus diferentes significados culturais, chamando nossa atenção para a importância de que esses questionamentos façam parte dos cursos de licenciatura. A “invenção das tradições” - tomadas como práticas reguladas por regras e normas tácitas de natureza cultural e simbólica (Hobsbawm, 1990Hobsbawm, E. (1990). A invenção das tradições. Paz e Terra.) -, que estabelece uma particularidade para identificar um grupo, abre margem para a criação de estereótipos. Estes, segundo Bhabha (2001Bhabha, H. (2001). O local da cultura. Editora UFMG.), carregam a função de rotular, produzindo o efeito de verdade probabilística fundada no mito da origem histórica como uma ambivalência de poder e de conhecimento determinista e totalitária.

Torna-se central, então, problematizar essa invenção estereotipada dos significados culturais como fixados no tempo e no espaço. Conforme apontam Hall (2013Hall, St. (2013). Da diáspora: identidades e mediações culturais. Editora UFMG.), Canclini (2009Canclini, N. G. (2009). Diferentes, desiguais e desconcectados. Editora UFRJ.) e Bhabha (2001Bhabha, H. (2001). O local da cultura. Editora UFMG.), em um mundo globalizado, somos todos híbridos culturais. Contrapondo-se à homogeneização, Bhabha (2001Bhabha, H. (2001). O local da cultura. Editora UFMG.) defende que o hibridismo não é o resultado da soma das partes, nem a lógica binária eu/outro, mas o espaço intersticial, liminar, o tecido que constrói a diferença, que está em permanente deslocamento e construção, não havendo a possibilidade de retomada porque não há um lugar ideal, fixo e homogêneo de onde recomeçar.

Canclini (2009Canclini, N. G. (2009). Diferentes, desiguais e desconcectados. Editora UFRJ.) chama nossa atenção para a vertigem de imprecisões relacionadas ao conceito de cultura, isto porque as sociedades não são homogêneas, como também não o são as identidades. Argumentando no sentido de que as culturas se apresentam como “processos culturais” (Canclini, 2009Canclini, N. G. (2009). Diferentes, desiguais e desconcectados. Editora UFRJ., p. 41, grifos do autor), o autor propõe uma definição operacional que se refere ao “conjunto dos processos sociais de significação ou, de um modo mais complexo, a cultura abarca o conjunto de processos sociais de produção, circulação e consumo da significação na vida social”. Ressalte-se, portanto, a constante transformação desses processos que, a partir de usos e reapropriações, nos ajudam a compreender que as culturas vazam umas nas outras (Cuche, 2002Cuche, D. (2002). A noção de cultura nas ciências sociais. EDUSC.), o que nos leva ao aprendizado de que somos interculturais e que não existem culturas mais importantes que as outras.

A percepção reducionista e homogeneizadora dos significados culturais que provoca a indignação do João frente à confirmação da professora - e que também está presente nas evocações de outras vozes, por Márcia -, nos alerta, mais uma vez, para a importância de uma formação ampliada do professor de línguas, numa perspectiva do letramento político, que reflita a superdiversidade das sociedades e nos ajude a compreender que a forma como olhamos o mundo constrói o mundo que vemos (Rushdie, 2007Rushdie, S. (2007). Cruze esta linha. Cia das Letras. ). Nossas percepções têm, por isso, implicações para a vida das pessoas, principalmente do aluno que, como cidadão, pode replicar e ampliar, ao longo da sua vida, as mesmas percepções.

Considerações Finais

Tecer reflexões sobre a formação linguística ampliada do professor, para atuar no contexto educacional multilíngue e multicultural de fronteira, numa perspectiva de letramentos políticos, se constitui na centralidade deste artigo.

A motivação para essas reflexões surgiu a partir da percepção de que os resultados de pesquisas realizadas sobre a multiplicidade linguística e cultural dificilmente chegam, ou chegam de forma tímida, no cotidiano das práticas educacionais. Esse fato evidencia a importância de repensarmos a formação do professor para além dos conteúdos curriculares, em direção a uma perspectiva decolonial voltada para uma formação ampliada, a fim de gerar reflexões que contribuam para a compreensão das relações de poder subjacentes aos conceitos e práticas com que trabalhamos. Assim, é possível evitar que estejamos a serviço de ideologias implícitas que estigmatizam, excluem e causam sofrimentos, principalmente àqueles pertencentes a grupos minoritarizados.

