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LIBRAS e tecnologia: práticas translíngues na produção de youtubers surdos

LIBRAS and technology: translingual practices in deaf youtubers productions

RESUMO

As mudanças e inovações no campo das tecnologias digitais trouxeram novas formas de comunicação e aprendizagem, em especial para a comunidade surda brasileira. Ligações telefônicas com vídeo permitiram que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) fosse a língua de expressão dos surdos. Canais de vídeos disponíveis em diversas plataformas tornaram possível a divulgação de expressões artísticas, informações científicas e culturais. Este artigo visa discutir a relação entre inovações tecnológicas e práticas de linguagem dos surdos, tendo como referência as reflexões propostas pela ótica da translinguagem, pensada a partir de Canagarajah (2013Canagarajah, S. (2013). Translingual Practices: Global Englishes and Cosmopolitan Relations. Routledge., 2017Canagarajah, S. (2017). Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, v. 39, n. 1, pp. 31-54. https://academic.oup.com/applij/article/39/1/31/4626948 (acesso em 19 de dezembro, 2021)
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), Li Wei (2011Li, W. (2011). Moment analysis and translanguaging space: discursive construction of identities by multilingual Chinese youth in Britain. Journal of Pragmatics, v. 43, pp. 1222-1235. https://doi.org/10.1016/j.pragma.2010.07.035.
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), García e Li Wei (2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan. http://doi.org/10.1057/9781137385765
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), entre outros. Esta pesquisa, de cunho etnográfico, investiga a provável pluralidade linguística e semiótica presentes nos canais de dois youtubers surdos: a drag queen Kitana Dreams e o criador do canal Isflocos, Gabriel Isaac, que aborda assuntos como implante coclear, acessibilidade e direito linguístico. Ao final deste artigo, as análises apontam a existência de múltiplas práticas de língua(gens) nas produções de ambos os youtubers, o que colabora para o processo de desconstrução da imagem do Brasil como um país monolíngue.

Palavras-chave:
translinguagem; tecnologia; surdez; Libras

ABSTRACT

Changes and innovations in the field of technologies have brought new forms of communication and learning, especially for Brazilian deaf community. Video calls would allow Brazilian Sign Language (Libras) to be the language of expression of the deaf. Phone video channels available on various platforms made it possible to disseminate artistic expressions and scientific and cultural information in Libras. This article aims to discuss the relationship between technological innovations and the deaf, having as a reference the translanguaging perspective, thought by Canagarajah (2013Canagarajah, S. (2013). Translingual Practices: Global Englishes and Cosmopolitan Relations. Routledge., 2017Canagarajah, S. (2017). Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, v. 39, n. 1, pp. 31-54. https://academic.oup.com/applij/article/39/1/31/4626948 (acesso em 19 de dezembro, 2021)
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), Li Wei (2011Li, W. (2011). Moment analysis and translanguaging space: discursive construction of identities by multilingual Chinese youth in Britain. Journal of Pragmatics, v. 43, pp. 1222-1235. https://doi.org/10.1016/j.pragma.2010.07.035.
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), García and Li Wei (2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan. http://doi.org/10.1057/9781137385765
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), among others. This research, partially based on ethnographic work, investigates the probable linguistic and semiotic plurality in the channels of two deaf youtubers: Drag Queen Kitana and Gabriel Isaac (who is the creator of the Isflocos channel) that debates various subjects, such as cochlear implant, accessibility, linguistic rights etc. At the end of this article, the analyzes point to the existence of multiple languages in the productions of both youtubers which contributes to the process of deconstructing the image of Brazil as a monolingual country.

Keywords:
translanguage; technology; deaf; Libras

Apresentação

O objetivo deste artigo é refletir sobre a relação entre o aparato tecnológico atualmente disponível e as práticas de linguagem dos surdos, representados pela produção de dois youtubers brasileiros, considerando que o processo de educação dos sujeitos também ocorre fora dos muros da escola. Essa ampla reflexão, que conjuga tecnologia (WAJCMAN, 1994), língua(gens) dos surdos e ensino informal (GASPAR, 2002Gaspar, A. (2002). A educação formal e a educação informal em ciências. In L. Massarani, I. de C. Moreira & F. Brito (orgs.). Ciência e público - caminhos da divulgação científica no Brasil (pp. 171-183). Editora da UFRJ.; LIBÂNEO, 2010Libâneo, J. (2010). Pedagogia e pedagogos, para quê? Cortez. https://doi.org/10.1590/S0100-15742007000200014
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), é realizada a partir das discussões no campo da translinguagem (CANAGARAJAH, 2013Canagarajah, S. (2013). Translingual Practices: Global Englishes and Cosmopolitan Relations. Routledge., 2017Canagarajah, S. (2017). Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, v. 39, n. 1, pp. 31-54. https://academic.oup.com/applij/article/39/1/31/4626948 (acesso em 19 de dezembro, 2021)
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; LI WEI, 2011Li, W. (2011). Moment analysis and translanguaging space: discursive construction of identities by multilingual Chinese youth in Britain. Journal of Pragmatics, v. 43, pp. 1222-1235. https://doi.org/10.1016/j.pragma.2010.07.035.
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; GARCÍA, LI WEI, 2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan. http://doi.org/10.1057/9781137385765
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) e por uma abordagem influenciada por alguns princípios da etnografia.

Iniciamos as nossas discussões com uma breve problematização do termo “tecnologia” - cuja possível naturalização de sentido pode induzir a uma interpretação rasa do seu significado - para então conceituar “educação informal” e, finalmente, realizar o debate teórico sobre translinguagem. Tendo percorrido esse caminho, apresentamos algumas considerações, tecidas após a análise das produções dos youtubers surdos Kitana Dreams e Gabriel Isaac, a qual foi conduzida com base nos princípios da pesquisa qualitativa, em sua vertente etnográfica.

1. Definindo conceitos

Alguns pesquisadores têm apontado a existência de diferentes níveis de compreensão do termo “tecnologia”, como Luke (2000Luke, C. (2000). Cyber-schooling and technological change: Multiliteracies for new times. In B. Cope, M. Kalantzis & New London Group. Multiliteracies: Literacy learning and the design of social futures. Routledge.), que traz a problematização levantada por Wajcman (1994) a respeito dessa pluralidade conceitual. Uma definição mais simples é a que entende a tecnologia como um conjunto de objetos físicos. Mas, segundo Wajcman (1994), essa concepção é problemática, pois não considera que um objeto é o resultado de um processo de desenvolvimento, produção e comercialização que está, por sua vez, inserido em um contexto econômico, político e social. O próximo nível de compreensão foca a relação tecnologia-sociedade, estabelecendo, por exemplo, que algumas atividades sociais surgiriam por influência da tecnologia. O terceiro nível, e que é o adotado neste artigo, entende a tecnologia como “uma forma de conhecimento que está conectada às relações e atividades sociais como a objetos tecnológicos” (Schlindwein, 2014Schlindwein, A. F. (2014). You tell stories, we click on them: ciberliteratura(s) e novas experiências na criação de histórias. brasileiro [Tese de Doutorado]. Universidade Estadual de Campinas. https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2014.935242
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, p. 31).

Dessa maneira, ao falarmos de tecnologias, sejam novas ou antigas, não estamos nos restringindo aos equipamentos, à internet, etc., mas considerando tanto os componentes táteis quanto os abstratos como partes constituintes de nossa estrutura social. Assim, a relação entre tecnologia e sociedade reside em uma dinâmica de mútua influência, o que evita o estabelecimento de uma visão dicotômica de causa-efeito que minimiza a complexidade da interação tecnologia/sociedade/linguagem.

As formas como as pessoas se apropriam da tecnologia está condicionada a inúmeros fatores, tanto de cunho econômico quanto social e ideológico. Por exemplo, o número de proprietários de celulares só aumentou quando esse objeto se tornou mais barato. Atualmente

(....) um único dispositivo digital com conexão à internet permite acesso e publicação de um conjunto ilimitado de informações. Quebrando barreiras de tempo e espaço, esses equipamentos [computador, tablets e smartphones] favorecem diferentes tipos de interações entre os diversos estratos socioeconômicos (Braga e Vóvio, 2015Braga, D. B., & Vóvio, C. L. (2015). Uso de tecnologias e participação em letramentos digitais em contextos de desigualdade. In D. B. Braga (org.) Tecnologias digitais da Informação e Comunicação e Participação Social: possibilidades e contradições. Cortez., p.50).