A análise das narrativas de Iara, do diálogo entre Maria e Lara, bem como aquela protagonizada por João e Márcia, embora focalizem aspectos diferentes dos significados culturais e das práticas cotidianas de língua(gens), trazem em comum a impossibilidade de represar em essências redutoras ou estabelecer fronteiras para delimitar nações, língua(gens), culturas, identidades. De acordo com os resultados da análise, podemos concluir que a complexidade dos processos sociais, culturais, políticos, históricos e afetivos nos constituem irrevogavelmente como envolvidos em processos de hibridação, em constante processo de deslocamento e (re)construção.

Uma formação ampliada do professor de línguas, conforme propõe Cavalcanti (2013Cavalcanti, M. C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Linguística Aplicada na modernidade recente (pp. 211-226). Parábola. ), associada ao letramento político do professor, garantiria espaço para deslocarmos as relações de poder que preconizam a hierarquização das língua(gens) e culturas e seus falantes como blocos unitários e monolíticos na efetivação de uma normatização unitária, em direção ao reconhecimento da riqueza da multiplicidade linguística e cultural. Possibilitaria, ainda, ampliar o foco para além das perspectivas conteudísticas, voltadas, quase que exclusivamente, para aspectos referentes às questões formais que envolvem a norma padrão abstraída das práticas sociais. Desta forma, seria possível incluir também reflexões quanto às relações de poder que sustentam uma perspectiva normativista desvinculada das práticas, contemplando discussões referentes a sujeitos corporificados, suas práticas de língua(gem), suas ideologias, seus significados culturais e, consequentemente, seus direitos à equidade social e dignidade humana.

É importante considerar, ainda, que a sociedade em geral é responsável pelos problemas da educação, e o professor, como parte dessa sociedade, tem uma função importante na “educação do entorno” (Maher, 2007Maher, T. M. (2008). Em busca do conforto linguístico e metodológico no Acre indígena. Trabalhos em Linguística Aplicada, 47(2), 409-428. https://doi.org/10.1590/S0103-18132008000200009.
https://doi.org/10.1590/S0103-1813200800...
), o que reforça a centralidade de uma formação ampliada.

Essa formação ampliada, ancorada no letramento político, pode oportunizar reflexões sobre as relações de poder subjacentes à organização e funcionamento de uma sociedade democrática, para o reconhecimento das diferenças como riqueza para a sociedade. Uma perspectiva que pode fortalecer as lutas por igualdade de direitos dos minoritarizados e para uma sociabilidade ancorada no afeto.