Essa possibilidade de acessar um “conjunto ilimitado de informações” de maneira menos burocrática e um pouco menos cara ampliou o escopo da chamada educação informal que, conforme observa Fávero (2007Fávero, O. (2007). Educação não-formal: contextos, percursos e sujeitos. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 28, n. 99, pp. 614-617. https://www.scielo.br/j/es/a/PXffv6zx3gFXmwN3wpydDpr/?format=pdf⟨=pt
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, p. 614), é um termo que tem sido amplamente usado na área da educação para classificar “atividades e experiências diversas, distintas”. Neste trabalho, iremos adotar a visão apresentada por Libâneo (2010Libâneo, J. (2010). Pedagogia e pedagogos, para quê? Cortez. https://doi.org/10.1590/S0100-15742007000200014
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, p. 31), ao afirmar que a educação informal ocorre em decorrência de

ações e influências exercidas pelo meio, pelo ambiente sociocultural, e que se desenvolve por meio das relações dos indivíduos e grupos com o seu ambiente humano, social, ecológico, físico e cultural, das quais resultam conhecimentos, experiências, práticas, mas que não estão ligadas especificamente a uma instituição, nem são intencionais e organizadas (Libâneo, 2010Libâneo, J. (2010). Pedagogia e pedagogos, para quê? Cortez. https://doi.org/10.1590/S0100-15742007000200014
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, p. 31).

Complementado, Gaspar (2002Gaspar, A. (2002). A educação formal e a educação informal em ciências. In L. Massarani, I. de C. Moreira & F. Brito (orgs.). Ciência e público - caminhos da divulgação científica no Brasil (pp. 171-183). Editora da UFRJ., p. 173) comenta que, na educação informal, não há o estabelecimento de horários ou currículos pois os “conhecimentos são partilhados em meio a uma interação sociocultural que tem, como única condição necessária e suficiente, existir quem saiba e quem queira ou precise saber”. Dessa forma, o processo de construção de conhecimento transcorre “espontaneamente, sem que, na maioria das vezes, os próprios participantes do processo deles tenham consciência” (Gaspar, 2002Gaspar, A. (2002). A educação formal e a educação informal em ciências. In L. Massarani, I. de C. Moreira & F. Brito (orgs.). Ciência e público - caminhos da divulgação científica no Brasil (pp. 171-183). Editora da UFRJ., p. 173).

Em uma situação de educação informal, diferentes habilidades e capacidades podem ser vivenciadas e aprendidas como, por exemplo, as de natureza linguística. A educação linguística não ocorre exclusivamente no contexto escolar, pois é:

O conjunto de fatores socioculturais que, durante toda a existência de um indivíduo, lhe possibilitam adquirir, desenvolver e ampliar o conhecimento de/sobre sua língua materna, de/sobre outras línguas, sobre a linguagem de um modo mais geral e sobre todos os demais sistemas semióticos (Bagno e Rangel, 2005Bagno, M., & Rangel, E. (2005). Tarefas da educação lingüística no Brasil. Revista Brasileira de Lingüística Aplicada, v. 5, n. 1. https://doi.org/10.1590/S1984-63982005000100004
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, p. 63).

Alguns estudos têm sido realizados visando entender o lugar das tecnologias de informação no processo de educação informal, como o de Guilherme e Picoli (2017Guilherme, A., & Picoli, B. (2017). Redes sociais e educação informal: entre o scemo del villaggio e o pensamento crítico. Diálogos Latinoamericanos, n. 18, v. 26. Recuperado de <https://tidsskrift.dk/dialogos/article/view/112727>
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, p. 24), quando afirmam que o ambiente virtual e

as redes sociais, marcados pela ubiquidade3 3 “Ubiquidade é uma expressão originária do latino ubiquus, formada pela junção das expressões ubi (onde) e aliqua (qualquer), que significa ‘em toda parte’” (Guilherme e Picoli, 2017, p. 26). , compreendem e fornecem ambientes privilegiados de educação informal porque são espaços em que o indivíduo pode se engajar num longo processo (uma vida toda) de aquisição de valores, atitudes, habilidades, ferramentas e conhecimentos a partir das experiências cotidianas, das influências educativas e do ambiente que o circunda. (Guilherme e Picoli, 2017Guilherme, A., & Picoli, B. (2017). Redes sociais e educação informal: entre o scemo del villaggio e o pensamento crítico. Diálogos Latinoamericanos, n. 18, v. 26. Recuperado de <https://tidsskrift.dk/dialogos/article/view/112727>
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, p. 24).

Esses novos espaços possibilitados, entre outros fatores, pela tecnologia foram percebidos pelos surdos como um caminho para uma maior autonomia, como ferramentas de divulgação da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e de luta pelos direitos linguísticos das pessoas surdas, assim como ambientes de aprendizagem e entretenimento. Em pesquisa realizada por Galon, Gori e Corrêa (2019Galon, T., Gori, A., & Corrêa, V. (2019). A inclusão da comunidade surda por meio das tecnologias de informação e comunicação no espaço virtual. In Revista (UNAERP), Ribeirão Preto, v. 11. jan/ago. http://revistas.unaerp.br/inrevista/article/view/1830 (acesso em 19 Dezembro, 2021)
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, p. 116), os surdos entrevistados afirmam que as tecnologias atuais, como a internet, “trouxeram grandes benefícios à comunidade”. Essa ideia também está presente no texto de Lopes (2017Lopes, G. (2017). O uso das tecnologias no processo de ensino e de aprendizagem do surdo: libras em educação a distância. Revista Virtual de Cultura Surda, n. 20. http://editora-arara-azul.com.br/site/revista_edicoes (acesso em 17 de dezembro, 2021)
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, p. 1) ao indicar como fator positivo a “maior acessibilidade visual” resultante das novas tecnologias, o que é recebido pelos surdos “como uma potencialidade na comunicação o que estabelece novas possibilidades para o seu processo educacional”.

Essa interação multimodal, caracterizada por “uma ampla gama de formas de comunicação usada pelas pessoas - imagens, gestos, olhares, posturas e assim por diante - e as relações estabelecidas entre elas” (Jewitt, 2009Jewitt, C. (ed.). (2009). The Routledge Handbook of Multimodal Analysis. Routledge., p .14), levanta debates sobre o papel de múltiplas semioses no processo de construção de sentidos. Blommaert e Backus (2013Blommaert, J., & Backus, A. (2013). Superdiverse Repertoires and the Individual: Current Challenges for Educational Studies. In I. Saint-Georges & J. Weber (Eds.), Multilingualism and Multimodality. Sense Publisher. http://dx.doi.org/10.1007/978-94-6209-266-2_2
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, p. 6) comentam que essa realidade - na qual as pessoas se comunicam cada vez mais através de uma gama diversificada de recursos e “combinando formas orais, escritas, pictografia e designs (usando o Facebook, jogando online, usando aparelhos celulares, etc.” - demanda uma abordagem multimodal da comunicação humana, deslocando o foco da língua para a linguagem.

Canagarajah (2017Canagarajah, S. (2017). Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, v. 39, n. 1, pp. 31-54. https://academic.oup.com/applij/article/39/1/31/4626948 (acesso em 19 de dezembro, 2021)
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, p. 39) tece uma crítica à visão que entende as outras semioses como um “aditivo” à comunicação linguística: “recursos não-verbais não são um complemento para a fala ou pensamento. Eles mediam e formatam a língua(gem) em uso”. De acordo com o autor, esses “diversos recursos semióticos trabalham em conjunto com uma assemblage4 4 Neste contexto, o termo assemblage remete à ideia de fusão, pois, elementos diferentes quando fusionados resultam em algo cujo todo não pode ser facilmente decomposto em partes distintas. , sem a possibilidade de serem separados”. Por isso, ele prefere o termo assemblage e não a expressão ‘multimodal’, pois “da perspectiva da assemblage, recursos semióticos não são organizados em modos separados (...) todas as modalidades, incluindo a língua, trabalham juntas” (Canagarajah, 2017Canagarajah, S. (2017). Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, v. 39, n. 1, pp. 31-54. https://academic.oup.com/applij/article/39/1/31/4626948 (acesso em 19 de dezembro, 2021)
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, p. 39).

Esse universo geralmente denominado multimodal, ou multissemiótico, com “textos compostos de muitas linguagens (ou modos, ou semioses)” (Rojo, 2012Rojo, R. (2012). Pedagogia dos Multiletramentos: diversidade cultural e de linguagems na escola. In R. Rojo & E. Moura (orgs.). Multiletramentos na Escola: os multiletramentos e as TICs. Parábola., p. 19) pede uma nova forma de pensar a língua(gem), tal como é proposta pelos multiletramentos. Assim, os multiletramentos constituem um processo:

Não-linear, multidimensional, ilimitado, englobando múltiplas práticas com múltiplas funções, com múltiplos objetivos, condicionados por e dependentes de múltiplas situações e múltiplos contextos, em que, consequentemente, são múltiplas e muito variadas as habilidades, conhecimentos, atitudes de leitura e de escritas demandadas (Soares, 2004Soares, M. (2004). Letramento e escolarização. In V. M. Ribeiro (org.). Letramento no Brasil. Global., p. 95)

Rocha e Ribeiro (2021Rocha, D., & Ribeiro, G. (2021). Letramentos e(m) translinguagem na educação de surdos: uma proposta de verbete multimodal sobre resenha acadêmica. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 63, pp. 1-16. https://doi.org/10.20396/cel.v63i00.8663930
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, p. 4), ao refletirem sobre os multiletramentos no contexto de pessoas surdas, tanto em situações de ensino quanto de lazer, apontam uma série de recursos digitais que colaborariam para práticas multimodais, a partir das quais questões relacionadas aos multiletramentos poderiam ser trabalhadas:

a) YouTube: diversos canais de vídeos disponíveis para a comunidade surda com Libras, alguns disponibilizados com legenda fixa; b) Instagram: vídeos em Libras e em outras línguas de sinais, com legenda, textos escritos e/ou com a interação em vídeo; c) Facebook: possibilidade de acessos informativos e comunicacionais para tal comunidade, postagens com imagem, texto escrito e/ou vídeo em Libras, comentários com escrita e/ou por meio de vídeo; d) WhatsApp: ferramenta comunicativa com diversas formas e recursos comunicativos, tais como mensagens escritas, compartilhamento e encaminhamento de vídeos, de fotografias etc.; e) Aplicativos diversos: disponíveis em sites eletrônicos e/ou para uso em celular e tablete (Rocha e Ribeiro, 2021Rocha, D., & Ribeiro, G. (2021). Letramentos e(m) translinguagem na educação de surdos: uma proposta de verbete multimodal sobre resenha acadêmica. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 63, pp. 1-16. https://doi.org/10.20396/cel.v63i00.8663930
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, p. 4).

Os debates feitos a partir dos multiletramentos sobre a multiplicidade semiótica e cultural da comunicação humana também estão presentes nas discussões tecidas pela perspectiva da translinguagem, porém, nesta última, com algumas diferenças, como vemos a seguir.

2. Compreendendo a translinguagem

Um exemplo da complexidade e permeabilidade da comunicação humana pode ser visto no relato feito a seguir, referente a uma situação vivenciada por uma das autoras deste artigo:

Um dia, encontrei uma surda na recepção de um centro de reabilitação onde atuei como professora de Libras para crianças e adultos surdos e familiares desses sujeitos. Ao cumprimentá-la, perguntei, em Libras, o que fazia ali. Ela é oralizada5 5 “[...] a oralidade diz respeito à habilidade da pessoa surda de se expressar oralmente, o que ocorre por meio do aprendizado da articulação das palavras e das distinções físicas entre os movimentos articulatórios labiais. Normalmente, tal habilidade é desenvolvida por meio de sessões fonoaudiológicas, prática de leitura labial e uso de próteses auditivas” (Toffollo et al., 2017, p. 6). , tem um resíduo auditivo e sabe um pouco de Libras. Ao responder, como ela aparentemente não sabia o sinal da palavra que queria dizer, apontou para a própria boca com a intenção de que eu tentasse entender pela leitura labial. Ela articulou pausadamente: “AU-DI-O-ME-TRIA”. Eu logo fiz o sinal dessa palavra e ela afirmou que sim. Fiquei espantada com aquela cena, me questionando por que não soletrou a palavra se sabia do tal sinal? Ou por que não tentou fazer um gesto? O que parece é que ela tenta se comunicar à sua maneira pela articulação e pela leitura labial, o que talvez seja sua forma de comunicação (Rocha, relato pessoal, 2016).

O episódio narrado pode ser explicado por uma série de abordagens teóricas, mas consideramos que o olhar proposto por uma abordagem translíngue e pelo conceito de repertório linguístico consegue refletir de maneira mais dinâmica sobre a situação acima apresentada, se afastando de uma visão ancorada no monolinguismo - ou em um bilinguismo que funciona a partir de ‘duas situações monolíngues em convivência’.

É comum nos estudos sobre a Língua Brasileira de Sinais - vide Strobel (2007Strobel, K. (2007). História dos surdos: representações “mascaradas” das identidades surdas. In R. Quadros & G. Perlin (orgs.). Estudos Surdos II. Arara Azul.), Quadros e Karnopp (2004Quadros, R. M., & Karnopp, L. B. (2004). Língua brasileira de sinais: estudos linguísticos. Artmed.), Lacerda e Lodi (2009Lacerda, C. B. F., & Lodi, A. C. B. (2009). A inclusão escolar bilíngue de alunos surdos: princípios, breve histórico e perspectivas. In A. C. B. Lodi & C. B. F. Lacerda (org.). Uma escola duas línguas: letramento em língua portuguesa e língua de sinais nas etapas iniciais de escolarização (pp. 11-32). Mediação.), Fernandes (2011Fernandes, S. (2011). Avanços e perspectivas de inclusão escolar para surdos. In Anais do Congresso: educação de surdos: a conquista de novos territórios [X Congresso Internacional do INES e XVI Seminário Nacional do INES] (pp. 106-110). Instituto Nacional de Educação dos surdos.) e até mesmo o Decreto n° 5.626//200BRASIL. Decreto n. 5.626 de 2005. Regulamenta a Lei n° 10.436 de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm>.
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5, que define as políticas públicas para a educação de surdos - o estabelecimento da Libras como primeira língua (L1) das pessoas surdas e o português como segunda (L2). Essa colocação pode ser problematizada, por exemplo, pela adoção da nomenclatura “primeira” e “segunda”, que passa uma ideia de sequência linear de aprendizado de uma língua, ou seja, a Libras seria a primeira língua aprendida o que, comumente, não é verdade. Muitos surdos desenvolvem línguas de sinais caseiras (Kumada, 2012Kumada, K. (2012). “No começo ele não tem língua nenhuma, ele não fala, ele não tem LIBRAS, né?”Representações sobre línguas de sinais caseiras. [Dissertação de Mestrado]. Universidade Estadual de Campinas.) e outros têm contato tardiamente com a Libras (Lacerda, 1998Lacerda, C. B. (1998). Um pouco da história das diferentes abordagens na educação dos surdos. Caderno Cedes, Campinas, v. 19, n. 46, pp. 68-80. https://doi.org/10.1590/S0101-32621998000300007
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). Hipoteticamente, aceitando essa sequencialidade, como ficaria a situação de um sujeito surdo que teve seu contato com o português antes da Libras?

Há também o uso do termo “língua materna” ao se referir à língua de sinais. Se o conceito de língua materna diz respeito à maternagem (Ranña, 1997Rañna, W. (1997). Psicossomática e o Infantil: uma Abordagem através da Pulsão e da Relação Objetal. In F. Ferraz & R. Volich (org). Psicossoma: Psicossomática Psicanalítica. Casa do Psicólogo.; Dalcin, 2009Dalcin, G. (2009). Psicologia da Educação de Surdos. Centro de Comunicação e Expressão/UFSC.), à introdução da criança ao mundo simbólico pela língua da mãe, como ficaria a situação de crianças surdas cujas mães ouvintes não conhecem a Libras? Como ressalta Sacks (2010Sacks, O. (2010). Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. In L. T. Motta (trad.). Companhia das Letras.), embora seja de extrema importância a aquisição da Libras o mais cedo possível pela criança surda, uma vez que é essa a língua que pode possibilitar o seu desenvolvimento social e cognitivo, tal vivência não é a realidade de muitas crianças surdas brasileiras, pois a maioria nasce em famílias ouvintes (Pizzio e Quadros, 2011Pizzio, A., & Quadros, R. M. (2011). Aquisição da Língua de Sinais. Florianópolis: Centro de Comunicação e Expressão/UFSC, 2011. https://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/aquisicaoDeLinguaDeSinais/assets/748/Texto_Base_Aquisi_o_de_l_nguas_de_sinais_.pdf
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).