Referências Bibliográficas

  • Bhabha, H. (2001). O local da cultura. Editora UFMG.
  • Blommaert, J. (2012). Chronicles of Complexity: Ethnography, superdiversity, and linguistic landscapes. Multilingual Matters.
  • Blommaert, J., & Rampton, B. (2011). Language and superdiversity. Diversities, 13(2), 1-21.
  • Brasil. (2017). Portal da Imigração. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Nova Lei da Migração. Lei n. 13.445, de 24 de maio de 2017. https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/nova-legislacao/item/13760-lei-n-13-445-de-24-de-maio-de-2017
    » https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/nova-legislacao/item/13760-lei-n-13-445-de-24-de-maio-de-2017
  • Busch, B. (2012). The linguistic repertoire revisited. Applied Linguistics, 35(5), 503-523.
  • Butler, J. (2010). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Civilização Brasileira.
  • Canagarajah, S. (2013). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.
  • Canclini, N. G. (2009). Diferentes, desiguais e desconcectados. Editora UFRJ.
  • Cavalcanti, M. do C. (1999). Estudos sobre Educação Bilíngue e escolarização em contextos de minorias linguísticas no Brasil. D.E.L.T.A., 15, 385-417. https://www.scielo.br/j/delta/a/JcJDbkyVZxZPHnJXJrDyWYn/?lang=pt&format=pdf. https://doi.org/10.1590/S0102-44501999000300015
    » https://www.scielo.br/j/delta/a/JcJDbkyVZxZPHnJXJrDyWYn/?lang=pt&format=pdf. https://doi.org/10.1590/S0102-44501999000300015
  • Cavalcanti, M. do C. (2006). Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em Linguística Aplicada: implicações éticas e políticas. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Por uma Linguística Aplicada indisciplinar (109-128). Parábola.
  • Cavalcanti, M. C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Linguística Aplicada na modernidade recente (pp. 211-226). Parábola.
  • Cavalcanti, M. C. & Maher, T. M. (2009). Diferentes diferenças: desafios interculturais na sala de aula. Campinas: IEL/CEFIEL/MEC.
  • Cesar, A., & Cavalcanti, M. (2007). Do singular para o multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In M. Cavalcanti & S. M. Bortoni-Ricardo (Eds.), Transculturalidade, Linguagem e Educação (pp. 45-66). Mercado de Letras.
  • Cuche, D. (2002). A noção de cultura nas ciências sociais. EDUSC.
  • Estevão, M. R. (2017). Anais do Congresso Nacional Universidade, EAD e Software Livre. Universidade UEaDSL, UFMG. http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/ueadsl/article/view/12851
    » http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/ueadsl/article/view/12851
  • Freire, P., & Shor, I. (1986). Medo e ousadia: cotidiano do professor. Paz e Terra.
  • Garcez, P. M., & Schulz, L. (2015). Olhares circunstanciados: etnografia da língua(gem) e pesquisa em Linguística Aplicada no Brasil. D.E.L.T.A, 31, 1-34. http://dx.doi.org/10.1590/0102-445093806057590158
    » http://dx.doi.org/10.1590/0102-445093806057590158
  • Garcia, O. (2009). Bilingual Education in the 21st. Century: a global perspective. Wiley-Blackwell.
  • Hall, St. (2013). Da diáspora: identidades e mediações culturais. Editora UFMG.
  • Hobsbawm, E. (1990). A invenção das tradições. Paz e Terra.
  • Jordão, C. M. (Ed.). (2016). A Linguística Aplicada no Brasil: rumos e passagens. Pontes.
  • Jung, N., Silva, R., & Pires-Santos, M. E. (2019). Etnografia da língua(gem) como política em ação. Calidoscópio, 17(1), 145-162.
  • Kleiman, A. B., & Cavalcanti, M. do C. (Eds.). (2007) Linguística Aplicada: Suas faces e interfaces. Mercado de Letras.
  • Krenak, A. (2020). Vozes da Floresta. Entrevista concedida ao Le Monde Diplomatique Brasil. https://www.youtube.com/watch?v=KRTJIh1os4w
    » https://www.youtube.com/watch?v=KRTJIh1os4w
  • Lucena, M. I. P. (2015). Práticas de Língua(gem) na realidade da sala de aula: contribuições da pesquisa de cunho etnográfico em Linguística Aplicada. D.E.L.T.A, 31, 67-95. https://doi.org/10.1590/0102-445056402228334085
    » https://doi.org/10.1590/0102-445056402228334085
  • Maher, T. M. (2008). Em busca do conforto linguístico e metodológico no Acre indígena. Trabalhos em Linguística Aplicada, 47(2), 409-428. https://doi.org/10.1590/S0103-18132008000200009
    » https://doi.org/10.1590/S0103-18132008000200009
  • Melo, T. B. (2014). As identidades que nos habitam: representações, culturas e língua(gens) no contexto escolar transfronteiriço. [Dissertação de Mestrado]. Unioeste.
  • Moita Lopes, L. P. (Ed.). (2006). Por uma Linguística Aplicada indisciplinar . São Paulo: Parábola.
  • Moita Lopes, L. P. (Ed.). (2013). O Português no século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico. Parábola.
  • Pennycook, A. (2006). Uma Linguística Aplicada transgressiva. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Por uma Linguística Aplicada indisciplinar (pp. 67-84). Parábola