Ainda dentro dessa discussão sobre denominação da língua do sujeito, também há o uso dos termos “língua matriz” - equivalente à primeira - e “língua adicional”, referente à situação em que os sujeitos aprendem uma outra língua, após ter uma base de aquisição da primeira língua. Esses termos são muito utilizados em publicações científicas sobre o ensino de português para estrangeiros (Schlatter e Garcez, 2012Schlatter, M., & Garcez, P. M. (2012). Línguas Adicionais na escola: aprendizagens colaborativas em inglês. Edelbra.). Todas essas nomenclaturas são problemáticas, pois ecoam visões “monolíticas e monolíngues frente ao processo de construção de sentidos” (Rocha e Maciel, 2015Rocha, C. H., & Maciel, R. F. (2015). Ensino de língua estrangeira como prática translíngue: articulações com teorizações bakhtinianas. D.E.L.T.A ., v. 31, pp. 411-445. http://dx.doi.org/10.1590/0102-4450437081883001191
http://dx.doi.org/10.1590/0102-445043708...
, p. 134). Como ressaltam Blommaert e Rampton (2011Blommaert, J., & Rampton, B. (2011). Language and Superdiversity. Diversities v. 13, n. 2. www.unesco.org/shs/diversities/vol13/issue2/art (acesso em 19 de dezembro, 2021
www.unesco.org/shs/diversities/vol13/iss...
, p. 4), as “línguas nomeadas”, tais como o Italiano, o Alemão e o Inglês, “são construções ideológicas historicamente conectadas com o surgimento dos Estados-Nações do século XIX”. Ou seja, o que se convencionalizou como sendo a língua da nação italiana, a partir da unificação do seu território no final do século XIX, foi o produto de um fenômeno político e não linguístico (Lunati; Balthazar; Freitas, 2015Lunati, M., Balthazar, L., & Freitas, P. (2015). Il Ruolo dei Dialetti nelle Politiche per l’Educazione Linguistica degli Italiani dall’Unità ad Oggi. Revista Italianística, v. 30, pp. 124-145. https://doi.org/10.11606/issn.2238-8281.v0i30p124-145
https://doi.org/10.11606/issn.2238-8281....
). Assim, as línguas nomeadas são um exemplo de “um artefato ideológico com poder muito considerável” que se tornaram instrumentos de controle (Blommaert e Rampton, 2011Blommaert, J., & Rampton, B. (2011). Language and Superdiversity. Diversities v. 13, n. 2. www.unesco.org/shs/diversities/vol13/issue2/art (acesso em 19 de dezembro, 2021
www.unesco.org/shs/diversities/vol13/iss...
, p. 4).

As discussões colocas em movimento pela perspectiva da translinguagem criticam essa compreensão engessada, marcada por uma política colonialista e neoliberal sobre o fenômeno da linguagem humana. Para uma melhor compreensão do que estamos falando, é importante estabelecer neste artigo o que se entende por translinguagem, já que esse termo, como observa Li Wei (2018Li, W. (2018). Translanguaging as a Practical Theory of Language. Applied Linguistics , v. 39, n. 1, pp. 9-30. https://doi.org/10.1093/applin/amx039
https://doi.org/10.1093/applin/amx039...
, p. 9) “parece ter capturado a imaginação das pessoas”, o que tem gerado um número de trabalhos situados dentro do escopo da translinguagem apenas por abordarem uma prática que seja “não-convencional”.

Maciel e Rocha (2020Maciel, R., & Rocha, C. (2020). Dialogues on translingual research and practice: weaving threads with Suresh Canagarajah’s views. Revista X, v. 15, n. 1, pp. 07-31. http://dx.doi.org/10.5380/rvx.v15i1.71807
http://dx.doi.org/10.5380/rvx.v15i1.7180...
) e Rocha e Megale (2021Rocha, C. H., & Megale, A. (2021). Translinguagem e seus atravessamentos: dos entendimentos conceituais e das possibilidades para decolonizar a educação linguística contemporânea. D.E.L.T.A . Pre-print. https://doi.org/10.1590/1678-460x202151788
https://doi.org/10.1590/1678-460x2021517...
) fazem uma profunda discussão sobre o termo translinguagem em seus respectivos artigos, desde os primeiros debates que fomentaram seu surgimento até os desdobramentos teóricos mais atuais. Por essa razão, neste trabalho, iremos focar nas definições aqui adotadas para o embasamento teórico que serviu de parâmetro para a análise da produção dos youtubers surdos anteriormente mencionados.

Começaremos com os estudos de Canagarajah (2013Canagarajah, S. (2013). Translingual Practices: Global Englishes and Cosmopolitan Relations. Routledge., 2017Canagarajah, S. (2017). Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, v. 39, n. 1, pp. 31-54. https://academic.oup.com/applij/article/39/1/31/4626948 (acesso em 19 de dezembro, 2021)
https://academic.oup.com/applij/article/...
), nos quais ele propõe uma nova maneira de pensar o contexto de ‘línguas que cruzam’ (cross-language relations), através do conceito de práticas translíngues. O autor afirma que o termo translíngue/translinguagem é importante, pois destaca duas concepções essenciais para uma mudança de paradigma: “Primeiro, a comunicação transcende as linguagens individuais. Um segundo ponto, a comunicação transcende as palavras e envolve recursos semióticos diversos” (Canagarajah, 2013Canagarajah, S. (2013). Translingual Practices: Global Englishes and Cosmopolitan Relations. Routledge., p. 6).

O autor também comenta que a ideia de translinguagem difere do conceito de multilinguismo. Segundo ele, a relação estabelecida entre as línguas em um contexto multilíngue é o de sobreposição, indicando que haveria uma separação cognitiva no processamento das línguas. Como o autor observa “uma orientação multilíngue sobre as relações entre línguas é ainda, de alguma forma, influenciada pelo paradigma monolíngue6 6 O autor também critica o termo monolíngue - pois uma “única” língua é constituída por uma variedade de recursos - exemplificando sua perspectiva, elenca as diversas línguas que compuseram o processo de formação do inglês (Canagarajah, 2013). ” (Canagarajah, 2013Canagarajah, S. (2013). Translingual Practices: Global Englishes and Cosmopolitan Relations. Routledge., p. 7). A opção pelo termo “prática translíngue” feita pelo autor reside no destaque dado às práticas sociais que fusionam semioses e sistemas diversos a partir da situação de interação.

Rocha e Megale (2021Rocha, C. H., & Megale, A. (2021). Translinguagem e seus atravessamentos: dos entendimentos conceituais e das possibilidades para decolonizar a educação linguística contemporânea. D.E.L.T.A . Pre-print. https://doi.org/10.1590/1678-460x202151788
https://doi.org/10.1590/1678-460x2021517...
, s.p.) destacam que a translinguagem emerge como um dos conceitos que se preocupam em explicar “a produção de sentidos sociais, inscrevendo as práticas linguísticas nos jogos de poder e levando em conta toda a diversidade social indexada nessas práticas”. Para Li Wei (2011Li, W. (2011). Moment analysis and translanguaging space: discursive construction of identities by multilingual Chinese youth in Britain. Journal of Pragmatics, v. 43, pp. 1222-1235. https://doi.org/10.1016/j.pragma.2010.07.035.
https://doi.org/10.1016/j.pragma.2010.07...
, p. 1223), a translinguagem (translanguaging) cria um “espaço social para o indivíduo multilíngue ao trazer diferentes dimensões de sua história pessoal, experiência e ambiente, sua atitude, crença e ideologia, sua capacidade cognitiva e física”, dimensões essas que estão presentes em interações significativas. Alguns anos depois, Li Wei, desta vez em conjunto com a pesquisadora Ofelia Garcia, afirmam que a translinguagem “não se refere a duas línguas separadas, nem à síntese de diferentes práticas de língua(gem) ou a uma mistura híbrida [entre as duas línguas em questão]”, mas a “novas práticas de língua(gem) que possibilitam a visão da complexidade de trocas linguísticas entre pessoas com histórias diferentes” (Garcia e Li Wei, 2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan. http://doi.org/10.1057/9781137385765
http://doi.org/10.1057/9781137385765...
, p. 21). Sintetizando, a translinguagem é vista neste artigo como:

um conjunto de visões, práticas e políticas que, resistentes a qualquer tipo de essencialização ou disciplinarização, proponha-se a enfrentar os mais variados tipos de discursos e práticas monolíngues, bem como as múltiplas formas de discursos e práticas político-econômica, sociocultural e identitariamente opressoras existentes hoje (Rocha, 2019Rocha, C. (2019). Educação linguística na liquidez da sociedade do cansaço: o potencial decolonial da perspectiva translíngue. D.E.L.T.A., 35-4, (1-39). http://dx.doi.org/10.1590/1678-460X2019350403
http://dx.doi.org/10.1590/1678-460X20193...
, p. 27).

Retomando a fala de Garcia e Li Wei (2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan. http://doi.org/10.1057/9781137385765
http://doi.org/10.1057/9781137385765...
), para entender como tais trocas linguísticas ocorrem entre indivíduos com percursos distintos, precisamos abordar o conceito de repertório linguístico. Refletindo sobre o processo de globalização, Blommaert (2010Blommaert, J. (2010). The sociolinguistics of globalization. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9780511845307
https://doi.org/10.1017/CBO9780511845307...
) entende o repertório linguístico de um indivíduo como um grupo de práticas constantemente em movimento, tanto temporal quanto fisicamente. Em outras palavras, “repertórios são elaborados recursos organizados de forma individual e biograficamente e eles seguem o ritmo real das vidas humanas” (Blommaert e Backus, 2013Blommaert, J., & Backus, A. (2013). Superdiverse Repertoires and the Individual: Current Challenges for Educational Studies. In I. Saint-Georges & J. Weber (Eds.), Multilingualism and Multimodality. Sense Publisher. http://dx.doi.org/10.1007/978-94-6209-266-2_2
http://dx.doi.org/10.1007/978-94-6209-26...
, p. 8). Os autores ainda ressaltam que o repertório não se desenvolve em um padrão linear. O processo de constituição desse repertório é amplo, incluindo vivências múltiplas - familiares, escolares, de trabalho - que ocorrem dentro de uma realidade histórica, social, político, religiosa e econômica, na qual múltiplos recursos, capacidades e habilidades são aprendidos pelo sujeito. Ainda, Blommaert e Backus (2013Blommaert, J., & Backus, A. (2013). Superdiverse Repertoires and the Individual: Current Challenges for Educational Studies. In I. Saint-Georges & J. Weber (Eds.), Multilingualism and Multimodality. Sense Publisher. http://dx.doi.org/10.1007/978-94-6209-266-2_2
http://dx.doi.org/10.1007/978-94-6209-26...
, p. 16) comentam que devemos ver os repertórios como o “resultado de experiências de aprendizado policêntricas”, incluindo situações formais e informais.

Mazzaferro (2018Mazzaferro, G. (2018). Translanguaging as everyday practice. Springer., p. 3), ao refletir sobre conceito de repertório, retoma os estudos de Pennycook (2017), que o define como “uma “assemblage” multimodal e multissensorial”, e os de Zhu Hua, Li Wei e Lyons (2017), que concebem o repertório como uma “orquestração” de “signos semióticos no tempo-espaço e de ações situadas incorporadas”.

Neste artigo, adotamos a visão de repertório de Blommaert e Backus (2013Blommaert, J., & Backus, A. (2013). Superdiverse Repertoires and the Individual: Current Challenges for Educational Studies. In I. Saint-Georges & J. Weber (Eds.), Multilingualism and Multimodality. Sense Publisher. http://dx.doi.org/10.1007/978-94-6209-266-2_2
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), considerando também os trabalhos de Pennycook (2017) e Zhu Hua, Li Wei e Lyons (2017), uma vez que eles dialogam. A seguir, detalhamos a metodologia adotada que, como mencionado na introdução, é de cunho etnográfico e tem como objetivo pensar e analisar a relação entre inovações tecnológicas e as práticas de língua(gem) dos surdos, a partir da translinguagem.

3. Metodologia

Apesar de vivenciarem a Libras a partir de lugares e histórias diferentes, ambas as autoras deste artigo pertencem à comunidade surda brasileira, entendida, neste trabalho, como um grupo de pessoas, tanto ouvintes como surdas, que tenha uma atuação “em favor da cultura surda” (Rocha, 2017Rocha, D. (2017). Educadores surdos: reflexões sobre a formação e a prática docente. [Dissertação de Mestrado]. Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas., p. 14). As pessoas ouvintes são consideradas pertencentes à comunidade desde que apoiem “ativamente os objetivos” dessa comunidade e trabalhem “em conjunto com as pessoas surdas para os alcançar” (Padden, 2000Padden, C. & Humprhries, T. (2000). Deaf in América: Voices from a culture. Harvard University Press., p. 5).

Por participarem do grupo social, a escolha do objeto de análise deste artigo parte inicialmente do conhecimento pessoal que as autoras possuem sobre youtubers surdos. Devido ao grande número de canais atualmente feitos por pessoas surdas e disponíveis no YouTube, o recorte para análise realizado nesta pesquisa se basea na popularidade dos youtubers e em seu tipo de representatividade. O canal da drag queen Kitana Dreams ficou no quinto lugar entre os top 10 canais de surdos do Brasil do YouTube de 20207 7 Informação disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=kYDksSGg0I4 ; possui mais de 22 mil pessoas inscritas e um acervo com 117 vídeos. Já o canal de Gabriel Isaac possui quase 40 mil inscritos, 68 vídeos produzidos e é muito citado em páginas da internet, como a Libras Online8 8 Informação disponível em: http://www.librasol.com.br/conheca-os-youtubers-surdos/ .

A abordagem que oferece parâmetros para a condução desta pesquisa é a etnográfica, pois, como afirma Mazucato (2018Mazucato, T. (2018). O projeto de pesquisa. In T. Mazucato (org.). Metodologia da pesquisa e do trabalho científico. FUNEPE., p. 57), é:

bastante eficiente quando se procura compreender a dinâmica de grupos sociais e precisa-se de informações qualitativas para poder proceder à análise e interpretação destas informações, com vistas a esclarecer aspectos levantados pela questão de pesquisa e, eventualmente, pelas hipóteses previamente estabelecidas (Mazucato, 2018Mazucato, T. (2018). O projeto de pesquisa. In T. Mazucato (org.). Metodologia da pesquisa e do trabalho científico. FUNEPE., p. 57).

Por não adotarmos a etnografia em sua plenitude, ou seja, as etapas e as diretrizes geralmente nela presentes, esta pesquisa é caracterizada como de cunho etnográfico. Como o material analisado neste estudo está disponibilizado na internet, buscamos referências que abordassem o trabalho etnográfico no contexto virtual. De acordo com Skågeby (2010Skågeby, J. (2011). Online Ethnographic Methods: Towards a Qualitative Understanding of Virtual Community Practices. IGI Global. http://dx.doi.org/10.4018/978-1-60960-040-2.ch025
http://dx.doi.org/10.4018/978-1-60960-04...
, p. 411) a “etnografia online é uma abordagem qualitativa através de coleta de dados feita em comunidades virtuais” e, segundo ele, há algumas etapas que deveriam ser seguidas na condução da pesquisa: “a entrada, o levantamento de dados qualitativos, a análise e a apresentação de resultados”. Como o recorte desta pesquisa não envolve entrevistas, interações ou outra forma de comunicação com terceiros, a etapa “entrada” não foi necessária. O material que constitui o corpus de análise é formado por vídeos disponíveis gratuitamente para qualquer pessoa que tenha internet. Não é necessário nenhum tipo de inscrição, intermediação ou interação para ter acesso ao material.

Ao realizar um trabalho etnográfico, o pesquisador geralmente adota uma das seguintes posturas: o de luker/distante, sem interação com o grupo pesquisado ou o de insider/participativo, que possui ligações ou faz parte do contexto de análise (Fragoso, Recuero e Amaral, 2011Fragoso, S., Recuero, R., & Amaral, A. (2011). Métodos de pesquisa para internet. Sulina.). Neste trabalho, optamos pela posição de luker, ou como denomina Skågeby (2010Skågeby, J. (2011). Online Ethnographic Methods: Towards a Qualitative Understanding of Virtual Community Practices. IGI Global. http://dx.doi.org/10.4018/978-1-60960-040-2.ch025
http://dx.doi.org/10.4018/978-1-60960-04...
, p. 416), de “observador oculto”. Em nenhum momento ocorre interação entre as pesquisadoras e os youtubers ou entre as pesquisadoras e pessoas que comentaram os vídeos produzidos por eles. A fase “levantamento de dados” foi realizada com a observação dos vídeos de apresentação de Kitana Dreams e Gabriel Isaac e de vídeos produzidos pelos dois entre fevereiro de 2020 e dezembro de 2021.