  • Pires-Santos, M. E. (1999). Fatores de risco para o sucesso escolar de crianças “brasiguaia”s nas escolas de Foz do Iguaçu: uma abordagem sociolinguística. Programa de Pós-Graduação em Linguística da Língua Portuguesa.
  • Pires-Santos, M. E. (2004). O cenário multilíngue, multidialetal, multicultural de fronteira e o processo identitário “brasiguaio” na escola e no entorno social. [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas.
  • Pires-Santos, M. E. (2017). “Portunhol Selvagem”: translinguagens em cenário translíngue/transcultural de fronteira. Gragoatá, 22(42), 523-539. https://doi.org/10.22409/gragoata.v22i42.33483
    » https://doi.org/10.22409/gragoata.v22i42.33483
  • Pires-Santos, M. E. (2018). A multilingual life in transit between two monolingual orders: A ‘Braziguayan’ student, her linguistic repertoire and her translingual practice. In M. C. Cavalcanti & T. M. Maher (Eds.), Multilingual Brazil: Language resources, identities and ideologies in a globalized world (pp. 105-120). Routledge.
  • Pires-Santos, M. E., Lunardelli, M., Jung, N., & Silva, R. (2015). “Vendo o que não se enxergava”: condições epistemológicas para construção de conhecimento coletivo e reflexivo da língua(gem) em contexto escolar. D.E.L.TA., 31, 36-66. http://dx.doi.org/10.1590/0102-4450761813738654418
    » http://dx.doi.org/10.1590/0102-4450761813738654418
  • Pires-Santos, M. E., & Cavalcanti, M. C. (2008). Identidades híbridas, língua(gens) provisórias - alunos “brasiguaios” em foco. Trabalhos em Linguística Aplicada, 47(2), 429-446. https://doi.org/10.1590/S0103-18132008000200010
    » https://doi.org/10.1590/S0103-18132008000200010
  • Rancière, J. (1996). O desentendimento. Editora 34.
  • Rushdie, S. (2007). Cruze esta linha. Cia das Letras.
  • Signorini, I., & Cavalcanti, M. C. (Eds.). (1998). Linguística Aplicada e transdisciplinaridade. Mercado de Letras.
  • Vertovec, S. (2007). Super-diversity and its implications. Ethnic and Racial Studies, 30(6), 1024-1054. https://doi.org/10.1080/01419870701599465
    » https://doi.org/10.1080/01419870701599465
  • Walsh, C. (2013). Lo pedagógico y lo decolonial: Entretejiendo caminhos. In C. Walsh (Ed.), Pedagogías decoloniales: práticas insurgentes de resistir, (re)existir e (re)vivir (pp. 23-68). Ediciones Abya-Yala.
  • Webber, M. A. (2018). Estudantes brasileiros de medicina em Presidente Franco (PY): motivações e tensões de um fluxo universitário transfronteiriço. [Dissertação de Mestrado]. Universidade Federal do Paraná.
  • 1
    As reflexões aqui apresentadas constituem parte de pesquisas que venho realizando sobre a complexidade multilíngue e multicultural de fronteira em sua relação com a formação do professor e o contexto escolar, a partir dos anos 1990, e que, atualmente, correspondem ao projeto de pesquisa intitulado Políticas Linguísticas, Multiletramentos e a Formação do Professor em Contexto Plurilíngue/pluricultural de Fronteira.
  • 2
    Jopará é a denominação utilizada para designar as práticas de língua(gem) em que se entrelaçam o guarani e o castelhano e, em casos de migrantes e/ou filhos de brasileiros, também o português (Pires-Santos, 2018Pires-Santos, M. E. (2018). A multilingual life in transit between two monolingual orders: A ‘Braziguayan’ student, her linguistic repertoire and her translingual practice. In M. C. Cavalcanti & T. M. Maher (Eds.), Multilingual Brazil: Language resources, identities and ideologies in a globalized world (pp. 105-120). Routledge.).
  • 3
  • 4
  • 5
  • 6
    A opção pela denominação “castelhano” e não espanhol se deve ao fato de ser esta a forma preferencial dos habitantes dos países vizinhos para designar sua língua.
  • 7
    Optei por colocar as traduções - feitas pela própria participante da pesquisa - entre parênteses duplos, em conformidade com as convenções mais utilizadas.
  • 8
    A denominação “brasiguaio” é atribuída a brasileiros que se deslocaram para o Paraguai, principalmente na década de 1970 e que permanecem no país vizinho ou, de forma intermitente, têm retornado ao Brasil; ou, ainda, àqueles que mantêm a dinâmica transnacional de ir e vir. Para maiores esclarecimentos sobre esses deslocamentos, ver Pires-Santos (1999Pires-Santos, M. E. (1999). Fatores de risco para o sucesso escolar de crianças “brasiguaia”s nas escolas de Foz do Iguaçu: uma abordagem sociolinguística. Programa de Pós-Graduação em Linguística da Língua Portuguesa., 2004Pires-Santos, M. E. (2004). O cenário multilíngue, multidialetal, multicultural de fronteira e o processo identitário “brasiguaio” na escola e no entorno social. [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas. ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2022
  • Aceito
    28 Maio 2022
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP PUC-SP - LAEL, Rua Monte Alegre 984, 4B-02, São Paulo, SP 05014-001, Brasil, Tel.: +55 11 3670-8374 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: delta@pucsp.br