Os vídeos mencionados foram trabalhados através de uma abordagem qualitativa pois, de acordo com Briceňo-León (2003Briceño-León, R. (2003). Quatro modelos de integração de técnicas qualitativas e quantitativas de investigação nas ciências sociais. In P. Gondenberg, R. Matsiglia & M. Gomes (org.), O Clássico e o Novo: tendências, objetos e abordagens em ciências sociais e saúde. Fiocruz., p. 160), a “investigação qualitativa se aproxima da realidade do estudo de uma maneira natural” por não buscar “manipular” o fenômeno abordado, sendo uma proposta ideal para estudos exploratórios/analíticos. Cabe ressaltar que a investigação qualitativa demanda um processo interpretativo (Pereira et al., 2018Pereira, A., Shitsuka, D., Parreira, F., & Shitsuka, R. (2018). Metodologia da pesquisa científica. 1. ed. UFSM, NTE.) por parte do pesquisador e a interpretação precisa ser devidamente baseada em debates teóricos.

Partindo das discussões de Gadamer (1999), Minayo (2012Minayo, M. (2012). Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência & Saúde Coletiva. v. 17, n. 3, pp. 621-626. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000300007
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201200...
, p. 623) reflete sobre o lugar da compreensão na análise qualitativa:

O verbo principal da análise qualitativa é compreender. Compreender é exercer a capacidade de colocar-se no lugar do outro, tendo em vista que, como seres humanos, temos condições de exercitar esse entendimento. Para compreender, é preciso levar em conta a singularidade do indivíduo, porque sua subjetividade é uma manifestação do viver total. Mas também é preciso saber que a experiência e a vivência de uma pessoa ocorrem no âmbito da história coletiva e são contextualizadas e envolvidas pela cultura do grupo em que ela se insere (Minayo, 2012Minayo, M. (2012). Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência & Saúde Coletiva. v. 17, n. 3, pp. 621-626. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000300007
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201200...
, p. 623).

A proposta que temos é justamente a de apresentar a compreensão que foi gerada a partir da observação e análise do material anteriormente mencionado, considerando as questões apontadas por Minayo (2012Minayo, M. (2012). Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência & Saúde Coletiva. v. 17, n. 3, pp. 621-626. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000300007
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201200...
), em conjunto com as proposições presentes nos estudos translíngues. Por uma questão de escopo - frente ao volume dos dados observados e analisados e o limite deste artigo - apresentamos uma visão geral dos resultados, comentando alguns pontos de destaque.

3.1. Youtube(rs)

O YouTube foi registrado nos Estados Unidos em 2005 (Burgess e Green, 2009Burgerss, J., & Green, J. (2009). YouTube e a Revolução Digital: como o maior fenômeno da cultura participativa transformou a mídia e a sociedade. Aleph., p. 17), chegando ao Brasil dois anos depois. Em 2009, a plataforma atingiu o número de 1 bilhão de vídeos visualizados por dia e, em 2017, o número de usuários chegou a 1 bilhão9 9 Conforme dados do site TecMundo. Disponível em <http://www.tecmundo.com.br/youtube/118500-historia-youtube-maior-plataforma-videos-do-mundo-video.htm> . Essas informações ilustram a forte presença do YouTube no mundo, o que o torna um elemento de interesse quando debatidas questões sobre a interface tecnologia e língua(gem).

As pessoas que produzem conteúdo e os publicam nessa plataforma são chamados, atualmente, de youtubers e, de acordo com Burgess e Green (2009Burgerss, J., & Green, J. (2009). YouTube e a Revolução Digital: como o maior fenômeno da cultura participativa transformou a mídia e a sociedade. Aleph., p. 14), eles chegam “ao YouTube com seus propósitos e objetivos e o modelam coletivamente como um sistema cultural dinâmico: o YouTube é um site de cultura participativa”. Bernardazzi (2016Bernardazzi, R. (2016). Youtubers e as relações com a produção audiovisual. In Anais do XXXIX Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. São Paulo. https://www.academia.edu/36020664/Youtubers_e_as_rela%C3%A7%C3%B5es_com_a_produ%C3%A7%C3%A3o_audiovisual. (acesso em 21 de dezembro, 2021)
https://www.academia.edu/36020664/Youtub...
, p. 6) aponta que “os YouTubers têm diferentes públicos-alvo, linguagens, cenografias, cortes de cena e temáticas, e a hipótese para o alcance que cada um deles irá conseguir está ligado a maneira como ele se comporta na mídia social”.

Ao analisar o YouTube, Rocha e Ribeiro (2021Rocha, D., & Ribeiro, G. (2021). Letramentos e(m) translinguagem na educação de surdos: uma proposta de verbete multimodal sobre resenha acadêmica. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 63, pp. 1-16. https://doi.org/10.20396/cel.v63i00.8663930
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, p. 5) elencam o seu potencial de uso no contexto da educação de surdos, a partir de sua natureza multimodal e dentro da perspectiva dos multiletramentos:

a) visibilidade: por meio da valorização da língua de sinais e do acesso à escrita de surdo e de ouvinte, o que possibilita o acesso à informação; esse acesso, por sua vez, é crucial para pessoas surdas e a internet favorece essa aproximação de informação; b) acesso e troca de conhecimento e informação: permitindo que as pessoas surdas tenham acesso sem ter que se deslocar de um local para troca de informações com seus pares; c) uso de referências por meio de acesso ao conhecimento e à informação: promovendo uma compreensão maior e melhor ao se referir às comunidades surdas a partir de uma associação do vídeo contido no YouTube com alguma referência de filme, por exemplo; d) reconhecimento da identidade e da cultura surda: por meio da apresentação de comentário sobre impactos na sua vida pessoal, percebendo uma mudança em sua vida; e) registro de recursos imagéticos. Portanto, as práticas de letramentos multimodais favorecem as mais diversas possibilidades para a aprendizagem e uso das línguas/linguagens no cotidiano, tornando assim essas práticas espaços de transformação social. (Rocha e Ribeiro, 2021Rocha, D., & Ribeiro, G. (2021). Letramentos e(m) translinguagem na educação de surdos: uma proposta de verbete multimodal sobre resenha acadêmica. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 63, pp. 1-16. https://doi.org/10.20396/cel.v63i00.8663930
https://doi.org/10.20396/cel.v63i00.8663...
, p. 5)

Neste artigo, o interesse no YouTube reside no fato de ele ter se estabelecido como um espaço de educação informal e linguística, principalmente entre os surdos, que, por possibilitar a exploração de múltiplos recursos midiáticos na construção de discursos, se torna um ambiente propício para observar registros de práticas translíngues, como mostraremos. A seguir, conheceremos mais sobre os youtubers dos canais IsFlocos e Kitana Dreams.

Gabriel Isaac, do canal IsFlocos, é filho de pais surdos. Os três perderam a audição por motivos diferentes: sua avó teve rubéola durante a gravidez e, por isso, seu pai nasceu surdo; a mãe perdeu a audição por volta dos 2-3 anos devido à uma infecção nos ouvidos e Gabriel teve uma infecção nos rins aos 6 meses de idade que, apesar de tratada, acabou afetando sua audição.

Figura 1
Vídeo de apresentação de Gabriel Isaac

Ao relatar sua história, Isaac frisa que a Libras é a sua língua materna, mas que sua mãe desde cedo o incentivou a aprender o português, como ele mesmo comenta:

Existe o mundo dos surdos e o mundo dos ouvintes. Isso quer dizer que eu aprendendo a língua portuguesa, consigo entrar no mundo dos ouvintes e na sociedade em geral, que é bem grande. E, com a língua de sinais, que é minha primeira língua, posso me comunicar na comunidade surda. Minha língua natural. Sou usuário de aparelho auditivo, sou oralizado e sinalizante (Isaac, relato pessoal, 2021).

Em seu canal, Gabriel apresenta uma temática diversa, que inclui desde receitas, inovações tecnológicas com acessibilidade, comportamento nas redes sociais, diferenças entre Libras e Língua Portuguesa até entrevistas com convidados surdos, como a poetisa e feminista Catharine Moreira, a professora de Libras Sylvia Lia e a modelo plus size Betina Körbes. Os vídeos produzidos dentro do período analisado apresentam legenda em português, narração oral em português, sinalização em Libras, além de outros recursos semióticos.

De acordo com sua apresentação, Kitana Dreams é drag queen, maquiadora, crafter e uma pessoa apaixonada por artesanato, decoração, moda e maquiagem. Surda de nascença, Kitana é oralizada e aprendeu a fazer leitura labial, tendo sido acompanhada por fonoaudiólogos desde os três anos de idade, começando a se comunicar em Libras aos 12 anos.

Figura 2
Vídeo de apresentação de Kitana Dreams

O conteúdo publicado no canal contém entrevistas, dicas de maquiagem e alimentação, temas relacionados ao cinema e à astrologia e “babados” que ocorreram no programa Big Brother Brasil do ano de 2021. Dentre os vídeos produzidos no período analisado, há sinalização em Libras, além de outros recursos semióticos, sendo que apenas alguns apresentam legenda em português. Nenhum deles possui narração oral em português, mas alguns possuem música de abertura. A seguir serão mostrados mosaicos com algumas cenas dos vídeos de Gabriel e Kitana que foram analisadas.

Figura 3
Mosaico de imagens do canal IsFlocos

Figura 4
Mosaico de imagens do canal de Kitana Dreams

De acordo com Minayo (2012Minayo, M. (2012). Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência & Saúde Coletiva. v. 17, n. 3, pp. 621-626. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000300007
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201200...
, p. 623) “interpretar é um ato contínuo que sucede à compreensão e está presente nela: toda compreensão guarda em si uma possibilidade de interpretação, isto é, de apropriação do que se compreende”. Ao analisarmos pela perspectiva translíngue (Canagarajah, 2013Canagarajah, S. (2013). Translingual Practices: Global Englishes and Cosmopolitan Relations. Routledge., 2017Canagarajah, S. (2017). Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, v. 39, n. 1, pp. 31-54. https://academic.oup.com/applij/article/39/1/31/4626948 (acesso em 19 de dezembro, 2021)
https://academic.oup.com/applij/article/...
) os vídeos produzidos por Gabriel e Kitana, representados acima pelos mosaicos, é perceptível a trama complexa que possibilita a comunicação que é estabelecida com o funcionamento de diversas semioses: legendas em português, palavras escritas em inglês, palavras articuladas pelos lábios, sinalização em Libras, narração oral em português, imagens, cores, figuras, tipografia, diversos enquadramentos de câmera, etc. Conforme afirmam Rocha e Megale (2021Rocha, C. H., & Megale, A. (2021). Translinguagem e seus atravessamentos: dos entendimentos conceituais e das possibilidades para decolonizar a educação linguística contemporânea. D.E.L.T.A . Pre-print. https://doi.org/10.1590/1678-460x202151788
https://doi.org/10.1590/1678-460x2021517...
, p. 3):

O reconhecimento do caráter multimodal e multissemiótico do processo comunicativo, bem como da intrínseca relação entre língua nomeada, linguagem e poder, possibilitou a emergência de perspectivas voltadas para a prática e ressaltou o caráter dinâmico, processual, semiótico, culturalmente híbrido e axiologicamente marcado das práticas linguísticas (Rocha e Megale, 2021Rocha, C. H., & Megale, A. (2021). Translinguagem e seus atravessamentos: dos entendimentos conceituais e das possibilidades para decolonizar a educação linguística contemporânea. D.E.L.T.A . Pre-print. https://doi.org/10.1590/1678-460x202151788
https://doi.org/10.1590/1678-460x2021517...
, p. 3).

Ao observarmos especificamente o aspecto linguístico das produções, destacamos alguns elementos que chamam a atenção por mostrarem que “a língua é uma atividade, um processo criativo ininterrupto de construção (‘energia’), que se materializa sob a forma de atos individuais de fala” (Bakhtin, 2009Bakhtin, M., & Volochínov, V. (2009). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 13. ed. Hucitec. https://orcid.org/0000-0003-4524-9013
https://orcid.org/0000-0003-4524-9013...
, p. 74-75).

Por exemplo, o enunciado “Pa vê ou pa cumê”, que ocorre em um vídeo do Isflocos, é uma brincadeira comum em língua portuguesa que joga com a sonoridade do nome do prato “pavê” e com a sonoridade da estrutura informal da expressão “para ver”, ou seja, “pa vê”. Esse trocadilho é sinalizado pela Betina, convidada do Gabriel, de forma literal - “para” “ver” “ou” “para” “comer”, o que tradicionalmente é classificado como português sinalizado.

O português sinalizado é definido como um “sistema artificial em que se usa o léxico da língua de sinais na estrutura sintática do português” (Silva, 2018Silva, G. M. (2018). Transitando entre a Libras e o português na sala de aula: em busca de estratégias visuais de ensino da leitura. Revista X, Curitiba, v. 13, n. 1, pp. 206-229. https://revistas.ufpr.br/revistax/article/view/60793
https://revistas.ufpr.br/revistax/articl...
, p. 210). Pela perspectiva translíngue, esse conceito de “sistema artificial” não se aplica, uma vez que ele é estruturado em cima da ideia do bilinguismo calcado no monolinguismo, algo criticado em uma abordagem da translinguagem.

Há, no vídeo de apresentação de Kitana, a frase “Me conhecendo”, com o uso do pronome oblíquo ‘me’ na posição de próclise em começo de sentença. Essa forma de próclise, que constitui uma “fuga/quebra” de modelos linguísticos normatizados no português padrão, é justamente a forma adotada por Kitana, constituindo um segundo movimento de ruptura. Ela busca o que é informal, o que é usado pelas pessoas no dia a dia, não a estrutura canônica do universo ouvinte.

Outros exemplos presentes no vídeo de Kitana são as expressões ‘kerido’, ‘OMG’ e ‘kkkk’. ‘Kerido’, variação da palavra ‘querido’ com ‘k’ ao invés de ‘qu’, um recurso muito comum na internet onde a economia de escrita se dá, muitas vezes, pela troca de letras a partir de sua sonoridade (‘sk8’ ao invés de ‘skate’, por exemplo). Sobre o uso de abreviações em contexto de interações virtuais, além da economia de espaço e do aumento da velocidade de digitação, há o fator intencional de se aproximar do seu público-alvo, o que é um indício de “práticas de linguagem de indivíduos em diferentes partes de seus contínuos bilíngues” (Lucena e Cardoso, 2018Lucena, M. I. P., & Cardoso, A. C. (2018). Translinguagem como recurso pedagógico: uma discussão etnográfica sobre práticas de linguagem em uma escola bilíngue. Revista Calidoscópio, v. 16, pp. 143-151. <http://revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/view/cld.2018.161.13>
http://revistas.unisinos.br/index.php/ca...
, p. 150).

Figura 5
Sequência de imagens do canal de Kitana Dreams: OMG

As letras ‘OMG’ são a forma abreviada da expressão inglesa ‘Oh my God’ - que significa ‘Oh meu Deus’ - muito presente nas interações virtuais. Kitana constrói significados através de uma destacada expressão facial e corporal, com a sinalização de “oh” com articulação labial e expressão de “oh” no sentido de “surpresa”; “my” com a sinalização da Libras “meu”, usando as mãos voltadas para o peito; para a palavra “God”, ela fixa seus olhos e suas mãos para cima.

Há uma fusão de línguas - Libras e Inglês, neste exemplo - de uma forma divertida e criativa, que é aflorada durante a performance de Kitana, tanto de forma linguística quanto como artista drag queen. Esse exemplo nos remete à discussão de que comunicação não ocorre exclusivamente pelo linguístico, como defendido por Canagarajah (2013Canagarajah, S. (2013). Translingual Practices: Global Englishes and Cosmopolitan Relations. Routledge., p. 6), ou seja, “a comunicação transcende as palavras”.

Por último, o uso de expressão ‘kkkk’ - onomatopeia que representa o som de uma risada - exemplifica outra apropriação feita pelo indivíduo surdo de um elemento típico do universo ouvinte. Esse uso mostra uma relação dialógica entre a Libras e o Português, relação presente no repertório de Kitana, cuja postura demonstra um “comportamento que acentua sua habilidade de interação social” (Milozo e Gattolin, 2019Milozo, G., & Gattolin, S. (2019). “Eles começam sanguear”: Translinguagem como prática criativa e de construção de conhecimento em português língua estrangeira. Pensares em Revista, [s.l.], n. 15. https://doi.org/10.12957/pr.2019.41987
https://doi.org/10.12957/pr.2019.41987...
, p. 121).

No caso de Kitana, por exemplo, a presença tanto da oralidade da língua portuguesa quanto de palavras da língua inglesa mostra a mobilização que ela faz de seu repertório (Blommaert, Rampton, 2013Blommaert, J., & Backus, A. (2013). Superdiverse Repertoires and the Individual: Current Challenges for Educational Studies. In I. Saint-Georges & J. Weber (Eds.), Multilingualism and Multimodality. Sense Publisher. http://dx.doi.org/10.1007/978-94-6209-266-2_2
http://dx.doi.org/10.1007/978-94-6209-26...
) a partir de um dado contexto comunicativo, que, por sua vez, está inserido em uma realidade baseada em tensões sociais, políticas e econômicas específicas. Essa compreensão só é possível se concordamos com a perspectiva translíngue que critica a visão do monolinguismo, entendendo que as pessoas são multilíngues e se “envolvem de forma flexível em práticas comunicativas diárias valendo-se de todos os recursos de seu repertório linguístico único” (Mazzaferro, 2018Mazzaferro, G. (2018). Translanguaging as everyday practice. Springer., p. 4-5). Além disso, a possibilidade de criar canais no YouTube com a intenção de produzir e disseminar conteúdos diversos amplia discussões e representatividade, seja com a diversidade linguística ou de gênero, o que não era possível no formato midiático anteriormente existente, que controlava fortemente o acesso à produção e divulgação de conteúdo. Os vídeos analisados, que possibilitam a visualização de práticas translíngues, colaboram para a reflexão sobre a relação entre as línguas, como a Libras, o Português e o Inglês, fusionadas entre si e com outras semioses, o que dificulta a defesa de uma visão monolíngue imposta por uma sociedade majoritariamente ouvinte.

Se os dados anteriormente elencados fossem analisados por uma perspectiva mais tradicional, teríamos uma sucessão de erros e vícios de linguagem sendo apontados, o que apagaria toda a singularidade e riqueza da construção comunicativa apresentada pelos dois youtubers. Seus vídeos não representam uma falta de conhecimento, um discurso com trocas equivocadas ou usos acidentais. Longe disso, eles permitem vislumbrar, através de uma perspectiva translíngue, que “a língua não é um sistema abstrato de normas e regras fixas, mas prática e ação performatizavas por indivíduos de maneira reflexiva, relacional e dialógica” (Mazzaferro, 2018Mazzaferro, G. (2018). Translanguaging as everyday practice. Springer., p. 2).

Considerações finais

Este artigo buscou refletir sobre a relação entre inovações tecnológicas e práticas de linguagem de pessoas surdas a partir das discussões propostas pela perspectiva da translinguagem. No decorrer da pesquisa, observamos que as atuais tecnologias de comunicação foram apropriadas pela comunidade surda, o que possibilitou uma ampla gama de expressões por parte desse grupo. Tal fenômeno deu visibilidade aos surdos e criou espaços de educação informal e linguística, como os proporcionados pelos youtubers Gabriel Isaac e Kitana Dreams.

A análise dos vídeos demostra a afirmação de Bakhtin (2009Bakhtin, M., & Volochínov, V. (2009). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 13. ed. Hucitec. https://orcid.org/0000-0003-4524-9013
https://orcid.org/0000-0003-4524-9013...
) de que a língua não pode ser entendida como um sistema de formas, estável e imutável, abstraída das relações sociais. Portanto, não há um repertório linguístico homogêneo, fechado em si mesmo e dotado de uma fonte única do dizer. Como afirmam Blommaert e Backus (2013Blommaert, J., & Backus, A. (2013). Superdiverse Repertoires and the Individual: Current Challenges for Educational Studies. In I. Saint-Georges & J. Weber (Eds.), Multilingualism and Multimodality. Sense Publisher. http://dx.doi.org/10.1007/978-94-6209-266-2_2
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, p. 27), “repertórios em um mundo superdiverso são registros de mobilidade: de movimentação de pessoas, de recursos de língua(gem), de arenas sociais, de tecnologias e ambientes de aprendizagem”, características que podem ser vistas na produção dos dois youtubers.

O conteúdo linguístico dos vídeos exemplifica a afirmação de Mazzaferro (2018Mazzaferro, G. (2018). Translanguaging as everyday practice. Springer., p. 2) de que “as línguas não são entidades estáveis ou fixas, mas são continuamente moldadas e (re)construídas”, uma vez que a língua(gem) é um fenômeno social e cultural e não existe como objeto isolado e acabado:

as práticas de linguagens podem ser vistas como experiências sócio-historicamente situadas de vida, que revelam nosso engajamento - multimodalizado, multissensorial, corporificado, espacial e ideologicamente marcado - em relações dinâmicas de produção de sentido junto às pessoas e ao mundo (...). Essas experiências realizam-se em contextos e espaços específicos e localizados, com base em nossas trajetórias de vida e em nossos repertórios, indiciando, portanto, pontos de vista específicos e valores socioculturalmente e historicamente (re)construídos (Rocha, 2019Rocha, C. (2019). Educação linguística na liquidez da sociedade do cansaço: o potencial decolonial da perspectiva translíngue. D.E.L.T.A., 35-4, (1-39). http://dx.doi.org/10.1590/1678-460X2019350403
http://dx.doi.org/10.1590/1678-460X20193...
, p. 21).

A análise apresentada, apesar de concisa, reverbera a reflexão tecida por Rocha e Maciel (2015Rocha, C. H., & Maciel, R. F. (2015). Ensino de língua estrangeira como prática translíngue: articulações com teorizações bakhtinianas. D.E.L.T.A ., v. 31, pp. 411-445. http://dx.doi.org/10.1590/0102-4450437081883001191
http://dx.doi.org/10.1590/0102-445043708...
, p. 416) sobre a necessidade, no campo da educação linguística, “de se repensar a noção do que seja língua e linguagem”, problematizando, por exemplo, nomenclaturas amplamente adotadas como ‘língua materna’, ‘primeira língua’, ‘monolinguismo’, que provocam um reducionismo e um apagamento de falares, de existências. Essas problematizações, como mostrado neste artigo, têm sido feitas por Canagarajah (2013Canagarajah, S. (2013). Translingual Practices: Global Englishes and Cosmopolitan Relations. Routledge., 2017Canagarajah, S. (2017). Translingual practice as spatial repertoires: expanding the paradigm beyond structuralist orientations. Applied Linguistics, v. 39, n. 1, pp. 31-54. https://academic.oup.com/applij/article/39/1/31/4626948 (acesso em 19 de dezembro, 2021)
https://academic.oup.com/applij/article/...
), Li Wei (2011Li, W. (2011). Moment analysis and translanguaging space: discursive construction of identities by multilingual Chinese youth in Britain. Journal of Pragmatics, v. 43, pp. 1222-1235. https://doi.org/10.1016/j.pragma.2010.07.035.
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), García e Li Wei (2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan. http://doi.org/10.1057/9781137385765
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) e outros autores que têm escrito sobre a translinguagem e as práticas translíngues. A partir disso, precisamos promover mais esse debate em contexto de sala de aula, no processo de formação de professores, colocando-o em prática em nossa vivência como educadores.

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  • 3
    “Ubiquidade é uma expressão originária do latino ubiquus, formada pela junção das expressões ubi (onde) e aliqua (qualquer), que significa ‘em toda parte’” (Guilherme e Picoli, 2017Guilherme, A., & Picoli, B. (2017). Redes sociais e educação informal: entre o scemo del villaggio e o pensamento crítico. Diálogos Latinoamericanos, n. 18, v. 26. Recuperado de <https://tidsskrift.dk/dialogos/article/view/112727>
    https://tidsskrift.dk/dialogos/article/v...
    , p. 26).
  • 4
    Neste contexto, o termo assemblage remete à ideia de fusão, pois, elementos diferentes quando fusionados resultam em algo cujo todo não pode ser facilmente decomposto em partes distintas.
  • 5
    “[...] a oralidade diz respeito à habilidade da pessoa surda de se expressar oralmente, o que ocorre por meio do aprendizado da articulação das palavras e das distinções físicas entre os movimentos articulatórios labiais. Normalmente, tal habilidade é desenvolvida por meio de sessões fonoaudiológicas, prática de leitura labial e uso de próteses auditivas” (Toffollo et al., 2017Toffolo, A. C. R. et al. (2017). Os benefícios da oralização e da leitura labial no desempenho de leitura de surdos profundos usuários da Libras. Revista Brasileira e Educação, n. 22 v. 71. https://doi.org/10.1590/S1413-24782017227165
    https://doi.org/10.1590/S1413-2478201722...
    , p. 6).
  • 6
    O autor também critica o termo monolíngue - pois uma “única” língua é constituída por uma variedade de recursos - exemplificando sua perspectiva, elenca as diversas línguas que compuseram o processo de formação do inglês (Canagarajah, 2013Canagarajah, S. (2013). Translingual Practices: Global Englishes and Cosmopolitan Relations. Routledge.).
  • 7
    Informação disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=kYDksSGg0I4
  • 8
  • 9

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2022
  • Aceito
    23 Maio 2022
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